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Ataques de pânico provocados pelo dióxido de carbono: estudo clínico-fenomenológico

Carbon dioxide-induced panic attacks: clinical-phenomenologic study

Resumos

OBJETIVOS: Verificar a sensibilidade de pacientes com transtorno de pânico (TP) ao teste de indução de ataques de pânico com dióxido de carbono (CO2) a 35% e analisar a intensidade, a duração e a sintomatologia dos ataques de pânico produzidos por esse agente em laboratório, comparando-os com os ataques de pânico espontâneos nesses pacientes. MÉTODOS: Foram selecionados 31 pacientes com TP com ou sem agorafobia (DSM-IV). Após uma semana sem medicação, os pacientes realizavam duas inalações de capacidade vital: uma de mistura carbogênica (CO2 35% e O2 65%) e outra de ar atmosférico comprimido ("placebo"), ordenadas ao acaso e separadas por um intervalo de 20 minutos. Essas inalações eram repetidas após duas semanas. Nesse período, os pacientes não recebiam nenhuma medicação psicotrópica. RESULTADOS: Dos pacientes, 22 (71,0%) apresentaram ataque de pânico em pelo menos um dos testes com CO2. Os sintomas relatados por eles com maior freqüência foram: dificuldade de respirar (n=20, 91,0%), sensação de sufocação/asfixia (n=18, 81,8%), tontura (n=18, 81,8%), estremecimento (n=14, 63,6%), palpitações (n=13, 59,0%) e medo de enlouquecer (n=12, 54,5%). Desse grupo, 11 pacientes (50,0%) consideraram os ataques de pânico experimentados no laboratório mais intensos, comparados aos ataques de pânico espontâneos, quatro (18,2%) consideraram haver a mesma intensidade entre os dois, e sete (31,8%) consideraram o ataque de pânico no laboratório mais leve. CONCLUSÃO: Pacientes com TP têm elevada sensibilidade ao CO2. A inalação de mistura gasosa com 35% de CO2 produz sintomas semelhantes aos ataques de pânico espontâneos, em pacientes com TP. Esse teste pode ser considerado um bom modelo laboratorial para o TP.

Ansiedade; Transtorno de pânico; Ataque de pânico; Dióxido de carbono


OBJECTIVES: To verify the sensibility of panic disorder patients to carbon dioxide challenge test and the intensity, duration and symptoms of panic attacks produced by the gas in these patients, comparing these data with those from spontaneous panic attacks. METHODS: Thirty-one patients with panic disorder with or without agoraphobia (DSM-IV) were selected. After one week without receiving any medication, these patients were asked to perform two full inhalations (vital capacity): one with a carbonic mixture (35% CO2, 65% O2) and the other with compressed atmospheric air (placebo), assigned randomly and separated by a 20-minute interval. These inhalations were repeated after 2 weeks. During this period no participants in the study received any kind of psychotropic drug. RESULTS: Twenty-two patients (71.0%) had a panic attack in at least one of the tests where the CO2 mixture was used. Among them (n=22), the most frequently reported symptoms were: shortness of breath (n=20, 91.0%), a feeling of suffocation or asphyxia (n=18, 81.8%), dizziness (n=18, 81.8%), trembling (n=14, 63.6%), palpitations (n=13, 59.0%), and fear of losing one's mind (n=12, 54.5%). Eleven patients (50.0%) thought the laboratory-induced panic attacks were more intense than the spontaneous ones, 4 (18.2%) felt both had the same intensity and 7 (31.8%) considered the laboratory-induced panic attacks as less intense. CONCLUSION: Panic disorder patients have high sensitivity to CO2. The 35% CO2 mixture inhalation triggers in these patients symptoms similar to those seen in spontaneous panic attacks. This test may be considered a good experimental model for studying panic disorder.

