Acessibilidade / Reportar erro

Neuropatia compressiva cubital no cotovelo: neurólise in situ versus transposição anterior–Estudo comparativo Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal.

Resumos

Objetivo:

Comparar os resultados de duas das técnicas cirúrgicas mais usadas, a descompressão in situ e a transposição subcutânea. Foram revistos os processos dos doentes tratados cirurgicamente num hospital universitário público entre janeiro de 2004 e dezembro de 2011. Foram excluídas compressões proximais do nervo, deformidades angulares do cotovelo e doenças sistêmicas associadas a neuropatia não compressiva.

Metodos:

Foram incluídos 97 casos (96 doentes). Segundo o escore modificado de McGowan, 14,4% dos pacientes encontravam-se no Grau Ia, 27,8% no II, 26,8% no IIb e 30,9% no III. A neurólise in situ do cubital foi feita em 64 casos e a transposição anterior subcutânea em 33.

Resultados:

Segundo o escore modificado de Wilson e Knout, os resultados foram excelentes em 49,5%, bons em 18,6%, apenas satisfatórios em 17,5% e pobres em 14,4%. Na comparação das duas técnicas observamos valores similares de resultados excelentes ou bons. Os graus IIb e III estão associados a mais resultados menos satisfatórios ou maus independentemente da técnica cirúrgica.

Conclusão:

As duas técnicas se revelam eficientes e seguras no tratamento do síndrome do túnel cubital.

Nervo ulnar; Cotovelo; Dor; Parestesia; Síndrome do túnel ulnar


Objective:

To compare the results from two of the most commonly used surgical techniques: in situ decompression and subcutaneous transposition. The processes of patients treated surgically in a public university hospital between January 2004 and December 2011 were reviewed. Cases of proximal compression of the nerve, angular deformity of the elbow and systemic diseases associated with non-compressive neuropathy were excluded.

Methods:

Ninety-seven cases were included (96 patients). According to the modified McGowan score, 14.4% of the patients presented grade Ia, 27.8% grade II, 26.8% grade IIb and 30.9% grade III. In situ neurolysis of the cubital was performed in 64 cases and subcutaneous anterior transposition in 33.

Results:

According to the modified Wilson and Knout score, the results were excellent in 49.5%, good in 18.6%, only satisfactory in 17.5% and poor in 14.4%. In comparing the two techniques, we observed similar numbers of excellent and good results. Grades IIb and III were associated with more results that were less satisfactory or poor, independent of the surgical technique.

Conclusion:

Both techniques were shown to be efficient and safe for treating cubital tunnel syndrome.

Ulnar nerve; Elbow; Pain; Paresthesia; Ulnar tunnel syndrome


Introdução

Após a observação de que o nervo cubital era comprimido no cotovelo, num espaço fibroósseo definido por um ligamento entre o epicôndilo medial e o olecrânio, Feindel e Stratford11. Feindel W, Stratford J. Cubital tunnel compression in tardy ulnar palsy. Can Med Assoc J. 1958;78(5):351–3. usaram o termo "síndrome túnel cubital" pela primeira vez. Um ano antes Osborne22. Osborne GV. The surgical treatment of tardy ulnar neuropathy. J Bone Joint Surg Br. 1957;39:782. havia descrito a descompressão simples do nervo por meio da secção desse mesmo ligamento. As primeiras publicações, no entanto, datam de 1878, ano em que Panas33. Panas J. Sur une cause connue de paralysie due nerfcubital. Arch Gen Med. 1878;2:5–22. descreveu a condição e Marchand44. Marchand AH. Sur la distension chirurgicale des nerfs. Gazete Hebdomadaire de Médecine et de Chirurgie. 1878;25:209–12. descreveu um procedimento para libertar e alongar o nervo cubital. A condição de "neurite tóxica do cubital" foi também descrita por Buzzard55. Buzzard EF. Some varieties of traumatic and toxic ulnar neuritis. Lancet. 1922;1:317–9. em 1922 e duas décadas mais tarde Learmonth66. Learmonth JR. A technique for transplanting the ulnar nerve. Surg Gynecol Obstet. 1942;75:792–3. descreveu também técnicas para a descompressão e transposição submuscular e intramuscular.

