Acessibilidade / Reportar erro

Estudo comparativo dos ângulos radiográficos e tomográficos na epifisiolistese do fêmur proximal Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

RESUMO

Objetivo:

Comparar ângulos radiológicos do fêmur proximal em pacientes com escorregamento proximal da cabeça do fêmur (EPCF) e analisar se a avaliação por tomografia computadorizada pode modificar a conduta.

Método:

Estudo transversal que comparou e analisou a concordância entre ângulos e classificações radiológicas de interesse no escorregamento proximal da cabeça do fêmur (EPCF).

Resultado:

Observou-se que a conduta terapêutica na EPCF pode ser modificada a depender da classificação adotada e do método de aquisição de imagens radiológicas.

Conclusão:

A avaliação multiplanar da deformidade do fêmur proximal em pacientes com escorregamento proximal da cabeça do fêmur é uma opção viável e com potencial de modificar a classificação da doença nos pacientes e, por conseguinte, a modalidade terapêutica.

Palavras-chave:
Escorregamento das epífises proximais do fêmur/radiografia; Tomografia computadorizada por raios X; Articulação do quadril/radiografia

ABSTRACT

Objective:

To compare proximal femur radiologic angles in patients with slipped capital femoral epiphysis and to analyze whether computerized tomography may modify the treatment.

Methods:

Cross-sectional study comparing and analyzing the similarity between angles and radiologic classification of interest in slipped capital femoral epiphysis (SCFE) .

Results:

It was observed that the therapeutic management in slipped capital femoral epiphysis might be modified depending on the classification and radiologic acquisition method adopted.

Conclusion:

Multiplanar assessment of proximal femoral deformity in patients with slipped capital femoral epiphysis is a viable option, with the potential to modify the disease classification and, consequently, the therapeutic management.

Keywords:
Slipped capital femoral epiphyses/radiography; X-ray computed tomography; Hip joint/radiography

Introdução

O escorregamento proximal da cabeça do fêmur (EPCF) é a doença de quadril mais prevalente da adolescência.11. Loder RT. The demographics of slipped capital femoral epiphysis. An international multicenter study. Clin Orthop Relat Res. 1996;322:8-27.É caracterizada por um distúrbio na fise, que causa escorregamento anterior e rotação externa do colo do fêmur em relação à cabeça femoral, que permanece no acetábulo.22. Sharma V, Oddy MJ. Slipped capital femoral epiphysis: a review. Br J Hosp Med (Lond). 2014;75(3):155-61.A etiologia é multifatorial, sendo considerada a obesidade o principal fator etiológico.11. Loder RT. The demographics of slipped capital femoral epiphysis. An international multicenter study. Clin Orthop Relat Res. 1996;322:8-27.,33. Murray AW, Wilson NI. Changing incidence of slipped capital femoral epiphysis: a relationship with obesity? J Bone Joint Surg Br. 2008;90(1):92-4.

O diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem diminuir a incidência de complicações e perda funcional.44. Rahme D, Comley A, Foster B, Cundy P. Consequences of diagnostic delays in slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop Br. 2006;15(2):93-7.

5. Loder RT. What is the cause of avascular necrosis in unstable slipped capital femoral epiphysis and what can be done to lower the rate? J Pediatr Orthop. 2013;33 Suppl. 1:S88-91.

6. Mullins MM, Sood M, Hashemi-Nejad A, Catterall A. The management of avascular necrosis after slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 2005;87(12):1669-74.

7. Yarbrough R, Gross R. Chondrolysis: an update. J Pediatr Orthop . 2005;25(5):702-4.

8. Ingram AJ, Clarke MS, Clarke CS Jr, Marshall WR. Chondrolysis complicating slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Relat Res . 1982;(165):99-109.

9. Hosalkar HS, Pandya NK, Bomar JD, Wenger DR. Hip impingement in slipped capital femoral epiphysis: a changing perspective. J Child Orthop. 2012;6(3):161-72.

