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Planejamento pré-operatório e técnica cirúrgica da osteotomia supracondiliana varizante de adição do fêmur para correção do geno valgo e fixação com implante de ângulo fixo

Pre-operative planning and surgical technique of the open wedge supracondylar osteotomy for correction of valgus knee and fixation with a fixed-angle implant

Resumos

É apresentado o planejamento pré-operatório passo a passo da osteotomia de abertura supracondiliana do fêmur para a correção precisa do eixo de carga do membro inferior usando um implante de ângulo fixo (placa lâmina AO 95º). Também é apresentada a técnica cirúrgica e a utilização de enxerto ósseo do próprio local para o preenchimento da falha.

Osteotomia; Geno Valgo; Cuidados Pré-Operatórios


The pre-operative planning is presented in a step by step fashion and the surgical technique of the lateral open wedge supracondylar femoral osteotomy for correction of the valgus knee using a fixed angle implant (95º AO angled blade plate). A surgical method for filling in the defect using an autologous bone graft is also presented.

Osteotomy; Genu Valgum; Preoperative Care


NOTA TÉCNICA

Planejamento pré-operatório e técnica cirúrgica da osteotomia supracondiliana varizante de adição do fêmur para correção do geno valgo e fixação com implante de ângulo fixo

Pre-operative planning and surgical technique of the open wedge supracondylar osteotomy for correction of valgus knee and fixation with a fixed-angle implant

Cleber Antonio Jansen Paccola

Professor Titular do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

Correspondência Correspondência: Rua Marechal Deodoro, 988, apto. 81 Cidadde: Ribeirão Preto – SP – 14010-190 E-mail: cajpacco@fmrp.usp.br Tel.: (16) 3636-9707

RESUMO

É apresentado o planejamento pré-operatório passo a passo da osteotomia de abertura supracondiliana do fêmur para a correção precisa do eixo de carga do membro inferior usando um implante de ângulo fixo (placa lâmina AO 95º). Também é apresentada a técnica cirúrgica e a utilização de enxerto ósseo do próprio local para o preenchimento da falha.

Descritores: Osteotomia; Geno Valgo; Cuidados Pré-Operatórios.

ABSTRACT

The pre-operative planning is presented in a step by step fashion and the surgical technique of the lateral open wedge supracondylar femoral osteotomy for correction of the valgus knee using a fixed angle implant (95º AO angled blade plate). A surgical method for filling in the defect using an autologous bone graft is also presented.

Keywords: Osteotomy; Genu Valgum; Preoperative Care.

INTRODUÇÃO EXPLICATIVA

A osteotomia femoral distal para correção do geno valgo e artrose predominantemente lateral em paciente abaixo dos 60 anos segue sendo largamente suportada na literatura(1-17).

O procedimento requer planejamento detalhado para se preencher o requisito necessário de uma correção exata e reprodutível. O que se deseja é realinhar o eixo de carga, que une os centros do quadril, joelho e tornozelo, para que passe levemente medial à espinha tibial medial, ou seja, uma leve hipercorreção, conforme mostrado pela literatura para casos de artrose com desvio de eixo mecânico, em que os melhores resultados são aqueles nos quais a deformidade foi levemente hipercorrigida(16).

A técnica mais usada na literatura é a osteotomia de cunha de subtração medial, com fixação com placa lâmina 90º(5).

A correção através de osteotomia supracondiliana de cunha de abertura e fixação com placa lâmina de 95º foi primeiro descrita por Postel e Langlais(18). São os únicos autores a descrever um método para se lograr a correção baseado na correta inserção da lâmina no fêmur distal. No procedimento recomendam a inserção de fio-guia 20-30mm proximal ao espaço lateral, formando um ângulo com a cortical lateral do fêmur de 95º menos ao ângulo desejado de correção. Como será demonstrado neste trabalho, esta técnica é inadequada para o realinhamento correto do eixo de carga.

Com o uso do DCS, Andrade et al(11) descrevem técnica colocando o parafuso DCS a 5º em varo em relação à tangente aos côndilos na visão anteroposterior, assumindo que o implante, que tem 5º entre o parafuso e a placa, irá alinhar o joelho adequadamente, produzindo 5º de hipercorreção.

