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Alinhamento dinâmico do joelho e equilíbrio pélvico: Comparação entre os sexos em atletas de futebol de base* * Trabalho desenvolvido na Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Resumo

Objetivo

Avaliar o alinhamento do joelho no plano frontal e o equilíbrio pélvico durante a descida de um degrau comparando atletas de futebol feminino e masculino.

Métodos

Estudo transversal, realizado com atletas de futebol das categorias sub-15 e sub-17, de ambos os sexos, de um clube profissional do Sul do Brasil. Foi realizado o teste de descida de um degrau, o qual foi filmado por uma câmera de vídeo, e, em sua avaliação, traçaram-se as medidas angulares durante o movimento por meio do software Kinovea (código aberto), versão 0.8.24.

Resultados

A amostra foi composta por 38 indivíduos, 19 do sexo masculino e 19 do sexo feminino. As atletas do sexo feminino apresentaram maior ângulo em varo (9,42º ± 1,65º) quando comparadas com os atletas masculinos (3,91º ± 2,0º; p = 0,04). Não houve diferença em relação à queda unilateral da pelve (drop pélvico) entre os grupos, e a associação entre o drop pélvico do quadril e o ângulo de projeção no plano frontal do joelho foi fraca em ambos os sexos.

Conclusão

Apesar de ambos os sexos terem apresentado queda pélvica, as atletas de base do sexo feminino apresentaram maior angulação do joelho em varo no teste de descida do degrau, e necessitam maior atenção para minimizar o risco de lesão.

Abstract

Objective

To evaluate knee alignment in the frontal plane and pelvic balance during the step-down test in female and male soccer players.

Methods

Cross-sectional study carried out with male and female soccer players from under-15 and under-17 teams of a professional club in Southern Brazil. The step-down test was performed, filmed with a video camera, and evaluated according to the angular measurements obtained during movement using the Kinovea software (open source), version 0.8.24.

Results

The sample consisted of 38 individuals, 19 males and 19 females. Female athletes had a greater varus angle (9.42º ± 1.65º) compared to male athletes (3.91º ± 2.0º; p = 0.04). There was no difference regarding the unilateral pelvic drop between the groups. In addition, the association between the hip-related pelvic drop and the projection angle on the frontal plane of the knee was weak in both genders.

Conclusion

Even though the pelvic drop was observed in both genders, young female athletes had greater varus knee angles on the step-down test, which require greater attention to minimize the risk of injury.

Introdução

No alto rendimento, o futebol é uma modalidade esportiva com complexidade física, que exige dos atletas uma disputa intensa que predispõe a lesões, principalmente nos membros inferiores.11 Abrahão GS, Caixeta LF, Barbosa LR, Siqueira dPP, Carvalho LC, Matheus JPC. Incidência das lesões ortopédicas por segmento anatômico associado à avaliação da frequência e intensidade da dor emuma equipe de futebol amador. Braz J Biomotr 2009;3(02): 152–158 Existem inúmeros fatores srelacionados ao surgimento das lesões sem contato, como: idade, sexo, morfologia corporal, força muscular, flexibilidade e estabilidade, e alinhamento articular.22 Almeron MM, Pacheco AM, Pacheco I. Relação entre fatores de risco intrínsecos e extrínsecos e a prevalência de lesões em membros inferiores em atletas de basquetebol e voleibol. Rev Cienc Salud 2009;2(02):58–65 Das alterações de alinhamento articular dinâmico, o joelho valgo ou varo é o que apresenta maior relação com o risco de lesão, pois um mau alinhamento dos membros inferiores aumenta a carga imposta na articulação, sendo papel dos profissionais da saúde do atleta identificarem e atuarem para minimizar este fator de risco.33 Tamura A, Akasaka K, Otsudo T, Shiozawa J, Toda Y, Yamada K. Dynamic knee valgus alignment influences impact attenuation in the lower extremity during the deceleration phase of a single-leg landing. PLoS One 2017;12(06):e0179810,44 Lima YL, Ferreira VMLM, de Paula Lima PO, Bezerra MA, de Oliveira RR, Almeida GPL. The association of ankle dorsiflexion and dynamic knee valgus: A systematic review and meta-analysis. Phys Ther Sport 2018;29:61–69

