Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de diferentes ácidos hialurônicos comerciais como veículo de injeção para células mesenquimais humanas derivadas do tecido adiposo Trabalho desenvolvido no Laboratório StemCorp de Tecnologia em células-tronco, em parceria com o Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Avaliar in vitro, de forma direta, a citotoxicidade de ácidos hialurônicos como veículo de injeção para linhagens de células-tronco mesenquimais (CTMs) obtidas de tecido adiposo humano.

Métodos:

As CTMs foram divididas em sete grupos, os quais foram expostos ao ácido hialurônico de seis marcas comerciais, além do contato com tampão fosfato-salino PBS (grupo controle). Após quatro, 24 e 48 horas, foi feita a análise da viabilidade celular através do contador Countess pelo método de coloração com Trypan Blue (Thermo Fisher Scientific).

Resultados:

Os resultados demonstraram uma diferença significativa na viabilidade celular quando essas linhagens de CTMs foram expostas aos diferentes ácidos hialurônicos em comparação com o grupo controle.

Conclusão:

Os dados sugerem que o ácido hialurônico pode ser usado como veículo de injeção para CTMs, porém é necessária cautela na escolha do melhor produto para aplicação terapêutica futura.

Palavras-chave:
Doenças da cartilagem; Joelho; Artroscopia; Cartilagem articular; Células-tronco mesenquimais; Transplante de células-tronco mesenquimais

ABSTRACT

Objective:

The main purpose of this study is to evaluate, in vitro, the cytotoxicity of different commercial brands of hyaluronic acids to be used as a vehicle for injection of human adipose-derived mesenchymal stem cells (AD-MSCs).

Methods:

AD-MSCs were divided into seven groups: one control group where AD-MSCs were cultivated with phosphate-buffered saline (PBS) and six other groups where AD-MSCs were cultivated with different commercial brands of hyaluronic acid. AD-MSC viability analysis was performed after 4, 24, and 48 h in contact with each treatment, using the trypan staining method on a Countess automated cell counter (Thermo Fisher Scientific).

Results:

The results clearly demonstrated a significant difference in cell viability when AD-MSCs were exposed to different hyaluronic acids when compared with the control group.

Conclusion:

These data suggest that hyaluronic acid can be used as a vehicle for injection of human AD-MSCs, but caution is needed to choose the best product, aiming at its future therapeutic application.

Keywords:
Cartilage diseases; Knee; Arthroscopy; Articular cartilage; Mesenchymal stem cells; Mesenchymal stem cell transplantation

Introdução

As lesões da cartilagem articular figuram-se entre as patologias musculoesqueléticas mais frequentes e de maior dificuldade de tratamento. Isso ocorre devido ao fato de o tecido condral estar sujeito a constantes estímulos, além de ter possuir baixo potencial de reparação por sua deficiência da circulação vascular e linfática.11 Oshima Y, Harwood FL, Coutts RD, Kubo T, Amiel D. Variation of mesenchymal cells in polylactic acid scaffold in an osteochondral repair model. Tissue Eng Part C Methods. 2009;15(4):595-604.,22 Wescoe KE, Schugar RC, Chu CR, Deasy BM. The role of the biochemical and biophysical environment in chondrogenic stem cell differentiation assays and cartilage tissue engineering. Cell Biochem Biophys. 2008;52(2):85-102.

Dentre as opções de tratamento cirúrgico atualmente disponíveis destacam-se, com resultados animadores na literatura, o implante autólogo de condrócitos, descrito em 1994 por Brittberg et al., no qual, após coleta da cartilagem saudável, faz-se a expansão e cultura celular e, num segundo tempo, a implantação dos condrócitos na lesão condral.33 Brittberg M, Lindahl A, Nilsson A, Ohlsson C, Isaksson O, Peterson L. Treatment of deep cartilage defects in the knee with autologous chondrocyte transplantation. N Engl J Med. 1994;331(14):889-95.,44 Yasui Y, Ando W, Shimomura K, Koizumi K, Ryota C, Hamamoto S, et al. Scaffold-free, stem cell-based cartilage repair. J Clin Orthop Trauma. 2016;7(3):157-63. Devido à existência de limitações para esse procedimento, como indisponibilidade e degeneração da cartilagem doadora, problemas com a expansão do condrócito in vitro e alto custo, buscam-se formas opcionais viáveis para o tratamento dessa importante lesão articular.11 Oshima Y, Harwood FL, Coutts RD, Kubo T, Amiel D. Variation of mesenchymal cells in polylactic acid scaffold in an osteochondral repair model. Tissue Eng Part C Methods. 2009;15(4):595-604.,55 Filardo G, Madry H, Jelic M, Roffi A, Cucchiarini M, Kon E. Mesenchymal stem cells for the treatment of cartilage lesions: from preclinical findings to clinical application in orthopaedics. Knee Surg Sports Traum Arthrosc. 2013;21(8):1717-29. Nesse contexto, as células-tronco mesenquimais (CTMs) têm sido apontadas como boa opção de tratamento. Dentre as várias fontes de obtenção, as derivadas do tecido adiposo ganham destaque, pois apresentam potencial de regeneração e diferenciação em tecido cartilaginoso, além do fato de estarem presentes em grande quantidade no organismo e de poderem ser obtidas com técnicas fáceis e pouco invasivas.66 Açil Y, Zhang X, Nitsche T, Möller B, Gassling V, Wiltfang J, et al. Effects of different scaffolds on rat adipose tissue derived stroma cells. J Craniomaxillofac Surg. 2014;42(6):825-34.