Anxiety; Panic disorder; Panic attacks; Carbon dioxide


Ataques de pânico provocados pelo dióxido de carbono: estudo clínico-fenomenológico

Carbon dioxide-induced panic attacks: clinical-phenomenologic study

Alexandre M Valençaa, Antonio Egidio Nardia, Isabella Nascimentoa, Marco André Mezassalmaa, Fabiana L Lopesa e Walter A Zinb

aLaboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. bLaboratório de Fisiologia da Respiração do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar a sensibilidade de pacientes com transtorno de pânico (TP) ao teste de indução de ataques de pânico com dióxido de carbono (CO2) a 35% e analisar a intensidade, a duração e a sintomatologia dos ataques de pânico produzidos por esse agente em laboratório, comparando-os com os ataques de pânico espontâneos nesses pacientes.

MÉTODOS: Foram selecionados 31 pacientes com TP com ou sem agorafobia (DSM-IV). Após uma semana sem medicação, os pacientes realizavam duas inalações de capacidade vital: uma de mistura carbogênica (CO2 35% e O2 65%) e outra de ar atmosférico comprimido ("placebo"), ordenadas ao acaso e separadas por um intervalo de 20 minutos. Essas inalações eram repetidas após duas semanas. Nesse período, os pacientes não recebiam nenhuma medicação psicotrópica.

RESULTADOS: Dos pacientes, 22 (71,0%) apresentaram ataque de pânico em pelo menos um dos testes com CO2. Os sintomas relatados por eles com maior freqüência foram: dificuldade de respirar (n=20, 91,0%), sensação de sufocação/asfixia (n=18, 81,8%), tontura (n=18, 81,8%), estremecimento (n=14, 63,6%), palpitações (n=13, 59,0%) e medo de enlouquecer (n=12, 54,5%). Desse grupo, 11 pacientes (50,0%) consideraram os ataques de pânico experimentados no laboratório mais intensos, comparados aos ataques de pânico espontâneos, quatro (18,2%) consideraram haver a mesma intensidade entre os dois, e sete (31,8%) consideraram o ataque de pânico no laboratório mais leve.

CONCLUSÃO: Pacientes com TP têm elevada sensibilidade ao CO2. A inalação de mistura gasosa com 35% de CO2 produz sintomas semelhantes aos ataques de pânico espontâneos, em pacientes com TP. Esse teste pode ser considerado um bom modelo laboratorial para o TP.

Descritores:

Ansiedade. Transtorno de pânico. Ataque de pânico. Dióxido de carbono.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To verify the sensibility of panic disorder patients to carbon dioxide challenge test and the intensity, duration and symptoms of panic attacks produced by the gas in these patients, comparing these data with those from spontaneous panic attacks.

METHODS: Thirty-one patients with panic disorder with or without agoraphobia (DSM-IV) were selected. After one week without receiving any medication, these patients were asked to perform two full inhalations (vital capacity): one with a carbonic mixture (35% CO2, 65% O2) and the other with compressed atmospheric air (placebo), assigned randomly and separated by a 20-minute interval. These inhalations were repeated after 2 weeks. During this period no participants in the study received any kind of psychotropic drug.

RESULTS: Twenty-two patients (71.0%) had a panic attack in at least one of the tests where the CO2 mixture was used. Among them (n=22), the most frequently reported symptoms were: shortness of breath (n=20, 91.0%), a feeling of suffocation or asphyxia (n=18, 81.8%), dizziness (n=18, 81.8%), trembling (n=14, 63.6%), palpitations (n=13, 59.0%), and fear of losing one's mind (n=12, 54.5%). Eleven patients (50.0%) thought the laboratory-induced panic attacks were more intense than the spontaneous ones, 4 (18.2%) felt both had the same intensity and 7 (31.8%) considered the laboratory-induced panic attacks as less intense.

CONCLUSION: Panic disorder patients have high sensitivity to CO2. The 35% CO2 mixture inhalation triggers in these patients symptoms similar to those seen in spontaneous panic attacks. This test may be considered a good experimental model for studying panic disorder.

Keywords

Anxiety. Panic disorder. Panic attacks. Carbon dioxide.

