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Índice de fadiga do músculo quadríceps femoral em atletas de futebol após reconstrução do ligamento cruzado anterior Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil.

RESUMO

OBJETIVOS:

O presente estudo propõe avaliar a fadiga muscular do músculo quadríceps em atletas de futebol de alto rendimento submetidos à ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior (LCA).

MÉTODOS:

Foram avaliados 17 atletas de futebol com alto rendimento que pertenciam conjuntamente a três times de futebol profissional de um determinado estado brasileiro, de agosto de 2011 a julho de 2012. Todos foram avaliados entre 5,5 e 7 meses de pós-operatório de ligamentoplastia do LCA no dinamômetro isocinético da marca Biodex(r) (System 4 Pro) com protocolo de teste CON/CON nas velocidades de 60°/s e 300°/s com 5 e 15 repetições, respectivamente. No cálculo da fadiga muscular local, usamos o índice de fadiga que é calculado com a divisão do trabalho feito no terço inicial das repetições pelo terço final das repetições e a multiplicação por 100 para expressar uma unidade em porcentagem (i.e., variável quantitativa discreta).

RESULTADOS:

Todos eram do sexo masculino, com média de 21,3 ± 4,4 anos; IMC médio de 23,4 ± 1,53 cm; com dominância à esquerda em 47% (n = 8) dos atletas; e a direita em 53% (n = 9) dos atletas; o membro envolvido na lesão foi o dominante em 29% (n = 5) dos casos e o não dominante em 71% (n = 12). Os índices de fadiga foram de 19,6% no membro envolvido e de 29,0% nos membros não envolvidos.

CONCLUSÃO:

Os resultados nos permitem concluir que não há diferença significativa entre os membros envolvidos e não envolvidos na lesão de LCA no que diz respeito à fadiga muscular local. Também não foi observada associação entre ser destro ou canhoto com o membro envolvido na lesão de LCA.

Palavras-chave:
Fadiga; Ligamento cruzado anterior; Futebol

ABSTRACT

OBJECTIVE:

The present study aimed to evaluate the muscle fatigue of the quadriceps muscle in high-performance soccer players undergoing (anterior cruciate ligament) ACL reconstruction.

METHODS:

We evaluated 17 high-performance soccer players from three professional soccer teams of a state in Brazil from August 2011 to July 2012. All subjects were evaluated between 5.5 and 7 months after ACL reconstruction with a Biodex(r) isokinetic dynamometer (System 4 Pro) with test protocol CON/CON at 60°/s and 300°/s with 5 and 15 repetitions, respectively. In the calculation of local muscle fatigue, the fatigue index was used, which is calculated by dividing the labor done in the first one-third of the repetitions by that done at the final one-third of the repetitions, and multiplying by 100 to express a unit in percentage (i.e., as a discrete quantitative variable).

RESULTS:

All subjects were male, with a mean age of 21.3 ± 4.4 years and mean BMI 23.4 ± 1.53 cm; left dominance was observed in 47% (n = 8) of athletes, and right dominance, in 53% (n = 9) of athletes; and the limb involved in the lesion was the dominant in 29% (n = 5) and the non-dominant in 71% (n = 12). Fatigue rates were 19.6% in the involved limb and 29.0% in the non-involved limb.

CONCLUSION:

The results allow us to conclude that there was no significant difference between the limbs involved and not in ACL injuries regarding local muscle fatigue. No association was observed between the dominant side and the limb involved in the ACL injury.

Keywords:
Fatigue; Anterior cruciate ligament; Football

Introdução

A ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA) é uma lesão recorrente e funcionalmente limitante entre os atletas de futebol. A literatura indica que no futebol europeu um atleta de alto rendimento tem o LCA lesionado a cada 2.000 horas de prática do esporte, 14% das entorses de joelho lesionam essa estrutura e por temporada cada clube disputa 12,8 jogos com o time desfalcado devido à ruptura de LCA.1 1. Ekstrand J, Hägglund M, Waldén M. Epidemiology of muscle injuries in professional football (soccer). Am J Sports Med. 2011;39(6):1226-32.Essa lesão é frequente em atletas de futebol de alto rendimento, que fazem movimentos de hiperextensão bruscos, torção valga e rotação do joelho em excesso com o pé fixo no solo.22. Alves PHM, Silva DCO, Lima FC, Pereira ML, Silva Z. Lesão do ligamento cruzado anterior e atrofia do músculo quadríceps femoral. Biosci J. 2009;25(1):146-56.