Tanto a osteotomia de cunha de subtração medial quanto a de adição lateral, requerem cuidadoso planejamento para se obter a exata correção pretendida.

O planejamento pré-operatório, parte extremamente importante do procedimento quando se usa um implante de ângulo fixo (placa lâmina 95º, DCS), não foi devidamente explorado na literatura, não havendo trabalho que guie o cirurgião passo a passo no planejamento e que leve à exatidão da correção pretendida.

Da mesma forma, as descrições da técnica cirúrgica não detalham passos importantes. Dentre eles os mais importantes são a colocação do elemento distal de um implante de ângulo fixo de forma correta e como evitar a perda pós-operatória da redução da cortical medial.

Este trabalho tem o objetivo de dissecar passo a passo o planejamento pré-operatório e a técnica empregada para a fixação usando uma placa de ângulo fixo. A placa lâmina AO 95º foi escolhida para ilustrar a técnica neste trabalho, por ser de baixo custo e de maior dificuldade, mas os passos são análogos para outros implantes de ângulo fixo. Além disso, é descrita neste trabalho uma forma de se evitar o retardo de consolidação e o uso de enxertia do ilíaco na grande maioria dos casos.

Descrição do método

O planejamento pré-operatório é baseado em um AP panorâmico com carga do membro inferior. O paciente de pé apoia-se sobre o lado acometido e o cassete fica posteriormente ao joelho, tomando-se o cuidado para que a patela esteja olhando para frente (o técnico de radiologia tende a posicionar o pé ao invés do joelho!). O cassete deve alcançar desde o quadril até o tornozelo (1,30m). É um cassete especial que requer filme também especial, o qual pode ser substituído por vários filmes convencionais em série com as bordas superpostas, colocando-se na superfície externa do cassete alguns clipes de papel nas regiões de superposição das extremidades dos filmes, para facilitar o ajuste de cada filme na devida posição quando da recomposição da vista panorâmica (Figura 1). Muito importante que a ampola seja posicionada a 3m de distância e o raio esteja horizontal, isto é, paralelo ao chão, apontando para o joelho. É imperioso que se obtenha visualização do membro desde o quadril até o tornozelo, para poder-se traçar o eixo de carga do membro (Figura 1).


O próximo passo é saber se a deformidade é no joelho, usualmente por hipoplasia do côndilo lateral do fêmur, ou por inclinação exagerada dos planaltos, ou ainda por erosão do espaço articular e do próprio planalto lateral, ou mesmo por encurvamento da diáfise do fêmur ou da tíbia.

Para saber-se se a deformidade é ao nível do joelho, ou se ela está mais no fêmur ou na tíbia, traça-se os eixos diafisários, os quais devem se cruzar próximo ao joelho. Quando os eixos diafisários do fêmur e da tíbia não se cruzam no joelho, devem ser pesquisadas outras causas extra-articulares para explicar o geno valgo, por exemplo o encurvamento das diáfises do fêmur ou da tíbia (quando então não é possível traçar-se o eixo diafisário mantendo-o sobre o osso). Esta eventualidade pode implicar na existência de um centro extra-articular de deformidade, havendo, portanto, mais de um centro de deformidade, o que pode exigir correção em mais de um sítio, para se evitar, ao final da "correção", que a interlinha do joelho fique inclinada durante o ortostatismo, mesmo que o eixo mecânico esteja corrigido.

No caso em questão (Figura 1) vê-se que existe leve encurvamento em valgo da tíbia, o que é comum em geno valgo do desenvolvimento. Entretanto, o eixo de carga da tíbia é muito próximo do eixo diafisário, o que indica que a deformidade da diáfise da tíbia é pequena. O desvio do eixo mecânico medido foi de 14,7º.