INTRODUÇÃO

Os procedimentos de indução de ataques de pânico que envolvem testes biológicos têm sido amplamente utilizados na avaliação e na investigação do transtorno de pânico (TP). Alguns estudos revelaram que pacientes com TP apresentam ataques de pânico após procedimentos em que há exposição a agentes como lactato de sódio,1 cafeína,2 isoproterenol3 e dióxido de carbono.4,5

Entre os modelos experimentais de ansiedade, os testes de indução de ataques de pânico com dióxido de carbono (CO2) a 35% têm algumas características de interesse especial: é um método seguro, não invasivo e utiliza uma técnica simples, provocando nos indivíduos responsivos um aumento intenso de ansiedade, semelhante aos ataques espontâneos de pânico.6

O teste de indução de ataques de pânico com CO2 a 35% é considerado um marcador-traço: parentes em primeiro grau de indivíduos com TP são vulneráveis ao teste.7,8 O teste também tem potencial de marcador-estado: drogas que são efetivas no tratamento do TP também bloqueiam a resposta ao teste.9-11 Embora tenha uma boa especificidade, esse teste não é considerado específico para o TP. Pacientes com fobia situacional específica12 e transtorno de ansiedade social13 respondem de forma semelhante aos pacientes com TP. Entretanto, o teste diferencia pacientes com TP daqueles com transtorno obsessivo-compulsivo,14,15 transtorno de ansiedade generalizada16 e fobia animal.12 Nestes três últimos, a freqüência de ataques de pânico após o procedimento com CO2 é baixa, não diferindo de controles normais.

É quase impossível um pesquisador presenciar um ataque de pânico espontâneo in natura. A maioria das informações disponíveis para um investigador procede de dados retrospectivos descritos pelos pacientes, cuja fidedignidade é incerta. Uma observação direta do ataque de pânico é muito importante. A indução de ataques de pânico em ambiente controlado de laboratório ajuda no entendimento da fenomenologia dos ataques de pânico.17 Os ataques de pânico provocados pelo CO2 parecem ser análogos válidos dos ataques espontâneos de pânico.18

Um dos objetivos do presente estudo é verificar se pacientes com transtorno de pânico apresentam ataques de pânico quando submetidos ao teste de provocação de ataques de pânico com CO2 a 35%. Outro objetivo é verificar intensidade, duração e sintomatologia dos ataques de pânico apresentados por pacientes com TP quando submetidos a esse teste.

MÉTODOS

Foram selecionados 31 pacientes com TP com ou sem agorafobia, do Laboratório de Pânico & Respiração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para o diagnóstico de TP, foi utilizada a Entrevista Clínica Estruturada19 para o DSM-IV.20 Os pacientes assinaram um termo de consentimento para participar do estudo. O protocolo do estudo foi realizado de acordo com os princípios da declaração de Helsinki e aprovado pelo comitê de ética do IPUB/UFRJ.

Os pacientes faziam inalações de misturas gasosas (CO2 35% e O2 65%) em duas ocasiões, separadas por intervalo de duas semanas. Eles eram previamente informados que poderiam apresentar tontura, cefaléia leve ou um aumento de ansiedade após a inalação da mistura gasosa, além de que teriam rápido alívio dos sintomas após o final do teste. A possibilidade de ataque de pânico não foi mencionada, com finalidade de não criar um viés relacionado à expectativa e ao aumento da ansiedade antecipatória.

Para participar do estudo, os pacientes deveriam ter idade entre 18 e 55 anos e relatar pelo menos três ataques de pânico nas duas semanas que antecederam o primeiro dia de teste. Não deveriam ter história de doença respiratória ou cardiovascular. Outros critérios de exclusão foram presença de epilepsia, gravidez, transtorno bipolar, psicoses, retardo mental e depressão maior atual. Todos os pacientes estavam sem uso de qualquer medicação psicotrópica há pelo menos uma semana e apresentavam teste de urina negativo para benzodiazepínicos e outras medicações, antes dos dois testes com CO2.

