Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de impacto de publicações psiquiátricas e produtividade científica

Impact factors of psychiatric publications and scientific productivity

Resumos

OBJETIVO: Mostrar que alguns índices bibliométricos, como o Fator de Impacto (FI) e a análise de citações, são úteis para avaliação da repercussão científica de publicações psiquiátricas. Tais índices podem também ser empregados na avaliação de produtividade científica individual. MÉTODOS: Os fatores de impacto de periódicos psiquiátricos dos anos de 1995 e 1997 foram obtidos através do "Journal of Citation Reports". As curvas de distribuição foram analisadas através de histogramas e gráficos tipo caixa (box-plots). As médias das avaliações de 1995 e 1997 foram comparadas através do teste de soma de postos de Wilcoxon. RESULTADOS: As curvas de distribuição dos fatores de impacto em 1995 e 1997 mostraram não obedecer a uma distribuição normal. A média de ambas as avaliações girou em torno de 1,5. Houve um aumento significativo na média dos fatores de impacto de 1995 para 1997 ( Wilcoxon W=57 p=0,026). Três periódicos mantiveram os seus fatores de impacto várias vezes acima da média geral em ambas as avaliações ("outliers"): "Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry" e "Journal of Clinical Psychopharmacology". CONCLUSÕES: Os fatores de impacto são os melhores índices para avaliação do desempenho científico de publicações psiquiátricas. No entanto, no caso de avaliações da produtividade científica individual, esta também deve ser avaliada através de uma análise de citações.

Periódicos; psiquiatria; fator de impacto; análise de citações; bibliometria


BACKGROUND: The aim of this work was to show that some bibliometric indexes, such as the Impact Factor and citation analysis, are useful for the evaluation of the scientific impact of psychiatric journals. Such indexes may also be used in the evaluation of scientific productivity of individuals. METHODS: The impact factors of psychiatric journals of 1995 and 1997 were obtained through the "Journal of Citation Reports"â. The distribution of their means was analyzed using histograms and box-plots. The means both evaluations were compared by a Wilcoxon sum-rank test. RESULTS: The distribution curves the impact factors of psychiatric journals showed to be very skewed. The average mean of impact factors of psychiatric journals in both evaluations was 1.5. There was a significant increase of the mean of the impact factors of psychiatric journals between 1995 and 1997 (W=57 p=0.026). Three periodicals ("Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry" and the "Journal of Clinical Psychopharmacology") are consistently the outliers in both evaluations. CONCLUSIONS: Impact factors are the best indexes for the evaluation of the scientific influence of psychiatric journals. However, for individual evaluations of scientific productivity a citation analysis must be added.

Periodicals; psychiatry; impact factor; citation analysis; bibliometry


comunicação breve

Fatores de impacto de publicações psiquiátricas e produtividade científica

Impact factors of psychiatric publications and scientific productivity

Helio Elkis

RESUMO

OBJETIVO: Mostrar que alguns índices bibliométricos, como o Fator de Impacto (FI) e a análise de citações, são úteis para avaliação da repercussão científica de publicações psiquiátricas. Tais índices podem também ser empregados na avaliação de produtividade científica individual.

MÉTODOS: Os fatores de impacto de periódicos psiquiátricos dos anos de 1995 e 1997 foram obtidos através do "Journal of Citation Reports". As curvas de distribuição foram analisadas através de histogramas e gráficos tipo caixa (box-plots). As médias das avaliações de 1995 e 1997 foram comparadas através do teste de soma de postos de Wilcoxon.

RESULTADOS: As curvas de distribuição dos fatores de impacto em 1995 e 1997 mostraram não obedecer a uma distribuição normal. A média de ambas as avaliações girou em torno de 1,5. Houve um aumento significativo na média dos fatores de impacto de 1995 para 1997 ( Wilcoxon W=57 p=0,026). Três periódicos mantiveram os seus fatores de impacto várias vezes acima da média geral em ambas as avaliações ("outliers"): "Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry" e "Journal of Clinical Psychopharmacology".

CONCLUSÕES: Os fatores de impacto são os melhores índices para avaliação do desempenho científico de publicações psiquiátricas. No entanto, no caso de avaliações da produtividade científica individual, esta também deve ser avaliada através de uma análise de citações.

