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XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria: Novas Pesquisas e Revisão Sistemática

EDITORIAL

XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria: Novas Pesquisas e Revisão Sistemática

Marcos T. MercadanteI; Jerson LaksII

IEditor Associado da Revista Brasileira Psiquiatria

IICoordenador da Seção de Pôsteres do XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria

As sessões de pôsteres costumam estar entre as mais concorridas nos grandes congressos de qualquer especialidade, nacionais ou internacionais. É nessa atividade que se revelam as tendências da comunidade científica, assim como se divulgam os resultados preliminares de estudos que serão publicados apenas meses ou anos à frente. Também é na sessão de pôster que costumam ser encontrados os resultados negativos de estudos que nunca serão publicados. Assim, um congresso nacional cumpre a função de divulgar para a comunidade o que se tem de mais atualizado em termos de pesquisa e produção do conhecimento. Isso é tão relevante que, nos principais congressos internacionais de psiquiatria, essas sessões costumam ser freqüentadas por pesquisadores de renome, que buscam nesse encontro uma maneira de "refrescar" suas concepções e buscar novas idéias para seus estudos.

Este suplemento da Revista Brasileira de Psiquiatria traz os trabalhos de pesquisa original que serão apresentados no XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Trata-se de um passo à frente e inédito nos congressos de psiquiatria em nosso país, que reconhece a importância do congresso e facilita a divulgação dos trabalhos.

O que nos aguarda, portanto, em Florianópolis? Estaremos frente a quase mil trabalhos, enviados por diferentes grupos de médicos e profissionais da área de saúde. Uma comissão designada pelos organizadores do Congresso desempenhou uma árdua tarefa ao selecionar e classificar esse enorme volume de trabalhos. Considerando que hoje a Associação Brasileira de Psiquiatria conta com 3.500 psiquiatras cadastrados, podemos ficar orgulhosos acerca da grandeza dos números que foram apresentados.

Do total de trabalhos que poderemos conhecer, aproximadamente um terço foi classificado como Novas Pesquisas e RevisãoSistemática. Um fato extremamente agradável, pois sinaliza quase três centenas de estudos originais, motivo de satisfação para nossa comunidade. E o que poderemos esperar desse volume de novos conhecimentos?

Buscando facilitar esse encontro, os trabalhos foram classificados em doze áreas: transtornos do humor (com 14% do total de trabalhos), ansiosos (13%), psicóticos (11%), álcool e drogas (15%), alimentar (2%), sono (1%), psicofarmacologia (3%), interconsulta (7%), psiquiatria da infância e adolescência (10%), psiquiatria geriátrica (4%) e psiquiatria forense (2%), entre outros.

Um olhar mais próximo revela que a grande maioria dos trabalhos é descritiva. Tratam-se de ensaios que sugerem um envolvimento significativo dos pesquisadores, mas que resultam numa "fotografia", um conhecimento estático, acerca de freqüências, prevalências, etc. Em algumas áreas, as pesquisas mostram um maior desenvolvimento, com trabalhos dirigidos a aspectos de tratamento, alguns estudos com desenho de pesquisa bem elaborado, alguns trazendo resultados verdadeiramente inquietantes. No entanto, pouquíssimos são os trabalhos que testam ou geram novas hipóteses, o que refletiria linhas de pesquisas originais. Dessa maneira, revela-se uma certa defasagem na produção do conhecimento de ponta.

A área que conta com o maior número de trabalhos é a dos transtornos relacionados ao uso/abuso de substâncias. Essa área é também uma das que apresentam as melhores relações entre os tipos de trabalhos. Conta com 10% de seus trabalhos na área experimental, 15% de estudos dirigidos ao tratamento, alguns inclusive com metodologia extremamente adequada. A mesma tendência pode ser observada na área de transtornos psicóticos, em que 20% dos trabalhos são ensaios clínicos de processos terapêuticos e 13% são estudos experimentais. Os transtornos ansiosos têm 19% dos estudos dirigidos ao tratamento e 8% experimentais. Os transtornos do humor têm 16% dos estudos dirigidos ao tratamento e 5% experimentais.

Intrigante que, apesar do fantástico desenvolvimento das técnicas de biologia molecular, nenhum trabalho tenha utilizado técnicas laboratoriais mais sofisticadas. Mesmo considerando-se as conquistas recentes do projeto genoma, campo no qual nosso país tem demonstrado grande eficiência, quase não se encontram estudos utilizando genética molecular – não houve nenhum trabalho experimental baseado em manipulações genéticas. Como nossos colegas nessa área são extremamente ativos na apresentação de trabalhos em congressos no exterior, esperar-se que a partir do próximo ano possamos contar com sua contribuição para a difusão do conhecimento desses temas também em nosso congresso.

Chama a atenção o número de revisões. Esse tipo de estudo, sem dúvida uma oportunidade para aqueles que estão iniciando a carreira acadêmica, em sua maioria, necessitam de maior cuidado metodológico. Além disso, apenas 1% dos trabalhos utilizaram meta-análise, o que revela a necessidade de expandirmos o emprego dessa importante técnica em nossos estudos.

A grande maioria dos trabalhos é descritiva. Não se observa uma produção relevante de pesquisas epidemiológicas em nosso meio. Isso seria desejável, uma vez que trabalhos epidemiológicos podem fundamentar o ajustamento de políticas de saúde, assim como direcionar estudos de associação. Nota-se falta de comunicação entre os diferentes grupos de pesquisa de nosso país. Nessa perspectiva, grupos detentores da metodologia aplicável aos modernos estudos epidemiológicos ou grupos com experiência em ensaios clínicos poderiam colaborar com grupos emergentes, que, por enquanto, estão produzindo trabalhos descritivos para melhorar a qualidade total e também propiciar aumento da casuística em estudos multicêntricos. Ora, se essa compreensão é razoável, devemos olhar mais atentamente para Florianópolis, local ideal para que esses contatos se firmassem, amadurecessem. Grupos que contam com experiência em desenhos de estudos mais complexos poderiam investir em projetos colaborativos com grupos que já têm a estrutura inicial (pois fazem os trabalhos descritivos), mas ainda não conquistaram os recursos exigidos para o emprego da tecnologia atual.

Mas enfim, nesse cenário aparentemente favorável, por que nossa produção estaria aquém de nosso potencial? Seria fruto de uma crise de originalidade? Ou seria a revelação de um pré-desenvolvimento científico? A impressão que se obtém do contato com o material do suplemento é que nossa crise, assim como a de nossa sociedade, é fundamentalmente de gerenciamento. Temos recursos, temos capacitação, mas precisamos distribuir melhor nossas informações para que possamos incrementar nossa produção. Salta aos olhos a enorme quantidade de energia investida pelos profissionais da saúde. Administrada de maneira diferente resultará em enormes avanços implicando na melhoria da qualidade de vida dos portadores de transtornos psiquiátricos, seus familiares e, sem dúvida, nossa sociedade.

São esperados aproximadamente 3000 congressistas para uma comunidade de aproximadamente quarenta centenas de psiquiatras no país, meia centena de instituições cadastradas e duas dezenas de residências médicas. Números que, comparados ao volume dos estudos, mostram que estamos trabalhando e muito. Talvez pudéssemos otimizar os esforços. Melhor que os resultados já possam ser observados no ano que vem em Goiânia!

Aproveitemos e mãos à obra!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2003
  • Data do Fascículo
    Out 2002
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