7 Gimble JM, Guilak F, Bunneli BA. Clinical and preclinical translation of cell-based therapies using adipose tissue-derived cells. Stem Cell Res Ther. 2010;1(2):19.
-88 Kim HJ, Im GI. Chondrogenic differentiation of adipose tissue-derived mesenchymal stem cells: greater doses of growth factor are necessary. J Orthop Res. 2009;27(5):612-9.O ácido hialurônico é considerado um excelente veículo para as células-tronco mesenquimais na reparação tecidual, devido a sua viscosidade e suas propriedades físico-químicas, por isso ganhou destaque na bioengenharia de tecidos99 Gojgini S, Tokatlian T, Segura T. Utilizing cell-matrix interactions to modulate gene transfer to stem cells inside hyaluronic acid hydrogels. Mol Pharm. 2011;8(5):1582-91.,1010 Lam J, Truong NF, Segura T. Design of cell-matrix interactions in hyaluronic acid hydrogel scaffolds. Acta Biomater. 2014;10(4):1571-80. (tabela 1). Apesar disso, não se têm dados que avaliem o potencial das CTMs quando expostas a diferentes pesos moleculares, marcas e viscosidades de hialuronato.

Tabela 1
Propriedades físico-químicas dos diferentes ácidos hialurônicos

Este estudo tem como principal objetivo avaliar in vitro, de forma direta, a citotoxicidade de diferentes marcas de ácidos hialurônicos sobre linhagens de CTMs obtidas de tecido adiposo humano.

Material e métodos

Considerações éticas

Todas as amostras de tecidos humanos para isolamento de CTM foram obtidas após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo doador ou responsável, de acordo com o Comitê de Ética em Pesquisa - seres humanos (CEP) do Hospital Universitário e Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (protocolo 040/2005).

Coleta, isolamento e expansão de CTM

CTM humanas derivadas do tecido adiposo (AD-MSC) foram isoladas com métodos previamente descritos pelo nosso grupo.1111 Vieira NM, Bueno CR, Brandalise V, Moraes LV, Zucconi E, Secco M, et al. SJL dystrophic mice express a significant amount of human muscle proteins following systemic delivery of human adipose-derived stromal cells without immunosuppression. Stem Cells. 2008;26(9):2391-8.

12 Vieira NM, Zucconi E, Bueno CR, Secco M, Suzuki MF, Bartolini P, et al. Human multipotent mesenchymal stromal cells from distinct sources show different in vivo potential to differentiate into muscle cells when injected in dystrophic mice. Stem Cell Rev. 2010;6(4):560-6.

13 Secco M, Zucconi E, Vieira NM, Fogaça LL, Cerqueira A, Carvalho MD, et al. Multipotent stem cells from umbilical cord: cord is richer than blood!. Stem Cells. 2008;26(1):146-50.
-1414 Vieira NM, Brandalise V, Zucconi E, Jazedje T, Secco M, Nunes VA, et al. Human multipotent adipose-derived stem cells restore dystrophin expression of Duchenne skeletal-muscle cells in vitro. Biol Cell. 2008;100(4):231-41.As coletas de tecido adiposo foram feitas, em cirurgias de cesárea, na região subcutânea abdominal do paciente. Após coleta, as amostras foram acondicionadas em frasco estéril e transportadas até o laboratório em caixas térmicas com monitoramento de temperatura entre 4-24oC. Todas as amostras foram processadas em até 48 h.

