Acessibilidade / Reportar erro

Transmissão pelo glutamato como alvo molecular na ansiedade

Glutamatergic neurotransmission as molecular target in anxiety

Resumos

O glutamato (GLU) é o principal neurotransmissor excitatório do cérebro de mamíferos. Os receptores do GLU são classificados em ionotrópicos ou metabotrópicos. A interferência do GLU no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado e na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão tem limitado o uso de compostos que agem nos receptores de GLU, quando existe a necessidade de ações mais seletivas dessas drogas. Dados pré-clínicos em roedores e humanos têm mostrado que compostos que reduzem a ativação do GLU, pelo bloqueio dos seus receptores ou através da redução da sua liberação dos terminais, produzem um perfil ansiolítico em modelos de ansiedade. A aplicação desses compostos em áreas específicas do cérebro, envolvidas na mediação do comportamento defensivo, tal como a substância cinzenta periaquedutal dorsal, também reproduzem o mesmo perfil ansiolítico de ação. O conhecimento crescente acerca da neurotransmissão pelo GLU e o desenvolvimento de compostos mais seletivos atuantes nesta neurotransmissão, renovaram a atenção para esse sistema neurotransmissor como alvo molecular possível para uma nova classe de drogas no tratamento de condições neuropsiquiátricas. Embora incompleta, esta revisão tenta atrair a atenção para a importância de estudos colaborativos entre clínicos e pesquisadores de ciências básicas na geração de idéias para alvos potenciais no desenvolvimento de novos compostos ansiolíticos. e desta maneira contribuir para a compreensão das bases biológicas da ansiedade.

Glutamato; Ansiedade; Labirinto em Cruz Elevado; Substância Cinzenta Periaquedutal Dorsal; Drogas Ansiolíticas


Glutamate (GLU) is the main excitatory neurotransmitter in the mammalian brain. GLU receptors are classified as ionotropic (iGLUR) or metabotropic (mGLUR). The GLU interference with neural development, synaptic plasticity, learning and memory, epilepsy, neural ischemia, drug addiction, tolerance, neuropathic pain, anxiety and depression, has limited the use of compounds acting on GLU synapses, when there is a need for a selective effect for these drugs. Pre-clinical data in rodents and humans subjects has shown that compounds that reduce GLU activation either by blocking its receptors or by reducing its release from terminals elicit an anxiolytic profile of action in models of anxiety. When applied to specific brain areas involved in the mediation of defensive behavior, such as the periaqueductal gray matter, these compounds also replicate the same anxiolytic-like profile. The increasing knowledge about GLU neurotransmission and the development of more selective GLU-acting compounds have renewed attention towards this neurotransmismiting system as a possible target for new classes of drugs for the treatment of neuropsychiatric conditions. Although not complete this review tried to draw attention to collaborative studies between clinicians and basic researchers that have provided insight for potential targets in the development of new anxiolytic compounds thus contributing for the understanding of the biological basis of anxiety.

Glutamate; Anxiety; Elevated Plus-Maze model; Periaqueductal Gray Matter; Anxiolytic Drugs


Transmissão pelo glutamato como alvo molecular na ansiedade

Glutamatergic neurotransmission as molecular target in anxiety

Antonio de Pádua Carobrez

Departamento de Farmacologia/CCB, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antonio de Pádua Carobrez Departamento de Farmacologia/CCB, Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil E-mail: adepadua@farmaco.ufsc.br

RESUMO

O glutamato (GLU) é o principal neurotransmissor excitatório do cérebro de mamíferos. Os receptores do GLU são classificados em ionotrópicos ou metabotrópicos. A interferência do GLU no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado e na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão tem limitado o uso de compostos que agem nos receptores de GLU, quando existe a necessidade de ações mais seletivas dessas drogas. Dados pré-clínicos em roedores e humanos têm mostrado que compostos que reduzem a ativação do GLU, pelo bloqueio dos seus receptores ou através da redução da sua liberação dos terminais, produzem um perfil ansiolítico em modelos de ansiedade. A aplicação desses compostos em áreas específicas do cérebro, envolvidas na mediação do comportamento defensivo, tal como a substância cinzenta periaquedutal dorsal, também reproduzem o mesmo perfil ansiolítico de ação. O conhecimento crescente acerca da neurotransmissão pelo GLU e o desenvolvimento de compostos mais seletivos atuantes nesta neurotransmissão, renovaram a atenção para esse sistema neurotransmissor como alvo molecular possível para uma nova classe de drogas no tratamento de condições neuropsiquiátricas. Embora incompleta, esta revisão tenta atrair a atenção para a importância de estudos colaborativos entre clínicos e pesquisadores de ciências básicas na geração de idéias para alvos potenciais no desenvolvimento de novos compostos ansiolíticos. e desta maneira contribuir para a compreensão das bases biológicas da ansiedade.

