Acessibilidade / Reportar erro

Fitoterápicos na odontologia: estudo etnobotânico na cidade de Manaus

Phytotherapics in Odontology: ethnobotanical study in Manaus

Resumos

O reconhecimento oficial da fitoterapia na odontologia no Brasil veio acompanhado de diversas lacunas na pesquisa científica e na utilização de plantas medicinais, especificamente para espécies vegetais com aplicação nas doenças da cavidade oral. O estado do Amazonas, especificamente a cidade de Manaus, não possui um diagnóstico da aplicabilidade de plantas medicinais nos serviços de atenção Odontológica. Esse estudo propôs realizar um estudo do tipo quali-quantitativo, descritivo e exploratório visando o levantamento da comercialização de plantas medicinais e o estudo etnobotânico para identificação das principais plantas medicinais indicadas e utilizadas nas patologias orais nos atendimentos odontológicos ambulatoriais na cidade de Manaus. Foram entrevistados 197 usuários do serviço odontológico, 150 Cirurgiões-Dentistas, e 47 comerciantes credenciados na prefeitura Municipal de Manaus. A amostragem foi realizada por acessibilidade ou conveniência para os Cirurgiões-Dentistas, enquanto os usuários foram selecionados através de amostragem aleatória simples, e os comerciantes de plantas medicinais foram entrevistados em sua totalidade. Os resultados demonstraram a existência de comercialização de plantas medicinais para patologias orais, destacando-se as seguintes espécies: Pedra ume cãa (Aulomyrcia sphareocarpa), Crajiru (Arrabidae chica), além da planta, sem identificação botânica, conhecida popularmente como Sara tudo. Entre os Cirurgiões-Dentistas e entre os pacientes, apenas 8% e 7,61%, respectivamente, utilizaram plantas medicinais para alterações patológicas orais. Os autores concluíram que as plantas medicinais comercializadas na cidade de Manaus são utilizadas de maneira empírica e que, apesar da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), novas políticas públicas de saúde devem inserir plantas medicinais e fitoterápicos de uso oral na rede pública de saúde na cidade de Manaus.

Odontologia; Fitoterápicos; Etnobotânico


The official recognition of herbal medicine in dentistry in Brazil was accompanied by several gaps in scientific research and the use of medicinal plants, specifically for plant species applied to diseases of the oral cavity. The state of Amazonas, specifically the city of Manaus, does not have a diagnosis of applicability of medicinal plants in Dental care services. This research intended to conduct a qualitative and quantitative-type, descriptive and exploratory study in order to conduct a survey on the commercialization of medicinal plants and an ethnobotanical study to identify the main medicinal plants indicated and used in oral pathologies in outpatient dental care in the city of Manaus. We interviewed 197 users of dental services, 150 dentists, and 47 accredited traders in the Municipality of Manaus. The sampling was performed by accessibility or convenience for surgeon-dentists, while users were selected through simple random sampling, and all traders of medicinal plants were interviewed. The results demonstrated that medicinal plants for oral diseases are commercialized, among which the following species are highlighted: Pedra ume Caa (Aulomyrcia sphareocarpa), Crajiru (Arrabidaea chica), in addition to an unidentified botanical plant popularly known as Sara Tudo. 8% of dentists and 7.61% of patients used medicinal plants for oral pathological changes. The authors concluded that medicinal plants commercialized in the city of Manaus are used empirically, and that, despite the rules from the National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC), new public health policies must add medicinal plants and herbal medicines for oral use to the public health system of the city of Manaus.