Resumidamente, para isolar as AD-MSC, as amostras de tecido adiposo foram lavadas com solução salina PBS 1 X pH 7.4 (PBS - phosphate-buffered saline) com 100 U/mL de penicilina e 100 ug/mL de estreptomicina (Life Technologies) e, em seguida, dissociadas com 0,075% de colagenase GMP (Serva) a 37oC por 30 minutos. Em seguida, o infranadante foi centrifugado a 300 x g durante cinco minutos e o pellet de células formado foi plaqueado em garrafas de cultivo, respeitou-se a proporção de 1.000-3.500 células por cm2.

Para expansão in vitro de AD-MSC, foi usado o sistema de cultivo de CTM livre de produtos animais, StemPro MSC SFM (Thermo Fisher Scientific), segundo recomendações do fornecedor (meio de proliferação). Cada linhagem foi mantida a 37 °C em uma atmosfera úmida com 5% de CO2 até atingirem pelo menos 1x106 células para serem criopreservadas em nitrogênio líquido a -196 °C com o kit StemPro MSC SFM. Para atingir número de células desejáveis para os experimentos, elas foram descongeladas em banho-maria a 37 °C e plaqueadas em garrafas de cultura com o meio de proliferação descrito acima.

Imunofenotipagem

Para confirmar a origem mesenquimal das linhagens AD-MSC obtidas, foi feita a análise de expressão de proteínas de membrana das células por citometria de fluxo com métodos previamente descritos pelo nosso grupo.1111 Vieira NM, Bueno CR, Brandalise V, Moraes LV, Zucconi E, Secco M, et al. SJL dystrophic mice express a significant amount of human muscle proteins following systemic delivery of human adipose-derived stromal cells without immunosuppression. Stem Cells. 2008;26(9):2391-8.

12 Vieira NM, Zucconi E, Bueno CR, Secco M, Suzuki MF, Bartolini P, et al. Human multipotent mesenchymal stromal cells from distinct sources show different in vivo potential to differentiate into muscle cells when injected in dystrophic mice. Stem Cell Rev. 2010;6(4):560-6.

13 Secco M, Zucconi E, Vieira NM, Fogaça LL, Cerqueira A, Carvalho MD, et al. Multipotent stem cells from umbilical cord: cord is richer than blood!. Stem Cells. 2008;26(1):146-50.
-1414 Vieira NM, Brandalise V, Zucconi E, Jazedje T, Secco M, Nunes VA, et al. Human multipotent adipose-derived stem cells restore dystrophin expression of Duchenne skeletal-muscle cells in vitro. Biol Cell. 2008;100(4):231-41. Para tanto, as células aderentes obtidas na passagem 5 foram incubadas com os seguintes anticorpos conjugados: CD29-PE-Cy5, CD31-PE, CD34-PerCP, CD45-FITC, CD73-PE, CD90-R-PE, CD105-PE, HLA-ABC-FITC, HLA-DR-R-PE (Becton Dickinson), segundo recomendações do fabricante. Como controle negativo, incubamos as células com PBS em vez do anticorpo primário. Foram adquiridos 10.000 eventos com o citômetro de fluxo Guava EasyCyte (Guava Technologies) e analisados com o software Guava ExpressPro (Guava Technologies).

Ensaio de diferenciação

hASC e hUCT foram submetidas aos protocolos de diferenciação para avaliar suas propriedades de CTM.1313 Secco M, Zucconi E, Vieira NM, Fogaça LL, Cerqueira A, Carvalho MD, et al. Multipotent stem cells from umbilical cord: cord is richer than blood!. Stem Cells. 2008;26(1):146-50.,1414 Vieira NM, Brandalise V, Zucconi E, Jazedje T, Secco M, Nunes VA, et al. Human multipotent adipose-derived stem cells restore dystrophin expression of Duchenne skeletal-muscle cells in vitro. Biol Cell. 2008;100(4):231-41. Assim, as células aderentes obtidas na passagem 5 foram submetidas às induções adipogênica, condrogênica e osteogênica in vitro com o kit de diferenciação StemPro (Life Technologies), segundo recomendações do fabricante. Amostras controle, não induzidas, foram mantidas em meio de proliferação durante todo o ensaio.