Descritores: Glutamato. Ansiedade. Labirinto em Cruz Elevado. Substância Cinzenta Periaquedutal Dorsal. Drogas Ansiolíticas.

ABSTRACT

Glutamate (GLU) is the main excitatory neurotransmitter in the mammalian brain. GLU receptors are classified as ionotropic (iGLUR) or metabotropic (mGLUR). The GLU interference with neural development, synaptic plasticity, learning and memory, epilepsy, neural ischemia, drug addiction, tolerance, neuropathic pain, anxiety and depression, has limited the use of compounds acting on GLU synapses, when there is a need for a selective effect for these drugs. Pre-clinical data in rodents and humans subjects has shown that compounds that reduce GLU activation either by blocking its receptors or by reducing its release from terminals elicit an anxiolytic profile of action in models of anxiety. When applied to specific brain areas involved in the mediation of defensive behavior, such as the periaqueductal gray matter, these compounds also replicate the same anxiolytic-like profile. The increasing knowledge about GLU neurotransmission and the development of more selective GLU-acting compounds have renewed attention towards this neurotransmismiting system as a possible target for new classes of drugs for the treatment of neuropsychiatric conditions. Although not complete this review tried to draw attention to collaborative studies between clinicians and basic researchers that have provided insight for potential targets in the development of new anxiolytic compounds thus contributing for the understanding of the biological basis of anxiety.

Keywords: Glutamate. Anxiety. Elevated Plus-Maze model. Periaqueductal Gray Matter. Anxiolytic Drugs.

Introdução

Farmacologia do Glutamato

As ações excitatórias do glutamato (GLU) são conhecidas desde os anos 501,2. Experimentos realizados ao longo dos últimos anos têm comprovado o seu envolvimento com o desenvolvimento neural, a plasticidade sináptica, o aprendizado, a memória, o dano neuronal pós-isquemia ou hipoglicemia, a epilepsia e outras doenças neurodegenerativas, a dependência e tolerância a drogas, a dor neuropática, a ansiedade e a depressão.3,4

Apesar da estimativa de que aproximadamente 50 bilhões de neurônios teriam capacidade para produzir o GLU,5 somente nos anos 706-8 ficou comprovado seu papel como transmissor químico. Os níveis neurais de GLU são altos (10 mM) e constantes. Estão envolvidos em vários processos bioquímicos, tais como o metabolismo energético, a síntese de ácidos graxos, a regulação dos níveis de amônia, a composição de proteínas e peptídeos.9 Além disso, o GLU pode ser encontrado em vesículas sinápticas para ser liberado de maneira dependente de Ca++ ou como precursor do ácido gama aminobutírico (GABA) em sinapses inibitórias. O GLU é o aminoácido mais abundante na dieta. Contudo, não existem evidências de dano neural produzido pelo GLU ingerido por humanos.

O GLU é o principal transmissor excitatório do sistema nervoso central de mamíferos.10 Conforme ilustrado na Figura 1, os seus receptores podem ser classificados genericamente como ionotrópicos (iGLU; ligados a um canal iônico) e metabotrópicos (mGLU; ligados a mecanismos intracelulares de transdução de sinal, via proteína G).


Os iGLU foram subseqüentemente classificados de acordo com o agonista mais seletivo e subdivididos em: NMDA (n-metil-d-aspartato), AMPA (a-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolproprionato) e cainato. Os iGLU são compostos por quatro ou cinco subunidades que, agrupadas, formam um poro central com condutância seletiva para Ca++ e Na+. O iGLU subtipo NMDA possui várias subunidades denominadas NR1 (onde se liga a glicina), NR2A-D (onde se liga o GLU) e NR3A-B. A combinação de duas subunidades NR1 com duas subunidades NR2 comporiam os receptores presentes em maior número no SNC.11 Os receptores AMPA são formados por subunidades GLUR1-4.12 Já os receptores cainato são formados por subunidades GLUR5-7 ou GLUKA5-7, KA1-2 ou GLUKA1-2.13

Os mGLU formam uma classe de oito receptores (mGLU1-8) classificados em três grupos (I, II e III) cujas ações são exercidas através da proteína G. Os receptores do grupo I (mGLU1 e mGLU5) são acoplados a proteína Gq que ativa cascatas de segundos mensageiros (fosfolipase C, etc.) promovendo a liberação de Ca++ de estoques intracelulares. Os receptores do grupo II (mGLU2 e mGLU3) e do grupo III (mGLU4, mGLU6, mGLU7 e mGLU8) são acoplados a proteína Gi, inibindo a formação de AMPc.14