Os pacientes recebiam duas inalações de capacidade vital de uma mistura carbogênica (CO2 35% e O2 65%) e duas outras com ar atmosférico comprimido ("placebo"), ordenadas ao acaso e separadas por um intervalo de 20 minutos. Essas inalações eram repetidas após duas semanas. Durante esse intervalo, os pacientes não usavam nenhuma medicação psicotrópica. Antes e após cada procedimento, era aplicada a Escala para Avaliação de Ataque de Pânico,21 na qual a presença e a intensidade de sintomas de ataque de pânico (DSM-IV) experimentados após as inalações recebem escores de 0 a 4 (0 = ausência do sintoma, 4 = sintoma muito intenso), e a Escala Subjetiva de Ansiedade (SUDS)22 (variação de 0 a 10). Após os procedimentos com ar comprimido e CO2, os pacientes eram também solicitados a preencher o "Diário do paciente", que contém uma lista de sintomas de ataque de pânico (em linguagem simples), de acordo com os critérios do DSM-IV.20

O diagnóstico de ataque de pânico foi definido da seguinte forma:23 (1) presença de quatro ou mais sintomas de ataque de pânico do DSM-IV; (2) pelo menos um sintoma cognitivo de ataque de pânico do DSM-IV (medo de morrer, perder o controle ou enlouquecer); (3) sensação de medo ou pânico semelhante aos ataques de pânico da vida real; (4) concordância entre dois avaliadores médicos de que o paciente apresentou um ataque de pânico. Também foram aplicadas as escalas de Hamilton para ansiedade,22 a escala de impressão clínica global (CGI) e a Escala de Avaliação de Semelhanças (desenvolvida no Laboratório de Pânico & Respiração). Nessa escala, o paciente é solicitado a comparar o ataque de pânico que teve durante o procedimento com CO2 com o ataque de pânico que tem em situações de sua vida, em termos de intensidade, duração e diferenças ou semelhanças entre sintomas.

A amostra foi dividida em dois grupos: 1) GP (grupo cujos pacientes apresentaram ataques de pânico após um dos testes com CO2) e 2) GSP (grupo cujos pacientes não apresentaram ataques de pânico após os dois testes com CO2).

Análise estatística

A análise de variância Anova com o teste de Wilcoxon foi utilizada para avaliar as diferenças nos níveis de ansiedade antes e após os procedimentos com ar comprimido e CO2. A variável idade foi analisada pelo teste t de Student, comparando-se os pacientes que apresentaram ataque de pânico (GP) após um dos testes com CO2 com aqueles que não apresentaram ataque de pânico (GSP) após o mesmo teste. As diferenças de sexo na amostra e as diferenças na pontuação nas escalas de CGI e Hamilton para ansiedade, bem como o tempo de início de doença, foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney, nesse caso, também sendo comparadas as diferenças entre os dois grupos: GP e GSP. A prova exata de Fisher foi utilizada para comparar os dois grupos no que diz respeito à presença ou à ausência de agorafobia, bem como as diferenças entre os mesmos (GSP e GP) em relação ao aumento de ansiedade medido pela escala SUDS. O nível de significância foi estabelecido em 5%.

RESULTADOS

A amostra foi constituída de 31 pacientes com TP com idade média (± DP) de 36,8±8,3 anos, havendo 18 mulheres e 13 homens. Destes, 23 apresentavam agorafobia. Dos 31 pacientes, 22 (71%) apresentaram ataque de pânico em pelo menos um dos testes com CO2. Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com resposta positiva (presença de ataque de pânico após um dos testes com CO2) ou negativa (ausência de ataque de pânico após os dois testes com CO2).

Nenhum paciente apresentou ataque de pânico após inalação de ar atmosférico comprimido. Dos pacientes, 22 (71%) (14 mulheres e oito homens) apresentaram ataque de pânico após pelo menos um dos procedimentos com CO2 e nove (quatro mulheres e cinco homens) não apresentaram ataque de pânico em nenhum dos dois procedimentos com CO2. Não houve diferenças significativas em relação à variável sexo entre os dois grupos (teste de Mann-Whitney, p=0,419). No grupo que apresentou ataque de pânico (GP), a idade média (± DP) foi de 35,8±8,0 anos, ao passo que no grupo que não apresentou ataque de pânico, (GSP) a idade média (±DP) foi de 39,1±8,7 anos (teste t de Student, p=0,329). A mediana de início do TP no GP foi de 13 meses (percentil 25% = 3 meses; percentil 75% = 42 meses). Já no GSP, a mediana do tempo de início do TP foi de 38 meses (percentil 25% = 21 meses; percentil 75% = 126 meses), não havendo diferenças significativas entre os dois grupos (teste de Mann-Whitney, p=0,098). No GP (n=22), 17 (77,2%) pacientes apresentavam agorafobia. Já no GSP (n=9), seis (66,6%) pacientes apresentavam agorafobia (teste exato de Fisher, p=0,660). No GP (n=22), a mediana do CGI de gravidade foi de 5,0 (percentil 25 = 5,0; percentil 75% = 5,0). No GSP (n=9), a mediana do CGI foi de 4,0 (percentil 25% = 4,0; percentil 75% = 4,25). Nesse aspecto, houve diferença significativa entre os grupos (teste de Mann-Whitney, p=0,006). Em relação ao nível de ansiedade medido pela escala de Hamilton, a pontuação do GP (n=22) foi de 24,5 (percentil 25% = 20; percentil 75% = 31). Já no GSP (n=9), essa mesma pontuação foi de 21,0 (percentil 25% = 18; percentil 75% = 27,5). Não houve diferenças significativas entre os grupos nesse caso (teste de Mann-Whitney, p= 0,231).