DESCRITORES

Periódicos; psiquiatria; fator de impacto; análise de citações; bibliometria

ABSTRACT

BACKGROUND: The aim of this work was to show that some bibliometric indexes, such as the Impact Factor and citation analysis, are useful for the evaluation of the scientific impact of psychiatric journals. Such indexes may also be used in the evaluation of scientific productivity of individuals.

METHODS: The impact factors of psychiatric journals of 1995 and 1997 were obtained through the "Journal of Citation Reports"â. The distribution of their means was analyzed using histograms and box-plots. The means both evaluations were compared by a Wilcoxon sum-rank test.

RESULTS: The distribution curves the impact factors of psychiatric journals showed to be very skewed. The average mean of impact factors of psychiatric journals in both evaluations was 1.5. There was a significant increase of the mean of the impact factors of psychiatric journals between 1995 and 1997 (W=57 p=0.026). Three periodicals ("Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry" and the "Journal of Clinical Psychopharmacology") are consistently the outliers in both evaluations.

CONCLUSIONS: Impact factors are the best indexes for the evaluation of the scientific influence of psychiatric journals. However, for individual evaluations of scientific productivity a citation analysis must be added.

KEYWORDS

Periodicals; psychiatry, impact factor; citation analysis; bibliometry

Introdução

As publicações em periódicos científicos ganharam nos últimos anos uma importância inequívoca na medicina e, particularmente, na psiquiatria. Kraepelin fez as primeiras descrições da demência precoce em várias edições do seu tratado, mas já Leonhard forneceu a primeira descrição do transtorno bipolar através de um artigo1. Um exemplo da importância das publicações em revistas especializadas são descrições contemporâneas de subtipos da esquizofrenia feita por Crow (tipos I e II)2 e Andreasen (negativo e positivo)3 através de dois artigos que, por terem recebido ao longo dos anos um número muito grande de citações, passaram a ser denominados "citation classics"4 pelo Institute for Scientific Information (ISI, http://www.isinet.com ), um instituto fundado em Filadélfia, nos EUA, em 1958, por Eugen Garfied, e que se dedica ao estudo de uma nova ciência, a bibliometria.

Na realidade, a bibliometria é parte de uma metaciência, a cienciometria, concebida por um historiador das ciências, Derek de Solla Price, que propunha através dessa "ciência das ciências", leis de caráter universal para aferição da produção científica internacional* 1 . Professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Coordenador da residência em psiquiatria do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e Coordenador do Projesq (Projeto Esquizofrenia) do IPq HCFMUSP. * Montes GS. Distribuición de los recursos financeiros de acuerdo con la productividad (determinada pela bibliometria) en los laboratórios de investigación médica del Hospital de Clínicas de la Facultad de Medicina de la Universidad de San Pablo (Brasil). No prelo . Posteriormente, preocupado com essas questões, Eugen Garfield passou a estudar a produção científica mundial através dos dados de periódicos que deveriam obedecer a certos padrões, permitindo sua indexação no ISI, sendo os mais importantes o de regularidade de publicação, corpo editorial múltiplo e de que os artigos nelas publicados tenham antes sido submetidos a uma "revisão de pares" ("peer review"), isto é, ao escrutínio de cientistas que trabalham na mesma área5.

Os periódicos do ISI abrangem os mais diversos campos do conhecimento. Os dados essenciais de suas publicações são apresentados periodicamente nos chamados Current Contents (CC), que são divididos por áreas do conhecimento, estando disponíveis para seus assinantes em vários formatos: impresso, em disquetes, em CD-ROM e na Internet.

Por outro lado, o ISI também avalia o desempenho de parte de seus periódicos científicos indexados e dos cientistas que neles publicam. O desempenho dos cientistas é avaliado através das citações por eles obtidas, publicadas no Science Citation Index (SCI), que é impresso bimensalmente e atualizado a cada quatro meses em CD-ROM. O SCI tem uma versão expandida (Science Citation Index Expanded – SCIE) que contém uma quantidade enorme de informações, necessitando ser formatada em fita magnética. No entanto, pode ser encontrada na Internet, integrando a base de dados Web of Science, uma rede que permite a pesquisa da produção científica e das citações de autores em todo mundo. No Brasil, a Web of Science está disponível para certas instituições, como é o caso daquelas que têm convênio com a Fapesp ou Capes, no endereço eletrônico http://webofscience.fapesp.br 6.