A compressão do nervo cubital é uma condição comum e pode ocorrer em vários níveis. A compressão no cotovelo representa a forma mais comum de compressão cubital77. Dellon AL. Review of treatment results for ulnar nerve entrapment at the elbow. J Hand Surg Am. 1989;14(4): 688–700.99. Apfelberg DB, Larson SJ. Dynamic anatomy of the ulnar nerve at the elbow. Plast Reconstr Surg. 1973;51(1):76–81. e a segunda neuropatia de compressão mais frequente do membro superior.

O diagnóstico é baseado em sintomas, sinais, testes ortopédicos e estudos eletrofisiológicos.

Muitos casos de síndrome túnel cubital podem ser tratados conservadoramente sem cirurgia. Ainda assim, alguns necessitam de tratamento cirúrgico com vista a evitar a persistência de sintomas e a progressão da deterioração neurológica. O tratamento cirúrgico deve ser guiado pelo seguintes princípios: 1) libertação de todos os sítios possíveis de compressão; 2) preservação da vascularização do nervo cubital no cotovelo; 3) mobilização precoce do cotovelo.

As opcões cirúrgicas mais comuns incluem descompressão simples, epicondilectomia medial, transposição anterior subcutânea, transposição anterior intramuscular e transposição anterior submuscular.

O cotovelo é uma articulação dinâmica. Ao longo do dia flete e estende para colocar a mão em posições funcionais. Com a mobilidade, mudanças associadas ocorrem na forma e no espaço do túnel cubital. Com a flexão do cotovelo o túnel torna-se mais achatado,1010. Patel VV, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, Yamaguchi K, Gelberman RH. Morphologic changes in the ulnar nerve at the elbow with flexion and extension: a magnetic resonance imaging study with 3-dimensional reconstruction. J Shoulder Elbow Surg. 1998;7(4):368–74. o ligamento arcuado tensiona-se1111. Vanderpool DW, Chalmers J, Lamb DW, Whiston TB. Peripheral compression lesions of the ulnar nerve. J Bone Joint Surg Br. 1968;50(4):792–803. e leva à diminuição do espaço disponível para o nervo1111. Vanderpool DW, Chalmers J, Lamb DW, Whiston TB. Peripheral compression lesions of the ulnar nerve. J Bone Joint Surg Br. 1968;50(4):792–803.,1212. Pechan J, Julius I. The pressure measurement in the ulnar nerve at the elbow. Plast Reconst Surg. 1973;51(1):79–81. e ao aumento da pressão dentro do túnel.1313. Werner CO, Ohlin P, Elmqvist D. Pressures recorded in ulnar neuropathy. Acta Orthop Scand. 1985;56(5):404–6.

Feindel e Stratford11. Feindel W, Stratford J. Cubital tunnel compression in tardy ulnar palsy. Can Med Assoc J. 1958;78(5):351–3. e Osborne22. Osborne GV. The surgical treatment of tardy ulnar neuropathy. J Bone Joint Surg Br. 1957;39:782. preconizaram que a secção da banda fibrótica, que forma o teto do referido túnel, seria suficiente para o alívio da pressão e o consequente alívio dos sintomas na maioria dos casos.

Em condições naturais o nervo sofre também tração e excursão durante o movimento normal do cotovelo.

A transposição anterior visa a transferência do nervo para um ponto anterior ao eixo de mobilização do cotovelo, diminui a tensão e elimina também a pressão do túnel cubital.

Não existe consenso na literatura sobre o tratamento cirúrgico ótimo para o síndrome do túnel cubital. A transposição anterior é talvez o procedimento mais efetuado.1414. Bartels RH, Menovsky T, Van Overbeeke JJ, Verhagen WI. Surgical management of ulner nerve compression at the elbow: an analysis of the literature. J Neurosurg. 1998;89(5):722–7. Apesar disso, outros autores defendem a tese de que a simples descompressão é tão eficaz quanto a transposição e apresenta taxa de sucesso semelhante e taxa de compliçates mais baixa.1515. Bartels RH, Verhagen WI, van der Wilt GJ, Meulstee J, van Rossum LG, Grotenhuis JA. Prospective randomized controlled study comparing simple decompression versus anterior subcutaneous transposition for idiopathic neuropathy of the ulnar nerve at the elbow: Part 1. Neurosurgery. 2005;56(3):522–30.1717. Gervasio O, Gambardella G, Zaccone C, Branca D. Simple decompression versus anterior submuscular transposition of the ulnar nerve in severe cubital tunnel syndrome: a prospective randomized study. Neurosurgery. 2005;56(1):108–17.

