Acessibilidade / Reportar erro

Comparação entre resultados de radiografia simples, pré e pós-osteotomia de Salter, em pacientes portadores da doenca de Legg-Calvé-Perthes Trabalho desenvolvido na Disciplina de Ortopedia Pediátrica, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivos:

Determinar em pacientes com doenca de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) submetidos à osteotomia de Salter se as variáveis clínicas e as classificacões pré-operatórias se correlacionam com o resultado radiográfico na maturidade esquelética.

Métodos:

Neste estudo de coorte retrospectivo foram avaliados 47 indivíduos portadores da DLCP tratados com osteotomia de Salter (1984-2004). Os pacientes foram avaliados de acordo com sexo, cor, lado acometido e idade em que foi feita a osteotomia. As radiografias pré-operatórias foram analisadas de acordo com as classificacões de Waldenström, Catterall, Laredo e Herring. As radiografias obtidas na maturidade esquelética foram classificadas segundo o método de Stulberg.

Resultados:

A média da idade no momento do tratamento cirúrgico foi de 82,87 meses (6,9 anos). A idade apresentou correlacão estatisticamente significativa com os graus de Stulberg na maturidade esquelética (p <0,001). Pacientes acima de 6,12 anos tendem a apresentar resultados menos favoráveis. As variáveis sexo, cor e lado acometido não apresentaram correlacão estatisticamente significativa com o prognóstico (p = 0,425; p = 0,467; p = 0,551, respectivamente). Apenas a classificacão de Laredo apresentou correlacão estatisticamente significante com o resultado final dado pela classificacão de Stulberg (p = 0,001). As demais classificacões usadas, Waldenström, Caterall e Herring, não apresentaram correlacão entre o momento em que foi indicada a cirurgia e o resultado pós-operatório.

Conclusões:

A idade em que os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico e os grupos da classificacão de Laredo foram as únicas variáveis que apresentaram correlacão significativa com a classificacão de Stulberg.

Doença de Legg-Calve-Perthes; Radiografia; Classificação; Criança


Objectives:

To determine whether the clinical variables and preoperative classification of patients with Legg-Calvé-Perthes disease (LCPD) who undergo Salter osteotomy correlate with the radiographic result at the time of skeletal maturity.

Methods:

In this retrospective cohort study, 47 individuals with LCPD who were treated using Salter osteotomy (1984-2004) were evaluated. The patients were evaluated according to sex, skin color, side affected and age at which osteotomy was performed. The preoperative radiographs were analyzed in accordance with the classifications of Waldenstrom, Catter-all, Laredo and Herring. The radiographs obtained at the time of skeletal maturity were classified using the Stulberg method.

Results:

The mean age at the time of surgical treatment was 82.87 months (6.9 years). The age presented a statistically significant correlation with the Stulberg grades at skeletal maturity (p < 0.001). Patients over the age of 6.12 years tended to present less favorable results. The variables of sex, skin color and side affected did not present any statistically significant correlation with the prognosis (p= 0.425; p = 0.467; p = 0.551, respectively). Only the Laredo classification presented a statistically significant correlation with the final result given by the Stulberg classification (p = 0.001). The other classifications used (Waldenstrom, Catterall and Herring) did not present any correlation between the time at which surgery was indicated and the postoperative result.

Conclusions:

The age at which the patients underwent surgical treatment and the Laredo classification groups were the only variables that presented significant correlations with the Stulberg classification.

Legg-Calvé-Perthes disease; Radiography; Classification; Child


Introdução

Desde a sua descrição, em 1910, a doenca de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) sempre despertou grande interesse nos pesquisadores e passou a figurar entre os temas de maior controvérsia na literatura ortopédica. Diversos aspectos dessa entidade clínica ainda permanecem sem esclarecimento, especialmente no que se refere a etiologia e tratamento.