Adipogênese

A diferenciação adipogênica foi confirmada no dia 21 por coloração com Oil Red O (Sigma). Para tal, as células foram fixadas com paraformaldeído 4% durante 30 minutos, lavadas com água destilada e coradas com uma solução de trabalho de 0,16% Oil Red O durante 20 min.

Condrogênese

Após 21 dias de indução, para confirmar a diferenciação condrogênica, as células foram coradas com 1% azul de toluidina durante um minuto, lavadas com água destilada e, em seguida, tratadas com uma lavagem de solução de álcool etílico 70%, 95% e 100%, respectivamente.

Osteogênese

A diferenciação osteogênica foi avaliada pela coloração de Von Kossa. Resumidamente, as células foram coradas com 1% de nitrato de prata (Sigma) durante 45 min sob luz ultravioleta, coradas com 3% de tiossulfato de sódio (Sigma) durante 5 min e, em seguida, contrastadas com van Gieson. No fim dessa etapa, as células foram lavadas cuidadosamente com álcool etílico e deixadas secar completamente.

Grupos experimentais

CTMs, na passagem oito, foram divididas em sete grupos, as quais foram expostas ao ácido hialurônico de seis marcas comerciais, além do contato com tampão fosfato-salino - PBS (grupo controle):

  • Grupo 1: AD-MSC em contato com Fermathron® (Hyaltech)

  • Grupo 2: AD-MSC em contato com Orthovisc® (J&J)

  • Grupo 3: AD-MSC em contato com Synvisc® (Sanofi)

  • Grupo 4: AD-MSC em contato com Synovium® (LCA Pharmaceutical)

  • Grupo 5: AD-MSC em contato com Suprahyal® (Zodiac)

  • Grupo 6: AD-MSC em contato com Osteonil® (TRB Chemedica)

  • Grupo 7: AD-MSC em contato com PBS (Thermo Fisher Scientific)

Para preparo, as células foram descoladas da garrafa de cultura com o reagente TrypLE (Thermo Scientific) e centrifugadas a 300xg por cinco minutos, contadas no equipamento Countess (Thermo Fisher) e ressuspendidas na concentração de 1x106 células/mL de ácido hialurônico ou PBS. Após quatro, 24 e 48 horas de incubação à temperatura e atmosfera ambiente foi feita análise da viabilidade celular através do contador Countess pelo método de coloração com Trypan Blue (Thermo Fisher Scientific), segundo recomendações do fornecedor. Foram feitos dois experimentos independentes, cada um deles com três linhagens diferentes de AD-MSC (AT8, AT11 e AT13). Para cada intervalo de tempo foi feita uma única leitura de viabilidade, respeitaram-se as mesmas condições experimentais.

Análise estatística

Os dados numéricos obtidos foram transformados em média ± desvio padrão. A análise estatística foi feita pelo teste t de Student (p ≤ 0,05).

Resultados

Estabelecimento e seleção de linhagens celulares

Foram obtidas três linhagens de CTM provenientes do tecido adiposo (AD-MSC), denominadas: AT8, AT11 e AT13. Foram acompanhadas in vitro e a morfologia de cada uma delas avaliada com o decorrer das passagens. Todas as linhagens apresentaram morfologia similar à CTM (fig. 1) e excelente taxa de proliferação até as passagens avaliadas, em meio livre de produtos de origem animal. Isso as torna excelentes candidatas para os protocolos de expansão celular para aplicações terapêuticas futuras.

Figura 1
Estabelecimento de linhagens AD-MSC. Morfologia das células aderentes obtidas a partir de amostra de tecido adiposo humano (AT8, AT11 e AT13). As fotos representam as culturas in vitro na passagem 8. Aumento 50x.

Imunofenotipagem

Para confirmar a origem mesenquimal das linhagens de células aderentes obtidas, AT8, AT11 e AT13, avaliamos a expressão de um painel de proteínas de membrana celular por citometria de fluxo. As amostras mostraram-se positivas para os marcadores de células aderentes CD29 e CD90; negativas para o marcador endotelial CD31; negativas para os marcadores hematopoéticos CD34 e CD45; positivas para os marcadores mesenquimais CD73 e CD105; positivas para HLA-ABC e negativas para HLA-DR (fig. 2). Esse padrão obtido está de acordo com o painel de imunofenotipagem definido pela Sociedade Internacional de Terapia Celular.1515 Dominici M, Le Blanc K, Mueller I, Slaper-Cortenbach I, Marini F, Krause D, et al. Minimal criteria for defining multipotent mesenchymal stromal cells The International Society for Cellular Therapy position statement. Cytotherapy. 2006;8(4):315-7.