Este trabalho visa expandir a informação sobre a comparação de resultados entre duas técnicas amplaamente usadas para o tratamento do síndrome do túnel cubital: a descompressão in situ e a transposição anterior subcutânea.

Material e métodos

Foram revistos os registos de todos os doentes tratados cirurgicamente na nossa instituição entre janeiro de 2004 e dezembro de 2011. Como critérios de inclusão consideramos o diagnóstico de síndrome túnel cubital idiopático baseado no exame físico e estudo elecromiográfico. Foram excluídas compressões proximais do nervo, deformidades angulares do cotovelo e doenças sistêmicas associadas a neuropatia não compressiva.

Foram assim obtidos 97 casos, que corresponderam a 96 doentes (56 homens e 40 mulheres) com média de 51,91 anos (15-84). O lado direito foi o envolvido em 51 doentes, enquanto o esquerdo o foi em 46 (tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas dos doentes incluídos no estudo

Todos os doentes foram classificados em quatro graus, de acordo com o sistema de classificação de McGowan modificado.1818. McGowan AJ. The results of transposition of the ulnar nerve for traumatic ulnar neuritis. J Bone Joint Surg Br. 1950;32(3):293–301. Assim, doentes com sintomas subjetivos e sem achados objetivos foram classificados como Grau I; doentes com boa força intrínseca sem atrofia dos intrínsecos classificaram-se como IIA; os que apresentavam atrofia dos intrínsecos foram classificados como IIB e os com perturbação sensitiva marcada associada a atrofia marcada dos intrínsecos foram classificados como III.

Assim, 14,4% (14) dos doentes encontravam-se no Grau I, no IIa, 27 (27,8%), no IIb, 26 (26,8%), e no III, 30,9% (30) (tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da amostra, frequência absoluta e frequência relativa

A neurólise in situ do cubital foi feita em 64 casos, enquanto a transposição anterior subcutânea o foi em 33. Dos doentes submetidos a neurólise, 12,5% encontravam-se no Grau I, 29,7% no IIA, 28,1% no IIB e 29,7% no III. Dos submetidos a transposição anterior, 18,2% encontravam-se no Grau I, 24,2% no IIA e no IIB e os restantes 33,3% no III (tabela 3). Não se observaram diferenças estatisticamente significativas para o estágio pré-operatório dos doentes por grupo de cirurgia (p = 0,817).

Tabela 3
Comparação do grau pré-operatório dos doentes por grupo de cirurgia, neurólise e transposição

A avaliação pós-operatória foi estratificada segundo o sistema de Wilson e Knout,1919. Wilson DH, Knout R. Surgery of ulnar neuropathy at the elbow: 16 cases treated by decompression without transposition. Technical note. J Neurosurg. 1973;38(6):780–5. no qual um resultado excelente corresponde a alterações sensitivas e motoras mínimas, sem tensão no local da incisão; bom significa alterações sensitivas e motoras moderadas; satisfatório significa melhorado, mas com alterações persistentes; e pobre significa sem melhoria ou mesmo pioria do estado.

Na análise descritiva, as variáveis contínuas foram representadas pela média e por desvio padrão. As variáveis categoriais foram representadas pela frequência absoluta (n) e pela frequência relativa (%). Com a finalidade de selecionar os testes estatísticos adequados, usou-se o de Kolmogorov-Smirnov, com o objetivo de se verificar se as variáveis em estudo seguem uma distribuição normal. Para a comparação de médias usou-se o teste t de Student para amostras independentes. O teste do qui-quadrado ou o exato de Fisher (quando aplicável) foi usado na análise da associação entre duas variáveis categoriais.

Os quatro graus do escore modificado de McGowan foram reagrupados em dois: agrupou-se o Grau I com o IIA e o IIB com o III. A avaliação pós-operatória, segundo o sistema de Wilson e Knout, foi reclassificada em dois grupos, excelente e satisfatório, bom e pobre. Os testes estatísticos foram efetuados bilateralmente com um nível de significância de 5%. A análise estatística dos dados foi efetuada no software IBM SPSS Statistics 20.0.

Resultados

Segundo o escore modificado de Wilson e Knout, das 97 cirurgias feitas, 48 (49,5%) obtiveram um resultado excelente, 18 (18,6%) bom, 17 (17,5%) satisfatório e 14 (14,4%) pobre. Em apenas dois doentes foi necessária nova intervenção cirúrgica (tabela 1).