Durante muito tempo a quase totalidade dos autores concentrou-se na análise dos aspectos radiográficos. As fases evolutivas foram descritas pela primeira vez por Waldenström,11. Waldenström H. On coxa plana, osteochondritis deformans coxae juvenilis. Acta Chir Scand. 1923;55:577-90. cuja classificação foi posteriormente simplificada e correlacionada com os achados anatomopatológicos por Jonsäter.22. Jonsater S. Coxa plana: a histo-pathologic and arthrografic study. Acta Orthop Scand Suppl. 1953;12:5-98. A avaliação do comprometimento do núcleo de ossificação da cabeça femoral veio a ser sistematizada por Catterall,33. Catterall A. The natural history of Perthes' disease. J Bone Joint Surg Br. 1971;53(1):37-53. com base na análise da radiografia simples feita durante a fase de fragmentação máxima. Com o objetivo de determinar as proporções da lesão na fase inicial ou de necrose, Salter e Thompson44. Salter RB, Thompson GH. Legg-Calvé-Perthes disease: the prognostic significance of the subchondral fracture and a two-group classification of the femoral head involvement. J Bone Joint Surg Am. 1984;66(4):479-89. demonstraram que o tamanho da fratura subcondral na incidência de perfil da cabeça reflete com precisão o quanto da epífise proximal femoral foi afetada pela doença. Mais recentemente, Herring et al.55. Herring JA, Neustadt JB, Williams JJ, Early JS, Browne RH. The lateral pillar classification of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 1992;12(2):143-50. propuseram uma nova classificação baseada na altura da coluna lateral da epífise femoral.

Como o quadril em crescimento tem um molde cartilaginoso que não é visível pela radiografia simples, Laredo66. Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15. e Milani e Dobashi77. Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62. demonstraram que a artrografia permitia detectar alteracões da forma da cabeça e da extrusão femoral antes que pudessem ser reconhecidas pelo exame radiográfico convencional. Esse autor propôs uma classificação artrográfica composta por cinco grupos. Desses, os grupos I e II seriam passíveis de tratamento incruento, enquanto que os demais evidenciariam a presença de risco artrográfico, com presença de extrusão e alterações morfológicas da cabeça, e seria necessária a contenção cirúrgica.

Embora o tratamento da DLCP há anos seja objeto de exaustivas discussões entre os ortopedistas, ainda não existem evidências claras sobre o melhor método terapêutico. Com relação ao tratamento cirúrgico, as modalidades mais usadas para proporcionar melhoria da relação entre a epífise femoral proximal e o acetábulo são os chamados procedimentos de contenção, que podem ser divididos em dois grandes grupos: (1) as osteotomias do fêmur proximal88. Soeur R, De Racker C. The anatomopathologic aspect of osteochondritis and the pathogenic theories which are relevant. I. Acta Orthop Belg. 1952;18(2):57-102.,99. Axer A. Subtrochanteric osteotomy in the treatment of Perthes' disease: a preliminary report. J Bone Joint Surg Br. 1965;47:489-99. e (2) os procedimentos que envolvem o osso ilíaco. Esse último grupo inclui a cirurgia em "prateleira", a osteotomia de deslocamento medial1010. Chiari K. Beckenosteotomie zur pfannendachplastik. Wien Med Wochenschr. 1953;103:707-14. e a osteotomia de Salter,1111. Salter RB. Innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip. J Bone Joint Surg. 1961;43:518-39.,1212. Salter RB. Role of innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip in the older child. J Bone Joint Surg Am. 1966;48(7):1413-39. que podem ser usadas durante a fase ativa da doença. Além do aspecto biomecânico relacionado à melhoria da contenção, acredita-se que também exista um efeito biológico que determina uma aceleração do processo de reossificação.1313. Canale ST, D'Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1972;54(1):25-40.1616. Laredo Filho J, Ishida A, Kuwajima SS, Teloken MA, Milani C. Efeito biológico da osteotomia de Salter sobre o curso da doença de Legg-Calvé-Perthes nos estágios de necrose e fragmentação. Rev Bras Ortop. 1994;29(10):741-4.

Este trabalho visa a comparar radiografias pré- e pós-operatórias de pacientes com DLCP submetidos à osteotomia de Salter, com o objetivo de determinar se as características clínicas e as classificações de Catterall, Herring e Laredo se correlacionam com o resultado radiográfico na maturidade esquelética e podem indicar prognóstico.

Material e métodos

O presente estudo foi submetido à avaliação do comitê de ética em pesquisa da instituição e aprovado sob o parecer 0795/11.

Avaliamos uma coorte retrospectiva de todos os indivíduos portadores da DLCP tratados no departamento de ortopedia e traumatologia da instituição de 1984 a 2004. Foram incluídos pacientes que preenchessem os seguintes critérios: (1) com DLCP submetidos à osteotomia de Salter para contenção da cabeça femoral; (2) que tivessem atingido a maturidade esquelética até a última avaliação clínica; (3) que tinham radiografias pré-operatórias e após a maturidade esquelética.