Odontology; Phytotherapics; Ethnobotany


Fitoterápicos na odontologia: estudo etnobotânico na cidade de Manaus

Phytotherapics in Odontology: ethnobotanical study in Manaus

Evangelista,S. S.I; Sampaio, F. C.II; Parente R. C.I; Bandeira, M. F. C. L.I,* * E-mail: fulgencia@ufam.edu.br Telefone: (092) 3305-1496

IUniversidade Federal do Amazonas-UFAM, Av. General Rodrigo Otávio Mourão, 3000 - Coroado, Bloco da Reitoria, 69.077-000, Manaus-AM, Brasil

IILaboratório de Biologia Bucal, Departamento de Odontologia Clínica e Social, Cidade Universitária,Universidade Federal da Paraíba, 58051-900 João Pessoa-PB, Brasil

RESUMO

O reconhecimento oficial da fitoterapia na odontologia no Brasil veio acompanhado de diversas lacunas na pesquisa científica e na utilização de plantas medicinais, especificamente para espécies vegetais com aplicação nas doenças da cavidade oral. O estado do Amazonas, especificamente a cidade de Manaus, não possui um diagnóstico da aplicabilidade de plantas medicinais nos serviços de atenção Odontológica. Esse estudo propôs realizar um estudo do tipo quali-quantitativo, descritivo e exploratório visando o levantamento da comercialização de plantas medicinais e o estudo etnobotânico para identificação das principais plantas medicinais indicadas e utilizadas nas patologias orais nos atendimentos odontológicos ambulatoriais na cidade de Manaus. Foram entrevistados 197 usuários do serviço odontológico, 150 Cirurgiões-Dentistas, e 47 comerciantes credenciados na prefeitura Municipal de Manaus. A amostragem foi realizada por acessibilidade ou conveniência para os Cirurgiões-Dentistas, enquanto os usuários foram selecionados através de amostragem aleatória simples, e os comerciantes de plantas medicinais foram entrevistados em sua totalidade. Os resultados demonstraram a existência de comercialização de plantas medicinais para patologias orais, destacando-se as seguintes espécies: Pedra ume cãa (Aulomyrcia sphareocarpa), Crajiru (Arrabidae chica), além da planta, sem identificação botânica, conhecida popularmente como Sara tudo. Entre os Cirurgiões-Dentistas e entre os pacientes, apenas 8% e 7,61%, respectivamente, utilizaram plantas medicinais para alterações patológicas orais. Os autores concluíram que as plantas medicinais comercializadas na cidade de Manaus são utilizadas de maneira empírica e que, apesar da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), novas políticas públicas de saúde devem inserir plantas medicinais e fitoterápicos de uso oral na rede pública de saúde na cidade de Manaus.

Palavras-chave: Odontologia, Fitoterápicos, Etnobotânico

ABSTRACT

The official recognition of herbal medicine in dentistry in Brazil was accompanied by several gaps in scientific research and the use of medicinal plants, specifically for plant species applied to diseases of the oral cavity. The state of Amazonas, specifically the city of Manaus, does not have a diagnosis of applicability of medicinal plants in Dental care services. This research intended to conduct a qualitative and quantitative-type, descriptive and exploratory study in order to conduct a survey on the commercialization of medicinal plants and an ethnobotanical study to identify the main medicinal plants indicated and used in oral pathologies in outpatient dental care in the city of Manaus. We interviewed 197 users of dental services, 150 dentists, and 47 accredited traders in the Municipality of Manaus. The sampling was performed by accessibility or convenience for surgeon-dentists, while users were selected through simple random sampling, and all traders of medicinal plants were interviewed. The results demonstrated that medicinal plants for oral diseases are commercialized, among which the following species are highlighted: Pedra ume Caa (Aulomyrcia sphareocarpa), Crajiru (Arrabidaea chica), in addition to an unidentified botanical plant popularly known as Sara Tudo. 8% of dentists and 7.61% of patients used medicinal plants for oral pathological changes. The authors concluded that medicinal plants commercialized in the city of Manaus are used empirically, and that, despite the rules from the National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC), new public health policies must add medicinal plants and herbal medicines for oral use to the public health system of the city of Manaus.

Keywords: Odontology, Phytotherapics, Ethnobotany

INTRODUÇÃO

A Fitoterapia é um ramo da ciência médica que utiliza plantas medicinais, drogas vegetais e preparados, para tratamento de enfermidades, não sendo incluída substância de outra origem (Carvalho, 2004). O uso dos fitoterápicos tem como finalidade prevenir, curar ou minimizar os sintomas das doenças, com um custo mais acessível à população e aos serviços públicos de saúde, comparativamente àqueles obtidos por síntese química, que são em geral mais caros, devido às patentes tecnológicas envolvidas (Toledo et al. 2003; Di Stasi et al. 1994).