A presença de um valgismo excessivo, durante os movimentos da corrida, gera uma tensão crônica sobre as estruturas ligamentares da parte medial do joelho e uma rigidez anormal no trato iliotibial, assim como o joelho em varo aumenta a carga imposta no complexo ligamentar lateral.55 Schmitz RJ, Shultz SJ, Nguyen AD. Dynamic valgus alignment and functional strength in males and females during maturation. J Athl Train 2009;44(01):26–32 A cinemática dos membros inferiores está diretamente relacionada com a cintura pélvica, na qual o enfraquecimento dos músculos da região pélvica, como abdutores e rotadores externos do quadril, e o retardo no tempo de ativação da musculatura do quadril podem refletir em um desalinhamento dinâmico do joelho.66 Araújo VL, Souza TR, Carvalhais VODC, Cruz AC, Fonseca ST. Effects of hip and trunk muscle strengthening on hip function and lower limb kinematics during step-down task. Clin Biomech (Bristol, Avon) 2017;44(01):28–35

7 Bittencourt NF, Ocarino JM, Mendonça LD, Hewett TE, Fonseca ST. Foot and hip contributions to high frontal plane knee projection angle in athletes: a classification and regression tree approach. J Orthop Sports Phys Ther 2012;42(12):996–1004
-88 Snyder KR, Earl JE, O’Connor KM, Ebersole KT. Resistance training is accompanied by increases in hip strength and changes in lower extremity biomechanics during running. Clin Biomech (Bristol, Avon) 2009;24(01):26–34 Estudos demonstram que indivíduos com fraqueza dos músculos da região pélvica têm maior tendência ao desenvolvimento da dor patelofemoral,99 Magalhães E, Fukuda TY, Sacramento SN, Forgas A, Cohen M, Abdalla RJ. A comparison of hip strength between sedentary females with and without patellofemoral pain syndrome. J Orthop Sports Phys Ther 2010;40(10):641–647,1010 EmamvirdiM, Letafatkar A, Khaleghi Tazji M. The Effect of Valgus Control Instruction Exercises on Pain, Strength, and Functionality in Active Females With Patellofemoral Pain Syndrome. Sports Health 2019;11(03):223–237 e, além disso, o desalinhamento dinâmico do joelho está relacionado com a incidência de lesões mais graves, que afastam os atletas por longos períodos de suas atividades, como lesões ligamentares no tornozelo e rupturas do ligamento cruzado anterior no joelho.1111 Brophy RH, Chiaia TA, Maschi R, et al. The core and hip in soccer athletes compared by gender. Int J Sports Med 2009;30(09): 663–667

12 Larruskain J, Lekue JA, Diaz N, Odriozola A, Gil SM. A comparison of injuries in elitemale and female football players: A five-season prospective study. Scand J Med Sci Sports 2018;28(01):237–245
-1313 Watson A, Mjaanes JMCOUNCIL ON SPORTS MEDICINE AND FITNESS. Soccer Injuries in Children and Adolescents. Pediatrics 2019;144(05):e20192759

Apesar de haver uma tendência de se generalizar a fraqueza de músculos da região pélvica com lesões de membros inferiores, outros fatores, como sexo, devem ser observados.1414 Heiderscheit BC. Lower extremity injuries: is it just about hip strength? J Orthop Sports Phys Ther 2010;40(02):39–41 De forma mais específica, entre os atletas submetidos ao mesmo nível de atividade, a população feminina é mais suscetível e apresenta maior incidência de lesões esportivas, sobretudo as lesões mais graves, isto por apresentar menor estabilidade geral, menor força muscular, e hipermobilidade articular devido a fatores hormonais, o que pode potencializar uma alteração biomecânica mais acentuada durante o movimento neste sexo.1111 Brophy RH, Chiaia TA, Maschi R, et al. The core and hip in soccer athletes compared by gender. Int J Sports Med 2009;30(09): 663–667,1212 Larruskain J, Lekue JA, Diaz N, Odriozola A, Gil SM. A comparison of injuries in elitemale and female football players: A five-season prospective study. Scand J Med Sci Sports 2018;28(01):237–245,1515 Sieńko-Awierianów E, Chudecka M. Risk of Injury in Physically Active Students: Associated Factors and Quality of Life Aspects. Int J Environ Res Public Health 2020;17(07):2564