Foram excluídos os portadores de necroses proximais femorais com etiologia definida e os com DLCP submetidos a outros tipos de tratamento.

Preencheram os critérios de inclusão 47 pacientes. Os seguintes dados foram avaliados e extraídos do prontuário clínico: sexo, cor, lado acometido e idade em que foi feita a osteotomia.

As radiografias pré-operatórias foram classificadas de acordo com os seguintes métodos presentes na literatura: (1) de Waldenström11. Waldenström H. On coxa plana, osteochondritis deformans coxae juvenilis. Acta Chir Scand. 1923;55:577-90. modificado por Jonsäter;22. Jonsater S. Coxa plana: a histo-pathologic and arthrografic study. Acta Orthop Scand Suppl. 1953;12:5-98. (2) de Catterall;33. Catterall A. The natural history of Perthes' disease. J Bone Joint Surg Br. 1971;53(1):37-53. (3) de Laredo;66. Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15.,77. Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62. e (4) do pilar lateral de Herring et al.55. Herring JA, Neustadt JB, Williams JJ, Early JS, Browne RH. The lateral pillar classification of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 1992;12(2):143-50. As radiografias obtidas na maturidade esquelética foram classificadas segundo o método de Stulberg et al.1717. Stulberg SD, Cooperman DR, Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(7):1095-108.

A classificação das radiografias foi feita pelo autor sênior em momentos independentes para os exames pré-operatórios e aqueles obtidos na maturidade esquelética. O autor também não teve acesso aos dados clínicos, de forma a minimizar o risco de viés.

As variáveis nominais foram relatadas com o uso de frequências absolutas e relativas e as variáveis contínuas, por meio de medidas-resumo (média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo).

Os graus de Stulberg foram avaliados segundo sexo, cor e lado acomentido com o teste de Mann-Whitney.1818. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. 2nd ed. Massachusetts: Blackwell Science; 2006. Foi testada a existência de relações entre os graus das demais escalas, idade e tempo de acompanhamento com a escala de Stulberg com resultado do teste da correlação de Spearman.1818. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. 2nd ed. Massachusetts: Blackwell Science; 2006.

Para as variáveis que apresentaram alguma relação estatisticamente significante com os graus da escala de Stulberg, foi ajustado um modelo de regressão logística múltipla,1919. Neter J, Kutner MH, Nachtsheim CJ, Wasserman W. Applied linear statistical models. 4th ed. Ilinois: Richard D. Irwing; 1996. com o agrupamento dos graus I e II e III e IV. Permaneceram no modelo final apenas as variáveis que conjuntamente influenciaram no grau da escala de Stulberg. Todos os testes foram feitos com nível de significância de 5%.

Resultados

A tabela 1 sumariza os dados demográficos e todas as variáveis coletadas com suas respectivas distributes, incluindo: sexo, cor, lado acometido, classificações pré-operatória11. Waldenström H. On coxa plana, osteochondritis deformans coxae juvenilis. Acta Chir Scand. 1923;55:577-90.77. Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62. classificação pós-operatória (Stulberg).1717. Stulberg SD, Cooperman DR, Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(7):1095-108.

Tabela 1
Distribuição de frequência dos pacientes incluídos segundo as variáveis sexo, cor, lado e classificações de Waldenström, Catterall, Herring, Laredo e Stulberg

A idade média no momento em que foi feito o tratamento cirúrgico foi de 82,87 meses (48-152) e o tempo médio de acompanhamento foi de 118,07 meses (9,84 anos) (tabela 2).

Tabela 2
Medidas resumo para a idade e o tempo de acompanhamento nos pacientes incluídos

Foi usada uma curva ROC (fig. 1) para determinar o melhor ponto de corte na idade para discriminar os quadris que evoluíram para Stulberg III ou IV, que representavam o pior prognóstico. De acordo com a análise da curva, obtivemos que 73,5 meses (6,12 anos) é a idade que melhor discrimina Stulberg III ou IV, a qual fornece sensibilidade de 78,6% e especificidade de 70,6%. Isso determina que quando o tratamento é instituído nessa faixa etária o prognóstico é melhor. Também a idade, como fator isolado, mostrou correlação estatisticamente significativa (p < 0,001) e determinou que quanto mais jovem o paciente é submetido à cirurgia corretiva, melhor o prognóstico.