O planejamento começa obtendo-se traçado no papel do contorno ósseo da radiografia panorâmica (Figura 2A). No traçado é superposta a transparência da placa lâmina 95º, de forma que a parte reta da placa forme um ângulo com a cortical lateral da diáfise de aproximadamente 15º (próximo do ângulo medido de desvio do eixo mecânico – Figura 1). Escolhe-se um ponto de entrada para a lâmina, de forma a permitir a inserção de pelo menos um parafuso no fragmento distal, para evitar que a lâmina retroceda ulteriormente. Especialmente no caso de um DCS, este parafuso epifisário proximal ao parafuso DCS é importante para manter o alinhamento no plano sagital (Figura 2B). Deve-se ainda garantir osso distal em espessura suficiente para evitar que a lâmina penetre na articulação. Faz-se então o traçado da osteotomia, iniciando suficientemente proximal para deixar margem suficiente de osso entre a osteotomia e o primeiro parafuso distal. A obliquidade da osteotomia garante maior superfície de corte e menor chance de distúrbios da consolidação (Figura 2C). Para isto, o traçado é inclinado para terminar próximo do epicôndilo medial, em uma região rica em fibras de Sharpey, que ajudam a evitar a perda de contato da cortical medial.


Com uma tesoura, corta-se o papel traçado da radiografia panorâmica seguindo o traçado da osteotomia (Figura 2C). Faz-se o alinhamento das três articulações (quadril, joelho e tornozelo), tomando-se o cuidado para provocar leve hipercorreção, fazendo o eixo de carga (barbante tenso) passar levemente medial à espinha medial da tíbia (Figura 3A). O papel é fixado nesta posição com fita adesiva. O ângulo de abertura do papel no local da osteotomia é medido diretamente com um goniômetro (Figura 3C). Este é o ângulo de correção requerido intraoperatoriamente para se obter o resultado desejado (21º). É interessante observar que este ângulo é diferente daquele medido na Figura 1 (14,7º). Isto se deve à hipercorreção desejada, a qual faz o eixo passar levemente medial à espinha tibial medial.


Com o traçado fixado com fita adesiva na posição de correção desejada, faz-se a superposição da transparência da placa lâmina 95º de forma a garantir a adaptação melhor possível da parte reta da placa na cortical lateral do fêmur e a lâmina na melhor posição, garantindo a inserção de um parafuso epifisário proximal à lâmina (Figura 4A). Isto é necessário para que a correção intraoperatória seja obtida automaticamente quando se adapta a placa à diáfise após a inserção da lâmina da placa 95º. Escolhe-se também o comprimento da placa, de forma a se ter pelo menos quatro parafusos bicorticais proximalmente à osteotomia. Traça-se no papel o contorno da placa na posição escolhida, escolhendo-se a lâmina adequada da lâmina (em geral 60mm).


Em seguida, mede-se o ângulo formado entre a lâmina e a tangente aos côndilos (Figura 4C). Este ângulo tem fundamental importância, pois ele nos indica a inclinação da entrada do osteótomo especial (que corta o caminho da lâmina), em relação à tangente aos côndilos femorais distalmente, na vista de frente. Desta forma temos determinados os dois pontos fundamentais no uso de um implante como a placa lâmina 95º (ou o DCS): o ponto de inserção da lâmina (ou do parafuso DCS) – (Figura 4A), e o ângulo de inserção em relação à tangente distal aos côndilos no AP – (Figura 4C).

O plano pré-operatório pode finalmente ser completado traçando a posição dos parafusos (Figura 4D). Nele estão os parâmetros fundamentais para a execução da osteotomia: ponto de entrada da lâmina, ângulo da lâmina com a tangente distal aos côndilos na vista de frente e o local da osteotomia.

Fizemos questão de demonstrar passo a passo a estimativa do ângulo de entrada (21º), que resultaria na correção desejada ao adaptar-se a placa na diáfise, após a introdução da lâmina segundo este ângulo formado entre a lâmina e a tangente aos côndilos distalmente na visão de frente. Coincidentemente, como se vê nas Figuras 3C e 4C, ele tem o valor de 21º. Em termos práticos, o ângulo de entrada da lâmina deve formar um ângulo com a tangente aos côndilos distalmente, exatamente igual ao medido no papel cortado e corrigido (21º).

Na Figura 5, vê-se o controle pós-operatório de quatro meses do mesmo paciente (Figura 1) usado para exemplificar o planejamento apresentado. Nota-se que, apesar de ter havido fratura da cortical medial na execução da osteotomia (ela sempre ocorre!), isto não representou problema à consolidação, a qual já está bem adiantada e o paciente já estava submetido a carga total.