16 Cesar GM. Influência do ciclo menstrual na atividade eletromiográfica e na cinemática do joelho durante a aterrissagem do salto [dissertação]. São Carlos: Programa de Pós Graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos; 2009
-1717 Rodríguez C, Echegoyen S, Aoyama T. The effects of “Prevent Injury and Enhance Performance Program” in a female soccer team. J Sports Med Phys Fitness 2018;58(05):659–663 As mulheres apresentam um aumento do ângulo de adução e rotação medial do quadril, devido à presença de fraqueza dos músculos abdutores e rotadores laterais do quadril, o que suscita a hipótese de um maior desalinhamento dinâmico do joelho e um menor controle do movimento quando comparadas ao sexo masculino já na adolescência, o que necessitaria de uma maior atenção em relação ao risco de novas lesões.1616 Cesar GM. Influência do ciclo menstrual na atividade eletromiográfica e na cinemática do joelho durante a aterrissagem do salto [dissertação]. São Carlos: Programa de Pós Graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos; 2009

Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo comparar a relação entre o alinhamento do joelho no plano frontal e o equilíbrio pélvico durante o teste da descida de um degrau entre atletas de categorias de base do futebol feminino e masculino.

Materiais e Métodos

Participantes

Foi realizado um estudo transversal com atletas de categorias de base de um clube de futebol profissional do Sul do Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Pelotas (parecer: 1.759.216), e os participantes e seus responsáveis assinaram, respectivamente, o termo de assentimento de menor e o termo de consentimento livre e esclarecido. A amostra foi selecionada por conveniência, e todos os atletas das categorias de base (sub-17 e sub-15) do clube de ambos os sexos foram convidados a participar do estudo. Foram incluídos os atletas que estivessem fazendo parte da equipe de futebol do clube durante a temporada, e, como critérios de exclusão, foram definidos: atletas que tivessem realizado cirurgia em membros inferiores nos últimos seis meses, que estivessem afastados por lesão durante o período de coleta, que sentissem dor na realização do teste, que apresentassem discrepância de membros inferiores, ou, ainda, que não conseguissem realizar o teste sem compensações posturais exacerbadas.

A abordagem inicial contou com 68 termos entregues, mas não houve o retorno de 22 atletas, sendo considerados perda. Outros 8 atletas foram excluídos do estudo: 1, por desistência durante o teste; 3, por dor no joelho; e 4, por não conseguirem realizar o movimento de descida sem exageradas compensações posturais, pois apresentavam uma flexão de tronco excessiva que encobria completamente os marcadores posicionados no quadril, potencializando a chance de erro na análise; dessa forma, a amostra final totalizou 38 atletas, 19 do sexo masculino e 19 do sexo feminino.

Procedimentos

Os pesquisadores foram previamente treinados e capacitados em localizar e demarcar os pontos de referência para a análise, sendo realizado um estudo piloto com dois voluntários para a adequação ao método. Todas as demarcações e mensurações via software foram realizadas por um único avaliador para manter uma padronização de critérios.