Não se observaram diferenças por sexo quanto à técnica cirúrgica. A idade média foi de 52 (14,9) anos. Os doentes que fizeram uma cirurgia de transposição eram mais velhos dois anos do que os que fizeram a neurólise (53,3 vs 51,2).

Quando comparados os resultados entre as duas técnicas cirúrgicas observamos ausência de diferenças estatisticamente significativas com valores similares para as taxas de resultados excelentes (48,4% para neurólise vs 51,5% para transposição anterior) e bons resultados (18,8% vs 18,28%). No que diz respeito a resultados apenas satisfatórios ou maus resultados, verificamos 32,8% para neurólise e 30,3% para a transposição subcutânea (tabela 4).

Tabela 4
Comparação dos resultados pós-operatórios por técnica cirúrgica usada

Na análise estratificada por grau inicial para as duas técnicas (tabelas 5 e 6), verifica-se que 41 doentes se encontravam nos graus I e IIa, 27 foram submetidos a neurólise e 14 a transposição. Dos doentes submetidos a neurólise, 55,6% obtiveram um resultado excelente e 44,4% bom, satisfatório ou pobre. O resultado excelente foi também obtido em 64,3% dos 14 doentes submetidos a transposição. Dos doentes inicialmente classificados nos graus IIB ou III, 37 foram submetidos a neurólise e 19 a transposição e alcançaram-se resultados excelentes em 43,2% e 42,1%, respectivamente, e resultados bons, satisfatórios ou pobres em 56,8% e 57,9%, respectivamente.

Tabela 5
Comparação dos resultados pós-operatórios por grau pré-operatório para a técnica cirúrgica de neurólise
Tabela 6
Comparação dos resultados pós-operatórios por grauo pré-operatório para a técnica cirúrgica de transposição

Apenas dois doentes tiveram necessidade de nova intervenção cirúrgica. Ambos haviam sido submetidos a descompressão simples (tabela 2).

Discussão

Várias técnicas cirúrgicas têm sido propostas para o tratamento da compressão do nervo cubital no cotovelo. A epicondilectomia medial raramente é feita.2020. Amako M, Nemoto K, Kawaguchi M, Kato N, Arino H, Fujikawa K. Comparison between partial and minimal medial epicondylectomy combined with decompression for the treatment of cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Am. 2000;25(6):1043–50.,2121. Froimson AI, Anouchi YS, Seitz WH Jr, Winsberg DD. Ulnar nerve decompression with medial epicondylectomy for neuropathy at the elbow. Clin Orthop Relat Res. 1991;(265):200–6. A transposição anterior subcutânea e a descompressão simples são os procedimentos mais usados. Na nosso estudo apenas foram incluídos os doentes operados por essas duas técnicas, visto representarem por larga maioria as mais efetuadas no nosso departamento.

Na análise dos resultados parece não haver preponderância de uma técnica sobre outra. Independentemente da técnica, a taxa de doentes com um resultado excelente atingiu os 48,5%. Quando comparada por técnica, a taxa de resultado excelente é também próxima (48,4% para neurólise e 51,5% para transposição). Resultados satisfatórios ou pobres foram obtidos por 32,8% e 30,3%, respectivamente, o que reforça a semelhança (fig. 1). Da análise resulta também uma tendência de que doentes com graus mais avançados na altura da cirurgia (IIB e III) tenham menor taxa de resultado excelente (43,2% e 42,1%), sem que se verifique uma diferença estatisticamente significativa (neurólise p = 0,957 e transposição p = 0,559). Essa tendência revelou-se independente da técnica e confirma aquilo que tem sido amplamente difundido na literatura, isto é, que as chances de recuperação da dor, sensibilidade e força motora são inversamente relacionadas ao grau inicial de neuropatia.

Figura 1
Resultados pós-operatórios por técnica cirúrgica usada, frequência relativa (%).