Os níveis de ansiedade medidos pela escala SUDS antes e após inalação de ar atmosférico comprimido e CO2 nos dois grupos também foram medidos (Tabela). Tanto no GP quanto no GSP houve aumento significativo de ansiedade após os procedimentos com CO2. O aumento da ansiedade após inalação de ar comprimido nos dois grupos não foi significativo (Tabela).

Um outro dado pesquisado foi a verificação do número de pacientes que tiveram aumento no escore de ansiedade medido pela escala SUDS de valor maior ou igual a 3 (antes/após procedimento com CO2) nos dois grupos. Em relação a esse aspecto, 17 (77,2%) do GP (n=22) tiveram aumento desses escores dentro desses valores. Já no GSP (n=9), apenas dois (22,2%) tiveram tal aumento de ansiedade (teste exato de Fisher, p= 0,012).

Entre os pacientes que apresentaram ataques de pânico (n=22), os sintomas que foram relatados com maior freqüência foram: dificuldade de respirar (n=20, 91,0%), sensação de sufocação/asfixia (n=18, 81,8%), tontura (n=18, 81,8%), estremecimento (n=14, 63,6%), palpitações (n=13, 59,0%) e medo de enlouquecer (n=12, 54,5%) (Figura).


Quando foram solicitados a comparar os ataques de pânico apresentados no laboratório com aqueles da vida real, 11 pacientes (50,0%) consideraram os primeiros mais intensos, quatro (18,2%) consideraram haver a mesma intensidade entre os dois, e sete (31,8%) consideraram o ataque de pânico no laboratório mais leve. Em relação à semelhança entre os sintomas de ataque de pânico apresentados no laboratório e os da vida real, 11 pacientes (50%) os consideraram semelhantes, dez (45,4%) os consideraram um pouco diferentes e apenas um (4,5%) os considerou completamente diferentes um do outro. Já em relação à duração, 19 pacientes (86,3%) consideraram que o ataque de pânico experimentado no laboratório tinha duração menor, enquanto apenas três (13,6%) consideraram o ataque de pânico experimentado no laboratório ter duração maior.

DISCUSSÃO

Na amostra deste estudo de pacientes com TP, 22 (71%) apresentaram ataque de pânico após um dos testes de provocação com CO2. Este trabalho coincide com os dados da literatura, em relação à elevada sensibilidade ao CO2 em pacientes com TP.14,24 A freqüência de ataques de pânico encontrada foi maior que a da literatura internacional, considerando o mesmo método, que é em torno de 60%.25 Um dos fatores que podem explicar esse achado, é que a amostra do presente estudo foi constituída de pacientes graves (com CGI mediano de 5,0), com elevada freqüência de ataques de pânico nas duas semanas anteriores ao estudo. Talvez casos mais graves de TP tenham maior sensibilidade ao CO2.

