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Papel modulador do estradiol sobre os transtornos psíquicos

carta ao editor

Papel modulador do estradiol sobre os transtornos psíquicos

O trabalho dos colegas Bassit e Louzã Neto1 aborda um tema que desperta grande interesse, embora ainda pouco explorado em pesquisas brasileiras: a modulação dos quadros psíquicos pelos hormônios sexuais e suas repercussões clínicas. Os autores destacam a relação entre admissões hospitalares de mulheres jovens com diagnóstico de esquizofrenia e as fases de seus ciclos menstruais, sugerindo uma correlação entre piora dos sintomas psicóticos e períodos de menor disponibilidade de estradiol.

Limitações desse estudo foram cuidadosamente apontadas, tais como a ausência de dosagens hormonais nas diversas fases do ciclo menstrual e a falta de dados precisos sobre quanto tempo antes da internação ocorreu a piora dos sintomas psicóticos ¾ dados estes que poderiam ou não confirmar a hipótese de exacerbação dos sintomas psicóticos durante o período de relativo hipoestrogenismo.

O papel modulador dos estrógenos sobre os diversos neurotransmissores é extenso e bem documentado.2 Sua ação sobre o sistema dopaminérgico, de maior interesse nos quadros psicóticos, é particularmente complexa. Estudos com animais demonstraram ações inibitórias e facilitadoras, dependendo das dosagens e preparações de estrógenos empregadas, bem como do tempo de sua administração. Esse "efeito bifásico" se justifica por uma redução inicial da atividade dopaminérgica, seguida de mecanismo compensatório ("up regulation") dos receptores pós-sinápticos. A ação dos estrógenos sobre neurônios dopaminérgicos se dá possivelmente por três mecanismos diferentes: intracelular (através da ligação com receptores esteróides); extracelular (ligando-se a receptores de membrana e, conseqüentemente, alterando sua estereoespecificidade); de forma indireta, interagindo com receptores serotonérgicos 5HT2, estes últimos gerando uma ação antagonista dopaminérgica. Desse modo é possível imaginar que, na prática clínica, o uso de estrógenos em diferentes formas (doses, via de administração e tempo de uso) resulte, conseqüentemente, em efeitos bem diversos sobre os comportamentos relacionados à atividade dopaminérgica.

Uma hipótese aventada por Bassit e Louzã Neto (e reforçada por trabalhos citados em sua introdução e discussão) merece maior discussão: a possível associação entre níveis reduzidos de estradiol e a piora de sintomas psicóticos e de humor ¾ a chamada estrogen withdrawal theory. Embora inicialmente atraente, a hipótese de uma relação direta entre sintomatologia psíquica e níveis absolutos de estradiol tem sido recentemente contestada, através de desenhos experimentais mais cuidadosos. Trabalhos realizados pelo Behavioral Endocrinology Branch do NIMH,3,4 utilizando como modelos os distúrbios de humor pré-menstruais e puerperais, enfatizam a provável existência de subpopulações de mulheres que desenvolvem uma resposta anormal às flutuações hormonais consideradas normais para estes períodos. Em outras palavras, a variabilidade hormonal de determinados períodos do ciclo reprodutivo feminino funcionaria como um "gatilho" para estes subgrupos, independentemente dos níveis absolutos de seus hormônios gonadais.

Seria interessante examinar, dentre as pacientes investigadas por Bassit e Louzã Neto que apresentaram admissão hospitalar em períodos de relativo hipoestrogenismo, a existência (passada e/ou futura) de alterações de humor pré-menstruais, puerperais ou durante a transição para a menopausa. Esta população, certamente de maior risco, mereceria uma atenção cuidadosa durante períodos de maior instabilidade hormonal, inclusive com a possibilidade de intervenções hormonais de caráter preventivo.

Cláudio N Soares * * Cláudio N Soares é bolsista de pós-doutoramento da Fapesp (99/08459-3).

Center for Women's Mental Health

Perinatal and Reproductive Psychiatry Clinical

Research Program

Massachusetts General Hospital, Harvard Medical School, Boston, USA

Perinatal and Reproductive Psychiatry Clinical

Research Program

Massachusetts General Hospital, Harvard Medical School

15 Parkman Street WACC 812 Boston, MA 02114, USA

E-mail: csoares@partners.org

Referências

1. Bassit DP, Louzã Neto MR. Relação entre data de admissão hospitalar e período do ciclo menstrual de mulheres com diagnóstico de esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr 2000;22:57-61.