Desta forma o planejamento pré-operatório pode ser assim resumido:

1. Obtenção de radiografia panorâmica com carga em AP do membro inferior;

2. Desenho em papel vegetal longo dos contornos ósseos na radiografia panorâmica;

3. Traçado dos os eixos mecânicos do fêmur e da tíbia e medição do ângulo formado entre eles;

4. Marcação do local da osteotomia sobre o papel traçado, usando a transparência de placa lâmina 95º, de forma que a parte reta da placa forme um ângulo com a diáfise do fêmur, aproximadamente igual ao medido entre os eixos mecânicos. Desenhar o traçado do corte obliquamente, de forma que seja possível inserir um parafuso no fragmento distal, além da lâmina, e terminando medialmente no epicôndilo medial;

5. Corte do papel no local traçado da osteotomia e alinhamento do traçado, de forma a ter o eixo de carga (barbante tenso) passando levemente medial à espinha medial (leve hipercorreção);

6. Fixação do papel nesta posição com fita adesiva e medição do ângulo de abertura do papel, necessário para obter o alinhamento desejado. Este deve ser o ângulo de entrada da lâmina em relação à tangente aos côndilos distalmente, na visão de frente;

7. Colocação da transparência de placa lâmina 95º por baixo do papel, de forma que a parte diafisária da placa se adapte bem à cortical lateral do fêmur e seja possível colocar um parafuso na parte distal, além da lâmina, e que haja margem de osso distal para evitar a penetração da lâmina no joelho;

8. Desenho do contorno da placa e dos parafusos. Em geral, uma placa de sete orifícios é a escolhida (Figura 5D).

Assim, os pontos importantes do planejamento estão determinados:

  • Ponto de entrada da lâmina;

  • Ângulo da lâmina com a tangente distal aos côndilos;

  • Local da osteotomia.

Procedimento cirúrgico

O paciente é colocado em mesa radiotransparente, que permita a visualização radioscópica desde o quadril até o tornozelo.

O uso de torniquete é bastante recomendável para boa visualização e para evitar perda importante de sangue, que é usual neste tipo de cirurgia, quando realizada sem torniquete.

A viabilidade do uso de torniquete pneumático deve ser analisada, o que requer uma coxa suficientemente longa e a ausência de obesidade excessiva.

Em pacientes com coxa curta ou obesos, ainda assim é possível o uso de torniquete. Para isto, o paciente deve ser preparado como para cirurgia no quadril. Um pino de Schanz é inserido na cortical lateral da região subtrocantérica, de forma a permitir a ancoragem proximal de passadas oblíquas sucessivas de faixa de Esmarch de 10cm de largura. Com isto se obtém comprimento suficiente de coxa distalmente ao torniquete, para permitir o acesso adequado.

O pé e a metade distal da perna são isolados com campos estéreis, ficando o joelho livre.

A pela é aberta desde o tubérculo de Gerdy em linha com a banda iliotibial na projeção do septo posterolateral, até 15cm proximalmente.

A fáscia lata é aberta longitudinalmente, imediatamente anterior ao septo posterolateral e à banda iliotibial.

O músculo vasto lateral é afastado para frente, de forma a preservar o periósteo inserido no osso e evitando agredir a gordura existente anteriormente sob o quadríceps. Logo na região supracondiliana a artéria e veia genicular superior devem ser identificadas e seccionadas após cauterização. O músculo vasto lateral vai sendo desinserido progressivamente das suas inserções no septo e no osso em direção proximal, tomando-se o cuidado de identificar e cauterizar os vasos perfurantes antes de seccioná-los.

A cápsula articular do joelho é aberta em linha com a incisão, tomando-se o cuidado com a inserção dos ligamentos no epicôndilo e com o tendão do poplíteo. A abertura capsular é útil para se inspecionar o menisco lateral e o compartimento lateral do joelho e ainda para se inspecionar e palpar a facies patellaris e prevenir eventual penetração da lâmina na articulação.