Somente em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu os medicamentos de origem vegetal como recurso terapêutico.

No Brasil, apenas em 2006 se estabeleceu a política para o uso de plantas medicinais no serviço público através da Portaria nº. 971, Decreto nº 5813, em 03 de maio de 2006, que aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas eComplementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo a prática de tratamento médico por meio da utilização de plantas medicinais e fitoterápicos, propiciando dessa forma a abertura de novos mercados e superando barreiras que antes eram intransponíveis.

No entanto, o uso da Fitoterapia, pelo Cirurgião-Dentista, somente foi reconhecida e regulamentada como prática integrativa e complementar à saúde bucal pelo Conselho Federal de Odontologia, no dia 19 de novembro de 2008, através da Resolução nº 082/2008-CFO.

O Brasil é um país privilegiado em relação ao emprego da fitoterapia, pois possui 25% da flora mundial e um patrimônio genético de grande potencial para o desenvolvimento de novos medicamentos, o que corresponde a mais de cem mil espécies, das quais menos de 1% tiveram suas propriedades avaliadas cientificamente para determinar uma possível ação medicinal (Castilho,2009).

Na região Amazônica, existe grande biodiversidade de plantas medicinais utilizadas de maneira empírica, porém com indicações consolidadas por séculos de interação cultural (Borrás et al.,2003). Essas indicações vêm sendo evidenciadas através do desenvolvimento cientifico e tecnológico das pesquisas envolvendo plantas medicinais, na tentativa de abrir novos caminhos terapêuticos e possibilitar seu uso diário na prática ambulatorial.

O crescimento mundial da fitoterapia entre os programas preventivos e curativos tem estimulado a avaliação dos extratos de plantas para o uso na odontologia com ação anti-bacteriana, antiinflamatória, anti-hemorrágica e anestésica (Silva et al., 2006; Agra et al., 2007).

Dentre as espécies mais conhecidas encontram-se os óleos essenciais do cajueiro (Anacardium occidentale) e do cravo (Eugenia caryophyllata T.) que são indicados para as odontalgias. Estudos têm demonstrado que a romã (Punica granatum Linn), o óleo de copaíba (Copaífera multijuga), o Jucá (Caesalpinia férrea) e a Caapeba (P. Umbellata) possuem atividade antimicrobiana frente a microrganismos da cavidade oral, especialmente sobre Streptococcus mutans, importante na formação do biofilme dental (Junior,2006; Bandeira et al, 1999; Simões, 2004; Sponchiado Jr., 2006).

Etnobotânica é a ciência, ligada à Botânica e à antropologia, que estuda as interações entre pessoas e plantas em sistemas dinâmicos. Também consiste no estudo das aplicações e dos usostradicionais dos vegetais pelo homem. É uma ciência multidisciplinar que envolve botânicos, antropólogos, farmacólogos, médicos, engenheiros e tem como objetivo contribuir para o conhecimento científico das espécies vegetais (Amorozo,1996).

Esta pesquisa realizou um estudo etnobotânico visando diagnosticar indicação e forma de utilização de plantas medicinais para alterações patológicas orais nos atendimentos odontológicos ambulatoriais das Unidades Básicas de Saúde e sua comercialização nos mercados e feiras municipais na cidade de Manaus, com intuito de traçar um perfil do uso de plantas medicinais na odontologia, podendo beneficiar a população e fornecer subsídios ao serviço público de saúde para implementação da terapêutica fitoterápica como alternativa aos tratamentos convencionais.

MATERIAIS E MÉTODOS

A presente pesquisa foi realizada em todas as Feiras e Mercados Municipais (22) que possuíam permissionários cadastrados na categoria de artigos/produtos regionais da Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento (SEMPAB) e nas Unidades Básicas de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), cumpriu as normas regulamentares da Resolução nº196/Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e foiaprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas, Protocolo nº 0312.0.115.000.08.

