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Novas perspectivas e diretrizes na terapêutica da esquizofrenia: avanços relacionados com os sistemas não-dopaminérgicos

EDITORIAL

Novas perspectivas e diretrizes na terapêutica da esquizofrenia: avanços relacionados com os sistemas não-dopaminérgicos

A hipótese dopaminérgica surgiu a partir da observação que compostos antagonistas dopaminérgicos eram capazes de reverter os sintomas psicóticos. Os antipsicóticos são ainda o padrão ouro para o tratamento da esquizofrenia, apesar do efeito limitado sobre os sintomas negativos e do seu perfil de efeitos colaterais. Desde então, várias hipóteses não-dopaminérgicas surgiram a partir de diversos estudos. Focaremos nesses sistemas não-dopaminérgicos e suas implicações terapêuticas para o controle da esquizofrenia.

O glutamato e a hipofunção do receptor NMDA

A hipótese da hipofunção do receptor do ácido-N-metil-D-aspartato (NMDAR) foi desenvolvida a partir dos achados sobre drogas bloqueadoras dos receptores de glutamato NMDARs, tais como a fenilciclidina (PCP), que induzem efeitos quase idênticos aos sintomas positivos e negativos observados na esquizofrenia. Animais que receberam cronicamente antagonistas de NMDAR desenvolveram perda de matéria cinzenta de forma similar ao relatado na esquizofrenia. Somado a isso, foi observado em estudos de neuroimagem com SPECT um déficit relativo no acoplamento a NMDAR no hipocampo esquerdo de pacientes com esquizofrenia1. Ainda que o foco dos estudos sobre o glutamato tenha sido o receptor tipo NMDA, deve se levar em conta que outros receptores de glutamato, tanto ionotrópicos como metabotrópicos, podem também estar envolvidos.

Ácido γ -aminobutírico (GABA)

Pacientes com esquizofrenia possuem evidências de reduzida neurotransmissão gabaérgica no córtex pré-frontal. Pode-se esperar que as drogas que ampliam a função gabaérgica sejam úteis por reduzirem a liberação excessiva do glutamato cortical. Atualmente, há pouca ou nenhuma evidência de que quaisquer drogas que ampliem a função do receptor de GABA-A, tais como benzodiazepínicos, carbamazepina ou valproato sejam úteis na esquizofrenia. No entanto, até onde sabemos não foi desenvolvida nenhuma droga seletiva para a subunidade alfa-2 e, até agora, nenhum ensaio clínico avaliou o efeito de drogas potencializadoras de GABA-A nos estágios mais iniciais da doença1.

Glicina

A glicina é um aminoácido com função inibitória na medula e no tronco encefálico, mas que também pode atuar como um coagonista glutamatérgico em NMDAR. Em experimentos com camundongos, deficiências do acoplamento de glicina induzidas geneticamente ou farmacologicamente resultaram em alterações comportamentais que se assemelham aos sintomas negativos e cognitivos da esquizofrenia. Vários estudos testaram os efeitos da combinação de glicina com certos antipsicóticos ou da utilização de inibidores do transportador de glicina e demonstraram resultados promissores. Há evidências que suportam a administração de glicina ou inibidores do transportador de Gli-T1 para ampliar a neurotransmissão mediada pelo NMDAR para o tratamento da esquizofrenia2.

D-Serina

A D-Serina é o principal coagonista de NMDAR e potencializa a função do NMDAR. Foi relatada melhora dos sintomas esquizofrênicos com a administração diária de grandes quantidades de D-serina em monoterapia ou em combinação com antipsicóticos atípicos. A D-Serina é metabolizada pela diamino oxidase (DAO) e foi observado que a inativação de DAO em camundongos melhora alguns déficits comportamentais que são similares aos sintomas negativos e cognitivos da esquizofrenia. Alguns inibidores da DAO que estão sendo estudados atualmente demonstram uma biodisponibilidade aumentada da D-serina, permitindo a administração de uma dose mais baixa de D-serina para pacientes em tratamento2,3.

Óxido nítrico (ON) e arginina

Foi relatado que, em roedores, os efeitos induzidos pela PCP podem ser revertidos por meio da interferência com a produção de ON. O pré-tratamento com a L-nitro arginina metil-éster (L-NAME), um inibidor da enzima óxido nítrico sintase (SON), contrabalançou os efeitos comportamentais da PCP e reduziu os níveis de ON. No entanto, há também evidências de estudos animais com PCP sugerindo que a subprodução de ON pode estar vinculada à esquizofrenia. Alguns estudos sugerem que os doadores de ON (e.g. nitroprussiato de sódio) podem bloquear os efeitos comportamentais da PCP e melhorar os déficits cognitivos. Estudos post-mortem encontraram disfunção da migração e do funcionamento celular de neurônios produtores de ON na esquizofrenia. Esses achados corroboram a teoria do neurodesenvolvimento, sugerindo que uma diminuição na produção de ON em áreas corticais poderia contribuir para o desenvolvimento neuronal alterado, disfunção dos circuitos neuronais, hipofrontalidade e funcionamento cognitivo prejudicado3,4.