Discrepância dos membros inferiores e dor

Foi avaliada a discrepância dos membros inferiores, com os atletas em decúbito dorsal, e foram demarcados dois pontos, um na espinha ilíaca anterossuperior, e o outro no maléolo medial, sendo considerado teste positivo uma diferença ≥ 1 cm entre os membros. Para se avaliar a dor no atleta, foi utilizada a escala visual analógica (EVA) da dor, que apresenta variações de 0 a 10, sendo 0 ausência de dor, e 10, dor máxima.1818 Crossley KM, Bennell KL, Cowan SM, Green S. Analysis of outcome measures for personswith patellofemoral pain: which are reliable and valid? Arch Phys Med Rehabil 2004;85(05):815–822

Drop pélvico e alinhamento dinâmico do joelho

O drop pélvico (queda unilateral da pelve) e o ângulo de projeção no plano frontal (APPF) do joelho foram avaliados durante a realização do teste de descida de um degrau, por filmagens capturadas em 2D, com uma câmera (AFC 183 14 megapixels, Kodak, Rochester, NY, EUA) que estava situada a 2 m de distância do atleta, fixada a um tripé na altura de 60 cm. Para melhor avaliação da filmagem, foram demarcados com adesivos colantes não reflexivos pontos fundamentais: espinhas ilíacas anterossuperiores, ponto médio entre os epicôndilos femorais, e o ponto médio entre os maléolos.77 Bittencourt NF, Ocarino JM, Mendonça LD, Hewett TE, Fonseca ST. Foot and hip contributions to high frontal plane knee projection angle in athletes: a classification and regression tree approach. J Orthop Sports Phys Ther 2012;42(12):996–1004 Os registros do estudo foram inseridos no software Kinovea (código aberto), versão 0.8.24, que permite uma análise angular em movimento. Considerou-se o drop pélvico quando um dos demarcadores do quadril, contralateral ao membro examinado, teve seu curso direcionado inferiormente, ou seja, havendo uma queda unilateral da pelve, que normalmente ocorre por fraqueza da musculatura do glúteo médio da perna de apoio (►Figura 1); e considerou-se o desalinhamento em valgo quando o marcador do joelho aumentou seu curso medialmente (valores angulares negativos em relação à linha média), e, em varo, quando ocorreu o aumento lateralmente em relação aos marcadores distais (valores angulares positivos em relação à linha média) (►Figura 2).

Fig. 1
Avaliação do drop pélvico durante a realização do teste de descida de um degrau em atletas de futebol de base (software Kinovea, versão 0.8.24).
Fig. 2
Avaliação do ângulo de projeção no plano frontal (APPF) do joelho durante a realização do teste de descida de um degrau em atletas de futebol de base (software Kinovea, versão 0.8.24).

A altura do degrau foi padronizada em 16 cm, e os atletas foram orientados a permanecer a uma distância anterior de 15 cm do degrau. Posteriormente, solicitou-se que eles subissem no degrau e permanecessem o mais relaxados possível por 10 segundos para que se pudesse capturar uma imagem no plano frontal no momento inicial do teste; em seguida, eles foram orientados a descer, tocando o calcanhar no solo a 5 cm à frente do degrau, em marcações previamente realizadas. Anteriormente à realização do teste, os atletas fizeram três rodadas de ensaio para adaptação ao movimento, e, após este período, considerou-se para análise a média entre cinco testes consecutivos, sendo analisado o membro de apoio durante o movimento.66 Araújo VL, Souza TR, Carvalhais VODC, Cruz AC, Fonseca ST. Effects of hip and trunk muscle strengthening on hip function and lower limb kinematics during step-down task. Clin Biomech (Bristol, Avon) 2017;44(01):28–35

Análise Estatística

A análise dos ângulos foi realizada com o software Kinovea, e as análises descritivas foram apresentadas na forma de médias e desvios padrão. Foi realizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a distribuição dos dados. Para análise comparativa das médias do drop pélvico e do APPF do joelho entre os atletas dos diferentes sexos, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes, e o nível de significância adotado foi de 5%. Para analisar a associação entre o drop pélvico e o APPF do joelho foi utilizada a correlação de Pearson. Os valores de r foram, assim, interpretados em relação à associação: r = 0 a 0,19, nenhuma; 0,2 a 0,39, baixa; 04 a 0,69, moderada; 0,7 a 0,89, alta; e 0,9 a 1,0, forte. Para todas as análises estatísticas, foi utilizado o programa STATA (StataCorp, College Station, TX, EUA), versão 12.2.