10. Hansson G, Billing L, Hogstedt B, Jerre R, Wallin J. Long -term results after nailing in situ of slipped upper femoral epiphysis. A 30 -year follow-up of 59 hips. J Bone Joint Surg Br . 1998;80(1):70-7.
-1111. Dodds MK, McCormack D, Mulhall KJ. Femoroacetabular impingement after slipped capital femoral epiphysis: does slip severity predict clinical symptoms? J Pediatr Orthop . 2009;29(6):535-9.Exames de imagem são indispensáveis para a confirmação diagnóstica e classificação da doença. Radiografias (RX) anteroposterior de bacia e RX em perfil tipo Lauenstein costumam ser suficientes para confirmação diagnóstica e classificação. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são úteis em casos graves, para determinação do fechamento da fise, dos desvios angulares e torcionais e indicação de osteotomias.1212. Tins B, Cassar- Pullicino V, McCall I. The role of pre- treatment MRI in established cases of slipped capital femoral epiphysis. Eur J Radiol. 2009;70(3):570-8.,1313. Monazzam S, Dwek JR, Hosalkar HS. Multiplanar CT assessment of femoral head displacement in slipped capital femoral epiphysis. Pediatr Radiol. 2013;43(12):1599-605.

Casos leves são tratados pela técnica de fixação percutâneain situcom parafuso canulado.1414. Loder RT, Aronsson DD, Weinstein SL, Breur GJ, Ganz R, Leunig M. Slipped capital femoral epiphysis. Instr Course Lect. 2008;57:473-98.Porém, a literatura recente tem defendido medidas mais agressivas no tratamento. Escorregamentos moderados e graves podem ser tratados com diversas técnicas, como a redução do deslizamento seguida por fixação, ou osteotomias corretivas na região proximal do fêmur.1515. Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(7):585-91.

16. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.

17. Dunn DM, Angel JC. Replacement of the femoral head by open operation in severe adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 1978;60B(3):394-403.

18. Kramer WG, Craig WA, Noel S. Compensating osteotomy at the base of the femoral neck for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1976;58(6):796-800.
-1919. Barmada R, Bruch RF, Gimbel JS, Ray RD. Base of the neck extracapsular osteotomy for correction of deformity in slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Relat Res . 1978;132:98-101.

A conduta terapêutica depende da classificação radiológica da gravidade da patologia. Classificações radiológicas importantes incluem o ângulo de escorregamento de Southwick1616. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.e o ângulo colo-cabeça descrito por Cohenet al.2020. Cohen MS, Gelberman RH, Griffin PP, Kasser JR, Emans JB, Millis MB. Slipped capital femoral epiphysis: assessment of epiphyseal displacement and angulation. J Pediatr Orthop . 1986;6(3):259-64.Recentemente Cooperet al.2121. Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.demonstraram que a deformidade tridimensional causada pela EPCF pode ser mais bem determinada com a avaliação da deformidade no plano oblíquo. Um método opcional, que considera a porcentagem de deslizamento entre a cabeça e o colo do fêmur, foi proposto por Wilson,2222. Wilson PD. The treatment of slipping of the upper femoral epiphysis with minimal displacement. J Bone Joint Surg. 1938;20:379-99.mais indicado para desvios pequenos.

A experiência clínica dos autores vai de acordo com os achados de Monazzanet al.1313. Monazzam S, Dwek JR, Hosalkar HS. Multiplanar CT assessment of femoral head displacement in slipped capital femoral epiphysis. Pediatr Radiol. 2013;43(12):1599-605.e Tinset al.,1212. Tins B, Cassar- Pullicino V, McCall I. The role of pre- treatment MRI in established cases of slipped capital femoral epiphysis. Eur J Radiol. 2009;70(3):570-8.os quais descreveram que as radiografias biplanares subestimam a gravidade da EPCF quando comparadas com a tomografia. Richoltet al.2323. Richolt JA, Hata N, Kikinis R, Scale D, Millis MB. Quantitative evaluation of angular measurements on plain radiographs in patients with slipped capital femoral epiphysis: a 3-dimensional analysis of computed tomography-based computer models of 46 femora. J Pediatr Orthop . 2008;28(3):291-6.sugerem que a avaliação radiográfica superestima desvios angulares e subestima desvios torcionais. A hipótese do presente estudo é que a avaliação da EPCF por meio da TC pode alterar a classificação do escorregamento e interferir na terapêutica. Nosso objetivo foi comparar os ângulos obtidos pela radiografia simples e TC e avaliar se a TC alteraria a conduta terapêutica na EPCF.