Somados ao grande número de pessoas expostas a tais agravos, as lesões resultantes da prática do futebol e os riscos elevados para o seu desenvolvimento têm sido objeto de interesse e preocupação de profissionais da área da saúde. Afinal, na maioria dos casos ela é incapacitante e determina o afastamento, por períodos variados, dos treinamentos e das competições, para que seja tratada de forma correta e coerente.33. Gayardo A, Matana SB, Silva MR. Prevalência de lesões em atletas do futsal feminino brasileiro: um estudo retrospectivo. Rev Bras Med Esporte. 2012;18(3):186-9.

Além das funções biomecânicas conhecidas, estudos anatômicos também têm demonstrado que o LCA, por conter mecanorreceptores, também tem função sensorial.4 4. Lee BI, Min KD, Choi HS, Kwon SW, Chun DI, Yun ES, et al. Immunohistochemical study of mechanoreceptors in the tibial remnant of the ruptured anterior cruciate ligament in human knees. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2009;17(9):1095-101.Após a ruptura total ou parcial do LCA, os indivíduos podem apresentar déficit da consciência de posicionamento articular,5 5. Katayama M, Higuchi H, Kimura M, Kobayashi A, Hatayama K, Terauchi M, et al. Proprioception and performance after anterior cruciate ligament rupture. Int Orthop. 2004;28(5):278-81.deficiência na percepção da mudança de posição durante o movimento passivo66. Dhillon MS, Bali K, Prabhakar S. Proprioception in anterior cruciate ligament deficient knees and its relevance in anterior cruciate ligament reconstruction. Indian J Orthop. 2011;45(4):294-300. e reflexo de contração dos músculos que posteriorizam a tíbia em relação ao fêmur, principalmente o grupamento isquiotibial do lado acometido.77. Beard DJ, Kyberd PJ, Fergusson CM, Dodd CA. Proprioception after rupture of the anterior cruciate ligament. An objective indication of the need for surgery? J Bone Joint Surg Br. 1993;75(2):311-5. Essas alterações proprioceptivas, por sua vez, inibem a ação das unidades motoras do grupamento muscular extensor do joelho e diminuem, assim, a força, a potência e o trabalho muscular e causam uma possível perda de rendimento.22. Alves PHM, Silva DCO, Lima FC, Pereira ML, Silva Z. Lesão do ligamento cruzado anterior e atrofia do músculo quadríceps femoral. Biosci J. 2009;25(1):146-56.

A cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) é comumente feita na prática ortopédica. A escolha do melhor enxerto autólogo para a reconstrução do LCA, em joelhos com insuficiência desse ligamento, tem sido assunto de debate. O enxerto do 1/3 central do ligamento da patela (TP) foi amplamente usado, nas décadas de 1980 e 1990. No fim dos anos 1990, os tendões flexores do semitendíneo e grácil (TF) passaram a ser usados com maior frequência. Porém, até o momento, há discordâncias para a escolha do enxerto para a reconstrução da lesão do LCA.88. Cohen M, Ferretti M, Amaro JT. Reconstrução do ligamento cruzado anterior: escolha do enxerto PL São Paulo. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; 2007. Projeto Diretrizes.

Dentre as disfunções musculares observadas em pacientes após a reconstrução do LCA, destaca-se a fraqueza do músculo quadríceps femoral, promovida pela redução da sobrecarga, o derrame articular e a dor, que pode persistir mesmo depois de mais de seis meses de pós-operatório com reabilitação agressiva. Essa fraqueza é decorrente de uma ativação voluntária incompleta do músculo advinda da inibição muscular artrogênica, que se trata de um reflexo de inibição contínuo da musculatura ao redor do joelho quando há danos nessa articulação, retarda a reabilitação na medida em que impede ganhos na força muscular do quadríceps femoral e altera a propriocepção.99. Maciel NFB. Influência da fadiga no comportamento neuromuscular do quadríceps femoral após reconstrução do ligamento cruzado anterior. Rio Grande do Norte: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal; 2010. Dissertação.