Resultados

As características da amostra estão presentes na Tabela 1, na qual se pode observar uma disparidade quando comparados os atletas do sexo masculino e feminino em relação ao tempo de prática de futebol, destacando que 89,5% dos homens realizavam a prática de futebol havia 5 anos ou mais, e apenas 5,3% das mulheres tinham o mesmo tempo de prática.

Tabela 1
Características da amostra de atletas das categorias de base de uma equipe de futebol

A Tabela 2 apresenta a comparação entre os sexos com relação às médias do drop pélvico e do APPF do joelho no teste de descida de um degrau. Apesar de não haver diferença significativa no drop pélvico, observou-se que as atletas do sexo feminino tinham em na média uma maior angulação em varo durante a descida (p = 0,04).

Tabela 2
Comparação do APPF do joelho e do drop pélvico no teste de descida de um degrau em atletas das categorias de base de uma equipe de futebol

A Tabela 3 indica que a associação da queda da pelve com o ângulo do joelho em varo é fraca em ambos os sexos, não sendo o principal fator para este desalinhamento da articulação nesta amostra de jovens atletas.

Tabela 3
Associação entre ângulo do joelho no plano frontal e drop pélvico no teste de descida de um degrau em atletas das categorias de base de uma equipe de futebol

Discussão

O principal achado deste estudo foi que as jovens atletas de futebol do sexo feminino tiveram um menor alinhamento do joelho no plano frontal (desvio em varo) durante o teste de descida de um degrau. Além disso, a queda da pelve ocorreu tanto no sexo masculino quanto no feminino, mas esse não parece ter sido o fator principal relacionado com este desalinhamento.

Apesar de normalmente a fraqueza da musculatura pélvica estar associada com uma compensação dinâmica em valgo, atletas de futebol, como a amostra deste estudo, tendem ao varo de forma mais acentuada.1919 de Rezende LFM, Santos M, Araújo TL, Matsudo VKR. A prática do futebol acentua os graus de geno varo? Rev Bras Med Esporte 2011;14(05):329–333 O varo se caracteriza pela abdução de quadril e rotação lateral do joelho, e, especialmente no futebol, se observa que é comum que haja uma alteração no padrão postural nos joelhos dos atletas, que apresentam-se em varo, devido à maior utilização das cadeias de abdução e flexão de quadril de acordo com o gesto esportivo específico.77 Bittencourt NF, Ocarino JM, Mendonça LD, Hewett TE, Fonseca ST. Foot and hip contributions to high frontal plane knee projection angle in athletes: a classification and regression tree approach. J Orthop Sports Phys Ther 2012;42(12):996–1004,2020 Sigward SM, Ota S, Powers CM. Predictors of frontal plane knee excursion during a drop land in young female soccer players. J Orthop Sports Phys Ther 2008;38(11):661–667