Material e métodos

Após aprovação pelo conselho de ética fez-se o levantamento retrospectivo dos pacientes que receberam como diagnóstico de alta EPFC (CID M93) entre janeiro de 2011 e maio de 2014. Nesse período, a solicitação de TC e RX pré-operatórios passou a ser rotina do nosso serviço para os pacientes admitidos com a hipótese diagnóstica de EPCF candidatos a osteotomia de Dunn. Em seguida foi feito o levantamento das imagens radiológicas armazenadas no sistema de imagens do hospital. Foram excluídos os pacientes que não tivessem TC ou RX disponível no sistema. As medidas dos ângulos de interesse foram tomadas por um ortopedista especialista em quadril, cegado em relação à identificação e aos dados clínicos dos pacientes. As medidas radiográficas e tomográficas foram tomadas separadamente.

Ângulo de Southwick (ângulo cabeça-diáfise femoral - ACDF)

O ângulo de Southwick é medido entre a perpendicular da linha que tangencia superior e inferiormente a fise proximal do fêmur e o eixo anatômico da diáfise do fêmur1616. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.(fig. 1). Para a medida do ACDF nas imagens tomográficas adotou-se método proposto por Southwick que tem como padrão os cortes coronal e sagital, perpendiculares entre si. Para avaliação do plano coronal tomou-se como imagem de referência o corte com o maior diâmetro subtrocanteriano e para avaliação do plano sagital foram sobrepostos dois cortes da TC, um com o maior diâmetro fisário e outro com o maior diâmetro subtrocanteriano (fig. 2). Após a obtenção dos ângulos em ambos os planos, o desvio tridimensional da diáfise femoral em relação à cabeça femoral foi estimado por trigonometria2424. Sabharwal S. Pediatric lower limb deformities: principles and techniques of management. Springer International Publishing; 2016.(fig. 3A).

Figura 1 -
Ângulo de Southwick no RX-AP.

Figura 2 -
Ângulo de Southwick (ângulo cabeça-diáfise femoral - ACDF) pelo plano sagital da TC.

Figura 3 -a)
fórmula trigonométrica para determinar o ângulo cabeça-diáfise femoraltridimensional; b) fórmula trigonométrica para determinar o ângulo cabeça-colo femoral tridimensional; c) fórmula trigonométrica para determinar o escorregamento cabeça-colo de Wilson tridimensional.

Plano oblíquo de Cooper (ângulo cabeça-colo femoral - ACCF)

O AACF é o ângulo entre o eixo de colo femoral e o eixo epifisário.2010. Hansson G, Billing L, Hogstedt B, Jerre R, Wallin J. Long -term results after nailing in situ of slipped upper femoral epiphysis. A 30 -year follow-up of 59 hips. J Bone Joint Surg Br . 1998;80(1):70-7.O eixo do colo femoral é determinado pela linha que conecta três pontos equidistantes entre as superfícies inferior e superior do colo femoral.2525. Weiner DS, Cook AJ, Hoyt WA Jr, Oravec CE. Computed tomography in the measurement of femoral anteversion. Orthopedics. 1978;1(4):299-306.O eixo epifisário é determinado pela linha perpendicular bissectora entre um ponto situado na extremidade anterior da epífise femoral e um ponto situado na extremidade posterior da epífise femoral.2020. Cohen MS, Gelberman RH, Griffin PP, Kasser JR, Emans JB, Millis MB. Slipped capital femoral epiphysis: assessment of epiphyseal displacement and angulation. J Pediatr Orthop . 1986;6(3):259-64.Optamos por comparar o modelo proposto por Cooperet al.,2121. Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.em que o plano coronal é determinado pelo RX-AP e o plano axial pela TC, com a modificação de usar os planos coronal (fig. 4) e axial (fig. 5) da tomografia. O corte escolhido para a medição no corte coronal é o que apresenta a maior área de colo femoral. Após obtenção das medidas uniplanares, o desvio tridimensional foi determinado por meio trigonométrico (fig. 3B).

Figura 4 -
Ângulo cabeça-colo femoral (ACCF) pelo corte coronal da TC.

Figura 5 -
Ângulo cabeça-colo femoral (ACCF) pelo corte axial da TC.