Homocisteína, deficiência de folato e a hipótese de neurodesenvolvimento

Tanto achados positivos quanto negativos foram relatados em estudos que avaliaram a deficiência de folato na esquizofrenia. A hiperhomocisteinemia tem sido mais consistentemente encontrada em pacientes com esquizofrenia. Uma metanálise concluiu que o polimorfismo homozigoto MTFHR 677TT está associado a um elevado risco de esquizofrenia. Experimentos em animais demonstraram que o impacto da deficiência de folato não está restrito ao embrião. Consequentemente, o metabolismo anormal de carbono 1 C1 poderia prejudicar a neurogênese cortical e do hipocampo durante o desenvolvimento e poderia contribuir para o volume diminuído do cérebro encontrado de forma consistente em pacientes com esquizofrenia. A deficiência de folato poderia estar associada à esquizofrenia, atuando tanto por meio da hiper-homocisteinemia e/ou de efeitos independentes da homocisteína na divisão das células progenitoras neurais. Estudos demonstraram que as estratégias que visam reduzir homocisteína contribuem para a melhora dos sintomas em pacientes com esquizofrenia5.

Receptores de acetilcolina (receptores nicotínicos e muscarínicos)

A acetilcolina foi relacionada à esquizofrenia por: modular a neurotransmissão tanto nos receptores de dopamina como nos NMDA; e ter importância central no funcionamento cognitivo. No entanto, o uso de inibidores da colinesterase conjuntamente com antipsicóticos não foi associado a resultados benéficos1.

Receptores nicotínicos: estudos post-mortem de pacientes com esquizofrenia encontraram anormalidades na expressão do subtipo alfa-7 do receptor nicotínico. Além disso, um lócus gênico onde se encontra o gene do receptor nicotínico alfa-7 foi vinculado à esquizofrenia. Estudos em animais sugerem que a nicotina normaliza transitoriamente déficits do filtro sensorial que são similares aos déficits observados na esquizofrenia (incapacidade de prestar atenção de forma apropriada aos estímulos sensoriais). Em um estudo duplo-cego controlado com placebo foi encontrado que a galantamina, um inibidor combinado da colinesterase e potencializador alostérico dos receptores nicotínicos, aumenta a cognição. Um ensaio clínico de um agonista seletivo de alfa-7 também demonstrou melhora cognitiva na esquizofrenia1.

Receptores muscarínicos: um estudo post-mortem de pacientes com esquizofrenia encontrou níveis reduzidos de receptores muscarínicos no putâmen/caudado. Pacientes com esquizofrenia não medicados apresentam disponibilidade reduzida do receptor muscarínico em exames de neuroimagem por SPECT. Além disso, a clozapina atua claramente como um agonista parcial nos receptores muscarínicos M1 e M4 e sua afinidade por esses receptores é várias vezes maior do que pelo receptor de dopamina D2. Portanto, os agonistas muscarínicos parciais poderiam ser agentes terapêuticos potenciais na esquizofrenia, assim como tratamentos adjuvantes para melhorar a eficácia dos antipsicóticos atípicos. Existem algumas evidências pré-clínicas que suportam essa hipótese1.

Receptores de canabinoides

O estudo do sistema canabinoide avançou muito nos últimos anos e achados apontam que esse sistema pode estar envolvido na manifestação de sintomas psiquiátricos de uma forma mais extensa do que se pensava anteriormente. Evidências recentes sugerem que os canabinoides podem provocar sintomas semelhantes aos da esquizofrenia em indivíduos saudáveis, inclusive prejuízo cognitivo. Além disso, foi demonstrado que o uso de substâncias que atuam no sistema canabinoide exacerba os sintomas e dispara recaídas, além de ter outras consequências negativas no curso da doença6. A indução de sintomas psicóticos transitórios pelos canabinoides parece ser o resultado da modulação, pelo sistema canabinoide, das vias dopaminérgicas, gabaérgicas e glutamatérgicas, mas essas associações ainda não estão claras. Em oposição, estudos com outras substâncias derivadas de cannabis, tais como o canabidiol, demonstraram que esses compostos podem também ter propriedades antipsicóticas7.

Essas linhas de investigação demonstram que há muito mais para ser descoberto em relação à esquizofrenia e que a dopamina, apesar de ter um papel importante, está longe de ser a única via envolvida na apresentação clínica do transtorno. O tratamento futuro da esquizofrenia provavelmente será baseado em múltiplos sistemas neuronais, tendo diferentes drogas e doses direcionadas para redes neurais específicas e os sintomas associados a elas.

Saleem Al-Nuaimi

Unidade de Pesquisa Neuroquímicas e Unidade de Pesquisa sobre

Esquizofrenia Bebensee, Departamento de Psiquiatria, Universidade

de Alberta, Alberta, Canadá

Centro de Avaliação e Terapêutica Psiquiátricas, Alberta Hospital

Edmonton, Serviços de Saúde Alberta, Edmonton, Alberta, Canadá

Cristiano Chaves

Departamento de Neurociências e Ciências Comportamentais,

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade

de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Jaime E. C. Hallak

Departamento de Neurociências e Ciências Comportamentais,

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade

de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia – Translacional em

Medicina, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq), Brasil

Glen B. Baker, Serdar Dursun

Unidade de Pesquisa Neuroquímicas e Unidade de Pesquisa

sobre Esquizofrenia Bebensee, Departamento de Psiquiatria,

Universidade de Alberta, Alberta, Canadá

Centro de Avaliação e Terapêutica Psiquiátricas, Alberta

Hospital Edmonton, Serviços de Saúde Alberta, Edmonton,

Alberta, Canadá

Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia – Translacional em

Medicina, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq), Brasil

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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