O ponto de inserção da lâmina é determinado, segundo o plano pré-operatório e com o auxílio do intensificador de imagem. Neste local abre-se uma janela retangular para a entrada da lâmina de 1,5cm de altura por 5mm de largura.

Os fios de referência usuais para a inserção da placa lâmina 95º são posicionados com o joelho flexionado de 45 a 60º. O primeiro, tangenciando os côndilos femorais distalmente na vista de frente (checada sua posição com o intensificador de imagem) e outro, tangenciando a facies patellaris anteriormente. As partes moles mantêm estes fios no lugar, desde que sejam colocados transfixando-as.

Um terceiro fio de referência é passado a meia distância entre a janela feita para a lâmina e a margem articular. Ele deve ser paralelo no plano sagital ao fio tangente à facies patellaris anteriormente. No plano coronal ele deve ser inserido inclinado em direção distal em relação ao fio tangente aos côndilos, segundo o ângulo medido na Figura 5C. Este é o principal fio de referência para a introdução da lâmina e só é removido após a introdução definitiva da placa. Para a sua correta inserção deve-se dispor de cunhas metálicas para medir-se o ângulo formado com o fio tangente aos côndilos distalmente. Os demais fios podem então ser removidos.

A inserção da lâmina é então feita usando as ferramentas apropriadas, observando-se o paralelismo com o fio de referência e a posição do guia em relação à diáfise para evitar a divergência da placa no plano lateral em relação à diáfise.

Como muitas vezes trata-se de osso de jovem, é prudente inserir-se o formão da lâmina alguns milímetros e proceder-se à remoção parcial, para então inserir-se um pouco mais, novamente removendo, dividindo-se o processo em duas ou três etapas. Isto evita o encarceramento do formão no osso de boa qualidade destes pacientes, o que pode acarretar grande dificuldade para removê-lo. Ao final da confecção do caminho da lâmina, o formão é removido.

O desenho da osteotomia é então feito na cortical anterior com a ajuda do intensificador e do plano pré-operatório (Figura 4B), usando o eletrocautério, evitando seccionar a gordura subquadricipital, que é parcimoniosamente elevada com o periósteo e protegida com Hohmann apropriado. O periósteo posterior na linha da osteotomia é elevado, colocando-se um Hohman protegendo as estruturas posteriores na linha da osteotomia.

Três fios de Kirschner paralelos, de 1,5mm de calibre, são introduzidos pela cortical lateral, seguindo o traçado da osteotomia, chegando até a cortical medial, sob controle radioscópico. Eles servirão de apoio à lâmina da serra. A lâmina da serra entra cranialmente tangenciando estes fios, os quais evitam que a lâmina se desvie inadvertidamente do traçado e possa se dirigir para a articulação.

A osteotomia é feita no traçado tomando-se o cuidado de irrigar continuamente com salina, para evitar aquecimento excessivo e morte óssea térmica. O avanço da lâmina da serra é controlado por radioscopia. A lâmina da serra deve chegar até cerca de 1cm do limite medial. Durante a osteotomia, um auxiliar exerce leve tensão em varo no joelho para evitar o aprisionamento da lâmina na osteotomia e para sentir quando esta se completa, fraturando a cortical medial. Para a secção da cortical posterior, o joelho deve estar fletido a cerca de 45º para relaxar as estruturas posteriores. Neste passo nada deve estar pressionando as partes moles posteriores para frente no nível da osteotomia.

A placa escolhida é então inserida no caminho da lâmina previamente confeccionado a golpes leves de martelo, observando atentamente o fio de Kirschner guia, introduzindo assim a lâmina no caminho previamente confeccionado. É muito importante que, durante as marteladas para inserção da lâmina, um auxiliar exerça apoio medial vigoroso, para evitar a perda de redução da cortical medial.

Pouco antes da inserção final da lâmina, pode ser necessário remover a saliência da cortical lateral do segmento distal que impede o bom assentamento final da placa (Figura 4B), o que pode ser feito facilmente com serra.

O primeiro parafuso a ser inserido é o epifisário, seguindo o paralelismo à lâmina, sendo recomendado utilizar um parafuso 6,5mm de esponjosa de rosca total. Este parafuso irá evitar o retrocesso da lâmina e dar maior controle do segmento epifisário no plano sagital.