A fadiga muscular pode ser definida como a diminuição do desempenho muscular durante uma atividade física, torna o indivíduo incapaz de manter a força, a potência e/ou trabalho esperados. Esse fato é acompanhado por mudanças na atividade elétrica muscular, na qual há uma diminuição da excitação das unidades motoras e alteração na velocidade de condução desses impulsos. Apesar de esse ser um tema relevante, não é completamente elucidado.1010. Dimitrova NA, Dimitrov GV. Interpretation of EMG changes with fatigue: facts, pitfalls, and fallacies. J Electromyogr Kinesiol. 2003;13(1):13-36., 11 11. Garcia MAC, Magalhães J, Imbiriba LA. Comportamento temporal da velocidade de condução de potenciais de ação de unidades motoras sob condições de fadiga muscular. Rev Bras Med Esporte. 2004;10(4):299-303.and 12 12. Santos MCA, Semeghuini TA, Azevedo FM, Colugnati DB, Negrão Filho RF, Alves N, et al. Análise da fadiga muscular localizada em atletas e sedentários através de parâmetros de frequência do sinal eletromiográfico. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(6):509-12.De acordo com a definição de fadiga muscular e seus aspectos, é possível hipotetizar que existe alguma alteração dessa variável no músculo quadríceps após a ruptura do LCA.

Tipicamente são definidos dois tipos de fadiga muscular: a que resulta de alterações da homeostasia no próprio musculoesquelético, independentemente da velocidade de condução do impulso neural, e designada por fadiga de origem periférica; e a que resulta de alterações do input neural que chega ao músculo, traduzida por uma redução progressiva da velocidade e frequência de condução do impulso voluntário aos motoneurônios durante o exercício, normalmente designada por fadiga de origem central.1313. Davis M, Bailey S. Possible mechanisms of central nervous system fatigue during exercise. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(1):45-57.

Uma das formas de se avaliar o equilíbrio muscular entre o quadríceps femoral e os isquiotibiais pode ser a partir de um teste feito em um equipamento chamado dinamômetro isocinético. A avaliação da força muscular especi?camente feita em dinamômetro isocinético vem sendo usada no diagnóstico de disfunções neuromusculares, na reabilitação, no treino e na investigação, como indicador da função e do desempenho de certos grupos musculares.1414. Weber FS, Silva BGC, Cadore LE, Pintor SS, Pintor RS. Avaliação isocinética da fadiga em jogadores de futebol profissional. Rev Bras Ciênc Esporte. 2012;34(3):775-88.

Estudos divergem sobre os índices de fadiga muscular em indivíduos submetidos à cirurgia de reconstrução ligamentar e, em virtude de os resultados obtidos na literatura serem conflitantes, surgiu a ideia de testar e avaliar realmente qual o comportamento da musculatura extensora no processo de fadiga muscular. Além disso, com o aumento da incidência das lesões ligamentares em atletas de futebol profissional, poderemos observar diretamente e mais claramente o impacto da cirurgia no desempenho desses atletas de alto rendimento e no futuro a ideia de se propor o uso de protocolos de reabilitação que possibilitem uma melhoria do desempenho e aumento da resistência à fadiga.

Os principais objetivos da reabilitação após a reconstrução do LCA são readquirir uma normal estabilidade articular, reestabelecer a amplitude total dos movimentos, conseguir boa força muscular do membro lesado, aumentar o controle neuromuscular, retomar uma atividade funcional normal e minimizar o risco de lesão de estruturas secundárias do joelho, tendo como objetivo prioritário atingir a simetria pós-cirúrgica dos joelhos.15 15. Mendes BMC. Prevenção e reabilitação fisiátrica na lesão do ligamento cruzado anterior [dissertação]. Portugal: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal; 2012. Dissertação.Portanto, o protocolo de reabilitação deve ser cuidadosamente planejado, com o objetivo primeiramente de restauração da amplitude do movimento e gradativo aumento de resistência e força muscular.1414. Weber FS, Silva BGC, Cadore LE, Pintor SS, Pintor RS. Avaliação isocinética da fadiga em jogadores de futebol profissional. Rev Bras Ciênc Esporte. 2012;34(3):775-88.

O presente estudo tem como objetivo avaliar o índice de fadiga muscular do quadríceps em atletas de futebol de alto rendimento submetidos à reconstituição do ligamento cruzado anterior, tendo como referência o membro contralateral.

Metodologia

Estudo transversal, desenvolvido em um Laboratório de Análise de Movimento Humano, de agosto de 2011 a julho de 2012, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com protocolo de número 230/2011. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos participantes, que confirmaram sua participação voluntária na pesquisa.