O marcante estudo em cadáver de Gelberman et al.2222. Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, Winn SS, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, et al. Changes in interstitial pressure and cross sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow: an experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(4):492–501. demonstrou que a pressão intraneural aumenta mais do que a pressão extraneural quando a flexão é maior do que 90°. Gelberman concluiu, então, que a tração contribui para a compressão do nervo e considerou que o aumento da pressão intraneural não pode ser por causa apenas da compressão extraneural sozinha. Apesar desse trabalho, a evidência de sofrimento nervoso por tração permanece controversa, ao contrário do sofrimento por compressão.99. Apfelberg DB, Larson SJ. Dynamic anatomy of the ulnar nerve at the elbow. Plast Reconstr Surg. 1973;51(1):76–81.,1111. Vanderpool DW, Chalmers J, Lamb DW, Whiston TB. Peripheral compression lesions of the ulnar nerve. J Bone Joint Surg Br. 1968;50(4):792–803.,2222. Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, Winn SS, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, et al. Changes in interstitial pressure and cross sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow: an experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(4):492–501.2727. Schuind FA, Goldschmidt D, Bastin C, Burny F. A biomechanical study of the ulnar nerve at the elbow. J Hand Surg Br. 1995;20(6):623–7. O síndrome do túnel cubital não constitui caso isolado de neuropatia compressiva no membro superior. Na maioria dos outras neuropatias é o fator compressão que aparece implicado. Sabemos também que os nervos são capazes de alongar e crescer à velocidade de 1 mm/dia. O que poderá justificar que o normal funcionamento do cotovelo necessite de uma excursão maior do nervo e por que o organismo é incapaz de responder e se acomodar a essa necessidade? Iba et al.2828. Iba K, Wada T, Aoki M, Tsuji H, Oda T, Yamashita T. Intraoperative measurement of pressure adjacent to the ulnar nerve in patients with cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Am. 2006;31(4):553–8. levantaram a questão da validade clínica dos valores de pressão encontrados por Gelberman et al.2222. Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, Winn SS, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, et al. Changes in interstitial pressure and cross sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow: an experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(4):492–501. ao encontrar in vivo valores de pressão intraneural permanentemente altos, mesmo em extensão e cerca de quatro vezes superiores em flexão.

Estudos mais recentes,2929. James J, Sutton LG, Werner FW, Basu N, Allison MA, Palmer AK. Morphology of the cubital tunnel: an anatomical and biomechanical study with implications for treatment of ulnar nerve compression. J Hand Surg Am. 2011;36(12):1988–95. também em cadáver, demonstraram que elongação do nervo ocorre sobretudo no segmento proximal ao epicôndilo e entre os 30° e os 90° e mantém o comprimento constante até os 135°. No entanto, aos 135° a altura, a área e a curvatura sagital do túnel diminuem e forçam o nervo a uma forma achatada. Esses achados sugerem que a compressão é máxima aos 135°.