A amostragem adotada foi por acessibilidade ou conveniência para os Cirurgiões-Dentistas. A escolha por este tipo de amostragem justifica-se pelo tipo de estudo proposto (exploratório). O cálculo amostral foi determinado com base na atitude conservadora com p = 0,5 (Gil,1995). A amostra foi composta de 150 Cirurgiões-Dentistas que foram abordados em seu local de trabalho em horários diferentes, ou seja, nos turnos matutinos e vespertinos. Os postos, foram no local da coleta, amostrados de forma aleatória, tendo sido entrevistados 197 usuários. Os usuários foram selecionados através de amostragem aleatória simples sem reposição.

A amostragem dos raizeiros foi em todas as feiras cadastradas na Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento- SEMPAB- na categoria de artigos/ produtos regionais, no total de 22 feiras e 47 raizeiros que responderam a questionários específicos validados (Santos et al., 2009) com perguntas abertas e fechadas.

A aplicação do questionário objetivou obter informações referentes à utilização ou não da terapêutica fitoterápica, bem como investigar a indicação de plantas medicinais no tratamento das doenças da cavidade oral.

Foi realizada a análise estatística descritiva com percentuais de freqüência (GIL, 1995).

RESULTADOS

Os resultados demonstraram que 51,06% dos raizeiros foram do sexo masculino, sendo 68,09% amazonenses. O perfil sócio-econômico foi 51,06% casados e renda entre 1 a 2 salários mínimos (21,28%). O grau de escolaridade foi 48,94% com 2º grau completo e 34,04% trabalhavam há mais de 10 anos vendendo plantas medicinais.

A aquisição do conhecimento para comercializar plantas medicinais foi 78,72% dos pais e 23,40% de livros. Da totalidade dos raizeiros 48,93% não sabiam informar a procedência das plantas medicinais comercializadas, sendo que 25,53% adquiriam as plantas de atravessadores e 21,28% dos fornecedores.

Em relação ao cultivo de plantas medicinais 17,02% dos raizeiros cultivavam plantas medicinais, sendo que 6,38% desconheciam a aplicabilidade para as patologias orais e 10,64% tinham conhecimentos desta indicação.

A tabela 1 demonstra as plantas medicinais indicadas pelos raizeiros para alterações patológicas na cavidade oral, as mais citadas foram: sara tudo (29,79%), andiroba (Caraba guianensis Aubl.,10,64%) e carapanaúba (Aspidosperma discolor, 4,26%), no entanto as mais procuradas pelos consumidores foram pedra ume cãa (Aulomyrcia sphareocarpa) e a sara tudo.

Dos usuários 70,56% foram do sexo feminino, sendo 76,60% amazonenses. O perfil sócio-econômico foi 30,46% casados, 39% com 1º grau completo e 41,50% estavam desempregados.

Em relação a utilização de plantas medicinais para patologias da cavidade oral 92,39% dos usuários ainda não usaram essa terapia, apenas 7,61% já fizeram este tipo de tratamento e a planta mais utilizada foi casca de caju (Anacardium occidentale) com 40% (Tabela 2).

Dos usuários que utilizaram plantas medicinais para terapia odontológica 92,30% não utilizaram plantas medicinais e medicamentos sintéticos simultaneamente e todos foram unânimes em não misturar espécies distintas de plantas medicinais.

Os usuários que utilizavam plantas medicinais para alterações das patológicas orais não informaram ao Cirurgião-Dentista essa terapia (93,30%) por não acharam importante informar (26,66%), enquanto 26,66% alegaram que o Cirurgião-Dentista não perguntou.

O resultado dos Cirurgiões-Dentistas demonstrou que 58,67% foram do sexo feminino. O perfil sócio-econômico foi 66% casados e renda entre 7 a 8 salários mínimos (53,34%). O grau de escolaridade foi 50,67% com pós-graduação e 25,30% trabalhavam entre 11 a 15 anos.