Figura 2
Imunofenotipagem das células aderentes obtidas do tecido adiposo. Os histogramas em cinza representam a populac¸ão de células não marcadas com anticorpos (controle negativo). Os histogramas em preto representam a populac¸ão de células marcadas com os respectivos anticorpos descritos em cada linha. Os gráficos mostram o número de células versus intensidade de fluorescência.

Ensaio de diferenciação

A plasticidade das células aderentes obtidas a partir do tecido adiposo (linhagem AT8, AT11 e AT13) foi avaliada após 21 dias de cultivo nos meios indutores para tipos celulares especializados de origem mesodérmica. As induções osteogênicas (fig. 3A) e adipogênica (fig. 3B) e condrogênica (fig. 3C) foram confirmadas pela presença de depósitos de cálcio, vacúolos lipídicos e matriz extracelular rica em mucopolissacarídeos, respectivamente. Juntos, esses resultados indicam a origem mesenquimal das células aderentes isoladas e potencial de diferenciação multipotente in vitro.1515 Dominici M, Le Blanc K, Mueller I, Slaper-Cortenbach I, Marini F, Krause D, et al. Minimal criteria for defining multipotent mesenchymal stromal cells The International Society for Cellular Therapy position statement. Cytotherapy. 2006;8(4):315-7.

Figura 3
Potencial de diferenciac¸ão das células aderentes isoladas do tecido adiposo. Primeira coluna representa as linhagens-controle negativas (não induzidas) e a segunda coluna as linhagens tratadas com meio de induc¸ão após 21 dias de cultura. A, induc¸ão osteogênica. A diferenciac¸ão foi confirmada pela presenc¸a de depósitos de cálcio (marrom escuro) através da colorac¸ão de von Kossa. Aumento 50X. B, induc¸ão adipogência. A diferenciac¸ão foi confirmada pela presenc¸a degotículas de lipídios citoplasmáticas (vermelho) através da colorac¸ão com Oil Red O. Aumento 200X. C, induc¸ão condrogênica. A diferenciac¸ão foi confirmada pela colorac¸ão de azul de toluidina, que permite visualizar o fenômeno de metacromasia, característico de matriz extracelular rica em mucopolissacarídeos. Aumento 50X.

Ensaio de contato com ácido hialurônico

Os resultados encontrados no estudo demonstram que houve diferença na viabilidade celular de acordo com o ácido hialurônico usado para cultura das CTMs em comparação com o grupo controle, conforme demonstrado na tabela 2.

Tabela 2
Viabilidade de células-tronco mesenquimais humanas provenientes do tecido adiposo em contato com diferentes ácidos hialurônicos comerciais. Média e desvio-padrão expressos em porcentagem de viabilidade para cada tratamento avaliado

Nas primeiras quatro horas, apenas as células em contato com o Orthovisc® tiveram sua viabilidade significativamente reduzida em relação ao grupo controle. O mesmo efeito foi observado para as células em contato por 24 h e 48 h com o Orthovisc® (p < 0,05). No entanto, após 24 h, todos os tratamentos, com exceção das células em contato com o Suprahyal®, tiveram viabilidade reduzida significativamente em comparação com o grupo controle PBS. Por fim, após 48 h, ambas as células em contato com Orthovisc® e Synvisc® tiveram viabilidade reduzida significativamente em relação ao grupo controle com PBS.

Assim, o Suprahyal® foi o ácido hialurônico que mais se mostrou adequado para uso como veículo para carreamento das AD-MSC nos ensaios de terapia celular, com manutenção de viabilidade em níveis muito próximos das células tratadas com a solução controle PBS.

Em relação à viscosidade e manipulação das células, os ácidos hialurônicos Fermathron® e Suprahyal® foram os que apresentaram melhor desempenho. O ácido Synovium® apresentou viscosidade muito elevada, o que dificultou a manipulação com as células. Já o Orthovisc® e Synvisc® apresentaram viscosidade intermediária, mas que também dificultaram a manipulação com as células.

