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Quem paga o impacto: algumas observações sobre saúde

CARTAS AOS EDITORES

Quem paga o impacto: algumas observações sobre saúde

Rita de Cássia Ramos LouzadaI; João Ferreira da Silva FilhoII

IUFES e Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental/IPUB/UFRJ

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Senhor Editor,

O editorial intitulado "Quem paga o impacto: considerações sobre conflitos de interesse", publicado em setembro/2003, centrou seu foco sobre os fatores de impacto, políticas de publicação e conflitos de interesse. Gostaríamos de adendar alguns comentários ao material apresentado, especialmente no que tange ao trabalho de De Meis e cols., inicialmente apresentado numa conferência no IEA/USP e, alguns meses depois, publicado, integralmente, no Brazilian Journal of Medical and Biological Research.1 No artigo completo, é importante destacar, aparecem os impactos das atuais regras acadêmicas sobre a saúde dos pesquisadores. Essa ressalva não é de todo irrelevante na medida em que, diferentemente do conflito de interesses, a saúde mental desse tipo de trabalhador é tema pouquíssimo estudado em nosso meio. Mas, afinal, os pesquisadores são trabalhadores? Sofrem com as novas configurações do trabalho acadêmico? Em que medida os aspectos psíquicos interferem nesse tipo de trabalho? Como se pode aferir a qualidade do trabalho em ciência? Existem diferenças nas relações e condições de trabalho em função da área de conhecimento?

A pesquisa de De Meis e cols. parece indicar que pelo menos a segunda pergunta deve ser respondida afirmativamente. Seus achados, a partir de entrevistas com pesquisadores estabelecidos e pós-graduandos da área de bioquímica, apontaram a existência de síndrome de burnout naquele grupo. Vinte e um por cento (21%) das pessoas pesquisadas haviam buscado pelo menos um atendimento psiquiátrico ou terapia psicológica. Em suas conclusões, esses autores afirmam que o crescimento da ciência brasileira se dá graças a um enorme desgaste emocional das pessoas envolvidas.

Em que medida isso interessaria ao clínico? Nossos pesquisadores – e especialmente os pós-graduandos, porque ainda sem estatuto de pesquisador – recebem que tipo de atenção diante desse quadro? Temos dados no Brasil a esse respeito? Afinal, se a ciência é fundamental para o crescimento do país, o que vem sendo feito por seus construtores? São perguntas que pretendem ampliar a reflexão proposta por Clarice Gorenstein. Já é hora de iniciar, em nosso meio, um debate amplo sobre o tema, a exemplo do que começa a acontecer na literatura internacional, onde é possível encontrar dados de ansiedade e frustração em pesquisadores contratados e jovens pesquisadores (Reino Unido, EUA), em função das dificuldades de inserção laboral ou adaptação às exigências atuais do trabalho científico.2-4 Nesse debate, a maior parte do material se encontra em artigos de opinião ou científicos com metodologia qualitativa. Alguns autores apontam a dificuldade desse tema ser abordado por surveys. De toda maneira, é possível identificar dois surveys recentes: um norueguês,5 de 2001, em que se encontrou transtornos mentais em 17,2% de estudantes (n=396) de pós-graduação em ciências, graduados inicialmente em medicina; e um outro estudo,6 canadense, que abordou o estresse em estudantes de medicina, residentes e pós-graduandos em ciências e cujos resultados apontaram maiores níveis de estresse nesses últimos: 50% dos estudantes diziam-se estressados (n=829).

Embora as abordagens sejam diferenciadas, os estudos apontam a existência de sofrimento psíquico em pesquisadores e estudantes, o que exige maior investimento em pesquisa, para caracterizar melhor cada um desses grupos, seus sofrimentos e posições no campo científico. A nosso juízo, esse é um debate que interessa tanto aos clínicos quanto aos acadêmicos, na medida em que, para além dos resultados científicos, pode lançar luzes sobre o processo de trabalho em ciência.

Referências

1. De Meis L, Velloso A, Lannes D, Carmo MS, De Meis C. The growing competition in Brazilian science: rites of passage, stress and burnout. Braz J Med Biol Res 2003 Sep;36(9):1135-41.

2. Allen-Collinson J, Hockey J. Capturing contracts: informal activity among contract researchers. British Journal of Sociology of Education 1998 19(4):497-513.

3. Stephan P, Mangematin V. Le stress des jeunes chercheurs américains. Biofutur 1997;171:37-9.

4. Louzada RCR, Silva Filho JF. Competitiveness is pushing scientists to the edge. SciDev. Science and Development Network. 2 Dec 2003. Available from: URL: http://www.scidev.net/EditorLetters/index.cfm? fuseaction=readeditorletter&itemid=19&language=1

5. Tyssen R, Vaglum P, Gronvold NT, Ekeberg O. Factors in medical school that predict postgraduate mental health problems in need of treatment. A nationwide and longitudinal study. Medical Education 2001;35:110-20.

6.Toews JA, Lockyer JM, Dobson DJ, Simpson E, Brownell AK, Brenneis F, MacPherson KM, Cohen GS. Analysis of stress levels among medical students, residents, and graduate students at four Canadian schools of medicine. Acad Med 1997 Nov;72(11):997-1002.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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