Figura 1
Curva ROC relativa à sensibilidade e especificidade da idade na determinação de um resultado final pior, caracterizado por Stulberg III ou IV.

As variáveis sexo, cor e lado acometido, avaliadas pelo teste de Mann-Whitney, não apresentaram diferença estatisticamente significante com relação ao prognóstico (p = 0,425; p = 0,467; p = 0,551, respectivamente).

Apenas a classificação de Laredo apresentou correlação estatisticamente significante com o resultado final dado pela classificação de Stulberg (p = 0,001), de acordo com o teste relativo à correlação de Spearman. As demais classificações, de Waldenström, Catterall e Herring, não apresentaram correlação entre o momento em que o tratamento cirúrgico foi indicado e o resultado pós-operatório e não foram, portanto, preditoras de tratamento e prognóstico. Os dados encontramse resumidos na tabela 3.

Tabela 3
Correlação da classificação de Stulberg com as variáveis sexo, cor, lado, idade, tempo de acompanhamento e classificaçães de Waldenström, Catterall, Herring e Laredo

Discussão

Desde 1979 a osteotomia de Salter1111. Salter RB. Innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip. J Bone Joint Surg. 1961;43:518-39.,1212. Salter RB. Role of innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip in the older child. J Bone Joint Surg Am. 1966;48(7):1413-39. tem sido usada em nossa instituição no tratamento cirúrgico da DLCP. Essa indicação se dá nos casos com comprometimento extenso e, principalmente, com alterações da forma e do tamanho da cabeça femoral evidenciadas pela avaliação artrográfica do quadril segundo a classificação de Laredo.66. Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15.,77. Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62.

Foram usados neste estudo os métodos de classificação mais difundidos na literatura. Procurou-se estabelecer qual deles poderia ter maior valor prognóstico no resultado final após o curso da doença. Segundo a classificação de Waldenström, a maior parte dos pacientes se encontrava nas fases de necrose (34%) e fragmentação (51,1%), já que representam o melhor momento para intervir cirurgicamente, antes que o processo de remodelação estivesse em curso ou finalizado.2020. Thompson GH. Salter osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S192-7. Por se tratar de uma amostra de pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico pela osteotomia de Salter, a maioria dos indivíduos incluídos apresentava quadris com envolvimento moderado a grave, segundo as classificações radiográficas de Catterall33. Catterall A. The natural history of Perthes' disease. J Bone Joint Surg Br. 1971;53(1):37-53. e Herring et al.55. Herring JA, Neustadt JB, Williams JJ, Early JS, Browne RH. The lateral pillar classification of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 1992;12(2):143-50.

A artrografia pré-operatória foi feita em 44 pacientes e em todos os casos havia alterações morfológicas importantes da cabeça femoral, principalmente em termos de extrusão e aumento do tamanho. Assim, todos os 44 quadris foram incluídos nos três grupos de risco artrográfico de Laredo, com predominância dos grupos III e IV.

Poucos são os estudos encontrados na literatura que relacionam os resultados da osteotomia de Salter no tratamento da DLCP e a classificação de Stulberg para graduar os resultados radiográficos.2121. Sponseller PD, Desai SS, Millis MB. Comparison of femoral and innominate osteotomies for the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1988;70(8):1131-9.2323. Ishida A, Kuwajima SS, Laredo Filho J, Milani C. Salter innominate osteotomy in the treatment of severe Legg-Calvé-Perthes disease: clinical and radiographic results in 32 patients (37 hips) at skeletal maturity. J Pediatr Orthop. 2004;24(3):257-64.