Discussão

A medicina regenerativa tem sido vista com grande importância pela ortopedia, pois se tornou uma opção atrativa para o tratamento de problemas crônicos, como lesões de cartilagem articular e artrites. Isso ocorre devido ao fato de os tratamentos até então disponíveis serem insuficientes para a cura completa das lesões, o que resulta, muitas vezes, na diminuição da mobilidade e perda da autonomia do paciente. Essa terapia de regeneração tecidual usa como estratégia a terapia celular, na qual células-tronco são usadas para o reparo e o tratamento de lesões. Nesse contexto, por sua capacidade potencial de diferenciação em tecido ósseo e cartilaginoso, as células-tronco mesenquimais são muito promissoras e podem ser isoladas de vários locais do organismo humano, como medula óssea, gordura, periósteo, membrana sinovial, entre outros.1616 Schmitt A, Van Griensven M, Imhoff AB, Buchmann S. Application of stem cells in orthopedics. Stem Cells Int. 2012;:394962.,1717 Ehnert S, Glanemann M, Schmitt A, Vogt S, Shanny N, Nussler NC, et al. The possible use of stem cells in regenerative medicine: dream or reality?. Langenbecks Arch Surg. 2009;394(6):985-97.

O tecido adiposo é considerado um ótimo candidato como fonte para a terapia celular, pois é acessado por técnicas relativamente simples e pouco invasivas e apresenta uma grande concentração de células-tronco mesenquimais, tem cerca de 10-100 vezes mais CTMs por volume do que a medula óssea.1818 Gimble JM, Grayson W, Guilak F, Lopez MJ, Vunjak-Novakovic G. Adipose tissue as a stem cell source for musculoskeletal regeneration. Front Biosci (Schol Ed). 2011;3:69-81.

Entretanto, a terapia celular isolada ainda não é capaz de reparar defeitos com grandes dimensões. Nesse sentido, a engenharia de tecidos é vista como uma estratégia promissora porque usa scaffolds como biomateriais que imitam a arquitetura da matriz extracelular do tecido específico e têm grande influência no crescimento e diferenciação celular.1717 Ehnert S, Glanemann M, Schmitt A, Vogt S, Shanny N, Nussler NC, et al. The possible use of stem cells in regenerative medicine: dream or reality?. Langenbecks Arch Surg. 2009;394(6):985-97. Fato que já foi observado por Hidaka et al.,1919 Hidaka M, Su GN, Chen JK, Mukaisho K, Hattori T, Yamamoto G. Transplantation of engineered bone tissue using a rotary three-dimensional culture system. In Vitro Cell Dev Biol Anim. 2007;43(2):49-58. He et al.2020 He L, Nan X, Wang Y, Guan L, Bai C, Shi S, et al. Full-thickness tissue engineered skin constructed with autogenic bone marrow mesenchymal stem cells. Sci China C Life Sci. 2007;50(4):429-37. e Marra et al.2121 Marra KG, Defail AJ, Clavijo-Alvarez JA, Badylak SF, Taieb A, Schipper B, et al. FGF-2 enhances vascularization for adipose tissue engineering. Plast Reconstr Surg. 2008;121(4):1153-64. em 2007 e 2008, quando obtiveram sucesso com scaffolds com células progenitoras para substituição de tecido ósseo, cutâneo e adiposo, respectivamente.

O ácido hialurônico (HA) é comumente usado na engenharia de tecidos como biomaterial em estruturas de hidrogel. Por isso, compreender suas funções é fundamental para a confecção de estruturas mais eficientes.1010 Lam J, Truong NF, Segura T. Design of cell-matrix interactions in hyaluronic acid hydrogel scaffolds. Acta Biomater. 2014;10(4):1571-80.

Uma das explicações para o PBS ter efeito superior é devido a sua natureza isotônica, o que torna o reagente mais comumente usado em pesquisas biológicas. Os sais de fosfato não são tóxicos para as células vivas e têm uma elevada capacidade de tamponamento. A manutenção do pH é importante na manutenção da viabilidade celular e na recuperação e revitalização das células. Por outro lado, o ácido hialurônico é um dos principais componentes da matriz extracelular e contribui significativamente para a proliferação e migração celular.

Com base nos resultados obtidos neste estudo, percebeu-se que a viabilidade celular das CTMs derivadas do tecido adiposo humano depende muito do ácido hialurônico usado para cultura. O ácido hialurônico é um dos principais componentes da matriz extracelular e contribui significativamente para a proliferação e migração celular.