Como parte do SCI, o "Journal of Citation Reports"® (JCR) é uma publicação que se dedica a avaliar o impacto científico de um grupo de 3.300 periódicos7. O JCR publica em CD-ROM a cada dois anos os fatores de impacto desses periódicos. Denomina-se fator de impacto (FI)8 ao número de citações (C) que um periódico recebe em dois anos, dividido pelo número de todos os artigos neles publicados neste mesmo período (A) . Portanto, sua fórmula é: FI= C/A

O denominador A é um fator de correção que permite estabelecer comparações, pois os periódicos que publicam um maior número de artigos teriam obviamente vantagem sobre aqueles com um número menor9,10. O JCR publica a cada dois anos uma lista dos FI de algumas revistas indexadas no CC, mas é importante enfatizar que nem todos os periódicos indexados no CC têm FI. Em outras palavras, estar indexado no CC não significa que o periódico seja avaliado em termos do impacto científico exercido na comunidade. Prestígio não significa impacto e, às vezes, tais fatores estão relacionados de maneira inversa7.

O mesmo acontece com a maior base de dados de revistas médicas indexadas pela National Library of Medicine em Washington, o Index Medicus, que ocupa vários volumes e é atualizada mês a mês. Sua versão informatizada denomina-se Medline, que pode ser encontrada em vários formatos – que variam conforme o distribuidor (Mbase, Sylver Plater, DIALOG) – ou na Internet, também em diferentes formatos (Medscape, Healthgate, PubMed, Internet Grateful Med). No entanto, estar indexado no Index Medicus e, portanto, estar no Medline, não significa que o periódico exerça impacto no meio científico, pois vários periódicos indexados no Medline não têm seus respectivos FI calculados. Esse é o caso das publicações brasileiras que constam do Medline, pois somente duas têm seu FI aferido (Tabela 1). Delas, somente o "Brazilian Journal of Medical and Biological Research" publica artigos psiquiátricos.

Importância da avaliação dos FI dos periódicos científicos

O FI permite estimar a influência científica de um artigo e há poucas dúvidas de que o número de citações reflete a importância isto é, o grau de impacto científico que uma publicação exerce. Opthof mencionou o fato de que, em um mesmo ano, laureados com o Nobel foram 12 vezes mais citados quando comparados com a média de autores não premiados, mesmo antes de terem sido anunciados seus prêmios, o que demonstra que a citação indica qualidade científica11.

Por sua vez, um trabalho científico adquire seu valor na medida em que é publicado em periódicos de alto impacto, pois tem mais chance de ser citado. Na medicina, é o caso dos artigos publicados em revistas como "The Lancet" (FI de 1997=16, 135) ou "The New England Journal of Medicine" (FI1997=27, 766), revistas tradicionais e muito consagradas. Por outro lado publicações, em periódicos de baixo FI têm, teoricamente, "menor valor", somente porque passam a ter menos chance de serem citadas. Exemplos de artigos de alto impacto são os de Crow e Andreasen, antes mencionados, que foram citados mais de 500 vezes4.

Por outro lado, os FI permitem estimar também produções coletivas. Por exemplo, entre nós, Montes desenvolveu um índice para avaliar a produtividade dos diversos laboratórios de investigação médica (LIMs) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, tendo como numerador o número e o tipo de artigo publicado pelo pesquisador multiplicado pelo FI do periódico onde foi publicado e, no denominador, a soma do número de pessoas do LIM, segundo os cargos (com diferentes valores ponderais) e posição ocupada como colaborador no(s) artigo(s)*.

Importância da análise de citações para avaliação da produtividade

Assim como para avaliação dos periódicos é usado o FI, para a avaliação dos cientistas é usada a freqüência das citações ou análise de citações11 de seus trabalhos publicados. O número de citações reflete a repercussão científica do trabalho. Se dividirmos o número de citações que um cientista recebe (C) pelo número de artigos correspondentes a tais citações (AC), teremos uma estimativa da produtividade e importância científica desse cientista.