Apesar de um estudo26 apontar a evitação agorafóbica como um fator que aumentaria a probabilidade de reação positiva (ataque de pânico) ao teste de provocação de ataques de pânico com CO2, não se encontrou essa correlação na amostra analisada. Dos 23 pacientes com TP e agorafobia e dos 8 pacientes sem agorafobia, 17 (73,9%) e cinco (62,6%), respectivamente, apresentaram ataques de pânico após um dos procedimentos com CO2, não havendo diferença significativa nesse caso. Também não foram encontradas diferenças significativas em relação às variáveis idade, sexo, tempo de início do TP e ansiedade basal (medida pela escala de Hamilton), entre o grupo que apresentou ataque de pânico após o procedimento com CO2 (GP) e aquele em que não houve ataque de pânico (GSP), mostrando que essas variáveis não influenciam a resposta ao teste com CO2.

Battaglia & Perna6 e Verburg et al27 consideram a escala SUDS22 (variação de 0 a 100) como "padrão-ouro" para obtenção do diagnóstico de ataque de pânico nos testes de indução de ataques de pânico com CO2. De acordo com esses autores, uma diferença positiva de 26 pontos entre a ansiedade posterior e anterior ao teste com CO2 traduz a existência de ataque de pânico. No presente estudo, utilizaram-se os critérios do DSM-IV20 para o diagnóstico de ataque de pânico, replicando alguns estudos anteriores.12,13,21 Ao se aplicar a escala SUDS (em pontuação de 0 a 10), verificou-se haver aumento significativo de ansiedade após o procedimento com CO2 nos pacientes que apresentaram ataques de pânico e naqueles em que isto não ocorreu (Tabela). Com base apenas nesses dados, poder-se-ía afirmar que o aumento da ansiedade medida pela escala SUDS não distingue pacientes que apresentam ou não ataques de pânico. Por outro lado, quando se compara o número de pacientes que tiveram aumento no escore de ansiedade medido por essa escala, de valor maior ou igual a 3, à semelhança de critérios de estudos anteriores,6,27 verifica-se que 17 (77,2%) do GP e apenas dois (22,2%) do GSP tiveram aumento de ansiedade dentro desses valores, após o procedimento com CO2, sendo essa diferença estatisticamente significativa. O valor dessa escala como instrumento diagnóstico de ataque de pânico em estudos com indução laboratorial de ataques de pânico deverá continuar a ser pesquisado. O ataque de pânico parece ser uma alteração qualitativa e não apenas quantitativa nos níveis de ansiedade.

Embora os ataques de pânico tenham uma importância central no TP, o conhecimento sobre eles é limitado e baseado em dados retrospectivos, cuja fidedignidade é incerta. Poucos estudos fenomenológicos sobre TP têm sido realizados, a maioria em ambiente natural, não controlado. Shioiri et al28 entrevistaram 247 pacientes com TP (DSM-III-R), avaliando os sintomas que aconteceram durante o ataque de pânico mais recente dos pacientes. Os sintomas mais encontrados foram palpitação, dispnéia, tontura e sensação de desmaio. Margraf et al,29 num estudo com 27 pacientes com TP (DSM-III), constataram que os sintomas mais freqüentemente descritos foram palpitação, tontura, dispnéia, náusea, sudorese e dor ou desconforto no peito. De Beurs et al,30 avaliando 1.276 ataques de pânico registrados por 94 pacientes com TP (DSM-III-R), verificaram que os sintomas mais freqüentes foram palpitação (78%), tontura (75%), sudorese (66%), dificuldade de respirar (65%) e tremores (65%).

Igualmente, há uma escassez de estudos fenomenológicos sobre ataques de pânico provocados em laboratório, em pacientes com TP. Em um deles,31 foi utilizado o teste de indução de ataques de pânico com CO2 a 35% em 51 pacientes com TP (DSM-III-R). Estes foram divididos em dois subtipos: um "respiratório" (n=28), cujo grupo apresentava sintomas respiratórios proeminentes na vigência do ataque de pânico (falta de ar, sufocamento, sensação de asfixia, dor no peito, desconforto torácico, formigamento) e outro "não-respiratório". Foi verificado que 22 (79%) dos 28 pacientes do subtipo "respiratório" e 11 (48%) dos 23 pacientes do subtipo "não-respiratório" apresentaram ataques de pânico após inalação de CO2 a 35% (diferença estatisticamente significativa). É levantada a hipótese de que os indivíduos com o subtipo "respiratório" de TP seriam mais sensíveis ao teste de indução de ataques de pânico com CO2.

