Acessibilidade / Reportar erro

Estudo epidemiológico das fraturas do tálus Trabalho desenvolvido no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Analisar as características dos indivíduos e das lesões encontradas em pacientes com fraturas de tálus.

Métodos:

Análise retrospectiva dos pacientes internados no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de 2006 a 2011 com fratura de tálus. Foram estudados parâmetros associados ao perfil do paciente e fatores de risco, características da fratura, dados do tratamento e complicações agudas.

Resultados:

A análise dos 23 casos mostrou que os homens foram mais afetados do que as mulheres, com uma relação de 4,8:1. O mecanismo de trauma mais frequente foram os acidentes de trânsito, seguido pelas quedas de altura. O tipo de fratura mais frequente foi a do colo do tálus, com 17 casos. Dos 23 casos, sete apresentavam luxação peritalar no momento da apresentação, quatro tinham fratura exposta e 11 apresentavam outras fraturas associadas. O tempo médio entre o trauma e o tratamento definitivo foi de seis dias, enquanto o tempo médio de permanência hospitalar foi de 11 dias. Houve três pacientes que apresentaram complicações pós-operatórias agudas.

Conclusão:

A fratura do tálus foi mais comum na região do colo e mais frequente em jovens do gênero masculino que sofreram traumatismos de alta energia. Em quase metade dos casos houve fraturas associadas e o tempo de permanência hospitalar foi de 11 dias.

Tálus; Epidemiologia; Fraturas ósseas


Objective:

To analyze the characteristics of patients with talus fractures and the injuries that they present.

Methods:

Retrospective analysis on patients hospitalized in the Institute of Orthopedics and Traumatology, Hospital das Clínicas, School of Medicine of the University of São Paulo, between 2006 and 2011, with talus fractures. Patient profile parameters, risk factors, fracture characteristics, treatment data and acute complications were analyzed.

Results:

Analysis on 23 cases showed that men were more affected than women, with a ratio of 4.8:1. The most frequent trauma mechanism was traffic accidents, followed by falls from a height. The most frequent type of fracture was at the neck of the talus, with 17 cases. Among the 23 cases, seven had peritalar dislocation at the time of presentation, four had exposed fractures and 11 presented other associated fractures. The mean length of time between the trauma and the definitive treatment was six days, while the mean length of hospital stay was 11 days. Three patients presented acute postoperative complications.

Conclusion:

Talus fractures occurred most commonly in the region of the talar neck and most frequently in young males who suffered high-energy trauma. In almost half of the cases, there were other associated fractures. The length of hospital stay was 11 days.

Talus; Epidemiology; Bone fractures


Introdução

A fratura do tálus é conhecida por ser uma patologia difícil e desafiadora. Vários são os fatores que contribuem para essa reputação: a incidência de complicações com grave limitação funcional, sua anatomia ímpar, a grande variabilidade de padrões de fratura e o seu papel na funcionalidade do membro inferior.11. Murphy GA. Talar fractures. In: Campbell's., editor. Operative orthopaedics. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2007. p. 4851–66. No entanto, nas últimas décadas, as técnicas cirúrgicas, os materiais de síntese e mesmo o conhecimento acerca da biologia de reparação óssea e do suprimento vascular do tálus evoluíram muito e mudaram o panorama desse tipo de fratura.

O diagnóstico é feito inicialmente por meio da avaliação radiográfica, que inclui uma série do tornozelo (anteroposterior, lateral e mortise) e uma série do pé (anteroposterior, perfil e oblíquas). A incidência de Canale e Kelly22. Canale ST. Fractures of the neck of the talus. Orthopedics. 1990;13(10):1105–15.,33. Canale ST, Kelly Jr FB. Fractures of the neck of the talus long-term evaluation of seventy-one cases. J Bone Joint Surg Am. 1978;60(2):143–56.permite uma boa visualização do aspecto medial do colo do tálus. Além dessas, a incidência lateral verdadeira da articulação subtalar e a visão oblíqua do tálus podem fornecer informações adicionais acerca da fratura.44. Ebraheim NA, Patil V, Frisch NC, Liu X. Diagnosis of medial tubercle fractures of the talar posterior process using oblique views. Injury. 2007;38(11):1313–7. A tomografia computadorizada exerce papel importante no diagnóstico das fraturas do tálus, é capaz de detectar fraturas difíceis de serem visualizadas em radiografias comuns e fornece uma boa visualização da congruência articular do tálus, além de contribuir para o planejamento cirúrgico.55. Chan G, Sanders DW, Yuan X, Jenkinson RJ, Willits K. Clinical accuracy of imaging techniques for talar neck malunion. J Orthop Trauma. 2008;22(6):415–8. A ressonância magnética tem um papel importante na visualização de osteonecrose do tálus, uma das complicações mais comuns e temidas desse tipo de fratura.66. Kerr R, Forrester DM, Kingston S. Magnetic resonance imaging of foot and ankle trauma. Orthop Clin N Am. 1990;21(3):591–601.,77. Munk PL, Vellet AD, Levin MF, Helms CA. Current status of magnetic resonance imaging of the ankle and the hindfoot. Can Assoc Radiol J. 1992;43(1):19–30.