Como exemplo, podemos citar um conjunto de reportagens denominado "Quem é a Elite Científica Brasileira" publicado na imprensa leiga pela "Folha de S. Paulo" em 21de Maio de 1995, baseado principalmente nos dados publicados pela revista Science sobre a produção científica na América Latina e Brasil12. Uma dessas reportagens preocupou-se em estabelecer uma classificação por produtividade dos cientistas brasileiros13. Foram selecionados cientistas com mais de 200 citações no SCI e, como índice de produtividade (IP), foi usado o número de citações dividido pelo correspondente número de artigos publicados. O cientista argentino (radicado no Rio Grande do Sul) Ivan Izquierdo alcançou o maior IP (9,2) por ter 1.349 citações correspondentes a 147 publicações. No entanto, na mesma reportagem, chamavam a atenção os casos dos segundo e terceiro colocados: Wanderley de Souza, com um maior número de trabalhos publicados (226) que Izquierdo, mas que, devido ao menor número de citações (1.278) alcançou um IP de 5,65 e, em contrapartida, o físico Amir Caldeira, que alcançou um IP de 65,12 com somente 16 publicações, mas com tal impacto científico, que foram citadas 1.042 vezes.

Assim, esse Índice de Produtividade (IP) escolhido ilustra a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre quantidade e qualidade: não basta simplesmente publicar, deve-se publicar com qualidade suficiente para exercer efeito na comunidade científica. Esse impacto científico logicamente refletir-se-á no número de citações. Julgamos de interesse para a psiquiatria brasileira a divulgação e análise de FI das revistas indexadas no JCR, devido à sua aplicabilidade, não só na comparação de diferentes periódicos, o que permite um leque muito maior para o profissional que deseja publicar seus trabalhos, bem como para avaliação da produtividade desses profissionais. Entre elas, estão as publicações psiquiátricas, cuja lista de seus mais recentes fatores de impacto (1995 e 1997) encontra-se na Tabela 2.

Material e métodos

Para a análise FI foram obtidas as listas das publicações psiquiátricas indexadas através do "Journal of Citation Reports on CD-ROM" da Biblioteca da Faculdade de Medicina da USP dos anos de 1995 e 1997 (Tabela 2). Nessa tabela, os fatores de impacto encontram-se em ordem decrescente, sendo que a classificação dos periódicos foi feita pela última avaliação, isto é, a de 1997. O estudo da distribuição dos fatores de (FI) nos anos de 1995 e 1997 foi feito através de gráficos tipo histograma e "caixa" ("box- plots") (somente esses são apresentados – Figuras 1 e 2). A análise estatística foi realizada com o SPSS para Windows 7.5



Resultados

Na Tabela 3 são apresentadas as médias, desvios-padrões e medianas dos FI de 1995 e 1997. O exame dos histogramas e box-plots dos FI de 1995 e 1997 mostra que suas distribuições não obedecem a um padrão normal, como assinalado pela curva em sino do próprio gráfico. Nesse caso, torna-se mais apropriado para compará-las o uso de testes não-paramétricos. Nesse caso, foi utilizado o teste de Wilcoxon, que mostrou que os fatores de impactos aumentaram significativamente de 1995 para 1997 (W= 57, p=0,026).

O exame dos gráficos tipo caixa ("box-plots") mostra que a mediana (linha preta no meio da caixa), isto é, a medida que divide a amostra ao meio, tem um valor aproximado de 1,5 tanto em 1995 quanto em 1997. Chama a atenção a presença dos chamados "outliers" isto é, aqueles periódicos cujo FI excede a média em, pelo menos, 2 a 3 desvios-padrões. Em 1995, esses periódicos são quatro: "Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry", "Journal of Clinical Psychopharmacology" e "Schizophrenia Bulletin". Em 1997, só os três primeiros permanecem como "outliers", como pode ser observado no Figura 2.

Discussão

A partir dos resultados anteriores, os periódicos apresentam uma distribuição de acordo com seu poder de impacto científico em:

1) médios ou medianos, cujos FI situam-se dentro da média ou da mediana de um determinado ano de avaliação; 2) bons ou acima da média, que têm FI com um desvio-padrão acima da média; 3) fracos, cujos FI têm um desvio-padrão abaixo da média; 4) excelentes, que têm FI com dois desvios-padrões acima da média; 5) excepcionais, cujos FI têm três desvios-padrões acima da média.

Podemos dizer que os excepcionais são representados pelos "outliers" que ficam muito acima da média geral, o mesmo acontecendo com os "fracos", muito abaixo da média. Os primeiros ilustram o que foi chamado de lei de Bradford, que prediz que uma pequena porcentagem de publicações responde por grande parte do que é publicado7. Nos últimos, chama a atenção o fato que alguns deles são revistas psiquiátricas das mais tradicionais, algumas com mais de um século de existência, como é o caso do "Nervenartz" (alemão) e do "Annales Médico-Psychologiques" (francês) cujos baixos impactos podem ser explicados pelo fato de não serem publicações em língua inglesa. Nesse sentido, fica claro que o conceito de FI não implica juízo de valor, pois esses periódicos podem estar publicando artigos de alto nível mas, por não serem escritos na língua franca do mundo científico atual, o inglês, não são tão lidos e, portanto, seus autores são menos citados do que aqueles que publicam em Inglês.

