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Apresentação

Apresentação

Psiquiatria geriátrica: o que existe por trás do nome?

Geriatric psychiatry: what lies behind the name?

É com muito prazer que apresento este suplemento especial sobre psiquiatria geriátrica (PG) aos leitores da RBP. Vários motivos contribuíram para que a PG se estabelecesse não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, como uma subespecialidade da psiquiatria. Um dos motivos que facilmente vêm à mente é o envelhecimento da população mundial e, em particular, do Brasil. Com o número crescente de idosos, aumenta também o número de doenças associadas a fases mais tardias da vida. Entre estas, encontram-se os transtornos mentais, que comprometem a qualidade de vida de aproximadamente 25% das pessoas com 65 ou mais anos de idade. Mas não são apenas os números que fazem da PG uma subespecialidade médica válida e relevante. Os transtornos mentais dos idosos estão associados a fatores predisponentes, precipitadores e perpetuadores típicos da terceira idade (por exemplo: doença física concomitante, isolamento social, perdas, uso de múltiplas medicações etc.). Além disso, a apresentação de quadros clínicos como depressão, psicose, ansiedade e dependência de drogas tem características que são muitas vezes peculiares do indivíduo idoso. Por exemplo, no início do século passado, Kraepelin sugeriu a existência de quadros clínicos associados a fases mais tardias da vida, como a melancolia involutiva (quadros depressivos associados a intensa ansiedade, irritabilidade, agitação e delírios) e a parafrenia (quadros esquizofreniformes nos quais o afeto mantém-se relativamente preservado). Na mesma época, Alois Alzheimer descreveu de forma sistemática o primeiro caso de "doença de Alzheimer", um tipo de demência que não estava especificamente associada a doença cerebrovascular.

A partir da década de 1950, Martin Roth, David Kay e Felix Post, entre outros profissionais do Reino Unido, contribuíram para a reestruturação diagnóstica dos quadros psiquiátricos de início tardio que passaram a incorporar transtornos funcionais (afetivos e parafrenia tardia) e orgânicos (demência senil, arteriosclerótica e estado confusional agudo). De fato, pela primeira vez, a separação de quadros psiquiátricos de origem "funcional" e "orgânica" foi devidamente validada por meio de exame neuropatológico.1 A partir da década de 1970, novos conhecimentos nas áreas de epidemiologia, neuroimagem, neuropsicologia, psicologia, psicofarmacologia e genética contribuíram para revolucionar o conhecimento sobre a fisiopatologia e os tratamentos dos transtornos mentais dos idosos. Em poucas áreas da medicina, os avanços foram mais expressivos e significativos. A doença de Alzheimer, por exemplo, deixou de ser uma forma de demência senil cujos mecanismos eram incompreensíveis e para a qual não existia tratamento, para se transformar numa doença cujos principais genes foram identificados, parte dos mecanismos fisiopatológicos desvendada, e para a qual o tratamento sintomático já se encontra amplamente disponível (e progresso nessa área continua avançando rapidamente).2

Os avanços na área da PG não se limitaram aos aspectos técnicos das doenças que acometem idosos. Avanços significativos na área de cuidado residencial ocorreram ao longo dos últimos anos em países desenvolvidos e possibilitaram a relativa manutenção da independência e a melhora da qualidade de vida de pessoas idosas (mesmo daquelas com demência). Além disso, associações profissionais voltadas para o cuidado do idoso com transtornos mentais surgiram em vários países, incluindo o Brasil (International Psychogeriatric Association, American Association for Geriatric Psychiatry, Faculty of Psychiatry of Old Age of the Royal College of Psychiatrists e Australian and New Zealand College of Psychiatrists e, no Brasil, Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica e Secção de Psiquiatria Geriátrica da Associação Brasileira de Psiquiatria).

Associações de pacientes e cuidadores de idosos com transtornos mentais também vêm crescendo em número e têm contribuído para aumentar a conscientização da sociedade para os problemas de saúde mental do idoso, bem como para melhorar a rede de suporte existente para os pacientes e seus familiares (como Alzheimer's Association International). Finalmente, países como Inglaterra, Escócia, Estados Unidos da América e Austrália desenvolveram nos últimos 5 a 10 anos programas de treinamento especializado em psiquiatria geriátrica. Essa iniciativa tem como objetivo fornecer à sociedade profissionais capacitados para lidar com os problemas de saúde mental de um número crescente de indivíduos idosos (três anos de treinamento em psiquiatria geral e dois anos em psiquiatria geriátrica).

A psiquiatria geriátrica é uma área de trabalho excitante e em evolução. Os artigos incluídos neste suplemento tiveram como objetivo apresentar ao leitor 14 revisões críticas e atualizadas dos principais aspectos clínicos ligados à prática da psiquiatria geriátrica. Essa decisão automaticamente excluiu deste suplemento temas importantes relacionados à biologia molecular, genética, neuropsicologia e neuroimagem dos transtornos mentais dos idosos, os quais podem vir a ser abordados de forma detalhada em uma próxima oportunidade.

Este número da revista que o leitor tem em mãos (ou no monitor do computador, para aqueles que acessam a RBP eletronicamente!) é o resultado final do esforço de um seleto grupo de colegas que trabalham na área de saúde mental do idoso no Brasil e na Austrália. O profissionalismo de todos permitiu que os prazos para entrega de artigos e posteriores revisões fossem todos cumpridos (o que é raro!). Além disso, a elevada qualidade dos trabalhos submetidos para publicação facilitou em muito o processo de edição, além de ter sido para mim uma excelente fonte de atualização. Por isso, sou extremamente grato a todos que contribuíram com este suplemento. Finalmente, gostaria de agradecer aos editores da RBP pela oportunidade que me ofereceram de editar um número sobre psiquiatria geriátrica para a revista e à Associação Brasileira de Psiquiatria por continuar facilitando o desenvolvimento da psiquiatria geriátrica no Brasil.

Osvaldo P. Almeida

Professor of Geriatric Psychiatry University of Western Australia, Austrália

Referências

1. Blessed G, Tomlinson BE, Roth M. The association between quantitative measures of dementia and of senile change in the cerebral grey matter of elderly subjects. Br J Psychiatry 1968;114:797-811.

2. St George-Hyslop P, Rossor M. Unravelling the disease process. Lancet 2001;358:S1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
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