81,33% dos Cirurgiões-Dentistas afirmaram desconhecer o uso de plantas medicinais pelos pacientes. Dos 18,66% que informaram utilizar plantas medicinais, 35,71% utilizaram crajiru (Arrebidaea chica Verlot) e 14,29% dos Cirurgiões-Dentistas não sabiam informar o nome da planta medicinal.

Somente 8% dos Cirurgiões-Dentistas recomendaram tratamento com plantas medicinais. A tabela 3 demonstra as plantas medicinais indicadas pelos Cirurgiões-Dentistas.

Em relação a fitoterapia na odontologia 90,00% dos Cirurgiões-Dentistas não se sentiram capacitados para aplicar essa terapia.

DISCUSSÃO

A complexidade da floresta amazônica, a qual é um dos biomas mais ricos do mundo, mantendo ainda uma razoável diversidade após cinco séculos de devastação, reflete na utilização de princípios bioativos das plantas medicinais existente na Amazônia brasileira. Assim, pesquisas na área odontológica têm sido desenvolvidas com o propósito de buscar novos princípios bioativos para a formulação de medicamentos com diferentes aplicabilidades, agindo tanto como curativos como preventivos

No entanto é imprescindível ter um diagnóstico etnobotânico da utilização dos fitoterápicos pelos usuários, Cirurgiões-Dentistas, bem como conhecer as plantas medicinais comercializadas e indicadas para as patologias da cavidade oral, visando reduzir o uso empírico e favorecer a utilização das plantas medicinais baseada em evidências científicas.

Os resultados obtidos neste estudo apresentaram o perfil sócio-econômico e cultural dos participantes, as plantas medicinais mais usadas, suas indicações, formas de preparo e de uso. Estes ítens, resgatam o conhecimento relacionado à afinidade entre o homem e as plantas medicinais caracterizando o enfoque etnobotânico (Rodrigues & Carvalho, 2001).

Nesta pesquisa 48,93% dos raizeiros não souberam informar a origem da planta medicinal que compravam. Resultado semelhante foi encontrado por Dorado, Doca e Araújo (2005) e Tresvenzol et al., (2006) relatando que os "profissionais" que comercializavam plantas e preparados medicinais desconheciam a origem das mesmas. No entanto Macedo (2009) observou que as plantas são compradas de produtores especializados que as cultivam; ou de mateiros/raizeiros que retiram cascas, folhas e frutos das plantas (nativas ou não) da Chapada do Araripe, discordando assim dos resultados desta pesquisa.

A renda média dos raizeiros 21,28% entre 1 e 2 salários mínimos fato contemplado na Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, onde as plantas medicinais são consideradas estratégicas para o fortalecimento da agricultura familiar, geração de emprego e renda, uso sustentável da biodiversidade brasileira, avanço tecnológico e melhoria da atenção à saúde da população brasileira (Brasil, 2006).

A transmissão do conhecimento sobre utilização de plantas medicinais é passada de gerações a gerações desde a mais remota civilização, na pesquisa predominou de pai para filho, semelhante aos relatos de Santos (2010) e Rodrigues (2001) ao afirmar que o papel dos raizeiros de hoje, em alguns aspectos, se assemelha aos dos curandeiros antecedentes, ou seja, indivíduos que dentro das suas comunidades detêm a sabedoria passada por seus ancestrais de preservar e utilizar as plantas do meio ambiente onde vivem.

Ness et al., (1999) verificaram que os raizeiros indicavam plantas medicinais, corroborando com os resultados deste trabalho onde 57,45% dos raizeiros afirmaram indicar as plantas medicinais aos consumidores.

A indicação das plantas medicinais pelos raizeiros é preocupante, pois há necessidade de estudos científicos in vitro e in vivo baseados em algumas ciências como a farmacologia, a compatibilidade biológica, a biotecnologia e as normatizações vigentes no país para definir indicações precisas e limites de uso dos fitoterápicos, evitando ou amenizando os efeitos colaterais que representam riscos para a saúde humana.

Este estudo demonstrou a existência de plantas medicinais utilizadas para tratamento de alterações patológicas orais. Dentre as plantas citadas algumas não possuem classificação botânica na literatura. Isso indica a necessidade da identificação das espécies nativas da região, pois algumas comunidades atribuem nomes populares às ervas utilizadas que diferem daqueles citados na literatura referente às espécies de uso popular na fitoterapia (Santos, 2010).