A classificação das fraturas do tálus leva em conta a localização (corpo, colo, cabeça e processos),88. Inokuchi S, Ogawa K, Usami N. Classification of fractures of the talus: clear differentiation between neck and body fractures. Foot Ankle Int. 1996;17(12):748–50. as luxações associadas (subtalar, tornozelo e talonavicular) e o grau de cominuição. As duas classificações mais utilizadas são as classificações de Hawkins,99. Hawkins LG. Fractures of the neck of the talus. J Bone Joint Surg Am. 1970;52(5):991–1002. utilizada para classificação das fraturas do colo do tálus, e a classificação AO.1010. Fracture and dislocation compendium Orthopaedic Trauma Association Committee for Coding and Classification. J Orthop Trauma. 1996;10 Suppl. 1:1–154.

O tratamento, de forma geral, deve ser voltado para o rápido restabelecimento da congruência articular e para a redução anatômica da fratura, tendo em vista as altas taxas de osteonecrose e complicações associadas. Fraturas não desviadas e sem incongruência articular podem ser tratadas de modo não cirúrgico, ao passo que fraturas desviadas geralmente necessitam de redução aberta. A redução fechada, no entanto, pode ser tentada e pode ser particularmente útil como um passo inicial.1111. Sanders DW. Talus fractures. In: Rockwood CA, Green DP, editors. Fractures in adults. Piladelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2010. p. 2022–63.1414. Daniels TR, Smith JW, Ross TI. Varus malalignment of the talar neck its effect on the position of the foot and on subtalar motion. J Bone Joint Surg Am. 1996;78(10):1559–67.

Apesar das evoluções alcançadas nas últimas décadas, as taxas de complicações permanecem extremamente altas. A taxa de osteonecrose nas fraturas do colo do tálus varia de 21% a 58%,33. Canale ST, Kelly Jr FB. Fractures of the neck of the talus long-term evaluation of seventy-one cases. J Bone Joint Surg Am. 1978;60(2):143–56.,99. Hawkins LG. Fractures of the neck of the talus. J Bone Joint Surg Am. 1970;52(5):991–1002. enquanto que nas do corpo do tálus 88% dos pacientes apresentam evidência de osteonecrose e/ou artrite pós-traumática.1515. Vallier HA, Nork SE, Benirschke SK, Sangeorzan BJ. Surgical treatment of talar body fractures. J Bone Joint Surg Am. 2003;85(9):1716–24.1919. Elgafy H, Ebraheim NA, Tile M, Stephen D, Kase J. Fractures of the talus: experience of two level 1 trauma centers. Foot Ankle Int. 2000;21(12):1023–9.

Poucos trabalhos na literatura nacional podem ser encontrados no nosso meio sobre a epidemiologia das fraturas do tálus. Debieux et al.2020. Debieux P, Chertman C, Mansur NSB, Dobashi E, Fernandes JA. Musculoskeletal injuries in motorcycle accidents. Acta Ortop Bras. 2010;18(6):353–6. estudaram 387 pacientes que sofreram acidentes motociclísticos no município de São Paulo de janeiro de 2001 a julho de 2002 e constataram que as lesões mais comuns, por ordem de frequência, foram ferimentos (31,8%), contusões (15,8%) e fraturas (8,7%). A localização mais frequente das fraturas foi o pé, em 16,0% dos pacientes com fraturas, sem, no entanto, ter sido individualizado qual osso foi mais acometido.

Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. estudaram 52 fraturas do tálus de fevereiro de 1972 a março de 1995. Foram analisados idade, gênero, ocupação, lateralidade, mecanismo de trauma, exposição, lesões associadas e classificação da fratura. Concluíram que a fratura do tálus foi mais frequente no adulto jovem do gênero masculino, geralmente unilateral, fechada, mais comum na região do colo e do corpo, e que a fratura do maléolo medial ipsilateral foi a lesão associada mais comum, presente em 21,2% dos casos.

Com base na escassez de informação quanto à epidemiologia das fraturas do tálus no nosso meio, decidimos fazer o presente trabalho.

Objetivo

Avaliar as características dos indivíduos e das lesões encontradas nos pacientes internados para o tratamento cirúrgico de fraturas do tálus de 2006 a 2011 no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Materiais e métodos

Foram levantados todos os prontuários dos pacientes internados com fraturas do pé e tornozelo de 2006 a 2011. Após revisão detalhada desses prontuários, foram identificados 23 casos de fraturas de tálus tratados cirurgicamente.

Os parâmetros analisados foram: idade; gênero; lateralidade; exposição; tabagismo; mecanismo de trauma; tipo da fratura; classificação; lesões associadas; tratamento na urgência; tratamento definitivo; tempo entre trauma e tratamento definitivo; tempo de permanência hospitalar; complicações pós-operatórias agudas.

Resultados

Dos 23 pacientes avaliados, a relação entre homens e mulheres foi de 4,8:1 (19 homens e quatro mulheres). A média foi de 30,4 anos, variação de 18 a 49 anos (fig. 1). O lado direito foi acometido em 13 pacientes, enquanto o esquerdo o foi em 10. Dentre os 23 pacientes, três eram tabagistas, incidência de 13%.

Figura 1
Faixa etária.

O mecanismo de trauma mais frequente foi queda de altura, com oito casos, seguido dos acidentes de motocicleta e automóvel, com cinco cada. Outros mecanismos encontrados foram trauma torsional, com três casos, e trauma esportivo, com dois (fig. 2).

Figura 2
Mecanismo de trauma.

Em relação ao tipo de fratura, a mais prevalente foi a do colo do tálus, com 17 casos. Também foram encontrados três casos de fratura do corpo, dois dos processos talares e um da cabeça (fig. 3). Das 17 fraturas do colo do tálus, 16 foram classificadas como Hawkins 2 e uma como Hawkins 3.

Figura 3
Local da fratura.

Quatro pacientes sofreram fratura exposta (17,4%), duas classificadas como tipo II de Gustilo, uma como tipo IIIA e uma como tipo IIIB.

Dos 23 casos analisados, sete (30,4%) apresentaram luxação peritalar no momento da apresentação.

Em relação ao tratamento na urgência, em 16 casos foi feita imobilização gessada por meio de tala suropodálica. Dos sete casos com luxação associada, em cinco pacientes foi conseguida redução da luxação por manobras incruentas e os outros dois foram submetidos à redução cirúrgica seguida da colocação de um fixador externo.

O tratamento definitivo foi feito com osteossíntese em 20 casos e nos outros três pacientes foi feita a ressecção dos fragmentos ósseos intra-articulares.

O tempo médio entre o trauma e o tratamento definitivo foi de seis dias, variação de 0 a 29 (fig. 4). Já o tempo médio de permanência hospitalar foi de 11 dias, variação de 2 a 44 (fig. 5).

Figura 4
Tempo entre o trauma e o tratamento definitivo.
Figura 5
Tempo de internação hospitalar.

As lesões associadas estiveram presentes em 11 pacientes (47,8%): quatro fraturas maleolares, duas de ossos da perna, duas da base do quinto metatarso, duas da coluna lombar, duas do acetábulo, uma de calcâneo, uma de planalto tibial e uma da diáfise do fêmur (fig. 6).

Figura 6
Fraturas associadas.

Em relação às complicações agudas, observamos três casos de infecção pós-operatória, um associado à síndrome compartimental do pé consequente a uma fratura fechada do colo, um resultante de fratura exposta Gustilo IIIB que evoluiu com perda do retalho microcirúrgico confeccionado para sua cobertura e outro por fratura exposta Gustilo II, associado à fratura da coluna lombar.