Com base nos achados de Gelberman et al.,2222. Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, Winn SS, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, et al. Changes in interstitial pressure and cross sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow: an experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(4):492–501. muitos ortopedistas abandonaram a técnica cirúrgica inicialmente descrita por Osborne e passaram a fazer transposições anteriores. Nos últimos anos, no entanto, vários estudos demonstraram não só que a descompressão simples pode ser tão eficaz como a transposição anterior, mas também que essa última pode estar associada a um maior número de complicações. Um dos fatores pode ser a possibilidade de a vascularização sanguínea ser perturbada durante a transposição.3030. Asami A, Morisawa K, Tsuruta T. Funcional outcome of anterior transposition of the vascularized ulnar nerve for cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Br. 1998;23(5):613–6.3232. Lim BH, Tob CL, Wong HP, Pho RW. Cadaveric study on the vascular anatomy of the ulnar nerve at the elbow – a basis for anterior transposition? Ann Acad Med Singapore. 1992;21(5):689–93. Ogata et al.3333. Ogata K, Manske PR, Lesker PA. The effect of surgical dissection on regional blood flow to the ulnar nerve in the cubital tunnel. Clin Orthop Relat Res. 1985;(193):195–8. demonstraram num estudo experimental que a transposição está associada a uma diminuição no fluxo sanguíneo regional pelo menos durante três dias após a cirurgia. Biggs e Curtis,1515. Bartels RH, Verhagen WI, van der Wilt GJ, Meulstee J, van Rossum LG, Grotenhuis JA. Prospective randomized controlled study comparing simple decompression versus anterior subcutaneous transposition for idiopathic neuropathy of the ulnar nerve at the elbow: Part 1. Neurosurgery. 2005;56(3):522–30. num estudo randomizado prospectivo de 44 doentes, concluíram não haver diferença nos resultados entre neurólise simples e transposição anterior e recomendaram a primeira por causa do menor número de complicações. Bartels et al.,1515. Bartels RH, Verhagen WI, van der Wilt GJ, Meulstee J, van Rossum LG, Grotenhuis JA. Prospective randomized controlled study comparing simple decompression versus anterior subcutaneous transposition for idiopathic neuropathy of the ulnar nerve at the elbow: Part 1. Neurosurgery. 2005;56(3):522–30. em outro estudo prospectivo randomizado com 152 doentes, compararam transposição anterior subcutânea e descompressão simples e concluíram também que a descompressão simples tem igual eficácia, mas com uma taxa de complicações mais baixa (23 vs sete num total de 30), a que se associa também um custo mais baixo. Num outro estudo randomizado de 70 doentes e seguimento de 48 meses, Gervasio et al.1717. Gervasio O, Gambardella G, Zaccone C, Branca D. Simple decompression versus anterior submuscular transposition of the ulnar nerve in severe cubital tunnel syndrome: a prospective randomized study. Neurosurgery. 2005;56(1):108–17. não encontraram também diferenças estatisticamente significativas entre descompressão simples e transposição submuscular. Num quarto estudo prospectivo, com seguimento de 63,1 meses, Keiner et al.3434. Keiner D, Gaab MR, Schroeder HW, Oertel J. Comparison of the long-term results of anterior transposition of the ulnar nerve or simple decompression in the treatment of cubital tunnel syndrome – a prospective study. Acta Neurochir. 2009;151(4):311–5. concluíram que as duas técnicas levam a resultados semelhantes e que a descompressão simples deve ser preferida por ser menos invasiva. Nabhan et al.3535. Nabhan A, Ahlhelm F, Kelm J, Reith W, Schwerdtfeger K, Steudel WI. Simple decompression or subcutaneous anterior transposition of the ulnar nerve for cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Br. 2005;30(5):521–4. compararam também prospectivamente a descompressão simples e a transposição anterior subcutânea, reportaram não existirem diferenças nos resultados e, por isso, recomendaram também a descompressão simples como tratamento preferencial, por se tratar de procedimento mais simples. Duas metanálises levadas a cabo por Macadam et al.3636. Macadam SA, Ghandi R, Bezuhly M, Lefaivre KA. Simple decompression versus anterior subcutaneous and submuscular transposition of the ulnar nerve for cubital tunnel syndrome: a meta-analysis. J Hand Surg Am. 2008;33(8):1314.e1–12. e Zlowodzki et al.3737. Zlowodzki M, Chan S, Bhandari M, Kalliainen L, Schubert W. Anterior transposition compared with simple decompression for treatment of cubital tunnel syndrome. A meta-analysis of randomized controlled trials. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(12):2591–8. não encontraram também diferenças estatísticas significativas entre as várias técnicas.

O nosso estudo parece estar de acordo com as mais recentes publicações acerca do tratamento cirúrgico dessa patologia. Apesar da necessidade de reintervenção em dois doentes inicialmente tratados com descompressão simples, a maioria dos doentes tratados por essa técnica alcança o mesmo resultado que os submetidos a transposição subcutânea, independentemente do grau inicial. A ausência de complicações no nosso estudo por comparação com outros citados deve ser entendida porque em alguns desses estudos se compara transposição anterior por vezes intra ou submuscular, habitualmente associadas a maior taxa de complicações.

Da análise da literatura parece resultar também um papel cada vez mais restrito para a epicondilectomia medial. Muermans et al.3838. Muermans S, De Smet L. Partial medial epicondylectomy for cubital tunnel syndrome: outcome and complications. J Shoulder Elbow Surg. 2002;11(3):248–52. analisaram os seus resultados de 60 epicondilectomias em 51 doentes e verificaram resultados excelentes em 75% dos doentes. No entanto, 21 dos 51 doentes referiram dor no epicôndilo medial pós-cirurgia. Resultado semelhante ao obtido por Efstathopoulos et al.,3939. Efstathopoulos DG, Themistocleous GS, Papagelopoulos PJ, Chloros GD, Gerostathopoulos NE, Soucacos PN. Outcome of partial medial epicondylectomy for cubital tunnel syndrome. Clin Orthop Relat Res. 2006;(444):134–9. em que 45% dos doentes operados mantinham dor aos seis meses.