No presente estudo, os sintomas respiratórios foram os mais freqüentes: dificuldade de respirar (91,0%) e sensação de sufocação/asfixia (81,8%). Outros sintomas freqüentes foram tontura (81,8%), estremecimento (63,6%), palpitações (59,0%) e medo de enlouquecer (54,5%). É importante salientar que a maioria desses sintomas está também entre os mais descritos nos estudos fenomenológicos naturais do TP.28-30 Quando os pacientes foram solicitados a comparar os ataques de pânico experimentados no laboratório com aqueles experimentados em situação ambiental, 50,0% os consideraram semelhantes, e 45,4%, um pouco diferentes. Apenas um (4,5%) paciente os considerou completamente diferentes. Todos esses dados permitem afirmar que os ataques de pânico provocados pelo CO2 em laboratório constituem análogos válidos dos ataques de pânico da vida real experimentados por esses pacientes. Uma limitação deste estudo é o fato da amostra ser pequena (n=31).

Outros estudos fenomenológicos tentaram relacionar os sintomas de ataques de pânico com outros aspectos do TP. Em um deles32 foi utilizada uma inalação de capacidade vital de CO2 a 35% em 20 pacientes com TP, sendo encontrado que os sintomas falta de ar e sensação de sufocação ou asfixia se correlacionavam significativamente com a ansiedade subjetiva, sugerindo um papel específico dos sintomas respiratórios no TP. Bandelow et al33 encontraram que um subgrupo de pacientes com TP com sintomas cardiorespiratórios (medo de morrer, dor no peito, dispnéia, parestesias e sensação de sufocação) tinham menos ataques de pânico situacionais e mais ataques de pânico espontâneos. Biber & Alkin31 apontam para o fato de que, de uma forma geral, aqueles pacientes com sintomas respiratórios proeminentes têm mais ataques de pânico espontâneos e noturnos; história de experiência traumática passada de sufocação; passado de doenças respiratórias; história de tabagismo intenso; maior duração do TP; e melhor resposta ao tratamento com antidepressivos tricíclicos.

De acordo com Griez & Hout,34 a principal diferença entre os ataques de pânicos espontâneos e induzidos pelo CO2 é que estes últimos têm duração menor e são facilmente reversíveis. Nesse aspecto, os resultados estão de acordo com a afirmação desses autores: 86,3% dos pacientes consideraram que o ataque de pânico experimentado no laboratório tinha duração menor. Já em relação à intensidade do ataque de pânico, Sanderson & Wetzler,18 em estudo de revisão, afirmam que ataques de pânico provocados pelo CO2 em laboratório são menos intensos que os ataques de pânico situacionais, apontando mecanismos cognitivos para justificar esse dado. Não se encontrou isto neste estudo: 50,0% dos pacientes consideraram o ataque de pânico experimentado no laboratório mais intenso do que o situacional, e 18,2% consideraram haver a mesma intensidade entre os dois. Apenas 31,8% dos pacientes consideraram o ataque de pânico do laboratório mais leve, comparado ao situacional.

CONCLUSÃO

Pacientes com TP têm elevada sensibilidade ao CO2. A inalação de CO2 35% produz sintomas semelhantes aos ataques de pânico espontâneos, em pacientes com TP. Esse teste pode ser considerado um bom modelo laboratorial para o TP.

O fato de que ataques de pânico podem ser provocados em laboratório por meio de intervenções fisiológicas e farmacológicas é relevante. A descoberta de mecanismos pelos quais o teste com CO2 provoca ataques de pânico em pacientes vulneráveis aprofundará o entendimento sobre a fisiopatologia do TP.

Correspondência

Alexandre Martins Valença

Rua da Cascata 13/501 - Tijuca

20530-080 Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: avalen@uol.com.br

Recebido em 14/8/2000. Aceito em 12/9/2000.

Trabalho realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – processo nº 143201/1997-2).

Conflito de interesse inexistente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2001
  • Data do Fascículo
    Mar 2001

Histórico

  • Aceito
    12 Set 2000
  • Recebido
    14 Ago 2000
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