Uma característica dinâmica do funcionamento de uma sinapse glutamatérgica pode ser melhor apreciada na Figura 2. A liberação dependente de Ca++ de GLU endógeno poderá ativar todos iGLU e mGLU, dependendo da afinidade, da localização e das características intrínsecas de cada receptor. Assim, acredita-se que o GLU liberado ativa inicialmente os receptores AMPA e cainato que, apesar da baixa afinidade relativa pelo GLU, promoveriam a rápida despolarização da célula através da entrada de íons Na+ e Ca++. A despolarização parcial da membrana plasmática removeria o bloqueio exercido pelo íon Mg++ do interior do canal do receptor NMDA. Portanto, o GLU, ligando-se com alta afinidade na subunidade NR2 em associação com a glicina, ligada na subunidade NR1, promoveriam a entrada de Ca++ e Na+, contribuindo para a excitabilidade da célula. A ativação dos mGLU, por envolver a ativação de mensageiros intracelulares, se daria em velocidade muito mais lenta. Contudo, seus efeitos poderiam se dar em dois níveis, inibindo a excitação através de receptores dos grupos II e III ou aumentando a excitabilidade, através dos receptores do grupo I. A ativação dos mGLU (grupos II e III) com localização extra-sináptica promoveria a redução na liberação deste neurotransmissor. A ativação do mGLU1 e mGLU5 contribuiria para a ativação da membrana pós-sináptica, enquanto a estimulação do mGLU2 e mGLU3 inibiria a excitabilidade desta membrana. Um sistema de transporte seletivo de GLU para células gliais e para os neurônios reduziria as concentrações sinápticas do aminoácido.15,16 A conversão do GLU em glutamina e sua subseqüente captação neuronial poderiam, por sua vez, dar início à nova síntese de GLU e à nova liberação sináptica (Figura 2).


Abordagem experimental da ansiedade

Uma discussão sobre modelos animais de ansiedade não será abordada neste artigo. Porém, uma leitura mais detalhada poderá ser encontrada nas revisões feitas por Rodgers & Cole17 e por Graeff & Zangrossi Jr.18 Os comportamentos defensivos (CD) são as reações do organismo a perigos presentes ou potenciais. Os CD são modelados pela seleção natural e podem ser modificados para que atuem somente quando forem úteis.19 Conexões neuroniais são selecionadas quando há detecção de pistas perigosas facilitando o aprendizado e a retenção permanente da informação. Os CD são ainda específicos para cada situação de perigo com amplitudes que podem variar de uma resposta de pânico em animais frente ao ataque de um predador até respostas mais sutis, como esquiva frente a perigos potenciais.19 Nesta linha de raciocínio, tem sido sugerido que transtornos de ansiedade são causados por uma detecção falha e conseqüentemente pela expressão inadequada dos CD.19-24 Os modelos animais de medo/ansiedade favoreceriam a expressão do CD frente a situações artificiais ou naturais de perigo. Os parâmetros fisiológicos e comportamentais comporiam a compreensão das bases biológicas subjacentes. Três medidas diretas são freqüentemente utilizadas para o estudo do CD: 1) As respostas motoras, representadas por atos e posturas em direção ao meio externo; 2) As respostas neurovegetativas representadas por vários mecanismos de adaptação ou de preparo do meio interno para dar suporte as respostas comportamentais; e 3) As relações morfo-funcionais de áreas encefálicas através de técnicas de neuro-imagem.

A participação da substância cinzenta periaquedutal dorsal (SCPd) no medo/ansiedade pode ser comprovada por vários experimentos mostrando que a administração sistêmica de drogas ansiolíticas como o clordiazepóxido, diazepam ou lorazepam reduzem o comportamento aprendido de atenuação ou de finalização da estimulação elétrica da SCPd.23,25 Os efeitos motivacionais aversivos dessa estimulação estão indicados nos seguintes fatos: 1) A SCPd seria um dos sítios de ação do efeito ansiolítico dos compostos benzodiazepínicos;23 2) Animais são treinados a desligar ("switch off") o estímulo elétrico aplicado na SCPd26 e 3) Relatos de disforia e pânico, associados ao aumento na freqüência respiratória em humanos submetidos à neurocirurgia.27 Deakin & Graeff28 propuseram que a SCPd seria responsável pela defesa contra predadores comandando respostas de fuga ou luta executadas em condições de medo extremo. Em resumo, esses estudos indicam que partes da SCP contêm elementos neurais responsáveis pela expressão coordenada da reação de defesa espontânea ou induzida artificialmente através da estimulação elétrica ou química.23,29