O presente estudo avaliou o drop pélvico e o alinhamento do joelho no plano frontal de atletas adolescentes de ambos os sexos de forma dinâmica, durante um teste de descida de um degrau. Atividades com descarga de peso em cadeia cinética fechada têm força resultante de reação do solo medialmente à articulação do joelho, ocasionando um possível desalinhamento na articulação, o qual é resistido primariamente pelos ligamentos colaterais e a musculatura envolvida.2121 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther 2010;40(02):42–51 De fato, o desalinhamento de membros inferiores existe no esporte,2222 Burnet EN, Pidcoe PE. Isometric gluteus medius muscle torque and frontal plane pelvic motion during running. J Sports Sci Med 2009;8(02):284–288 e parece que a população feminina, por menor estabilidade articular e maior fraqueza na musculatura da cintura pélvica, é a que apresenta maiores variações angulares no plano frontal,99 Magalhães E, Fukuda TY, Sacramento SN, Forgas A, Cohen M, Abdalla RJ. A comparison of hip strength between sedentary females with and without patellofemoral pain syndrome. J Orthop Sports Phys Ther 2010;40(10):641–647,2323 Souza RB, Powers CM. Differences in hip kinematics, muscle strength, andmuscle activation between subjects with andwithout patellofemoral pain. J Orthop Sports Phys Ther 2009;39(01):12–19,2424 Herrington L. Knee valgus angle during landing tasks in female volleyball and basketball players. J Strength Cond Res 2011;25 (01):262–266 apesar de existirem outros fatores que precisam ser analisados.77 Bittencourt NF, Ocarino JM, Mendonça LD, Hewett TE, Fonseca ST. Foot and hip contributions to high frontal plane knee projection angle in athletes: a classification and regression tree approach. J Orthop Sports Phys Ther 2012;42(12):996–1004,2525 Cruz AC, Fonseca ST, Araújo VL, et al. Pelvic Drop Changes due to Proximal Muscle Strengthening Depend on Foot-Ankle Varus Alignment. Appl Bionics Biomech 2019;2019:2018059 Durante a desaceleração dos movimentos esportivos, as mulheres apresentam menores ângulos de flexão do joelho no contato inicial com o solo, por apresentarem biomecanicamente uma diminuição dos ângulos de flexão do quadril.33 Tamura A, Akasaka K, Otsudo T, Shiozawa J, Toda Y, Yamada K. Dynamic knee valgus alignment influences impact attenuation in the lower extremity during the deceleration phase of a single-leg landing. PLoS One 2017;12(06):e0179810 Os músculos que circundam a articulação do quadril desempenham um papel fundamental na estabilização durante o movimento, principalmente do alinhamento dinâmico do joelho no plano frontal,2626 Claiborne TL, Armstrong CW, Gandhi V, Pincivero DM. Relationship between hip and knee strength and knee valgus during a single leg squat. J Appl Biomech 2006;22(01):41–50 e essa fraqueza pode tornar as mulheres mais susceptíveis a lesões no esporte, principalmente lesões mais graves, como nos ligamentos da articulação do joelho.1010 EmamvirdiM, Letafatkar A, Khaleghi Tazji M. The Effect of Valgus Control Instruction Exercises on Pain, Strength, and Functionality in Active Females With Patellofemoral Pain Syndrome. Sports Health 2019;11(03):223–237,1212 Larruskain J, Lekue JA, Diaz N, Odriozola A, Gil SM. A comparison of injuries in elitemale and female football players: A five-season prospective study. Scand J Med Sci Sports 2018;28(01):237–245,1414 Heiderscheit BC. Lower extremity injuries: is it just about hip strength? J Orthop Sports Phys Ther 2010;40(02):39–41,2727 Resende RA, Kirkwood RN, Figueiredo EM. Cinemática da marcha de adultos jovens: dados normativos iniciais. Rev Ter Manual 2010;8(39):370–376,2828 Baldon RM, Lobato DF, Carvalho LP, Wun PY, Serrão FV. Diferenças biomecânicas entre os gêneros e sua importância nas lesões do joelho. Fisioter Mov 2011;24(01):157–166

Fortalecer a musculatura do tronco, da pelve e do quadril pode aumentar a estabilidade e diminuir o desalinhamento do joelho durante o teste de descida do degrau,66 Araújo VL, Souza TR, Carvalhais VODC, Cruz AC, Fonseca ST. Effects of hip and trunk muscle strengthening on hip function and lower limb kinematics during step-down task. Clin Biomech (Bristol, Avon) 2017;44(01):28–35 e, de forma geral, isso envolve toda a cinemática do membro inferior.2929 Barendrecht M, Lezeman HC, Duysens J, Smits-Engelsman BC. Neuromuscular training improves knee kinematics, in particular in valgus aligned adolescent team handball players of both sexes. J Strength Cond Res 2011;25(03):575–584,3030 Willy RW, Davis IS. The effect of a hip-strengthening program on mechanics during running and during a single-leg squat. J Orthop Sports Phys Ther 2011;41(09):625–632 Além da força muscular, uma maior amplitude de movimento também parece ser um fator importante. Um estudo com 39 mulheres jovens atletas de futebol mostrou uma correlação inversa entre amplitude de movimento do quadril e alinhamento do joelho, ou seja, quanto menor a amplitude de movimento do quadril, maior o desalinhamento no plano frontal,2020 Sigward SM, Ota S, Powers CM. Predictors of frontal plane knee excursion during a drop land in young female soccer players. J Orthop Sports Phys Ther 2008;38(11):661–667 e parece que a estabilidade da cintura pélvica é mais complexa do que apenas a análise de sua queda durante o movimento.