Além disso, acredita-se que o peso molecular possa ser o responsável pelas diferenças encontradas. Dentre as marcas pesquisadas, o Suprahyal® apresentou a maior quantidade de células-tronco viáveis no término do período analisado, apresentou o mais baixo peso molecular, 0,75 MDa, entre os grupos avaliados. Esse resultado pode ser explicado pela evidência de que ácido hialurônico de alto peso molecular age como inibidor da angiogênese e da proliferação celular, além de ter efeito anti-inflamatório e imunossupressor.1010 Lam J, Truong NF, Segura T. Design of cell-matrix interactions in hyaluronic acid hydrogel scaffolds. Acta Biomater. 2014;10(4):1571-80.

Assim, podemos sugerir que a viabilidade celular pode estar diretamente relacionada com a concentração e peso molecular do ácido hialurônico usado e que isso pode ser um fator determinante no sucesso do tratamento cirúrgico da lesão condral.

Entretanto, é importante salientar que os resultados discutidos acima são pertinentes à influência do HA nas células-tronco no contexto da engenharia de tecidos e não a seu uso como viscossuplementação no tratamento conservador da osteoartrite, visto que para essa finalidade existem evidências do seu benefício clínico e da provável superioridade do HA de alto peso molecular.2222 Ricci M, Micheloni GM, Berti M, Perusi F, Sambugaro E, Vecchini E, et al. Clinical comparison of oral administration and viscosupplementation of hyaluronic acid (HA) in early knee osteoarthritis. Musculoskelet Surg. 2016 [Epub ahead of print] PubMed PMID: 27681813.

23 Conrozier T, Bozgan AM, Bossert M, Sondag M, Lohse-Walliser A, Balblanc JC. Standardized follow-up of pacientes with symptomatic knee osteoarthritis treated with a single intra-articular injection of a combination of cross-linked hyaluronic acid and mannitol. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2016;9:175-9.
-2424 Maheu E, Rannou F, Reginster JY. Efficacy and safety of hyaluronic acid in the management of osteoarthritis: evidence from real-life setting trials and surveys. Semin Arthritis Rheum. 2016;45(4 Suppl):S28-33.

Conclusão

Os dados sugerem que o ácido hialurônico pode ser usado como veículo de injeção para células-tronco mesenquimais, porém é necessária cautela na escolha do melhor produto, de acordo com a viabilidade e o efeito citotóxico das diferentes marcas comerciais de ácidos hialurônicos. Dessa maneira, a aplicação terapêutica será feita com mais segurança.

  • Trabalho desenvolvido no Laboratório StemCorp de Tecnologia em células-tronco, em parceria com o Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, São Paulo, SP, Brasil.

Agradecimentos

À Dra. Mayana Zatz, do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (IB-USP), que gentilmente cedeu o espaço da sua sala de cultura e equipamentos do seu laboratório. Este trabalho foi financiado com verba do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