Em 1985, começamos a investigar os efeitos dos aminoácidos excitatórios (AAE) nos CD. Os resultados iniciais mostraram que o GLU aplicado na SCPd era capaz de evocar o CD em ratos, um efeito que poderia ser seletivamente bloqueado por antagonista de AAE.30,31 Antagonistas de AAE aplicados na SCPd foram também eficazes em bloquear o CD evocado a partir da estimulação elétrica desta região, sugerindo um papel fisiológico para esta transmissão química na mediação das respostas defensivas. Em uma abordagem experimental etológica, utilizando o paradigma gato-rato, mostramos que antagonistas de AAE injetados por via sistêmica eram capazes de atenuar a expressão do CD após a retirada do gato, sem contudo interferir no CD durante a exposição ao predador.32

O labirinto em cruz elevado (LCE; Figura 3) é o modelo animal de ansiedade mais utilizado no mundo. Um levantamento feito através do sítio da internet, web of science (a partir do portal CAPES: www.periodicos.capes.gov.br), mostrou que, de 1984 até o ano de 2002, foram produzidos aproximadamente 2.200 trabalhos científicos indexados utilizando ou citando o LCE, dos quais 250 feitos no Brasil. Ao longo desses anos, os resultados obtidos em experimentos que utilizaram este modelo têm contribuído para o desenvolvimento de novos compostos ansiolíticos, para o conhecimento das bases neurobiológicas da ansiedade e, mais recentemente, na avaliação da emocionalidade de animais submetidos a técnicas de deleção gênica.33,34 O modelo do LCE assenta-se no comportamento exploratório espontâneo de roedores em um ambiente com dois níveis de maior (braços abertos) ou menor (braços fechados com paredes) característica aversiva. Esse fato gera inicialmente um conflito aproximação-esquiva aos braços abertos, resultado da tendência exploratória do roedor e do medo/novidade. Handley & Mithani35 mostraram que este tipo de labirinto era sensível a drogas ansiolíticas (maior atividade nos braços abertos) e ansiogênicas (menor atividade nos braços abertos), o que foi confirmado por vários pesquisadores.17 Alguns fatos notáveis mostram que neste modelo os animais apresentam: 1) Aumento na corticosterona plasmática; 2) Analgesia bloqueada por drogas ansiolíticas; 3) Aprendizado de uma resposta de esquiva; e 4) Aumento na atividade de neurônios em áreas envolvidas com as respostas de medo/ansiedade, tais como amígdala, hipotálamo e SCPd, entre outras.29


A partir de 1990, iniciamos nossos estudos utilizando o LCE como modelo experimental. O conjunto de resultados obtidos mostrou que antagonistas do receptor subtipo NMDA (AP7, HA966, ácido 7Cl-quinurênico, ácido quinurênico) produziam aumentos nas atividades dos braços abertos do LCE, sugestivo de efeito ansiolítico, confirmando resultados obtidos com outros antagonistas NMDA administrados por via sistêmica (Tabela 1). Por outro lado, agonistas ligantes da subunidade NR2 (GLU, NMDA) ou NR1 (glicina, D-serina) do receptor NMDA produziram efeitos ansiogênicos, quando microinjetados na SCPd.29,36,37 Evidências do envolvimento da SCPd no efeito de compostos ansio-seletivos foram obtidas em um estudo onde microinjeções do antagonista competitivo do sítio receptor de glicina na SCPd aboliram os efeitos ansiogênicos do pentilenotetrazol, aplicado pela via intraperiatoneal. Já as microinjeções de glicina na SCPd reduziram os efeitos ansiolíticos do diazepam injetado pela via sistêmica, mostrando que a atividade excitatória do receptor glutamatérgico na SCPd pode influenciar no efeito ansiolítico de compostos do tipo benzodiazepínicos.38 Dados de outros laboratórios têm confirmado e ampliado esses resultados, mostrando o perfil geral no qual compostos antagonistas dos iGLU e dos mGLU, do grupo I e agonistas dos mGLU, grupo II, possuiriam efeitos ansiolíticos no modelo do LCE (ver Tabela 1).