Discussão

Foram operados no nosso serviço em um período de cinco anos 23 pacientes com fraturas do tálus, uma incidência de 4,6 por ano, enquanto que Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. trataram de 52 ao longo de 23 anos, uma média de 2,3 por ano. Como os dois trabalhos foram feitos em hospitais de grande porte, onde se faz um atendimento terciário de traumatologia ortopédica, fica evidente a baixa frequência desse tipo de fratura no universo de fraturas tratadas cirurgicamente. Esse fato faz com que longos períodos sejam necessários para que o ortopedista que presta atendimento no tratamento das fraturas nos vários centros do nosso país adquira experiência na condução terapêutica de uma fratura do tálus. Centros médicos de menor porte provavelmente terão grande dificul-dade de formar traumatologistas habilitados para operar esse tipo de fratura. O trabalho de Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. foi feito em um período (de 1972 a 1995) em que a cidade de São Paulo não sentia os efeitos do número crescente de acidentes motociclísticos que presenciamos na última década. O presente trabalho funciona como uma atualização da epidemiologia da fratura do tálus, com dados referentes a um período mais recente (de 2006 a 2011).

A maior prevalência de pacientes do gênero masculino (4,8:1) e jovens, com média de 30,4 anos, evidencia a importância do correto tratamento de uma fratura que apresenta grandes taxas de complicações tardias, com sequelas muitas vezes incapacitantes que podem necessitar de artrodeses do tornozelo e do retropé para controle. Na comparação com o trabalho de Fonseca Filho et al.,2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. a idade média por eles encontrada (31 anos e 4 meses) foi bastante semelhante, mas houve um aumento da predominância do gênero masculino no presente trabalho (4,8 homens:1 mulher vs 2,9 homens:1 mulher no trabalho anterior). Esse achado pode estar relacionado à maior exposição da população masculina jovem aos acidentes de trânsito.

Em 18 casos (78,3%) o trauma de alta energia foi responsável pela fratura. Dez fraturas (43,8% do total) foram resultantes de acidentes relacionados ao trânsito, à semelhança do que foi encontrado no trabalho de Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. (42,3%). Da mesma forma, a queda de altura foi o segundo mecanismo mais frequente, que, somado aos acidentes de trânsito, perfaz 78,3% no nosso trabalho e 71,2% do de Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. Esses dados servem para orientar a escolha das medidas preventivas em relação às fraturas do tálus, tais como botas rígidas que limitem o movimento de flexão dorsal do pé, que é o mecanismo relacionado a essas fraturas, resistentes e de alta capacidade de absorção de impacto para motociclistas e trabalhadores em alturas.

Apesar de o tabagismo estar correlacionado com complicações na evolução das fraturas e das cirurgias nos pés, os três pacientes fumantes não apresentaram complicações no pós-operatório até o momento da alta hospitalar. Acreditamos que caso um número maior de pacientes seja estudado, a influência negativa do tabagismo no tratamento cirúrgico da fratura do tálus possa se evidenciar.2222. Kwiatkowski TC, Hanley Jr EN, Ramp WK. Cigarette smoking and its orthopedic consequences. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 1996;25(9):590–7.

As fraturas centrais (do colo e do corpo) foram muito mais frequentes do que os outros tipos e totalizaram 87,0% dos 23 casos estudados, achado semelhante ao descrito por Fonseca Filho et al.,2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. de 78,8%. Tal prevalência pode ser decorrente do fato de que grande parte das fraturas periféricas do tálus, que incluem as dos processos posterior e lateral, muitas vezes passa despercebida e mesmo quando corretamente diagnosticadas, frequentemente são de tratamento não operatório.11. Murphy GA. Talar fractures. In: Campbell's., editor. Operative orthopaedics. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2007. p. 4851–66.,1111. Sanders DW. Talus fractures. In: Rockwood CA, Green DP, editors. Fractures in adults. Piladelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2010. p. 2022–63.