References

  • 1
    Oshima Y, Harwood FL, Coutts RD, Kubo T, Amiel D. Variation of mesenchymal cells in polylactic acid scaffold in an osteochondral repair model. Tissue Eng Part C Methods. 2009;15(4):595-604.
  • 2
    Wescoe KE, Schugar RC, Chu CR, Deasy BM. The role of the biochemical and biophysical environment in chondrogenic stem cell differentiation assays and cartilage tissue engineering. Cell Biochem Biophys. 2008;52(2):85-102.
  • 3
    Brittberg M, Lindahl A, Nilsson A, Ohlsson C, Isaksson O, Peterson L. Treatment of deep cartilage defects in the knee with autologous chondrocyte transplantation. N Engl J Med. 1994;331(14):889-95.
  • 4
    Yasui Y, Ando W, Shimomura K, Koizumi K, Ryota C, Hamamoto S, et al. Scaffold-free, stem cell-based cartilage repair. J Clin Orthop Trauma. 2016;7(3):157-63.
  • 5
    Filardo G, Madry H, Jelic M, Roffi A, Cucchiarini M, Kon E. Mesenchymal stem cells for the treatment of cartilage lesions: from preclinical findings to clinical application in orthopaedics. Knee Surg Sports Traum Arthrosc. 2013;21(8):1717-29.
  • 6
    Açil Y, Zhang X, Nitsche T, Möller B, Gassling V, Wiltfang J, et al. Effects of different scaffolds on rat adipose tissue derived stroma cells. J Craniomaxillofac Surg. 2014;42(6):825-34.
  • 7
    Gimble JM, Guilak F, Bunneli BA. Clinical and preclinical translation of cell-based therapies using adipose tissue-derived cells. Stem Cell Res Ther. 2010;1(2):19.
  • 8
    Kim HJ, Im GI. Chondrogenic differentiation of adipose tissue-derived mesenchymal stem cells: greater doses of growth factor are necessary. J Orthop Res. 2009;27(5):612-9.
  • 9
    Gojgini S, Tokatlian T, Segura T. Utilizing cell-matrix interactions to modulate gene transfer to stem cells inside hyaluronic acid hydrogels. Mol Pharm. 2011;8(5):1582-91.
  • 10
    Lam J, Truong NF, Segura T. Design of cell-matrix interactions in hyaluronic acid hydrogel scaffolds. Acta Biomater. 2014;10(4):1571-80.
  • 11
    Vieira NM, Bueno CR, Brandalise V, Moraes LV, Zucconi E, Secco M, et al. SJL dystrophic mice express a significant amount of human muscle proteins following systemic delivery of human adipose-derived stromal cells without immunosuppression. Stem Cells. 2008;26(9):2391-8.
  • 12
    Vieira NM, Zucconi E, Bueno CR, Secco M, Suzuki MF, Bartolini P, et al. Human multipotent mesenchymal stromal cells from distinct sources show different in vivo potential to differentiate into muscle cells when injected in dystrophic mice. Stem Cell Rev. 2010;6(4):560-6.
  • 13
    Secco M, Zucconi E, Vieira NM, Fogaça LL, Cerqueira A, Carvalho MD, et al. Multipotent stem cells from umbilical cord: cord is richer than blood!. Stem Cells. 2008;26(1):146-50.
  • 14
    Vieira NM, Brandalise V, Zucconi E, Jazedje T, Secco M, Nunes VA, et al. Human multipotent adipose-derived stem cells restore dystrophin expression of Duchenne skeletal-muscle cells in vitro. Biol Cell. 2008;100(4):231-41.
  • 15
    Dominici M, Le Blanc K, Mueller I, Slaper-Cortenbach I, Marini F, Krause D, et al. Minimal criteria for defining multipotent mesenchymal stromal cells The International Society for Cellular Therapy position statement. Cytotherapy. 2006;8(4):315-7.
  • 16
    Schmitt A, Van Griensven M, Imhoff AB, Buchmann S. Application of stem cells in orthopedics. Stem Cells Int. 2012;:394962.
  • 17
    Ehnert S, Glanemann M, Schmitt A, Vogt S, Shanny N, Nussler NC, et al. The possible use of stem cells in regenerative medicine: dream or reality?. Langenbecks Arch Surg. 2009;394(6):985-97.
  • 18
    Gimble JM, Grayson W, Guilak F, Lopez MJ, Vunjak-Novakovic G. Adipose tissue as a stem cell source for musculoskeletal regeneration. Front Biosci (Schol Ed). 2011;3:69-81.
  • 19
    Hidaka M, Su GN, Chen JK, Mukaisho K, Hattori T, Yamamoto G. Transplantation of engineered bone tissue using a rotary three-dimensional culture system. In Vitro Cell Dev Biol Anim. 2007;43(2):49-58.
  • 20
    He L, Nan X, Wang Y, Guan L, Bai C, Shi S, et al. Full-thickness tissue engineered skin constructed with autogenic bone marrow mesenchymal stem cells. Sci China C Life Sci. 2007;50(4):429-37.
  • 21
    Marra KG, Defail AJ, Clavijo-Alvarez JA, Badylak SF, Taieb A, Schipper B, et al. FGF-2 enhances vascularization for adipose tissue engineering. Plast Reconstr Surg. 2008;121(4):1153-64.
  • 22
    Ricci M, Micheloni GM, Berti M, Perusi F, Sambugaro E, Vecchini E, et al. Clinical comparison of oral administration and viscosupplementation of hyaluronic acid (HA) in early knee osteoarthritis. Musculoskelet Surg. 2016 [Epub ahead of print] PubMed PMID: 27681813.
  • 23
    Conrozier T, Bozgan AM, Bossert M, Sondag M, Lohse-Walliser A, Balblanc JC. Standardized follow-up of pacientes with symptomatic knee osteoarthritis treated with a single intra-articular injection of a combination of cross-linked hyaluronic acid and mannitol. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2016;9:175-9.
  • 24
    Maheu E, Rannou F, Reginster JY. Efficacy and safety of hyaluronic acid in the management of osteoarthritis: evidence from real-life setting trials and surveys. Semin Arthritis Rheum. 2016;45(4 Suppl):S28-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2017
  • Aceito
    19 Maio 2017
  • Publicado
    2 Ago 2018
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br