Escorregamento cabeça-colo de Wilson (ECCW)

A gradação do deslizamento proposta por Wilson consiste na relação entre a distância da margem superior do colo femoral à margem superior da cabeça femoral e ao diâmetro do colo femoral. Determinou-se o deslizamento de maneira tridimensional. Estimou-se a porcentagem do contato colo-cabeça nos planos axial (fig. 6A) e coronal (fig. 6B), tomou-se como padrão o corte com a maior área do colo femoral. Após a obtenção desses dados, o produto entre eles foi obtido para determinar o contato tridimensional. O deslizamento tridimensional é o número complementar necessário para chegar a 1 (100%) (figs. 3C e7).

Figura 6 -
A, Escorregamento cabeça-colo de Wilson no plano axial da TC; B, Escorregamento cabeça-colo de Wilson no plano coronal da TC.

Figura 7 -
Método matemático para determinar o escorregamento de Wilson de maneira tridimensional.

Avaliação das imagens e análise estatística

Os dados foram analisados com o auxílio dosoftwareestatístico STATA 11 (Stata Corporation, College Station, EUA). A concordância entre as variáveis categóricas foi feita com o teste Kappa. As variáreis contínuas foram avaliadas com testetpareado, após confirmação de normalidade com o teste de Kolmogorov-Smirnov. O limite de significância estatística usado foi 0,05.

A avaliação dos ângulos de Southwick foi feita por: 1. Classificação categórica em três grupos de acordo com a diferença entre o ângulo encontrado e o padrão de normalidade: escorregamento leve (0 a 30°), escorregamento moderado (30 a 50°), escorregamento grave (maior do que 50°);1313. Monazzam S, Dwek JR, Hosalkar HS. Multiplanar CT assessment of femoral head displacement in slipped capital femoral epiphysis. Pediatr Radiol. 2013;43(12):1599-605.,2626. Boyer DW, Mickelson MR, Ponseti IV. Slipped capital femoral epiphysis. Long -term follow-up study of one hundred and twenty-one patients. J Bone Joint Surg Am . 1981;63(1): 85-95.2. Classificação contínua segundo o ângulo medido. São considerados valores de normalidade 145° no RX-AP e 10° no RX-Perfil.2727. Herring JA, Tachdjian MO. Tachdjian’s pediatric orthopaedics: from the Texas Scottish Rite Hospital for Children. 5th ed. Philadelphia: Elsevier/Saunders; 2014.

A avaliação do plano oblíquo de Cooper foi feita por: 1. Classificação categórica em dois grupos conforme o ângulo encontrado: escorregamento leve (menor do que 50°), escorregamento grave (maior do que 50°).2121. Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.

As diferenças obtidas para o ECCW foram classificadas de maneira contínua e categórica. A classificação categórica conforme proposta por Wilsonet al.:2828. Wilson PD, Jacobs B, Schecter L. Slipped capital femoral epiphysis: an end- result study. J Bone Joint Surg Am . 1965;47:1128-45.escorregamento leve (0-33%), moderado (33-50%) e grave (maior do que 50%).

Resultados

Foram avaliados 26 quadris em 21 pacientes (tabelas 1-6).

Tabela 1 -
Análise descritiva

Tabela 2 -
Análise descritiva

Tabela 3 -
Concordância do plano oblíquo de Cooper
Tabela 4 -
Concordância da classificação de Wilson pela TC (3 D) e pelo RX
Tabela 5 -
Concordância da classificação de Southwick pela TC (3 D) e pelo RX

Tabela 6 -
Concordância entre as diferentes classificações

Plano oblíquo de Cooper

Não houve diferença significativa entre os dois métodos comparados (p = 0,59) e ambos apresentaram boa correlação (r = 0,93) e boa concordância (kappa = 0,81). Apenas um caso dos 26 avaliados teve a classificação alterada de grave para leve quando se optou pelo método de medição pelo plano coronal da TC.

Escorregamento de Wilson

Os escorregamentos obtidos na avaliação tridimensional [85 (71,2-98,8) %] são significativamente (p < 0,001) maiores do que os encontrados nos RX-AP [31,3 (20,2-42,4) %] e RX-Perfil [44,2 (34,1-54,3) %]. A concordância entre a classificação por TC e RX foi fraca (kappa = 0,216). Nos casos considerados leves ou moderados na avaliação uniplanar, 80% foram classificados como grave pela avaliação biplanar.