Por outro lado, constatamos que, além de a média dos FI ter aumentado significativamente entre 1995 para 1997, o que denota um aumento da influência científica dos periódicos psiquiátricos, alguns fatores podem ter contribuído para esse aumento:1) maior influência de certos periódicos sobre outros com aumentos percentuais maiores que a média, resultando num aumento do Fator de Impacto (por exemplo, o "American Journal of Psychiatry"); 2) entrada de novos periódicos que não estavam na lista de 1995 (por exemplo, a "Psychiatric Services").

No entanto, alguns periódicos diminuíram seu FI, como é o caso do "Archives of General Psychiatry", tendo outros praticamente perdido o impacto, como o "Hospital Community Psychiatry", o que reforça o argumento de que o aumento observado em 1997 em relação a 1995 se deu em função de um aumento global da influência científica dos periódicos psiquiátricos.

A influência e, portanto, o valor das publicações psiquiátricas – medido através do impacto científico – deve ser vista de forma relativa. Nesse sentido, podemos comparar uma revista como a "American Journal of Psychiatry" com o "Psychological Medicine". Publicar na primeira significa ser lido pelo menos duas vezes mais que na segunda? Sim, sem dúvida. E em termos do valor? Uma publicação na "American Journal of Psychiatry" vale duas vezes mais que na "Psychological Medicine"? Seria ilógico pensar o contrário. Uma publicação num determinado veículo deve também ser avaliada pela sua qualidade e é isso exatamente que é o significado do FI: um artigo em revista de alto impacto tem muito mais chance de ser lido e citado e, portanto, vale mais que outro publicado em revista de impacto menor 11.

Por outro lado, as publicações psiquiátricas devem ser pensadas e pesadas dentro de seu contexto, isto é, entre as de sua própria natureza. Nese sentido, utiliza-se o conceito de Impacto Relativo, isto é, aquele que diz respeito a uma determinada área do conhecimento14. Assim, comparando valores de seus respectivos FI, podemos dizer que "The New England Journal of Medicine" tem mais impacto que "The Lancet", pois são ambas publicações de medicina geral. Não há dúvidas que um artigo na "Nature" (FI1997=27,368) seja de altíssimo impacto científico. Mas essa é uma revista de ciência básica, e não de medicina, e que pode ser comparada relativamente às publicações de natureza semelhante, como é caso de sua congênere, a "Science" (FI 1997= 24,676).

Para fins de avaliação da produtividade de psiquiatras, seja qual for a finalidade, parece mais justo e mais lógico não só, simplesmente, contar o número de suas publicações, o que privilegia somente a quantidade, mas introduzir o fator qualidade, multiplicando cada artigo pelo respectivo FI da revistas em que foi publicado. Claro que isso, no caso das revistas, terem seus FI disponíveis, pois, muitas delas, nacionais ou internacionais, ainda não os possuem. Resultados idênticos podem ser obtidos usando a fórmula inicialmente mencionada: número de citações recebidas pelo autor dividido pelo número de artigos citados, num determinado período.

Aqui cabem algumas considerações de ordem metodológica que interferem nos resultados: a) o tipo de publicação; b) a posição do autor (co-autoria); e c) a obtenção de referências através do Medline e de outras bases de dados.

a) Tipo de publicação

Considera-se o artigo a forma mais importante de divulgação do conhecimento científico. No entanto, resultados de pesquisa também são publicados em anais de congresso e, sobretudo na forma de resumos ou "abstracts", às vezes em revistas indexadas. Logicamente um "abstract" não tem o mesmo valor que um artigo, mas chama mais a atenção que na Web of Science. Quando se pesquisa quais os artigos publicados por uma determinada pessoa, aqueles abstracts publicados em revistas indexadas são contados como se fossem publicações. Para exemplificar, tomando o caso de Timothy Crow, nome bastante conhecido e influente no campo da esquizofrenia, poderemos verificar que no dia 19 de setembro de 1999 esse cientista apresentava na Web of Science 3.266 citações e 561 publicações, tendo seu IP alcançado o valor de 5,61, o que não corresponde a sua estatura científica. Interpretamos que a questão está aqui no denominador, pois, na realidade, estão contados dentro de suas 561 publicações muitos "abstracts", que nunca foram citados. Para esse tipo de avaliação, devem ser investigados os artigos e a correspondência entre as citações.