O alinhamento final do membro é feito em extensão do joelho, esticando o fio do eletrocautério, colocando o joelho alinhado com o centro da cabeça femoral e com o centro do tornozelo, checando com radioscopia. O fio deve então passar levemente medial à espinha tibial medial (leve hipercorreção). Ajuste fino do alinhamento desejado é conseguido por manobras feitas por um auxiliar forçando levemente o joelho em varo. É importante garantir que a correção do valgo ocorra só na osteotomia e não (em parte) às custas de uma abertura ligamentar lateral. Para isto, ao mesmo tempo que um auxiliar exerce um leve esforço em varo, a osteotomia é forçada em abertura com dois osteótomos largos, o que garante o fechamento do espaço articular lateral, garantindo que a correção ocorre apenas na osteotomia.

Por vezes se percebe que a banda iliotibial e o septo intermuscular posterolateral resistem e impedem as manobras corretivas. Nestes casos, o alongamento da banda e do septo pode ser feito por múltiplos pequenos piques transversais com bisturi lâmina 15 em níveis diferentes, fazendo os diferentes feixes de fibras deslizarem entre si, de forma a não se perder a continuidade.

Com este alinhamento conseguido, é inserido o primeiro parafuso cortical proximal, adjacente à osteotomia. Usa-se o guia de compressão DCP amarelo na posição invertida (posição de neutralização), para impedir o fechamento da abertura da osteotomia com consequente perda de correção.

Novamente se checa o alinhamento das três articulações. Se tudo bem, os demais parafusos são introduzidos, a partir do mais cranial, de forma bicortical. Todos devem ser inseridos na posição de neutralização (guia amarelo excêntrico invertido na perfuração).

Como medida preventiva para evitar a perda da redução da cortical medial, o que pode resultar em retardo de consolidação, a inserção de parafuso de compressão pressionando a cortical medial é eficaz(19). O uso de parafuso canulado facilita em muito este passo. O fio-guia é inserido na cortical medial do fêmur percutaneamente, dirigindo-se o fio para lateral e levemente para trás, para não colidir com a lâmina e atingir a parte posterior do côndilo lateral (Figura 5).

Terminada a fixação, atenção é dada ao espaço criado com a falha óssea na osteotomia. Como regra, a menos que este espaço seja exageradamente grande (maior que 20mm), o que é exceção, o espaço pode ser preenchido com espuma de gelatina (Gelfoam) e, na superfície do Gelfoam, no nível da cortical, coloca-se enxerto autólogo de esponjosa removido da duas superfícies de corte da osteotomia (Figura 6), para haver rápida reconstituição da cortical. Este enxerto é removido cuidadosamente das superfícies esponjosas das superfícies de corte osteotomia, usando osteótomo afiado e removendo pequenas lâminas de 2-3mm de espessura. A espuma de gelatina, além de ajudar na hemostasia, mantém os enxertos no nível da cortical.


A gordura subquadricipital é suturada de forma a conter os fragmentos de osso esponjoso. O torniquete é removido.

Após meticulosa hemostasia a ferida é fechada por planos deixando drenos de aspiração no espaço submuscular, que são removidos em 24 horas. O joelho é posicionado fletido a 90º.

Cuidados pós-operatórios

O paciente é colocado com o membro operado na posição mantendo o joelho e o quadril flexionados a 90º, a qual deve ser a posição preferencial de repouso nas duas primeiras semanas, para evitar-se a aderência do quadríceps na posição estendida, com resultante dificuldade da recuperação da flexão.

Após a remoção dos drenos o paciente pode receber alta, usando andador, com a autorização de carga até 20kg, aprendida usando uma balança. Exercícios duas vezes ao dia para aumentar o arco de movimento são ensinados ao paciente. Orienta-se ao paciente manter o joelho fletido além de 60º a maior parte do dia, para evitar a aderência do quadríceps na posição de extensão, com grande dificuldade de se conseguir a extensão ulteriormente.

A falha óssea deixada pela osteotomia é fechada lentamente, de medial para lateral, ao cabo de muitos meses ou anos.