Ângulo de Southwick

Os ângulos encontrados no RX-AP [19,5 (9,7-29,3)°] são significativamente (p < 0,001) menores do que os encontrados no RX-Perfil [51,5 (43,8-59,2)°]e pela avaliação tomográfica em três dimensões [47,9 (38,0-57,8)°]. Não houve diferença significativa (p = 0,28) entre as medidas tomadas no RX-Perfil e TC-3D. Entretanto, observou-se uma tendência a classificar casos como tendo menor gravidade pelo método tridimensional por TC quando confrontado com o método radiográfico. A concordância entre a avaliação tridimensional por TC e a biplanar por RX foi fraca (kappa = 0,306)

Concordância entre as diferentes classificações

A concordância entre as classificações classicamente usadas, Southwick-RX, Wilson-RX, e Cooper, foi fraca, com kappa de 0,05 a 0,15.

Discussão

A literatura acerca do EPCF ainda carece de padronizações para avaliação de gravidade da doença e proposta terapêutica. Além disso, os pouco artigos voltados para a análise das concordâncias intra e interobservador dos métodos uniplanares sugerem valores baixos,2929. Lehmann TG, Vetti N, Laborie LB, Engesaeter IO, Engesaeter LB, Rosendahl K. Intra- and inter- observer repeatability of radiographic measurements for previously slipped capital femoral epiphysis at skeletal maturity. Acta Radiol. 2013;54(5):587-91.enquanto avaliações multiplanares apresentam melhor concordância.1313. Monazzam S, Dwek JR, Hosalkar HS. Multiplanar CT assessment of femoral head displacement in slipped capital femoral epiphysis. Pediatr Radiol. 2013;43(12):1599-605.,2121. Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.,2324. Sabharwal S. Pediatric lower limb deformities: principles and techniques of management. Springer International Publishing; 2016.Há diversos artigos com propostas próprias para classificação da doença, entretanto poucos são os que consideram a natureza multiplanar da deformidade. Acreditamos que a avaliação em três dimensões permita melhor determinação da deformidade real do fêmur proximal e concordância intra e interobservador. Ademais, a avaliação tridimensional pode modificar a conduta terapêutica. Entretanto, deformidades tridimensionais do quadril não podem ser adequadamente aferidas por meios radiográficos, porque não é possível garantir a perpendicularidade de raios entre as incidências anteroposterior e perfil. Logo, é necessário o uso de métodos que permitam avaliação tridimensional como TC e ressonância magnética.

Conforme esperado inicialmente, há pouca diferença entre avaliar o plano oblíquo de Cooper com o corte axial da TC e o RX-AP ou usar os cortes axial e coronal da TC. Entre os métodos mais difundidos esse é um dos poucos que avalia a deformidade tridimensional, todavia faltam estudos que respaldem o limite de 50° adotado por Cooperet al.2121. Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.para modificação da conduta terapêutica. Tal autor, baseado no plano oblíquo, sugere que desvios menores do que 50° sejam tratados com fixaçãoin situe desvios maiores do que 50°, com luxação seguida por redução anatômica do quadril.

A avaliação tridimensional do escorregamento de Wilson encontrou valores significativamente maiores do que a avaliação feita pelo RX. Dessa forma, 80% dos casos leves teriam a conduta alterada, adotam-se procedimentos cirúrgicos mais complexos quando a doença é classificada de forma biplanar. Por outro lado, a classificação de Southwick pela TC subestimou os valores encontrados pelo RX, 66% dos casos classificados como moderados ao RX teriam a conduta alterada para procedimentos menos invasivos se fosse adotada a classificação 3 D, em concordância com os achados previamente relatados por Richoltet al.2323. Richolt JA, Hata N, Kikinis R, Scale D, Millis MB. Quantitative evaluation of angular measurements on plain radiographs in patients with slipped capital femoral epiphysis: a 3-dimensional analysis of computed tomography-based computer models of 46 femora. J Pediatr Orthop . 2008;28(3):291-6.