Foram usados 17 atletas de futebol com alto rendimento que pertenciam conjuntamente a três times de futebol profissional de um determinado estado brasileiro, foram incluídos todos aqueles que sofreram lesão do LCA e foram submetidos à cirurgia de reconstituição ligamentar. Os atletas foram encaminhados pelo departamento médico dos times dos quais faziam parte. Para participar da pesquisa os atletas não deveriam apresentar descompensação do sistema cardiorrespiratório, como hipertensão arterial não controlada, angina ou arritmia e foram excluídos os atletas que apresentaram dor aguda antes ou durante os testes (Escala Analógica de Dor igual ou superior a 70/100 mm), lesão sem tratamento ou qualquer outro fator que afetasse o desempenho do atleta no teste.

O equipamento usado para avaliar a fadiga muscular do quadríceps foi o dinamômetro isocinético da marca Biodex(r) (System 4 Pro). O atleta fez um aquecimento aeróbio leve, sem exercícios de alongamento, durante cinco minutos antes do teste isocinético. A cadeira do dinamômetro foi posicionada de forma que o quadril ficasse a 85° de flexão e o eixo de movimento do equipamento estivesse alinhado com o espaço intercondilar lateral. Em seguida os sujeitos foram sentados na cadeira do dinamômetro e o seu posicionamento foi estabilizado com cintas colocadas no nível do tronco, abdômen e da coxa não avaliada, no sentido de prevenir movimentos compensatórios. O braço de alavanca do aparelho foi fixado a 2 cm acima do maléolo medial. O teste sempre se iniciava pelo membro dominante. O protocolo isocinético estabelecido foi de contrações concêntricas (CON/CON) com duas velocidades: 60° e 300°/s, com cinco e 15 repetições respectivamente, com intervalo de 30 segundos de repouso. O equipamento foi calibrado com amplitude de movimento a partir de uma flexão máxima até uma extensão máxima para cada participante, na qual o ponto de referência era 90° de flexão. O membro foi pesado pelo próprio equipamento para evitar o viés causado pela ação da gravidade. Após os procedimentos de posicionamento e alinhamento foi solicitado aos sujeitos fazerem cinco movimentos de flexão e extensão à intensidade submáxima no sentido de completar o aquecimento e para familiarização com o equipamento e procedimento de testagem. Os membros superiores foram fixados lateralmente à cadeira em local apropriado. A seguir foi iniciado o teste, em que o comando verbal foi dado pelo mesmo avaliador durante todos os testes.

Para testar a hipótese de que o músculo quadríceps femoral no membro envolvido na lesão de LCA é mais suscetível a fadiga muscular do que o membro não envolvido, aplicamos o teste inferencial t de Student para amostras pareadas, uma vez que o membro sadio foi adotado como controle para o membro lesionado. Para análise e processamento dos dados foi usado o programa SPSS (versão 15.0) e adotou-se nível de significância de 5% para todos os cálculos.

No cálculo da fadiga muscular local, usamos o índice de fadiga, que é calculado com a divisão do trabalho feito no terço inicial das repetições pelo terço final das repetições e com a multiplicação por 100 para expressar uma unidade em porcentagem (i.e., variável quantitativa discreta).1616. Pincivero DM, Gear WS, Sterner RL. Assessment of the reliability of high-intensity quadriceps femoris muscle fatigue. Med Sci Sports Exerc. 2001;33(2):334-8.

As características da amostra foram descritas por meio de medidas descritivas, tais como medida de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão). Para determinar a distribuição dos dados foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov, que acusou padrão de distribuição normal.

Resultados

Caracterização da amostra

Os dados referentes às características dos participantes da amostra estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos sujeitos da amostra

Índice de fadiga do membro não envolvido

O índice de fadiga do músculo quadríceps femoral no membro não envolvido com a lesão do LCA está representado na figura 1.

Figura 1
Gráfico da fadiga para extensão do membro não envolvido em cirurgia reconstrutora.

Fadiga do membro envolvido

O índice de fadiga do músculo quadríceps femoral no membro envolvido com a lesão do LCA está representado na figura 2.

Figura 2
Gráfico da fadiga para extensão do membro envolvido em cirurgia reconstrutora.

Média do índice de fadiga para extensão do membro envolvido e não envolvido em cirurgia reconstrutora (fig. 3).

Figura 3
Gráfico da média do índice de fadiga para extensão do membro envolvido e não envolvido em cirurgia reconstrutora.

Discussão

Estudos de caracterização da performance isocinética são frequentes na literatura esportiva, principalmente em virtude da alta prevalência de lesões ligamentares em atletas de futebol de alto rendimento, que se devem, parcialmente, às mudanças esportivas ocorridas nos últimos anos, nas quais as exigências físicas são maiores, obrigam esses atletas a trabalhar próximo do seu limite de rendimento e favorecem a ocorrência de lesões.

