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PANDAS - Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infection: constitui-se num transtorno clínico específico?

EDITORIAL

PANDAS - Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infection - constitui-se num transtorno clínico específico?

"Há um terrível conjunto de mentiras circulando ao redor do mundo, e o pior é que a metade delas é verdadeira" Sir Winston Churchill - político britânico (1874 - 1965)

Em 1998, Swedo et al1 propuseram a existência de um subconjunto de crianças com transtorno de tiques e/ou transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) que tinham início/exacerbação abrupta de sintomas temporalmente associados à infecção por estreptococos. Foi denominada pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infection (acrônimo PANDAS) e seus critérios diagnósticos incluem: presença de TOC e/ou transtorno de tiques; idade de início pré-puberal; início abrupto, "explosivo" de sintomas e/ou um curso de exacerbações e remissões abruptas; uma relação temporal entre os sintomas e infecção pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A (GABHS); e a presença de anormalidades neurológicas, incluindo hiperatividade e movimentos coreiformes. Em relatos subseqüentes, os proponentes têm clarificado vários requisitos.2 Por exemplo, o diagnóstico necessita de pelo menos duas exacerbações de sintomas neuropsiquiátricos com diferentes períodos intervenientes de remissão - durante os quais culturas de garganta e títulos de anticorpos antiestreptocócicos são negativos. Exacerbações explosivas de tiques são definidas como a aparição simultânea de vários tiques motores e fônicos diferentes com uma intensidade que faz com que os pais procurem atenção médica imediata. Essas recorrências agudas devem começar simultaneamente com uma cultura de garganta positiva ou no período de 7 a 14 dias após a infecção. Por último, os movimentos coreiformes são descritos como finos movimentos de pianista. A existência dessa entidade permanece controversa; no entanto, partidários e oponentes adotam posições firmes nas suas respectivas apreciações da questão clínica.2-5

A evidência interpretada para apoiar a existência de PANDAS provém de estudos clínicos, radiográficos e laboratoriais. Coortes adicionais têm sido relatadas indicando que os critérios podem definir coortes de pacientes com características comuns e um curso previsível. Infelizmente, na opinião deste autor, o rigor do diagnóstico proposto não é alcançado na maior parte das publicações. Índices mais elevados de transtornos de tiques e TOC em parentes de primeiro grau de crianças com PANDAS são geralmente citados como evidência da presença de um ativador ambiental em uma população geneticamente vulnerável. No entanto, é possível que o probando desenvolva tiques mesmo sem nenhuma infecção prévia. Análises volumétricas de ressonâncias magnéticas em crianças com PANDAS demonstraram um maior tamanho médio de caudado, putâmen e globo pálido, mas uma variedade de diferenças regionais também ocorre em crianças e adultos com síndrome de Tourette (ST) clássica. Um marcador de traço para suscetibilidade na febre reumática, o anticorpo monoclonal D8/17, demonstrou ter uma expressão expandida em indivíduos com PANDAS. Infelizmente, a reprodutibilidade e precisão dos sistemas de análise têm sido questionadas e o teste permanece como um instrumento de pesquisa. Por último, apesar das alegações de analogia clínica com a febre reumática, a associação entre GABHS e PANDAS ainda não foi confirmada por estudos epidemiológicos ou pela prevenção com penicilina. Além disso, vários estudos longitudinais recentemente publicados não conseguiram demonstrar que as crianças são mais propensas a terem exacerbações de tiques associadas a infecções por estreptococos.

Este pesquisador também acredita que preocupações legítimas e inconsistências permanecem nos cinco critérios requeridos para o diagnóstico de PANDAS. Diagnóstico de tiques ou TOC: Se PANDAS fosse verdadeiramente similar à coréia de Sydenham (CS), então a maioria dos pacientes afetados estariam livres de problemas neuropsicológicos antes da "ativação" inicial da infecção GABHS. Ao contrário, a maioria das crianças diagnosticadas com PANDAS possui tiques ou sintomas de TOC preexistentes antes de qualquer exacerbação aguda. É apropriado limitar os sintomas clínicos a tiques e TOC ou dever-se-ia então, como outros têm sugerido, incluir outros transtornos de movimento e comportamentais? Por outro lado, se tudo é permissível, constitui-se PANDAS numa entidade realmente definível?