Outro aspecto importante a considerar é a falta de concordância entre as diferentes classificações habitualmente usadas: Southwick-RX, Wilson-RX e Cooper. Quando avaliados simultaneamente pelos três métodos, oito dos 26 quadris analisados (30,79%) poderiam ter a conduta terapêutica alterada, a depender da classificação de referência. Nenhum dos casos foi classificado como leve simultaneamente por todos os métodos, enquanto apenas 33,3% (8/24) dos casos foram consistentemente considerados grave por todas as classificações.

Avaliações tridimensionais podem ser o melhor caminho para guiar a conduta terapêutica, pois permitem estimar a deformidade inerente à doença de forma mais próxima à realidade e com melhor reprodutibilidade. O melhor método de avaliação tridimensional é um tópico que carece de aprofundamento, mas vemos a avaliação tridimensional do escorregamento de Wilson e do ângulo de Southwick como opções promissoras, dado que são adaptações de dois modelos amplamente usados e com ampla série de casos estudados previamente na literatura.1010. Hansson G, Billing L, Hogstedt B, Jerre R, Wallin J. Long -term results after nailing in situ of slipped upper femoral epiphysis. A 30 -year follow-up of 59 hips. J Bone Joint Surg Br . 1998;80(1):70-7.,1515. Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(7):585-91.

16. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.
-1717. Dunn DM, Angel JC. Replacement of the femoral head by open operation in severe adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 1978;60B(3):394-403.,2222. Wilson PD. The treatment of slipping of the upper femoral epiphysis with minimal displacement. J Bone Joint Surg. 1938;20:379-99.,2626. Boyer DW, Mickelson MR, Ponseti IV. Slipped capital femoral epiphysis. Long -term follow-up study of one hundred and twenty-one patients. J Bone Joint Surg Am . 1981;63(1): 85-95.,2828. Wilson PD, Jacobs B, Schecter L. Slipped capital femoral epiphysis: an end- result study. J Bone Joint Surg Am . 1965;47:1128-45.

Uma limitação do presente artigo é a gravidade inicial da doença nos indivíduos estudados. Pesquisas futuras poderão avaliar as diferenças entre os achados radiográficos e tomográficos em pacientes portadores de EPCF mais leves. Além disso, a falta de um grupo controle (que poderia ser formado, por exemplo, por uma população assintomática), limita a conclusão da diferença dos achados radiográficos e tomográficos.

Os autores acreditam que o aprimoramento do cuidado com o paciente com epifisiolistese depende de melhores padronizações da gradação das deformidades e da conduta terapêutica. Para isso deve-se: 1) definir o papel de métodos radiológicos que permitam avaliação tridimensional da deformidade, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética; 2) padronizar a indicação terapêutica ideal conforme a deformidade, frente às novas opções diagnósticas.

Conclusão

O presente estudo encontrou diferenças nos ângulos da EPCF entre medidas tomadas pela radiografia e pela tomografia computadorizada. A avaliação multiplanar da deformidade do fêmur proximal é uma opção viável e com potencial de modificar a classificação da doença nos pacientes e, por conseguinte, a modalidade terapêutica.