A elevada incidência de fraturas do tipo 2 de Hawkins (16 de 17 casos) e a ausência de fraturas do tipo 1 contrastam com o encontrado por Fonseca Filho et al.,2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. que foi de nove fraturas Hawkins 2 e cinco de Hawkins 1 no total de 21 casos de fraturas do colo. Essa diferença deve ter como causa a investigação da fratura com o uso de tomografia computadorizada multslice, que permite uma detalhada avaliação da fratura e de pequenos desvios, e que foi feita em todos os pacientes do nosso estudo. Essa tecnologia foi introduzida no fim da década de 1990 e não estava disponível na época do trabalho de Fonseca Filho et al.2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. Além disso, nesse último trabalho, a "tomografia axial computadorizada foi feita sempre que possível" e não foi relatado o número total de pacientes submetidos ao exame.

A incidência de fraturas expostas foi de 17,4%, índice praticamente idêntico ao encontrado por Fonseca Filho et al.,2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4.que foi de 17,3%. Merece destaque que, no nosso levantamento, dois dos quatro casos de fratura exposta evoluíram com infecção aguda, um de Gustilo II e outro de IIIB.

Dentre sete casos de fraturas associadas à luxação, dois (28,6%) necessitaram de redução cirúrgica da luxação no atendimento de emergência e um deles foi o caso de Hawkins do tipo 3 e também a exposta Gustilo IIIB. Exceto os dois casos operados, todos os outros foram imobilizados na urgência com uso de tala gessada e nenhum evoluiu com formação de flictenas antes do tratamento cirúrgico definitivo. Apesar da alta energia de trauma como causa da maioria dessas fraturas, o não uso do fixador externo como forma de imobilização no período pré-operatório não trouxe complicações de partes moles em comparação com o que ocorre nas fraturas do pilão tibial. O fato de a fratura central do tálus ser intracapsular pode contribuir para que o sangramento não infiltre os tecidos circunvizinhos e, assim, eleve menos os níveis pressóricos adjacentes.

O tempo médio de espera para o tratamento cirúrgico definitivo foi de seis dias e a permanência hospitalar, de 11. O fato de 47,8% dos pacientes apresentarem fraturas associadas contribuiu para que esses períodos fossem longos e interferiu diretamente no custo do tratamento. Apesar da irrigação sanguínea do tálus ser crítica nas fraturas do colo com desvio, a espera para o tratamento cirúrgico definitivo parece não aumentar o risco de necrose avascular do corpo. Essa complicação está muito mais ligada ao tempo decorrido entre o acidente e a redução da luxação quando essa está presente.1919. Elgafy H, Ebraheim NA, Tile M, Stephen D, Kase J. Fractures of the talus: experience of two level 1 trauma centers. Foot Ankle Int. 2000;21(12):1023–9.,2323. Frawley PA, Hart JA, Young DA. Treatment outcome of major fractures of the talus. Foot Ankle Int. 1995;16(6):339–45. De qualquer forma, medidas que possam reduzir o período de tempo pré-operatório devem ser buscadas nesse tipo de paciente.

Quinze fraturas associadas (fig. 6) em 11 pacientes foram encontradas (47,8%), o que caracterizou a alta energia de trauma a que foram submetidos esses pacientes, índice praticamente idêntico ao encontrado no trabalho de Fonseca Filho et al.,2121. Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4. de 46,2%.

Após a análise conjunta de todos esses resultados, podemos dizer que, apesar de epidemiologicamente a fratura do tálus representar um número pequeno no universo de fraturas tratadas em um hospital ortopédico, sua importância reside no fato de acometer indivíduos jovens em plena ativi-dade laboral, muitos com lesões associadas e que necessitam de longos períodos de internação. O padrão da fratura do tálus é grave, com riscos elevados de complicações, como a necrose avascular. Medidas preventivas devem ser criadas com base nos mecanismos mais comuns que foram identificados, acidentes de trânsito e quedas de altura.

Conclusões

Pacientes com fraturas do tálus atendidos e operados em um hospital terciário da cidade de São Paulo foram jovens com idade média de 30,4 anos, na sua maioria do gênero masculino (4,8:1) e que sofreram acidente de trânsito ou queda de altura. O colo foi a região mais acometida e em 30,4% dos pacientes a luxação peritalar estava presente no atendimento inicial e 17,4% das fraturas do tálus foram expostas. Quase a metade desses pacientes tinha fraturas associadas e um tempo de permanência hospitalar médio de 11 dias foi observado.