A Transmissão glutamatérgica como alvo terapêutico

Com base nos dados obtidos através da experimentação animal e em humanos sobre a importância da transmissão pelo GLU presente de maneira ubíqua no SNC e seu papel mediador na SCPd, uma região encefálica envolvida na expressão de CD em animais e na expressão do pânico em humanos,27 vários autores têm sugerido a transmissão glutamatérgica como um alvo estratégico para o tratamento de várias condições neuropsiquiátricas (Tabela 2).3

O interesse por novos compostos ansiolíticos justifica-se pelo fato de que os ansiolíticos atualmente em uso na clínica apresentam efeitos colaterais que limitam sua utilização. No caso dos compostos benzodizepínicos, os efeitos colaterais, tais como a sedação e a dependência ou mesmo a incapacitação para o trabalho ou os estudos, são determinantes para a não adesão ao tratamento. Para os antidepressivos e a buspirona, a latência para o efeito clínico de 3-4 semanas, pode limitar seu uso em casos que exijam intervenção mais aguda. Assim, neste cenário, vários autores têm relatado que alguns compostos glutamatérgicos poderiam ter utilidade em intervenções imediatas sendo possivelmente desprovidos de efeitos sedativos ou de indução de dependência.

Contudo, os efeitos psicotomiméticos da quetamina e da fenciclidina, dois bloqueadores do canal iônico do receptor NMDA, desestimularam por muito tempo o desenvolvimento de medicamentos específicos para transtornos de ansiedade com ações sobre a transmissão glutamatérgica. Ao longo desses anos, os vários compostos desenvolvidos pela indústria farmacêutica com mecanismo de ação semelhante ao da quetamina (ex. Dizocilpina, Cerestat, Licostinel, Selfotel, D-CPP-ene) não eram desprovidos dos efeitos psicotomiméticos. Somente a memantina, patenteada em 1972 pela Merz, e a amantadina parecem ter alguma utilidade clínica, pois os efeitos psicotomiméticos podem ser evitados com aumentos gradativos da dose inicial por 3-4 semanas.39 Estudos pré-clínicos realizados em nosso laboratório mostraram um efeito ansiolítico seletivo da memantina na dose de 8 mg/kg, sem interferência no aprendizado.40 Em pacientes com demência, a memantina e a amantadina mostraram uma melhora na motivação, nos distúrbios emocionais e no comportamento social.41

A abordagem mais recente envolvendo o GLU tem sido desenvolvida através da utilização de fármacos com ação nos receptores metabotrópicos. Particularmente, o composto da Eli Lilly, LY354740, que é um agonista do mGLUR2/3, tem mostrado em ensaios pré-clínicos em ratos e humanos efeitos ansiolíticos.42,43,44 Um trabalho realizado em 2002 mostrou em estudo duplo-cego que, de um grupo de 30 pacientes com transtorno de pânico submetidos a um ambiente com 35% CO2/65% O2, 67% daqueles que receberam o composto não responderam a um segundo desafio com o gás, contra 10% do grupo placebo.64 Para este composto não foram relatados até o momento os efeitos psicotomiméticos, comuns aos compostos antagonistas do GLU.

Conclusões

Dentre as novas abordagens para o tratamento farmacológico dos transtornos de ansiedade, compostos com ação na transmissão pelo GLU começam a ser desenvolvidos. Eles apresentam como suporte uma compreensão cada vez maior da composição molecular dos receptores, dos mecanismos de regulação sináptica, da localização dos receptores no ambiente sináptico, da sua distribuição no SNC, da cinética de ativação dos vários subtipos de receptores e da sua possível participação em várias condições neuropsiquiátricas detectadas em modelos experimentais. O enorme espectro de funções atribuídas à transmissão pelo GLU sempre limitaram o uso de compostos antagonistas deste receptor. O desenvolvimento de compostos que interfiram nos receptores metabotrópicos (LY354740) ou que atuem seletivamente sobre uma composição de subunidades (p. ex. NR1-NR2B) com localizações mais seletivas em regiões envolvidas com CD (p. ex. amigdala, SCPd) 4 tem renovado as expectativas para o desenvolvimento de compostos para vários transtornos neuropsiquiátricos, incluindo os de ansiedade.