b) Autoria, co-autoria e posição no rol dos co-autores

O Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas define que a co-autoria também é autoria ("autorship") e que todos os autores devem assumir responsabilidade pública pelo conteúdo publicado. Para o comitê, os créditos devem ser oferecidos àqueles que nos artigos contribuíram para: "1- concepção e desenho, análise e interpretação dos dados; 2- esboço do artigo ou sua revisão crítica do ponto de vista intelectual; e 3- aprovação final da versão final publicada" e que "Participação somente na aquisição de fundos ou obtenção dos dados, bem como na supervisão geral do grupo de pesquisa, não justifica autoria"15.

Embora até hoje trabalhos mostrem que é difícil definir com clareza a natureza e o papel da contribuição de co-autores e publicações com diversos autores16 o Comitê afirma que a ordem de autoria deve ser uma decisão tomada coletivamente. Do ponto de vista da importância, geralmente são considerados como principais contribuintes os três primeiros e o último, geralmente o mentor do grupo. Os autores que se situam entre esses extremos são menos importantes. No entanto, quando um autor é citado, os co-autores acabam sendo também automaticamente citados, pois a citação refere-se à obra produzida pelo conjunto dos autores. O autor principal é sem dúvida aquele de maior importância, mas, se isso for um problema na avaliação da produtividade, ele pode ser resolvido introduzindo-se um fator de correção na fórmula da produtividade, tal como proposto para avaliação dos LIMs da Faculdade de Medicina da USP*.

c) Pesquisas de referências no Medline e outras bases de dados

Em certos casos, artigos (e seus autores) não são encontrados porque os bancos de dados eletrônicos são incompletos. Por exemplo, no caso de meta-análise de estudos randomizados controlados, foi demonstrado que as bases de dados eletrônicos são insuficientes para obtenção das referências dos mesmos, sendo necessária a pesquisa manual em revistas especializadas17. Portanto às vezes os artigos publicados por um autor podem não aparecer no Medline, devendo ser pesquisadas outras bases de dados. Da mesma forma, ao digitar um nome em qualquer dos sites do Medline talvez não se consiga obter todos os artigos publicados por uma determinada pessoa, sendo mais recomendável fazer tal pesquisa na Web of Science.

Sabemos que atualmente o dilema "publish or perish"5 está mais vivo do que nunca no mundo científico, e o artigo é a sua moeda corrente18. No entanto, para avaliação de produtividade científica devem ser levadas em conta não só a quantidade de artigos científicos publicados por um determinado profissional mas também a sua qualidade como pesquisador. O peso de suas publicações deve ser aferido através dos fatores de impacto e a repercussão de seu trabalho através do número de citações. O emprego de índices que combinem esses dois fatores é desejável.

É verdade que a maioria dos autores brasileiros tem poucas opções se quiser publicar no Brasil, pois a maioria de nossas revistas científicas não é indexada no CC e, das poucas que o são, somente duas possuem fatores de impacto. Abaixo, listamos as revistas brasileiras que são indexadas no CC e referenciadas no Medline. No caso da psiquiatria brasileira, devemos fazer um esforço para que nossas revistas possam também entrar neste grupo. O primeiro passo seria a procura da melhora da qualidade nas pesquisas e o incentivo para que as mesmas sejam publicadas em inglês, o que não implica qualquer perda de identidade nacional. Citamos, como exemplo, os periódicos "Memórias do Instituto Oswaldo Cruz" e o "Brazilian Journal of Medical and Biological Research" que, como dissemos, publica artigos psiquiátricos em uma de suas sessões.

Conclusões

1) A média geral dos fatores de impacto de periódicos psiquiátricos é 1,5.

2) Três publicações estão muitas vezes acima desta média ("Archives of General Psychiatry", "American Journal of Psychiatry" e "Journal of Clinical Psychopharmacology"), o que demonstra sua a importância científica.

3) Houve um aumento significativo das médias dos FI de 1995 para 1997, o que faz supor que as publicações psiquiátricas estão ganhando maior repercussão científica.