Em relação aos dados antropométricos, analisados na tabela 1, a média de idade dos pacientes estudados foi de 21,3 ± 4,4 anos, o que corrobora a literatura, visto que as lesões do ligamento cruzado anterior ocorrem com mais frequência em indivíduos jovens que praticam algum tipo de esporte, principalmente em pacientes do sexo masculino.1717. Nicolini AP, Carvalho RT, Matsuda MM. Lesões comuns no joelho do atleta: experiência de um centro especializado. Acta Ortop Bras. 2014;22(3):127-31.

Neste estudo, foi observado que 71% (n = 12) do pacientes apresentavam o membro não dominante como o envolvido na lesão do ligamento cruzado anterior, o que é justificado pelo trauma rotacional ser o mecanismo mais frequente dessa lesão. Nesses casos, o corpo gira em rotação externa sobre o membro inferior apoiado no solo.1818. Dai B, Mao D, Garrett WE, Yu B. Anterior cruciate ligament injuries in soccer: loading mechanisms, risk factors, and prevention program. J Sport Health Sci. 2014;3(4):299-306.

O mecanismo de lesão clássico do ligamento cruzado anterior é de uma torção com o pé fixo no solo, mecanismo esse em que a tíbia se move para anterior em relação ao fêmur. Outros tipos de trauma também podem levar as lesões do cruzado anterior, principalmente durante a pratica esportiva, mas sem dúvida a projeção anterior da tíbia em relação ao fêmur é o principal causador da lesão do ligamento.18 18. Dai B, Mao D, Garrett WE, Yu B. Anterior cruciate ligament injuries in soccer: loading mechanisms, risk factors, and prevention program. J Sport Health Sci. 2014;3(4):299-306.and 1919. Faunø P, Jakobsen BW. Mechanism of anterior cruciate ligament injuries in soccer. Int J Sports Med. 2006;27(1):75-9.

Foi observado que 47% dos nossos atletas apresentavam o lado esquerdo como membro dominante e, consequentemente 53% apresentavam dominância no membro direito (Oddis Ratio de 0,476, IC de 95%, 0,057-3,990), o que demonstra que não existe associação entre ser destro ou canhoto com o membro envolvido na lesão de LCA.

No nosso estudo, dos 17 atletas estudados, a média do índice de fadiga muscular em extensão do membro envolvido na lesão foi de 19,6% ± 39,4 e o índice de fadiga em extensão observado no membro não envolvido com a lesão foi de 29,0% ± 11,1 (P = 0,246). Apesar de o índice de fadiga ser maior no membro não lesionado, verifica-se que não há diferença significativa entre os membros envolvidos e não envolvidos na lesão do LCA, no que diz respeito à variável fadiga muscular local.

Segundo Oliveira,20 20. Oliveira MP. Desempenho isocinético do Joelho após a lesão primária do ligamento cruzado anterior utilizando enxerto do ligamento contralateral. Brasília: Universidade de Brasília; 2008. Dissertação.há diferenças estatisticamente significativas entre membros doadores e receptores de enxerto de ligamentos patelar, apenas na extensão, para valores de pico de torque, potência média e fadiga ao trabalho em relação aos músculos quadríceps e isquiotibiais. Bonato et al.21 21. Bonato P, Cheng MS, Gonzales-Cueto J, Leardini A, O'Connor J, Roy SH. Based measures of fatigue during a repetitive squat exercises. Assessment of dynamic conditions can provide information about compensatory muscle function in ACL patients. IEEE Eng Med Biol. 2011;20(6):133-43.observaram que indivíduos com lesão de LCA apresentam menos resistência à fadiga do que sujeitos sadios, decorrente da fraqueza do quadríceps femoral. Contudo, McNair et al.22 22. McNair PJ, Wood GA. Frequency analysis of the EMG from the quadriceps of anterior cruciate ligament deficient individuals. Electromyogr Clin Neurophysiol. 1993;33(1):43-8.acreditam que pacientes com lesões crônicas de LCA desenvolveram hipertrofia do tipo de fibra II, já que esses sujeitos apresentaram maior resistência à fadiga do que os indivíduos sadios.

O início da fadiga pode estar relacionado ao aumento da concentração de ácido láctico no meio extracelular do tecido muscular. Teoricamente, o aumento da concentração de ácido láctico leva à diminuição do pH extracelular, fato que está relacionado com a diminuição na velocidade de condução do potencial de ação através da fibra muscular.2323. Moritani T. Neuromuscular adaptations during the acquisition of muscle strength, power and motor tasks. J Biomech. 1993;26 Suppl 1:95-107.