Início pré-puberal: Limitar PANDAS a um transtorno pré-puberal é compreensível, mas essa restrição etária somente o coloca dentro do período mais comum para o início de transtornos de tiques. Terão os adultos com relatos de sintomas similares a PANDAS um subtipo dessa síndrome ou um transtorno diferente?

Exacerbações explosivas: Ainda que a definição operacional de uma exacerbação de PANDAS tenha sido melhorada, alterações fulminantes abruptas não são incomuns em pacientes com tiques que não tenham PANDAS. Além disso, uma variedade de fatores externos, tais como estresse, ansiedade, fadiga, infecções virais, temperatura e uso de medicação, podem todos afetar drasticamente a gravidade dos tiques. Associação temporal entre início de tiques/TOC e uma infecção GABHS: Tanto os tiques como GABHS são comuns em crianças e há uma possibilidade distinta de sobreposição unicamente devida ao acaso. O período latente permissível entre GABHS e a primeira exacerbação aguda de sintomas permanece mal definido. Na CS, o modelo freqüentemente citado para PANDAS, a coréia aparece tipicamente de 3 a 5 meses após a infecção estreptocócica, quando as evidências microbiológicas e sorológicas de uma infecção estreptocócica estão em geral ausentes. Portanto, por analogia, poderia ser possível haver o início abrupto de tiques em PANDAS sem a confirmação clara de infecção. Os médicos que diagnosticam PANDAS devem reconhecer que os criadores do conceito estabeleceram critérios estritos para confirmar uma associação entre sintomas e GABHS, i.e., títulos crescentes/cultura positiva de garganta com exacerbação de sintomas e títulos decrescentes/cultura negativa de garganta com remissão de sintomas em duas ocasiões distintas. Diagnósticos realizados sem dados longitudinais apropriados de laboratório não devem ser permitidos e todos os portadores assintomáticos de estreptococos e pacientes com títulos antiestreptocócicos persistentemente elevados devem ser excluídos. Presença de anormalidades neurológicas: Esse critério requer a co-ocorrência de tiques, hiperatividade ou movimentos coreiformes durante as exacerbações. A definição proposta de "coreiforme" não está de acordo com a terminologia padrão.

Em resumo, este autor acredita que o transtorno auto-imune pós-estreptocócico PANDAS proposto merece um estudo cuidadoso, mas até agora sua validade permanece não provada. Ainda que o foco deste editorial seja nas questões relacionadas aos critérios clínicos, existem também significativas controvérsias ligadas ao seu hipotético mecanismo imune-mediado. Aos clínicos que consideram fazer este diagnóstico, eu sugeriria a adesão estrita aos critérios formais publicados, o reconhecimento de que o diagnóstico requer avaliações longitudinais, a admissão de que uma única medição de anticorpos antiestreptocócicos tem valor limitado e que o tratamento com antibióticos profiláticos ou terapias imunomodulatórias é controverso e acompanhado por efeitos colaterais potencialmente graves. Até que uma clarificação maior esteja disponível, sugiro que a terapia deva continuar centrada nos enfoques padrões para controlar os sintomas de tiques e de TOC. Juntamente com a comunidade científica, aguardamos ansiosamente o resultados de estudos controlados de casos que estão sendo desenvolvidos.

Harvey S Singer

Johns Hopkins University School of Medicine

Referências

1. Swedo SE, Leonard HL, Garvey M, Mittleman B, Allen AJ, Perlmutter S, et al. Pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infections: clinical description of the first 50 cases. Am J Psychiatry. 1998;159(2):264-71.Commented in: Am J Psychiatry. 2002;159(2):320.

2. Swedo SE, Leonard HL, Rapoport JL. The pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infection (PANDAS) subgroup: separating fact from fiction. Pediatrics. 2004;113(4):907-11.Commented on: Pediatrics. 2004;113(4):883-6.

3. Kurlan R, Kaplan EL. The pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infection (PANDAS) etiology for tics and obsessive-compulsive symptoms: hypothesis or entity? Practical considerations for the clinician. Pediatrics. 2004;113(4):883-6. Commented on: Pediatrics. 2004;113(4):907-11.

4. Singer HS, Loiselle CR. PANDAS, A commentary. J Psychosom Res. 2003;55(1):31-9.

5. Snider LA, Swedo SE. Post-streptococcal autoimmune disorders of the central nervous system. Curr Opin Neurol. 2003;16(3):359-65.

Original version accepted in English

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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