Ishida et al.,2323. Ishida A, Kuwajima SS, Laredo Filho J, Milani C. Salter innominate osteotomy in the treatment of severe Legg-Calvé-Perthes disease: clinical and radiographic results in 32 patients (37 hips) at skeletal maturity. J Pediatr Orthop. 2004;24(3):257-64. ao estudar o resultado da osteotomia de Salter no tratamento de 32 pacientes (37 quadris) na maturidade esquelética, observaram que os quadris classificados por Laredo como pertencentes ao grupo III apresentaram melhores resultados em relação aos do grupo IV e V. Essa observação corrobora o conceito de que a adequada cobertura da cabeça femoral, antes da instalação de uma deformidade severa, proporciona uma melhoria da biomecânica do quadril e favorece o processo de remodelação durante o curso da DLCP.1515. Laredo Filho J, Ishida A, Kuwajima SS. Efeito biológico da osteotomia de Salter sobre o curso da doença de Legg-Calvé-Perthes no estágio de necrose. Acta Ortop Bras. 1993;1(3):115-8.,1616. Laredo Filho J, Ishida A, Kuwajima SS, Teloken MA, Milani C. Efeito biológico da osteotomia de Salter sobre o curso da doença de Legg-Calvé-Perthes nos estágios de necrose e fragmentação. Rev Bras Ortop. 1994;29(10):741-4. De forma semelhante, em nosso estudo observamos que 47,8% dos pacientes classificados como grupo III de Laredo evoluíram para um tipo I ou II de Stulberg. Por outro lado, no grupo de pacientes classificados como Laredo grupos IV e V, os pacientes que evoluíram para um tipo I ou II de Stulberg foram apenas 13,4% e 25%, respectivamente.

Essas constatações convalidam dois fatos: primeiro, a radiografia do quadril na DLCP não espelha a realidade anatômica da cabeça femoral atingida pela doença; segundo, é justamente quando classificamos o quadril como pertencente ao grupo III de Laredo66. Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15. que consideramos que a cabeça está saindo de sua zona de proteção do rebordo ósseo acetabular e que, caso não seja efetivada uma cobertura a tempo, vai se deformar.2424. Fulford GE, Lunn PG, Macnicol MF. A prospective study of nonoperative and operative management for Perthes' disease. J Pediatr Orthop. 1993;13(3):281-5.

Em nosso estudo, encontramos uma correlação significativa da idade em que o tratamento cirúrgico foi feito com os resultados radiográficos na maturidade esquelética. Notamos que os pacientes acima de 6,12 anos apresentaram maior chance de evoluir para um tipo III ou IV de Stulberg,1717. Stulberg SD, Cooperman DR, Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(7):1095-108. o que determinou um pior prognóstico. Esses achados estão de acordo com o que é descrito na literatura, já que diversos autores relatam que, independentemente do tipo de tratamento feito, os pacientes com idade superior aos seis anos tendem a evoluir com maior incidência de resultados insatisfatórios.2525. Nguyen NA, Klein G, Dogbey G, McCourt JB, Mehlman CT. Operative versus nonoperative treatments for Legg-Calvé-Perthes disease: a meta-analysis. J Pediatr Orthop. 2012;32(7):697-705.'2626. Saran N, Varghese R, Mulpuri K. Do femoral or salter innominate osteotomies improve femoral head sphericity in Legg-Calvé-Perthes disease? A meta-analysis. Clin Orthop Relat Res. 2012;470(9):2383-93.

As classificações de Catterall e Herring têm sido usadas na literatura e na prática clínica de forma ampla na indicação do tratamento da DLCP. Entretanto, diversos estudos relataram que ambos os métodos apresentam deficiências na capacidade de predizer o resultado clínico final.2727. Ritterbusch JF, Shantharam SS, Gelinas C. Comparison of lateral pillar classification and Catterall classification of Legg-Calvé-Perthes' disease. J Pediatr Orthop. 1993;13(2):200-2.,2828. Gigante C, Frizziero P, Turra S. Prognostic value of Catterall and Herring classification in Legg-Calvé-Perthes disease: follow-up to skeletal maturity of 32 patients. J Pediatr Orthop. 2002;22(3):345-9. Nossos dados estão de acordo com essas constatações, pois observamos em nossa amostra uma dissociação significativa entre os graus dados por essas classificações no pré-operatório com o resultado na maturidade esquelética. Como exemplo, mais da metade (n=3; 60%) dos pacientes classificados como Herring tipo A evoluíram com quadris classes III ou IV de Stulberg. No outro extremo, cinco dos pacientes classificados como Catterall tipo IV (23,8%) evoluíram com quadris classe I de Stulberg.