References

  • 1
    Loder RT. The demographics of slipped capital femoral epiphysis. An international multicenter study. Clin Orthop Relat Res. 1996;322:8-27.
  • 2
    Sharma V, Oddy MJ. Slipped capital femoral epiphysis: a review. Br J Hosp Med (Lond). 2014;75(3):155-61.
  • 3
    Murray AW, Wilson NI. Changing incidence of slipped capital femoral epiphysis: a relationship with obesity? J Bone Joint Surg Br. 2008;90(1):92-4.
  • 4
    Rahme D, Comley A, Foster B, Cundy P. Consequences of diagnostic delays in slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop Br. 2006;15(2):93-7.
  • 5
    Loder RT. What is the cause of avascular necrosis in unstable slipped capital femoral epiphysis and what can be done to lower the rate? J Pediatr Orthop. 2013;33 Suppl. 1:S88-91.
  • 6
    Mullins MM, Sood M, Hashemi-Nejad A, Catterall A. The management of avascular necrosis after slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 2005;87(12):1669-74.
  • 7
    Yarbrough R, Gross R. Chondrolysis: an update. J Pediatr Orthop . 2005;25(5):702-4.
  • 8
    Ingram AJ, Clarke MS, Clarke CS Jr, Marshall WR. Chondrolysis complicating slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Relat Res . 1982;(165):99-109.
  • 9
    Hosalkar HS, Pandya NK, Bomar JD, Wenger DR. Hip impingement in slipped capital femoral epiphysis: a changing perspective. J Child Orthop. 2012;6(3):161-72.
  • 10
    Hansson G, Billing L, Hogstedt B, Jerre R, Wallin J. Long -term results after nailing in situ of slipped upper femoral epiphysis. A 30 -year follow-up of 59 hips. J Bone Joint Surg Br . 1998;80(1):70-7.
  • 11
    Dodds MK, McCormack D, Mulhall KJ. Femoroacetabular impingement after slipped capital femoral epiphysis: does slip severity predict clinical symptoms? J Pediatr Orthop . 2009;29(6):535-9.
  • 12
    Tins B, Cassar- Pullicino V, McCall I. The role of pre- treatment MRI in established cases of slipped capital femoral epiphysis. Eur J Radiol. 2009;70(3):570-8.
  • 13
    Monazzam S, Dwek JR, Hosalkar HS. Multiplanar CT assessment of femoral head displacement in slipped capital femoral epiphysis. Pediatr Radiol. 2013;43(12):1599-605.
  • 14
    Loder RT, Aronsson DD, Weinstein SL, Breur GJ, Ganz R, Leunig M. Slipped capital femoral epiphysis. Instr Course Lect. 2008;57:473-98.
  • 15
    Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(7):585-91.
  • 16
    Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.
  • 17
    Dunn DM, Angel JC. Replacement of the femoral head by open operation in severe adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 1978;60B(3):394-403.
  • 18
    Kramer WG, Craig WA, Noel S. Compensating osteotomy at the base of the femoral neck for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1976;58(6):796-800.
  • 19
    Barmada R, Bruch RF, Gimbel JS, Ray RD. Base of the neck extracapsular osteotomy for correction of deformity in slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Relat Res . 1978;132:98-101.
  • 20
    Cohen MS, Gelberman RH, Griffin PP, Kasser JR, Emans JB, Millis MB. Slipped capital femoral epiphysis: assessment of epiphyseal displacement and angulation. J Pediatr Orthop . 1986;6(3):259-64.
  • 21
    Cooper AP, Salih S, Geddis C, Foster P, Fernandes JA, Madan SS. The oblique plane deformity in slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop . 2014;8(2):121-7.
  • 22
    Wilson PD. The treatment of slipping of the upper femoral epiphysis with minimal displacement. J Bone Joint Surg. 1938;20:379-99.
  • 23
    Richolt JA, Hata N, Kikinis R, Scale D, Millis MB. Quantitative evaluation of angular measurements on plain radiographs in patients with slipped capital femoral epiphysis: a 3-dimensional analysis of computed tomography-based computer models of 46 femora. J Pediatr Orthop . 2008;28(3):291-6.
  • 24
    Sabharwal S. Pediatric lower limb deformities: principles and techniques of management. Springer International Publishing; 2016.
  • 25
    Weiner DS, Cook AJ, Hoyt WA Jr, Oravec CE. Computed tomography in the measurement of femoral anteversion. Orthopedics. 1978;1(4):299-306.
  • 26
    Boyer DW, Mickelson MR, Ponseti IV. Slipped capital femoral epiphysis. Long -term follow-up study of one hundred and twenty-one patients. J Bone Joint Surg Am . 1981;63(1): 85-95.
  • 27
    Herring JA, Tachdjian MO. Tachdjian’s pediatric orthopaedics: from the Texas Scottish Rite Hospital for Children. 5th ed. Philadelphia: Elsevier/Saunders; 2014.
  • 28
    Wilson PD, Jacobs B, Schecter L. Slipped capital femoral epiphysis: an end- result study. J Bone Joint Surg Am . 1965;47:1128-45.
  • 29
    Lehmann TG, Vetti N, Laborie LB, Engesaeter IO, Engesaeter LB, Rosendahl K. Intra- and inter- observer repeatability of radiographic measurements for previously slipped capital femoral epiphysis at skeletal maturity. Acta Radiol. 2013;54(5):587-91.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2016
  • Aceito
    26 Jul 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br