  • 1. Hayashi T. A physiological study of epileptic seizures following cortical stimulation in animals and its application to human clinics. Jpn J Physiol 1952;3(1):46-64.
  • 2. Curtis DR, Phillis JW, Watkins JC. Chemical excitation of spinal neurones. Nature. 1959;183(4661):611-2.
  • 3. Meldrum BS. Glutamate as a Neurotransmitter in the Brain: Review of Physiology and Pathology. J Nutr 2000;130:1007S-15S.
  • 4. Ottersen OP, Storm-Mathisen J. Glutamate. In: Björklund A, Hökfelt T, eds. Handbook of chemical neuroanatomy. Vol 18. Amsterdam: Elsevier; 2000.
  • 5. Holden C. Psychiatric drugs. Excited by glutamate. Science 2003;300(5627):1866-8.
  • 6. De Belleroche JS, Bradford HF. Metabolism of beds of mammalian cortical synaptosomes: response to depolarizing influences. J Neurochem 1972;19(3):585-602.
  • 7. Davies J, Watkins JC. Selective antagonism of amino acid-induced and synaptic excitation in the cat spinal cord. J Physiol 1979;297:621-35.
  • 8. Evans RH, Francis AA, Hunt K, Oakes DJ, Watkins JC. Antagonism of excitatory amino acid-induced responses and of synaptic excitation in the isolated spinal cord of the frog. Br J Pharmacol 1979;67(4):591-603.
  • 9. Teichberg VI. Amino acid receptors. In: Schulster D, Levitzki A. eds. Celular receptors for hormones and neurotransmitters. New York: Willey; 1980.
  • 10. Collingridge GL, Lester RA. Excitatory amino acid receptors in the vertebrate central nervous system. Pharmacol Rev 1989;41(2):143-210.
  • 11. Dingledine R, Borges K, Bowie D, Traynelis SF. The glutamate receptor ion channels. Pharmacol Rev 1999;51(1):7-61.
  • 12. Boulter J, Hollmann M, O'Shea-Greenfield A, Hartley M, Deneris E, Maron C, Heinemann S. Molecular cloning and functional expression of glutamate receptor subunit genes. Science 1990;249(4972):1033-7.
  • 13. Huettner JE. Kainate receptors and synaptic transmission. Prog Neurobiol 2003;70(5):387-407.
  • 14. Spooren W, Ballard T, Gasparini F, Amalric M, Mutel V, Schreiber R. Insight into the function of Group I and Group II metabotropic glutamate (mGlu) receptors: behavioural characterization and implications for the treatment of CNS disorders. Behav Pharmacol 2003;14(4):257-77.
  • 15. Kataoka Y, Morii H, Watanabe Y, Ohmori H. A postsynaptic excitatory amino acid transporter with chloride conductance functionally regulated by neuronal activity in cerebellar Purkinje cells. J Neurosci 1997;17:7017-24.
  • 16. Levy LM, Warr O, Attwell D. Stoichiometry of the glial glutamate transporter GLT-1 expressed inducibly in a Chinese hamster ovary cell line selected for low endogenous Na+-dependent glutamate uptake. J Neurosci 1998;18(23):9620-8.
  • 17. Rodgers RJ, Cole JC. The elevated plus-maze: pharmacology, methodology and ethology. In: Cooper SJ, Hendrie CA, editors. Ethology and psychopharmacology. Chichester: Wiley; 1994. p. 9-44.
  • 18. Graeff FG, Zangrossi Jr H. Animal models of anxiety disorders. In: D'haenen H, den Boer JA, Willner P, eds. Biological Psychiatry. New York: Wiley; 2002. p. 879-93.
  • 19. Nesse RM. Proximate and evolutionary studies of anxiety, stress and depression: synergy at the interface. Neurosci Biobehav Rev 1999;23(7):895-903.
  • 20. Panksepp J. Toward a general psychobiological theory of emotions. Behav Brain Sci 1982;6:407-67.
  • 21. Marks IM. Fears, phobias and rituals: panic, anxiety and their disorders. New York: Oxford University Press; 1987.
  • 22. Blanchard DC, Blanchard RJ. Ethoexperimental approaches to the biology of emotion. Ann Rev Psychol 1988;39:43-68.
  • 23. Graeff FG. Neuroanatomy and neurotransmitter regulation of defensive behaviors and related emotions in mammals. Braz J Med Biol Res 1994;27(4):811-29.
  • 24. Gray JA, McNaughton. The neuropsychology of anxiety. Oxford: Oxford University Press; 2000.
  • 25. Schenberg LC, Graeff FG. Role of the periaqueductal gray substance in the antianxiety action of benzodiazepines. Pharmacol Biochem Behav 1978;9(3):287-95.
  • 26. Olds ME, Olds J. Approach-escape interactions in rat brain. Am J Physiol 1962;203:803-10.
  • 27. Nashold BS Jr, Wilson WP, Slaughter DG. Sensations evoked by stimulation in the midbrain of man. J Neurosurg 1969;30(1):14-24.
