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Homicídio sexual: relato de caso de perícia psiquiátrica forense

Sexual homicide: case report of a forensic psychiatric evaluation

CARTA AOS EDITORES

Homicídio sexual: relato de caso de perícia psiquiátrica forense

Sexual homicide: case report of a forensic psychiatric evaluation

Caro Editor,

O homicídio sexual é o assassinato intencional de um indivíduo, durante o qual há comportamento sexual realizado pelo perpetrador. Trata-se de evento raro, que atrai a atenção psiquiátrica, tanto nos casos únicos, quanto naqueles em série. Estima-se que representem menos de 1% dos homicídios anuais, legalmente conhecidos, nos Estados Unidos1. Estatísticas brasileiras informam que os delitos sexuais representam 18% das perícias de Responsabilidade Penal realizadas no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF)2. Já no Estado de São Paulo, 5% dos homens presos cumprem pena em virtude de crime sexual3.

A maioria destes delitos é cometida por homens menores de 30 anos1. As vítimas são, preferencialmente, mulheres desconhecidas ou parceiras casuais, da mesma raça do agressor. Os homicidas sexuais, habitualmente, não são psicóticos e os diagnósticos do eixo I mais encontrados, baseados no DSM-IV, são sadismo sexual e uso de álcool e drogas1. O eixo II, por sua vez, é preenchido pelos transtornos de personalidade antissocial e narcisista4.

A cena do crime nos homicídios sexuais pode ser organizada ou desorganizada, segundo uma classificação desenvolvida pelo Federal Bureau of Intelligence (FBI)1. O sadismo sexual é um elemento que emerge como prelúdio de homicídios sexuais em série e pode ser encontrado facilmente, nos tipos organizados.

Descrevemos o caso de um homem branco, de 29 anos, solteiro, com ensino fundamental incompleto, caminhoneiro, sem antecedentes criminais, encaminhado para avaliação de Responsabilidade Penal no IPF, pelos delitos de homicídio qualificado, estupro e atentado violento ao pudor. O acusado abordou a vítima, jovem de idade semelhante, branca, fisioterapeuta, em rodovia, fazendo-a sair de seu veículo. Agarrou-a, levou-a para um barranco, imobilizou-a usando uma corda, torturou-a e praticou atos sexuais diversos. Ao final, desferiu quinze golpes de facão em seu pescoço, causando-lhe a morte. Abandonou o local do crime, trocou suas vestes e conduziu seu veículo para a entrega das mercadorias em outro Estado, onde se desfez da arma. Confessou ter praticado o homicídio, porém afirmou não se recordar dos fatos, pois sua consciência estaria alterada pelo uso de anfetaminas, que afirmava consumir durante as viagens. A história narrada estava repleta de mentiras, não revelava indícios de transtornos mentais pelo uso de substâncias, psicose ou retardo mental. Crueldade, ausência de remorso, falta de empatia, conduta manipuladora e frieza emocional foram aferidas no psicodiagnóstico. Estes sintomas, associados ao escore da Psychopathy Checklist Revised (22), levaram os peritos a concluir pela presença de traços antissociais de personalidade. O resultado da Historical, Clinical, Risk Management-20 (23) indicou importante risco de violência. As fantasias sádicas sexuais, embora não admitidas, tiveram sua concreta expressão por meio das imagens post mortem da vítima e das descrições do exame médico legal. A conclusão do laudo pericial indicou plena imputabilidade.

As características deste crime corroboram as pesquisas sobre o tema: trata-se de homicídio sexual com elementos organizados e desorganizados, executado por agressor jovem, sádico, portador de traços antissociais de personalidade, que selecionou vítima desconhecida, de mesma cor, negando parcialmente a violência sexual cometida e atribuindo a responsabilidade para um estado alterado de consciência, por intoxicação5.

Este caso fornece algumas características de um homicida sexual local, ressaltando as dificuldades existentes para avaliar a motivação deste tipo de delito, o que deve ser um marco de futuras pesquisas.

Alcina Juliana Soares Barros

Psiquiatria Forense, Universidade Federal de Ciências da

Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil

Lisieux Elaine de Borba Telles

Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso,

Porto Alegre, RS, Brasil

Psiquiatria Forense, Universidade Federal de Ciências da

Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil

Pedro Henrique Iserhard Zoratto, Marília Alves da Luz

Hentschel, Larissa Melgarejo Santarém

Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso,

Porto Alegre, RS, Brasil

  • 1. Meloy JR. The nature and dynamics of sexual homicide: an integrative review. Aggression violent behavior. 2000;5(1):1-22.
  • 2. Telles LEB. Perícias de responsabilidade penal realizadas no Instituto Psiquiátrico Forense. Multijuris: Primeiro Grau em Ação 2007;2(3):44-9.
  • 3. Baltieri DA, Andrade AG. Comparing serial and nonserial sexual offenders: alcohol and street drug consumption, impulsiveness and history of sexual abuse. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):25-31.
  • 4. Stone MH. Sexual sadism: a portrait of evil. J Am Acad Psychoanal Dyn Psychiatry. 2010;38(1):133-57.
  • 5. Folino JO. Estudios Argentino sobre homicidas. In: Folino JO, Escobar-Córdoba F, editors. Estudios sobre homicidios: perspectivas forenses, clínica y epidemiológica La Plata: Libreria Editora Platense; 2009. p.65-152.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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