2. DeBattista C, Smith DL, Schatzberg AF. Modulation of monoamine neurotransmitters by estrogen: clinical implications. In: Leibenluft E, editor. Gender differences in mood and anxiety disorders. Washington (DC): American Psychiatric Press; 1999. p. 137-60.

3. Schmidt PJ, Nieman LK, Danaceau MA, Adams LF, Rubinow DR. Differential behavioral effects of gonadal steroids in women with and in those without premenstrual syndrome. N Engl J Med 1998;338:209-16.

4. Bloch M, Schmidt PJ, Danaceau M, Murphy J, Nieman L, Rubinow DR. Effects of gonadal steroids in women with a history of postpartum depression. Am J Psychiatry 2000;157:924-30.

Resposta:

O colega Soares descreve o complexo efeito do estradiol no sistema dopaminérgico, com ação inibitória ou excitatória dependendo da dose empregada. Cita também estudos do National Institute of Mental Health (NIMH) demonstrando que a variação dos níveis hormonais desencadeia alterações de humor em subgrupos específicos de mulheres e destaca que a relação direta entre níveis absolutos de estradiol e sintomatologia psíquica tem sido contestada. No entanto, um grupo da Austrália1 observou incremento na redução de sintomas positivos e negativos com a adição de 50 mcg ou 100 mcg de estradiol ao tratamento padrão de pacientes com esquizofrenia, sugerindo que o estradiol teria ação benéfica no tratamento de sintomas psicóticos em mulheres com esquizofrenia como um todo. É possível que as pacientes com variações de humor ao longo do ciclo tenham maior resposta à terapêutica hormonal, mas não se pode excluir uma relação específica dos sintomas psicóticos com níveis hormonais absolutos. Estes mesmos pesquisadores estão realizando estudos para procurar um marcador da piora dos sintomas psicóticos em pacientes com esquizofrenia nos períodos de hipoestrogenismo.2

Por fim, Soares sugere que seja investigada a presença de alterações de humor nos períodos em que há flutuação hormonal nas pacientes que foram internadas em período de relativo hipoestrogenismo, pois esta população teria maior risco de recaída nos períodos de maior instabilidade hormonal e poderia se beneficiar de intervenções hormonais com caráter preventivo. Tal investigação seria interessante para verificar se há correlação entre as alterações de humor e a piora dos sintomas psicóticos. Uma correlação positiva entre alterações do humor e piora de sintomas psicóticos associada ao hipoestrogenismo permitiria a adição de um recurso a mais no tratamento de pacientes com esquizofrenia, possivelmente ajudando a prevenir recaídas. É importante lembrar, no entanto, que o uso de estrógenos requer indicação e acompanhamento cuidadosos, devido a seus efeitos colaterais (como tromboembolismo e carcinomas hormônio-dependentes).

Débora P Bassitt e Mário R Louzã Neto

Projeto Esquizofrenia (Projesq) do Instituto de Psiquiatria

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo

Projesq ¾ Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo

Av. Prof. Ovídio Pires de Campos, s/no

05403-010 São Paulo, SP, Brasil

E-mail: dbassit@amcham.com.br

Referências

1. Kulkarni J, Riedel A, de Castella RA, Fitzgerald PB, Rolfe TJ, Taffe J, et al. Estrogen ¾ A potential treatment for schizophrenia? In: Abstracts of the tenth biennial winter workshop on schizophrenia; 2000 Feb 5-11; Davos, Switzerland. Schiz Bull 2000;41:28.

2. de Castella RA, Silberstein RBJ, Kulkarni J. Background and methodology for a study exploring the relationship between psychopathology, sex esteroids and the EEG over the menstrual cycle in women with schizophrenia. In: Abstracts of the tenth biennial winter workshop on schizophrenia; 2000 Feb 5-11; Davos, Switzerland. Schiz Bull 2000;41:153.

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    Cláudio N Soares é bolsista de pós-doutoramento da Fapesp (99/08459-3).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
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