  • 28. Deakin JFW, Graeff FG. 5-HT and mechanisms of defence. J Psychopharmacol 1991;5:305-15.
  • 29. Carobrez AP, Teixeira KV, Graeff FG. Modulation of defensive behavior by periaqueductal gray NMDA/glycine-B receptor. Neurosci Biobehav Rev 2001;25(7-8):697-709.
  • 30. Carobrez AP. Mediação da reação de defesa por aminoácidos excitatórios [tese de doutorado]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 1987.
  • 31. Graeff FG, Carobrez AP, Silveira MCL. Excitatory amino acids and the brain aversive system. In: CavalheiroEA, Lehman J, Turski L, eds. Frontiers in excitatory amino acid research. New York: Alan R Liss; 1988. p. 325-32.
  • 32. Blanchard DC, Blanchard RJ, Carobrez A de P, Veniegas R, Rodgers RJ, Shepherd JK. MK-801 produces a reduction in anxiety-related antipredator defensiveness in male and female rats and a gender-dependent increase in locomotor behavior. Psychopharmacology (Berl) 1992;108(3):352-62.
  • 33. Linden AM, Johnson BG, Peters SC, Shannon HE, Tian M, Wang Y, Yu JL, Koster A, Baez M, Schoepp DD. Increased anxiety-related behavior in mice deficient for metabotropic glutamate 8 (mGlu8) receptor. Neuropharmacology 2002;43(2):251-9.
  • 34. Rodgers RJ, Davies B, Shore R. Absence of anxiolytic response to chlordiazepoxide in two common background strains exposed to the elevated plus-maze: importance and implications of behavioural baseline. Genes Brain Behav 2002;1(4):242-51.
  • 35. Handley SL, Mithani S. Effects of alpha-adrenoceptor agonists and antagonists in a maze-exploration model of 'fear'-motivated behaviour. Naunyn Schmiedebergs Arch Pharmacol 1984;327(1):1-5.
  • 36. Schmitt ML, Coelho W, Lopes-de-Souza AS, Guimaraes FS, Carobrez AP. Anxiogenic-like effect of glycine and D-serine microinjected into dorsal periaqueductal gray matter of rats. Neurosci Lett 1995;189(2):93-6.
  • 37. Teixeira KV, Carobrez AP. Effects of glycine or (+/-)-3-amino-1-hydroxy-2-pyrrolidone microinjections along the rostrocaudal axis of the dorsal periaqueductal gray matter on rats' performance in the elevated plus-maze task. Behav Neurosci 1999;113(1):196-203.
  • 38. De Souza MM, Schenberg LC, Carobrez AP. NMDA-coupled periaqueductal gray glycine receptors modulate anxioselective drug effects on plus-maze performance. Behav Brain Res 1998;90(2):157-65.
  • 39. Parsons CG, Danysz W, Quack G. Memantine is a clinically well tolerated N-methyl-D-aspartate (NMDA) receptor antagonist - a review of preclinical data. Neuropharmacol 1999;38(6):735-67.
  • 40. Bertoglio LJ, Carobrez AP. Anxiolytic-like effects of NMDA/glycine-B receptor ligands are abolished during the elevated plus-maze trial 2 in rats. Psychopharmacology (Berl) 2003[
  • 41. Ditzler K. Efficacy and tolerability of memantine in patients with dementia syndrome. A double-blind, placebo controlled trial. Arzneimittelforschung 1991;41(8):773-80.
  • 42. Helton DR, Tizzano JP, Monn JA, Schoepp DD, Kallman MJ. Anxiolytic and side-effect profile of LY354740: a potent, highly selective, orally active agonist for group II metabotropic glutamate receptors. J Pharmacol Exp Ther 1998;284(2):651-60.
  • 43. Kent JM, Mathew SJ, Gorman JM. Molecular targets in the treatment of anxiety. Biol Psychiatry 2002;52(10):1008-30.
  • 44. Grillon C, Cordova J, Levine LR, Morgan CA 3rd. Anxiolytic effects of a novel group II metabotropic glutamate receptor agonist (LY354740) in the fear-potentiated startle paradigm in humans. Psychopharmacology (Berl) 2003;168(4):446-54.
  • 45. Dunn RW, Corbett R, Fielding S. Effects of 5-HT1A receptor agonists and NMDA receptor antagonists in the social interaction test and the elevated plus maze. Eur J Pharmacol 1989;169(1):1-10.
  • 46. Guimarães FS, Carobrez AP, De Aguiar JC, Graeff FG. Anxiolytic effect in the elevated plus-maze of the NMDA receptor antagonist AP7 microinjected into the dorsal periaqueductal grey. Psychopharmacol (Berl) 1991;103(1):91-4.
  • 47. Molchanov ML, Guimaraes FS. Anxiolytic-like effects of AP7 injected into the dorsolateral or ventrolateral columns of the periaqueductal gray of rats. Psychopharmacol (Berl) 2002;160(1):30-8.