Conclusão

Este estudo encontra-se limitado pelo seu carácter retrospectivo e pelo pequeno número de doentes em alguns dos subgrupos analisados. Os resultados pós-operatórios não estiveram associados com a técnica cirúrgica usada (independentemente da técnica, a maior parte dos doentes obteve um resultado excelente), o que reforça a ideia de que a descompressão simples permite resultados semelhantes à transposição anterior subcutânea. Assim, e em atenção à sua maior simplicidade técnica, reservamos a transposição apenas para casos de nervo com potencial de subluxação, rigidez pós-traumática, instabilidade no valgo, paralisia tardia do nervo cubital ou falência de descompressão simples.

  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal.

References

  • 1
    Feindel W, Stratford J. Cubital tunnel compression in tardy ulnar palsy. Can Med Assoc J. 1958;78(5):351–3.
  • 2
    Osborne GV. The surgical treatment of tardy ulnar neuropathy. J Bone Joint Surg Br. 1957;39:782.
  • 3
    Panas J. Sur une cause connue de paralysie due nerfcubital. Arch Gen Med. 1878;2:5–22.
  • 4
    Marchand AH. Sur la distension chirurgicale des nerfs. Gazete Hebdomadaire de Médecine et de Chirurgie. 1878;25:209–12.
  • 5
    Buzzard EF. Some varieties of traumatic and toxic ulnar neuritis. Lancet. 1922;1:317–9.
  • 6
    Learmonth JR. A technique for transplanting the ulnar nerve. Surg Gynecol Obstet. 1942;75:792–3.
  • 7
    Dellon AL. Review of treatment results for ulnar nerve entrapment at the elbow. J Hand Surg Am. 1989;14(4): 688–700.
  • 8
    Bednar MS, Blair SJ, Light TR. Complications of the treatment of cubital tunnel syndrome. Hand Clin. 1994;10(1):83–92.
  • 9
    Apfelberg DB, Larson SJ. Dynamic anatomy of the ulnar nerve at the elbow. Plast Reconstr Surg. 1973;51(1):76–81.
  • 10
    Patel VV, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, Yamaguchi K, Gelberman RH. Morphologic changes in the ulnar nerve at the elbow with flexion and extension: a magnetic resonance imaging study with 3-dimensional reconstruction. J Shoulder Elbow Surg. 1998;7(4):368–74.
  • 11
    Vanderpool DW, Chalmers J, Lamb DW, Whiston TB. Peripheral compression lesions of the ulnar nerve. J Bone Joint Surg Br. 1968;50(4):792–803.
  • 12
    Pechan J, Julius I. The pressure measurement in the ulnar nerve at the elbow. Plast Reconst Surg. 1973;51(1):79–81.
  • 13
    Werner CO, Ohlin P, Elmqvist D. Pressures recorded in ulnar neuropathy. Acta Orthop Scand. 1985;56(5):404–6.
  • 14
    Bartels RH, Menovsky T, Van Overbeeke JJ, Verhagen WI. Surgical management of ulner nerve compression at the elbow: an analysis of the literature. J Neurosurg. 1998;89(5):722–7.
  • 15
    Bartels RH, Verhagen WI, van der Wilt GJ, Meulstee J, van Rossum LG, Grotenhuis JA. Prospective randomized controlled study comparing simple decompression versus anterior subcutaneous transposition for idiopathic neuropathy of the ulnar nerve at the elbow: Part 1. Neurosurgery. 2005;56(3):522–30.
  • 16
    Biggs M, Curtis JA. Randomized, prospective study comparing ulnar neurolysis in situ with submuscular transposition. Neurosurgery. 2006;58(2):296–304.
  • 17
    Gervasio O, Gambardella G, Zaccone C, Branca D. Simple decompression versus anterior submuscular transposition of the ulnar nerve in severe cubital tunnel syndrome: a prospective randomized study. Neurosurgery. 2005;56(1):108–17.
  • 18
    McGowan AJ. The results of transposition of the ulnar nerve for traumatic ulnar neuritis. J Bone Joint Surg Br. 1950;32(3):293–301.
  • 19
    Wilson DH, Knout R. Surgery of ulnar neuropathy at the elbow: 16 cases treated by decompression without transposition. Technical note. J Neurosurg. 1973;38(6):780–5.
  • 20
    Amako M, Nemoto K, Kawaguchi M, Kato N, Arino H, Fujikawa K. Comparison between partial and minimal medial epicondylectomy combined with decompression for the treatment of cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Am. 2000;25(6):1043–50.