Estudos anatômicos do joelho humano demonstraram fibras nervosas que penetram nos ligamentos cruzados. Numa lesão do ligamento cruzado anterior ocorre perda de informação proprioceptiva, o que agrava a instabilidade dessa articulação pela diminuição da sensação de posição e ausência do estímulo para a contração reflexa. As demais estruturas do joelho têm outras fontes de informações proprioceptivas por meio de treinamento específico da coordenação neuromuscular, necessária para estabilizar a articulação, deve essa resposta ser feita por meio de controle dinâmico, com vistas à diminuição do tempo de resposta de reação muscular.2424. Paizante GO, Kirkwood RN. Reeducação proprioceptiva na lesão do ligamento cruzado anterior. Rev Meio Amb Saúde. 2007;2(1):123-35.

A fadiga muscular é um fenômeno frequente na rotina de treinamentos e competições de alguns atletas, pode prejudicar o desempenho e predispô-los a uma série de lesões musculoesqueléticas. Esse prejuízo pode ser transitório, durar minutos ou horas após o exercício ou ter duração de longos períodos, como vários dias.25 25. Barnett A. Using recovery modalities between training sessions in elite athletes. Does it help? Sports Med. 2006;36(9):781-96.Os prejuízos de curta duração resultam de distúrbios metabólicos ocorridos após o exercício de alta intensidade.26 26. Westerblad DH, Allen DG, Lannergren J. Muscle fatigue: lactic acid or inorganic phosphate the major cause? News Physiol Sci. 2002;17(1):17-21.Já os prejuízos de longa duração podem estar relacionados à lesão tecidual causada pelo exercício e ao fenômeno conhecido como dor muscular tardia.2727. Cheung K, Hume PA, Maxwell L. Delayed onset muscle soreness: treatment strategies and performance factors. Sports Med. 2003;33(2):145-64.

Várias estratégias terapêuticas, difundidas no meio desportivo, com a finalidade de acelerar o processo de recuperação muscular pós-exercício vêm sendo estudadas, como, por exemplo, recuperação ativa, crioterapia, massagem, terapia de contraste térmico, hidroterapia, alongamento, terapia de oxigênio hiperbárico, anti-inflamatórios não esteroidais e eletroestimulação.2828. Baroni BM, Leal Junior ECP, Generosi RA, Grosselli G, Censi S, Bertolla F. Efeito da crioterapia de imersão sobre a remoção do lactato sanguíneo após exercício. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2010;12(3):179-85.

Os principais fatores causais para a diminuição das reações proprioceptivas são as lesões nas articulações, ou seja, a ruptura ou a distensão permanente de componentes articulares que constituem os ligamentos, os tendões e a cápsula, resulta não só em uma alteração mecânica, mas também em perda do senso posicional, em virtude da disfunção dos mecanorreceptores periféricos. O desenvolvimento ou restabelecimento da propriocepção, da cinestesia e do controle neuromuscular do indivíduo lesado minimizará o risco de reincidência da lesão e restaurará a consciência cinestésica.2424. Paizante GO, Kirkwood RN. Reeducação proprioceptiva na lesão do ligamento cruzado anterior. Rev Meio Amb Saúde. 2007;2(1):123-35., 29 29. Bonfim TR, Grossi DB, Paccola CAJ. Effect of additional sensory information in the proprioception and postural control of individuals with acl lesion. Acta Ortop Bras. 2009;17(5):291-6.and 3030. Cossicha V, Mallricha F, Titonelli V. Déficit proprioceptivo em indivíduos com ruptura unilateral do ligamento cruzado anterior após a avaliação ativa do senso de posição articular. Rev Bras Ortop. 2014;49(6):607-12.

Conclusão

Os resultados nos permitem concluir que não há diferença significativa entre os membros envolvidos e não envolvidos na lesão de LCA, no que diz respeito à fadiga muscular local. Também não foi observada associação entre ser destro ou canhoto com o membro envolvido na lesão de LCA.

Estudos longitudinais que avaliem parâmetros isocinéticos variados ainda são pouco documentados na literatura, por isso recomenda-se a feitura de novos estudos para a análise desses parâmetros. Deve-se incluir um número maior de indivíduos, abranger outras modalidades esportivas e envolver ambos os gêneros.

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  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2015
  • Aceito
    14 Dez 2015
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