  • 48. Karcz-Kubicha M, Jessa M, Nazar M, Plaznik A, Hartmann S, Parsons CG, Danysz W. Anxiolytic activity of glycine-B antagonists and partial agonistsno relation to intrinsic activity in the patch clamp. Neuropharmacol 1997;36(10):1355-67.
  • 49. Trullas R, Jackson B, Skolnick P. Anxiolytic properties of 1-aminocyclopropanecarboxylic acid, a ligand at strychnine-insensitive glycine receptors. Pharmacol Biochem Behav 1989;34(2):313-6.
  • 50. Corbett R, Dunn RW. Effects of 5,7 dichlorokynurenic acid on conflict, social interaction and plus maze behaviors. Neuropharmacol 1993;32(5):461-6.
  • 51. Kotlinska J, Liljequist S. The putative AMPA receptor antagonist, LY326325, produces anxiolytic-like effects without altering locomotor activity in rats. Pharmacol Biochem Behav 1998;60(1):119-24.
  • 52. Matheus MG, Nogueira RL, Carobrez AP, Graeff FG, Guimaraes FS. Anxiolytic effect of glycine antagonists microinjected into the dorsal periaqueductal grey. Psychopharmacol (Berl) 1994;113(3-4):565-9.
  • 53. Schmitt ML, Graeff FG, Carobrez AP.Anxiolytic effect of kynurenic acid microinjected into the dorsal periaqueductal gray matter of rats placed in the elevated plus-maze test. Braz J Med Biol Res 1990;23(8):677-9.
  • 54. Martinez G, Ropero C, Funes A, Flores E, Blotta C, Landa AI, Gargiulo PA. Effects of selective NMDA and non-NMDA blockade in the nucleus accumbens on the plus-maze test. Physiol Behav 2002;76(2):219-24.
  • 55. Matheus MG, Guimaraes FS. Antagonism of non-NMDA receptors in the dorsal periaqueductal grey induces anxiolytic effect in the elevated plus maze. Psychopharmacol (Berl) 1997;132(1):14-8.
  • 56. Spooren WP, Vassout A, Neijt HC, Kuhn R, Gasparini F, Roux S, Porsolt RD, Gentsch C. Anxiolytic-like effects of the prototypical metabotropic glutamate receptor 5 antagonist 2-methyl-6-(phenylethynyl) pyridine in rodents. J Pharmacol Exp Ther 2000;295(3):1267-75.
  • 57. Schoepp DD, Wright RA, Levine LR, Gaydos B, Potter WZ. LY354740, an mGlu2/3 Receptor Agonist as a Novel Approach to Treat Anxiety/Stress. Stress 2003;6(3):189-97.
  • 58. Hertzberg MA, Butterfield MI, Feldman ME, Beckham JC, Sutherland SM, Connor KM, Davidson JR. A preliminary study of lamotrigine for the treatment of posttraumatic stress disorder. Biol Psychiatry 1999;45(9):1226-9.
  • 59. Calabrese JR, Bowden CL, McElroy SL, Cookson J, Andersen J, Keck PE Jr, Rhodes L, Bolden-Watson C, Zhou J, Ascher JA. Spectrum of activity of lamotrigine in treatment-refractory bipolar disorder. Am J Psychiatry 1999;156(7):1019-23.
  • 60. Berlant J, van Kammen DP. Open-label topiramate as primary or adjunctive therapy in chronic civilian posttraumatic stress disorder: a preliminary report. J Clin Psychiatry 2002;63(1):15-20.
  • 61. Stutzmann JM, Cintrat P, Laduron PM, Blanchard JC. Riluzole antagonizes the anxiogenic properties of the beta-carboline FG 7142 in rats. Psychopharmacology (Berl) 1989;99(4):515-9.
  • 62. Kniest A, Wiesenberg C, Weber B, Colla M, Heuser I, Deuschle M. The glutamate antagonist riluzole and its effects upon basal and stress-induced activity of the human hypothalamus-pituitary-adrenocortical system in elderly subjects. Neuropsychobiol 2001;43(2):91-5.
  • 63. Stryjer R, Strous RD, Shaked G, Bar F, Feldman B, Kotler M, Polak L, Rosenzcwaig S, Weizman A. Amantadine as augmentation therapy in the management of treatment-resistant depression. Int Clin Psychopharmacol 2003;18(2):93-6.
  • 64. Levine LR, Gaydos B, Sheehan DV, Goddard A, Feighner J, Potter WZ, Schoepp DD. LY354740, an MGLU2/3 Receptor Agonist, Reduces CO2-Induced Panic Anxiety in Patients Diagnosed with DSM-IV Panic Disorder. Disponível em: <http://www.nimh.nih.gov/ncdeu/abstracts2002/ncdeu1094.cfm> [3 out 2003]
  • Endereço para correspondência
    Antonio de Pádua Carobrez
    Departamento de Farmacologia/CCB, Universidade Federal de Santa Catarina
    Campus Universitário - Trindade
    88040-900 Florianópolis, SC, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003
    Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: editorial@abp.org.br