  • 21
    Froimson AI, Anouchi YS, Seitz WH Jr, Winsberg DD. Ulnar nerve decompression with medial epicondylectomy for neuropathy at the elbow. Clin Orthop Relat Res. 1991;(265):200–6.
  • 22
    Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, Winn SS, Heidenreich FP Jr, Bindra RR, et al. Changes in interstitial pressure and cross sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow: an experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(4):492–501.
  • 23
    Wadsworth TG. The external compression syndrome of the ulnar nerve at the cubital tunnel. Clin Orthop Relat Res. 1977;(124):189–204.
  • 24
    Pechan J, Julis I. The pressure measurement in the ulnar nerve. A contribution to the pathophysiology of the cubital tunnel syndrome. J Biomech. 1975;8(1):75–9.
  • 25
    Osborne G. Compression neuritis of the ulnar nerve at the elbow. Hand. 1970;2(1):10–3.
  • 26
    Ferlic DC. In situ decompression of the ulnar nerve at the elbow. In: Gelberman RH, editor. Operative repair and reconstruction. Philadelphia: JB Lippincott; 1991. p. 1063–7.
  • 27
    Schuind FA, Goldschmidt D, Bastin C, Burny F. A biomechanical study of the ulnar nerve at the elbow. J Hand Surg Br. 1995;20(6):623–7.
  • 28
    Iba K, Wada T, Aoki M, Tsuji H, Oda T, Yamashita T. Intraoperative measurement of pressure adjacent to the ulnar nerve in patients with cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Am. 2006;31(4):553–8.
  • 29
    James J, Sutton LG, Werner FW, Basu N, Allison MA, Palmer AK. Morphology of the cubital tunnel: an anatomical and biomechanical study with implications for treatment of ulnar nerve compression. J Hand Surg Am. 2011;36(12):1988–95.
  • 30
    Asami A, Morisawa K, Tsuruta T. Funcional outcome of anterior transposition of the vascularized ulnar nerve for cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Br. 1998;23(5):613–6.
  • 31
    Barone CM, Jimenez DF, Frempog-Bodeau A. Blood flow measurements of injured peripheral nerves by laser Doppler flowmetry. J Reconstr Microsurg. 1992;8(4):319–23.
  • 32
    Lim BH, Tob CL, Wong HP, Pho RW. Cadaveric study on the vascular anatomy of the ulnar nerve at the elbow – a basis for anterior transposition? Ann Acad Med Singapore. 1992;21(5):689–93.
  • 33
    Ogata K, Manske PR, Lesker PA. The effect of surgical dissection on regional blood flow to the ulnar nerve in the cubital tunnel. Clin Orthop Relat Res. 1985;(193):195–8.
  • 34
    Keiner D, Gaab MR, Schroeder HW, Oertel J. Comparison of the long-term results of anterior transposition of the ulnar nerve or simple decompression in the treatment of cubital tunnel syndrome – a prospective study. Acta Neurochir. 2009;151(4):311–5.
  • 35
    Nabhan A, Ahlhelm F, Kelm J, Reith W, Schwerdtfeger K, Steudel WI. Simple decompression or subcutaneous anterior transposition of the ulnar nerve for cubital tunnel syndrome. J Hand Surg Br. 2005;30(5):521–4.
  • 36
    Macadam SA, Ghandi R, Bezuhly M, Lefaivre KA. Simple decompression versus anterior subcutaneous and submuscular transposition of the ulnar nerve for cubital tunnel syndrome: a meta-analysis. J Hand Surg Am. 2008;33(8):1314.e1–12.
  • 37
    Zlowodzki M, Chan S, Bhandari M, Kalliainen L, Schubert W. Anterior transposition compared with simple decompression for treatment of cubital tunnel syndrome. A meta-analysis of randomized controlled trials. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(12):2591–8.
  • 38
    Muermans S, De Smet L. Partial medial epicondylectomy for cubital tunnel syndrome: outcome and complications. J Shoulder Elbow Surg. 2002;11(3):248–52.
  • 39
    Efstathopoulos DG, Themistocleous GS, Papagelopoulos PJ, Chloros GD, Gerostathopoulos NE, Soucacos PN. Outcome of partial medial epicondylectomy for cubital tunnel syndrome. Clin Orthop Relat Res. 2006;(444):134–9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2013
  • Aceito
    21 Out 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br