Alongamentos cuidadosos em extensão e em flexão, feitos duas vezes ao dia, pelo próprio paciente, são suficientes para aumentar o arco de movimentos na grande maioria dos pacientes. Eventualmente, é necessário o auxílio de um fisioterapeuta.

Se tudo está prosseguindo bem, a primeira radiografia de seguimento é feita com oito semanas, quando a cortical medial deve estar consolidada, podendo então a carga ser aumentada progressivamente e os suportes externos removidos na medida da tolerância.

Algumas vezes a placa pode ficar saliente em seu cotovelo, especialmente em pacientes magros. Remoção da placa só pode ser considerada segura quando pelo menos 50% da largura da osteotomia no AP estiver preenchida por osso, o que leva cerca de dois anos.

Como a placa fica saliente sob o trato iliotibial, ela pode excepcionalmente originar desconforto para alguns pacientes. No entanto, a placa não deve ser removida antes de dois anos, sob risco de fratura no local da falha óssea. Neste meio tempo, medidas de alívio, como anti-inflamatórios locais ou sistêmicos e, a cada três meses, uma infiltração com corticoide, podem ajudar a aliviar este período até a remoção da placa.

COMENTÁRIOS FINAIS

A osteotomia lateral de adição para correção do geno valgo tem a vantagem de permitir pequenos ajustes, apenas pela maior ou menor abertura da cunha no intraoperatório. Já a cunha de subtração medial torna-se muito problemática para remediar, quando a remoção da cunha não foi perfeita. Outra vantagem da osteotomia de abertura lateral é a facilidade do acesso, o mesmo comumente usado para as fixações das fraturas supracondilianas.

A osteotomia distal do fêmur com implantes de ângulo fixo requer planejamento pré-operatório rigoroso e sistemático, quando se deseja obter correções precisas, em que o mau alinhamento deve ser levemente hipercorrigido, como é o desejável(5-7,17).

A placa lâmina AO de 95º tem a vantagem, se colocada corretamente, de garantir a precisa correção pretendida. Não encontramos na literatura o necessário detalhamento deste difícil planejamento. Por esta razão, julgamos adequado e oportuno divulgar este método que, em nossas mãos, tem sido de grande precisão e reprodutibilidade.

O método descrito por Postel e Langlais(18) de preconizar simplesmente adicionar 95º ao ângulo de correção pretendido, como referência da entrada da lâmina em relação ao eixo diafisário, pressupõe que a inclinação da interlinha do fêmur é o único causador do valgo. No exemplo da Figura 1 vê-se o usual encurvamento da tíbia e o estreitamento do espaço lateral, que não são levados em conta no método dos AA mencionados.

Andrade et al(11) se preocuparam em provocar cerca de 5º de hipercorreção, quando preconizam entrar com o parafuso DCS a 5º em varo em relação à tangente distal aos côndilos femorais. No entanto, eles não levaram em conta a possibilidade de haver componente da deformidade além do fêmur distal, o que levaria certamente a um realinhamento inadequado do eixo.

A única forma de corretamente estimar o ângulo de desvio é na radiografia em AP panorâmico com carga. Como demonstrado no nosso planejamento, o ângulo de correção deve ser aquele medido na radiografia panorâmica, acrescido de 3-7º para causar uma leve hipercorreção. O ângulo de entrada da lâmina deve ser tal que permita a perfeita adaptação da parte reta da placa na diáfise, quando o eixo estiver no alinhamento pretendido. Para se conseguir isto, nada melhor que, no desenho no papel, fazer-se a correção desejada e então superpor-se a transparência do implante desejado com adaptação perfeita com a diáfise lateral.

O princípio da fixação se baseia na adaptação adequada da placa na diáfise, que deve ocorrer apenas na posição corrigida, caso contrário, a correção é imprevisível. Por isto é tão crítico o ângulo de entrada da lâmina da placa 95º ou do parafuso do DCS, em relação à tangente aos côndilos femorais distalmente.