REFERENCES

  • 1
    Murphy GA. Talar fractures. In: Campbell's., editor. Operative orthopaedics. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2007. p. 4851–66.
  • 2
    Canale ST. Fractures of the neck of the talus. Orthopedics. 1990;13(10):1105–15.
  • 3
    Canale ST, Kelly Jr FB. Fractures of the neck of the talus long-term evaluation of seventy-one cases. J Bone Joint Surg Am. 1978;60(2):143–56.
  • 4
    Ebraheim NA, Patil V, Frisch NC, Liu X. Diagnosis of medial tubercle fractures of the talar posterior process using oblique views. Injury. 2007;38(11):1313–7.
  • 5
    Chan G, Sanders DW, Yuan X, Jenkinson RJ, Willits K. Clinical accuracy of imaging techniques for talar neck malunion. J Orthop Trauma. 2008;22(6):415–8.
  • 6
    Kerr R, Forrester DM, Kingston S. Magnetic resonance imaging of foot and ankle trauma. Orthop Clin N Am. 1990;21(3):591–601.
  • 7
    Munk PL, Vellet AD, Levin MF, Helms CA. Current status of magnetic resonance imaging of the ankle and the hindfoot. Can Assoc Radiol J. 1992;43(1):19–30.
  • 8
    Inokuchi S, Ogawa K, Usami N. Classification of fractures of the talus: clear differentiation between neck and body fractures. Foot Ankle Int. 1996;17(12):748–50.
  • 9
    Hawkins LG. Fractures of the neck of the talus. J Bone Joint Surg Am. 1970;52(5):991–1002.
  • 10
    Fracture and dislocation compendium Orthopaedic Trauma Association Committee for Coding and Classification. J Orthop Trauma. 1996;10 Suppl. 1:1–154.
  • 11
    Sanders DW. Talus fractures. In: Rockwood CA, Green DP, editors. Fractures in adults. Piladelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2010. p. 2022–63.
  • 12
    Adelaar RS. The treatment of complex fractures of the talus. Orthop Clin N Am. 1989;20(4):691–707.
  • 13
    Sangeorzan BJ, Wagner UA, Harrington RM, Tencer AF. Contact characteristics of the subtalar joint: the effect of talar neck misalignment. J Orthop Res. 1992;10(4): 544–51.
  • 14
    Daniels TR, Smith JW, Ross TI. Varus malalignment of the talar neck its effect on the position of the foot and on subtalar motion. J Bone Joint Surg Am. 1996;78(10):1559–67.
  • 15
    Vallier HA, Nork SE, Benirschke SK, Sangeorzan BJ. Surgical treatment of talar body fractures. J Bone Joint Surg Am. 2003;85(9):1716–24.
  • 16
    Lindvall E, Haidukewych G, DiPasquale T, Herscovici Jr D, Sanders R. Openn reduction and stable fixation of isolated, displaced talar neck and body fractures. J Bone Joint Surg Am. 2004;86(10):2229–34.
  • 17
    Sanders DW, Busam M, Hattwick E, Edwards JR, McAndrew MP, Johnson KD. Functional outcomes following displaced talar neck fractures. J Orthop Trauma. 2004;18(5): 265–70.
  • 18
    Vallier HA, Nork SE, Barei DP, Benirschke SK, Sangeorzan BJ. Talar neck fractures: results and outcomes. J Bone Joint Surg Am. 2004;86(8):1616–24.
  • 19
    Elgafy H, Ebraheim NA, Tile M, Stephen D, Kase J. Fractures of the talus: experience of two level 1 trauma centers. Foot Ankle Int. 2000;21(12):1023–9.
  • 20
    Debieux P, Chertman C, Mansur NSB, Dobashi E, Fernandes JA. Musculoskeletal injuries in motorcycle accidents. Acta Ortop Bras. 2010;18(6):353–6.
  • 21
    Fonseca Filho FF, Santin RAL, Ferreira RC, Sanmartin M, Guerra A. Epidemiological aspects of fractures of the talus. Rev Bras Ortop. 1996;31(6):481–4.
  • 22
    Kwiatkowski TC, Hanley Jr EN, Ramp WK. Cigarette smoking and its orthopedic consequences. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 1996;25(9):590–7.
  • 23
    Frawley PA, Hart JA, Young DA. Treatment outcome of major fractures of the talus. Foot Ankle Int. 1995;16(6):339–45.
  • Trabalho desenvolvido no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2013
  • Aceito
    31 Jul 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br