Diversos autores apontam que um dos problemas das classificações radiográficas para a doença de Perthes, nota-damente a de Catterall, é a baixa a moderada concordância inter- e intraobservadores.2929. Agus H, Kalenderer O, Eryanlmaz G, Ozcalabi IT. Intraobserver and interobserver reliability of Catterall, Herring, Salter-Thompson and Stulberg classification systems in Perthes disease. J Pediatr Orthop B. 2004;13(3):166-9.3131. Mahadeva D, Chong M, Langton DJ, Turner AM. Reliability and reproducibility of classification systems for Legg-Calvé-Perthes disease: a systematic review of the literature. Acta Orthop Belg. 2010;76(1):48-57. A estabilidade da classificação de Herring também foi questionada recentemente por Park e colaboradores, que notaram mudança da gradação inicial em 40% dos pacientes avaliados com DLCP em radiografias obtidas de forma seriada.3232. Park MS, Chung CY, Lee KM, Kim TW, Sung KH. Reliability and stability of three common classifications for Legg-Calvé-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 2012;470(9):2376-82. Essas constatações têm implicações importantes quando usamos algum desses métodos na prática clínica, já que idealmente as classificações deveriam ditar o tratamento e o prognóstico.

Baseado nos dados obtidos neste estudo, acreditamos que a classificação de Laredo66. Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15.,77. Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62. possa fornecer, de maneira sistematizada, melhor substrato para que se determine o prognóstico dos pacientes em que o tratamento cirúrgico está indicado. Dessa maneira, confirmam-se as observações de Ingman3333. Ingman AM, Paterson DC, Sutherland AD. A comparison between innominate osteotomy and hip spica in the treatment of Legg-Perthes' disease. Clin Orthop Relat Res. 1982;(163):141-7. e Paterson et al.,3434. Paterson DC, Leitch JM, Foster BK. Results of innominate osteotomy in the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 1991;(266):96-103. que encontraram uma estreita relação entre a presença de achatamento acentuado da cabeça femoral na artrografia e a ocorrência de maus resultados após a cirurgia de Salter.

Conclusão

No presente estudo, observamos que a idade na qual o paciente foi submetido ao tratamento cirúrgico e os grupos da classificação de Laredo foram as únicas variáveis que apresentaram correlação significativa com a classificação de Stulberg. Dessa forma, concluímos que a classificação de Laredo demonstrou ter maior valor prognóstico do que a de Caterall e Herring no tratamento da DLCP com osteotomia de Salter.