Além de maior controle da musculatura pélvica e do tronco, programas e instruções de controle de alinhamento do joelho durante o movimento podem diminuir a dor e melhorar o desempenho funcional, principalmente no sexo feminino.1010 EmamvirdiM, Letafatkar A, Khaleghi Tazji M. The Effect of Valgus Control Instruction Exercises on Pain, Strength, and Functionality in Active Females With Patellofemoral Pain Syndrome. Sports Health 2019;11(03):223–237 Em um estudo3131 Zazulak BT, Ponce PL, Straub SJ,MedveckyMJ, Avedisian L, Hewett TE. Gender comparison of hip muscle activity during single-leg landing. J Orthop Sports Phys Ther 2005;35(05):292–299 realizado com 22 atletas, avaliou-se durante a aterrissagem unipodal que as mulheres apresentaram uma maior ativação eletromiográfica do quadríceps e menor ativação do glúteo máximo quando comparadas aos homens, ou seja, o aumento da atividade do quadríceps, quando combinada à redução da atividade do glúteo, pode contribuir para a alteração da absorção de energia durante a aterrissagem, sobrecarregando outros grupos musculares dos membros inferiores e aumentando o risco de lesões.3131 Zazulak BT, Ponce PL, Straub SJ,MedveckyMJ, Avedisian L, Hewett TE. Gender comparison of hip muscle activity during single-leg landing. J Orthop Sports Phys Ther 2005;35(05):292–299 Programas orientados por profissionais capacitados podem melhorar a ativação de musculaturas específicas, melhorando a razão quadríceps-isquiotibiais, a musculatura adutora e abdutora do quadril, e são importantes para a estabilidade e o alinhamento da articulação, além de beneficiar os atletas de futebol, principalmente do sexo feminino.1717 Rodríguez C, Echegoyen S, Aoyama T. The effects of “Prevent Injury and Enhance Performance Program” in a female soccer team. J Sports Med Phys Fitness 2018;58(05):659–663

Vale ainda ressaltar que, além das diferenças fisiológicas entre os sexos, com a população feminina tendo maior desalinhamento dinâmico do joelho por menor força muscular, maior alargamento de pelve, maior frouxidão ligamentar, e sendo mais suscetíveis a lesões esportivas do que os homens, é lógico que o treinamento da modalidade esportiva em longo prazo é um fator que facilita a execução adequada do gesto esportivo, com economia de energia, o que pode proteger o atleta em relação às lesões. Se tratando de futebol em uma população de adolescentes, é comum que os atletas do sexo masculino pratiquem o esporte há mais tempo e com maior frequência, como mostram nossos resultados, com o tempo de prática dos meninos em quase 90% da amostra sendo superior a 5 anos, ao passo que apenas 5% das meninas tinham esse tempo de prática, o que potencializa o cuidado clínico com prevenção de lesões no sexo feminino já nas atletas jovens.

Apesar de o presente estudo ser do tipo transversal, o que pode limitar as conclusões sobre a causa e o efeito do alinhamento do joelho, acreditamos que, para a prática clínica, é essencial que os profissionais da área da saúde que atuem no meio esportivo tenham capacidade de identificar desalinhamentos dinâmicos, e atuem com protocolos específicos de prevenção de lesão já em atletas de base, com uma atenção especial para a população feminina, cuja fisiologia e biomecânica predispõem a uma maior incidência e gravidade das lesões.

Conclusão

Apesar de ambos os sexos terem apresentado queda pélvica, as atletas de base do sexo feminino apresentaram maior angulação do joelho em varo no teste de descida do degrau, necessitando maior atenção para minimizar o risco de lesão.

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    Trabalho desenvolvido na Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2019
  • Aceito
    16 Set 2020
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