A correção de mau alinhamento e da necessária correção não deve se basear apenas na medida do ângulo formado entre os eixos de carga do fêmur e da tíbia (Figura 1). A medida correta só é obtida após cortar o papel na provável linha da osteotomia e corrigindo o eixo de carga no desenho em papel obtido da visão panorâmica, fazendo-se então a correção do eixo, de forma a obter-se um eixo passante levemente medial à espinha tibial medial (leve hipercorreção). No nosso exemplo escolhido para ilustração, a diferença foi de 14,7º para 21º, o que provocaria um erro importante, caso seguíssemos apenas o desvio do eixo de carga do membro inferior medido a partir dos eixos de carga do fêmur e da tíbia.

Outro aspecto que contribui para erro é que, na radiografia com carga, o espaço medial pode estar alargado por frouxidão ligamentar medial eventualmente existente. Daí a necessidade de se provocar leve hipercorreção, o que favorece o fechamento medial durante o suporte de carga, além da efetiva transferência de carga para o compartimento medial, mais preservado. Porém, o ângulo da fenda articular, que normalmente é de 0-2º, quando aumentado medialmente, deve ser subtraído da correção calculada, uma vez que a linha medial irá se fechar devido à hipercorreção. Se este aspecto não for levado em consideração, isto pode implicar em falsa estimativa da correção, com consequente hipercorreção nos casos de frouxidão ligamentar medial. A menos que o ângulo da fenda articular esteja muito aumentado medialmente, pequenos ajustes podem ser conseguidos intraoperatoriamente apenas abrindo ou fechando um pouco a fenda da osteotomia.

A escolha do implante depende da preferência do cirurgião e da disponibilidade. Independente de qualquer implante, o planejamento com a transparência correspondente é essencial, quando se emprega um implante de ângulo fixo (placa lâmina 95º, DCS), em que o elemento de fixação mais importante da parte distal tem que ser inserido com alta precisão. Outros implantes como o Tomofix ou a placa de Puddu, são mais liberais no planejamento, uma vez que irão se adaptar à correção conseguida com manobras intraoperatórias. Infelizmente esta vantagem pode ser pouca, quando se considera a menor pega no fragmento distal e menor controle da posição, tanto no plano sagital, quanto no plano frontal, com a fixação com estes implantes.

Mesmo com o uso de implantes de ângulo fixo robustos como o DCS ou a placa lâmina 95º, a manutenção da redução da cortical medial não pode ser assegurada. Por este motivo o acréscimo de parafuso de compressão mantendo a cortical oposta fechada é muito importante(19).

Também a necessidade de inserção de um parafuso no segmento distal pela placa, além da lâmina, principalmente no caso do parafuso DCS, é vital para o controle do segmento distal no plano sagital.

O uso de enxerto esponjoso removido da própria osteotomia vem sendo usado em nossa clínica há muito tempo, com excelentes resultados. Quando a falha não é maior que 15mm na cortical lateral, esta técnica é plenamente satisfatória. Questionamento poderia surgir sobre o prejuízo do preenchimento ulterior da falha pela remoção de osso. Isto pode ocorrer, porém não é relevante, desde que a parte medial da osteotomia se consolide. Se isto não ocorrer, mesmo preenchendo completamente a falha com enxerto ou outro substituto ósseo, não será suficiente para evitar a pseudartrose(19). Por esta razão, a técnica mencionada de uso de parafuso canulado medial, fazendo compressão e mantendo a cortical medial bem aposta é essencial para evitar a complicação. Temos adotado este princípio para todas as osteotomias ao redor do joelho, especialmente nas cunhas de abertura, como forma de evitar a pseudartrose e o retarde.

A impacção da cortical medial para dentro do fragmento distal, como forma de diminuir a falha e o risco de pseudartrose, como preconizado por Postel e Langlais(18) tem o inconveniente de gerar degrau logo acima da facies patellaris, criando dificuldade no deslizamento da patela, além de encurtamento do membro.

Como conclusão final, diríamos que a osteotomia do fêmur distal para tratamento do geno valgo e da artrose predominantemente lateral do joelho, deve ser meticulosamente planejada, não apenas para a correta estimativa da necessidade de correção, como a adequada execução do procedimento, especialmente quando se emprega um dispositivo de fixação de ângulo fixo.

Trabalho recebido para publicação: 04/01/10, Aceito para publicação: 05/05/10.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Jan 2010
    • Aceito
      05 Maio 2010
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