  • Trabalho desenvolvido na Disciplina de Ortopedia Pediátrica, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Waldenström H. On coxa plana, osteochondritis deformans coxae juvenilis. Acta Chir Scand. 1923;55:577-90.
  • 2
    Jonsater S. Coxa plana: a histo-pathologic and arthrografic study. Acta Orthop Scand Suppl. 1953;12:5-98.
  • 3
    Catterall A. The natural history of Perthes' disease. J Bone Joint Surg Br. 1971;53(1):37-53.
  • 4
    Salter RB, Thompson GH. Legg-Calvé-Perthes disease: the prognostic significance of the subchondral fracture and a two-group classification of the femoral head involvement. J Bone Joint Surg Am. 1984;66(4):479-89.
  • 5
    Herring JA, Neustadt JB, Williams JJ, Early JS, Browne RH. The lateral pillar classification of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 1992;12(2):143-50.
  • 6
    Laredo Filho J. Doença de Legg-Calvé-Perthes. Classificação artrográfica. Rev Bras Ortop. 1992;27(1):7-15.
  • 7
    Milani C, Dobashi ET. Arthrogram in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S156-62.
  • 8
    Soeur R, De Racker C. The anatomopathologic aspect of osteochondritis and the pathogenic theories which are relevant. I. Acta Orthop Belg. 1952;18(2):57-102.
  • 9
    Axer A. Subtrochanteric osteotomy in the treatment of Perthes' disease: a preliminary report. J Bone Joint Surg Br. 1965;47:489-99.
  • 10
    Chiari K. Beckenosteotomie zur pfannendachplastik. Wien Med Wochenschr. 1953;103:707-14.
  • 11
    Salter RB. Innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip. J Bone Joint Surg. 1961;43:518-39.
  • 12
    Salter RB. Role of innominate osteotomy in the treatment of congenital dislocation and subluxation of the hip in the older child. J Bone Joint Surg Am. 1966;48(7):1413-39.
  • 13
    Canale ST, D'Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1972;54(1):25-40.
  • 14
    Barer M. Role of innominate osteotomy in the treatment of children with Legg-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 1978;(135):82-9.
  • 15
    Laredo Filho J, Ishida A, Kuwajima SS. Efeito biológico da osteotomia de Salter sobre o curso da doença de Legg-Calvé-Perthes no estágio de necrose. Acta Ortop Bras. 1993;1(3):115-8.
  • 16
    Laredo Filho J, Ishida A, Kuwajima SS, Teloken MA, Milani C. Efeito biológico da osteotomia de Salter sobre o curso da doença de Legg-Calvé-Perthes nos estágios de necrose e fragmentação. Rev Bras Ortop. 1994;29(10):741-4.
  • 17
    Stulberg SD, Cooperman DR, Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(7):1095-108.
  • 18
    Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. 2nd ed. Massachusetts: Blackwell Science; 2006.
  • 19
    Neter J, Kutner MH, Nachtsheim CJ, Wasserman W. Applied linear statistical models. 4th ed. Ilinois: Richard D. Irwing; 1996.
  • 20
    Thompson GH. Salter osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop. 2011;31 Suppl. 2:S192-7.
  • 21
    Sponseller PD, Desai SS, Millis MB. Comparison of femoral and innominate osteotomies for the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am. 1988;70(8):1131-9.
  • 22
    Wang L, Bowen JR, Puniak MA, Guille JT, Glutting J. An evaluation of various methods of treatment for Legg-Calvé-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 1995;(314):225-33.
  • 23
    Ishida A, Kuwajima SS, Laredo Filho J, Milani C. Salter innominate osteotomy in the treatment of severe Legg-Calvé-Perthes disease: clinical and radiographic results in 32 patients (37 hips) at skeletal maturity. J Pediatr Orthop. 2004;24(3):257-64.
  • 24
    Fulford GE, Lunn PG, Macnicol MF. A prospective study of nonoperative and operative management for Perthes' disease. J Pediatr Orthop. 1993;13(3):281-5.
  • 25
    Nguyen NA, Klein G, Dogbey G, McCourt JB, Mehlman CT. Operative versus nonoperative treatments for Legg-Calvé-Perthes disease: a meta-analysis. J Pediatr Orthop. 2012;32(7):697-705.
  • 26
    Saran N, Varghese R, Mulpuri K. Do femoral or salter innominate osteotomies improve femoral head sphericity in Legg-Calvé-Perthes disease? A meta-analysis. Clin Orthop Relat Res. 2012;470(9):2383-93.
  • 27
    Ritterbusch JF, Shantharam SS, Gelinas C. Comparison of lateral pillar classification and Catterall classification of Legg-Calvé-Perthes' disease. J Pediatr Orthop. 1993;13(2):200-2.
  • 28
    Gigante C, Frizziero P, Turra S. Prognostic value of Catterall and Herring classification in Legg-Calvé-Perthes disease: follow-up to skeletal maturity of 32 patients. J Pediatr Orthop. 2002;22(3):345-9.
  • 29
    Agus H, Kalenderer O, Eryanlmaz G, Ozcalabi IT. Intraobserver and interobserver reliability of Catterall, Herring, Salter-Thompson and Stulberg classification systems in Perthes disease. J Pediatr Orthop B. 2004;13(3):166-9.
  • 30
    Simmons ED, Graham HK, Szalai JP. Interobserver variability in grading Perthes' disease. J Bone Joint Surg Br. 1990;72(2):202-4.
  • 31
    Mahadeva D, Chong M, Langton DJ, Turner AM. Reliability and reproducibility of classification systems for Legg-Calvé-Perthes disease: a systematic review of the literature. Acta Orthop Belg. 2010;76(1):48-57.
  • 32
    Park MS, Chung CY, Lee KM, Kim TW, Sung KH. Reliability and stability of three common classifications for Legg-Calvé-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 2012;470(9):2376-82.
  • 33
    Ingman AM, Paterson DC, Sutherland AD. A comparison between innominate osteotomy and hip spica in the treatment of Legg-Perthes' disease. Clin Orthop Relat Res. 1982;(163):141-7.
  • 34
    Paterson DC, Leitch JM, Foster BK. Results of innominate osteotomy in the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Clin Orthop Relat Res. 1991;(266):96-103.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2013
  • Aceito
    12 Ago 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br