4) Os fatores de impacto das publicações psiquiátricas podem ser comparados entre si, mas não com fatores de impacto de publicações de natureza diversa.

5) No Brasil só há duas publicações com fatores de impacto aferidos. Somente uma delas publica artigos psiquiátricos. Ambas publicam em Inglês.

6) Não só a qualidade científica, mas a língua em que os artigos são publicados, pode interferir no FI de algumas publicações psiquiátricas.

7) Para avaliações de produtividade individual, não basta contar o número de publicações, devendo as mesmas serem ponderadas de acordo com os respectivos fatores de impacto dos periódicos em que foram publicadas.

8) No entanto, além dessa forma de mensuração, é necessário consultar a Web of Science para uma análise de citações do autor que devem ter uma correspondência com as respectivas publicações.

Agradecimentos

Muitas pessoas contribuíram para este trabalho e, através da citação de seus nomes, expresso minha gratidão: professores Irismar Reis de Oliveira (UFBA) e Gregório Montes (FMUSP), Dra. Patrícia Favarotto (Diretoria dos LIMs do HC-FMUSP), bibliotecária Valéria de Vilhena Lombardi (FMUSP) e secretária Débora Zambori (Projesq-Ipq-HC-FMUSP)

Correspondência

Helio Helkis

Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

Rua Dr Ovídio Pires de Campos s/n- Sala 4039

05403-010, São Paulo, SP

Email: helkis@usp.br

  • 1. Leonhard K,Korff I, Schultz H. Die Temperamente und den Familien der monopolaren und bipolaren phasishen Psychosen. Psychiatrie und Neurologie 1962;143:416-34.
  • 2. Crow TJ. Molecular pathology of schizophrenia: more than one disease process? Br Medical J 1980;280:66-8.
  • 3. Andreasen NC. Negative symptoms of schizophrenia definition and reliability. ArchGen Psychiatry 1982;39:784-8.
  • 4. Liddle P, Carpenter WT, Crow TJ. syndromes of schizophrenia classic literature. Br J Psychiatry 1994;165:721-7.
  • 6. Colli W, Dietrich C, Previato L, Meneghini R, Souza Wd, Iaria CT. Forum on peer reviews and editors. Cięncia e Cultura Journal Brazilian Association Advancement Science 1998;50:14-23.
  • 6
    Institute for Scientific Information. Introdução à Web of Science. Philadelfia: ISI; 1998.
  • 7. Garfield E. Using the impact factor. Current Contents 1994;25(18):1-3.
  • 8. Garfield E. The Impact factor. Current Contents 1994;25(20):3-7.
  • 9. Howard L, Wilkinson G. Impact factors of psychiatric journals. Bri J Psychiatry 1997;170:109-12.
  • 10. Lloyd GE, Fletcher AE. Citation trends in general psychiatric journals [Editorial]. Psychological Medicine 1989;19:15-18.
  • 11. Opthof T. Sense and nonsense about the impact factor. Cardiovascular Research 1997;33:1-7.
  • 12. Marshall E. Brazil. Science 1995;267:811-4.
  • 13. Csillag C. Pesquisador n0 1 do Brasil é argentino. Folha de S. Paulo. 1995: 5.4-5.5.
  • 14. Zanotto ED. A defasagem entre a cięncia e a tecnologia nacionais. Notícias Fapesp 1999;Junho:5-7.
  • 15. International Committee of Medical Journal Editors. Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. Annals of Internal Medicine 1997;126:36-47.
  • 16. Shapiro D, Wenger N, Shapiro M. The contribution of authors to multiauthored biomedical research papers. JAMA 1994;271:438-42.
  • 17. Ahmed I, Soares K, Seifas R, Adams C. Randomized controlled trials in the Archives of General Psychiatry (1959-1995): a prevalence study. Archives of General Psychiatry 1998;55:754-5.
  • 18. Almeida OP. Autoria de artigos científicos: o que fazem os tais autores? Revista ABP-APAL 1998;20:113-6.
  • 1
    . Professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Coordenador da residência em psiquiatria do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e Coordenador do Projesq (Projeto Esquizofrenia) do IPq HCFMUSP.
    *
    Montes GS. Distribuición de los recursos financeiros de acuerdo con la productividad (determinada pela bibliometria) en los laboratórios de investigación médica del Hospital de Clínicas de la Facultad de Medicina de la Universidad de San Pablo (Brasil). No prelo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jun 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
    Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: editorial@abp.org.br