Diversos estudos têm sido desenvolvidos para modificar o conhecimento empírico com o intuito de comprovar a ação de fitoterápicos. Cragg, Newman, Snader (1997) afirmaram que mais de 60% dos agentes anticarcinogênicos e antiinfecciosos aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos são de origem natural. Entretanto, existe pouco relato do uso de substâncias naturais na Odontologia, principalmente no que diz respeito à ação dessas substâncias sobre a microbiota da cavidade oral.

Os resultados deste estudo comprovaram a falta de conhecimento dos usuários sobre o uso de fitoterápicos bucais, já que apenas 7,61% afirmaram ter usado plantas medicinais para alterações patológicas na cavidade oral. Esse baixo número, provavelmente está relacionado a forte influencia do uso de genéricos que tornou-se mais acessível.

De acordo com Vickers et al. (2007), muitas pessoas utilizam as plantas medicinais como forma alternativa e complementar ao tratamento convencional, sem informar ao seu médico este fato, e alertaramm sobre o perigo de interações na utilização simultânea de fitoterápicos e medicamentos alopáticos.

De acordo com o relato dos usuários, o Cirurgião-Dentista não prescreve plantas medicinais para fins de saúde bucal. Este resultado demonstra a falta de cumprimento da portaria nº 971, Decreto nº5813 de 03 de junho de 2006 que aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas eComplementares no Sistema Único de Saúde (Santos et al.,2009).

Dos usuários que utilizaram plantas medicinais, 93,33% afirmaram não informar ao Cirurgião-Dentista sobre uso de fitoterápicos. Estes resultados foram corroborados por Vickers et al. (2007) e ainda alertaram sobre o perigo de interações na utilização simultânea de fitoterápicos e medicamentos alopáticos.

Apenas 8% dos Cirurgiões-Dentistas afirmaram já ter indicado tratamento com plantas medicinais. Esta evidência foi observada por Júnior (2006) onde 16,6% dos Cirurgiões-Dentistas entrevistados responderam já ter indicado alguma planta medicinal. Corroborando, Monte (2007) citou que os profissionais da área da saúde (médicos, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos) e pacientes fazem pouco uso das plantas medicinais por falta de conhecimento.

Grande parte (90,00%) dos Cirurgiões-Dentistas participantes alegaram não estar preparado para fazer este tipo de tratamento. Cabendo aqui, então, ressaltar a importância deste trabalho para a saúde bucal coletiva, visto que, de acordo com Junior et al. (2005) cerca de 65%-80% da população mundial residente em países em desenvolvimento depende essencialmente de plantas para cuidados primários à saúde.

De acordo com Júnior (2006) uma alternativa à essa situação seria a inclusão da fitoterapia como disciplina obrigatória na grade curricular e de programas de extensão voltados a essa temática, no curso de odontologia. Revila (2007) concordou sugerindo que sejam oferecidos aos acadêmicos de medicina, farmácia, enfermagem, odontologia, biologia e outros cursos afins, disciplinas que abordem o tema: plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos.

Quanto as plantas medicinais indicadas para as patologias da cavidade oral as mais utilizadas neste estudo pelos raizeiros foram Sara tudo, Andiroba (Carapa guaianensis) e Carapanaúba (Aspidosperma discolor), as mais procuradas pelos consumidoresnas foram Sara tudo e Pedra ume caã (Myrcia sphaerocarpa). O Cajueiro foi o mais utilizado pelos usuários e a planta medicinal mais indicada pelos Cirúrgiões-Dentistas foi o Crajirú (Arrebidaea chica Verlot). Ressaltando que a Sara tudo assim milhares de plantas presentes na Floresta Amazônica, ainda não identificadas, são laboratórios biológicos imensos que precisam de esclarecimentos científicos.

Esta pesquisa demonstrou que a fitoterapia aplicada à Odontologia ainda tem um longo caminho a percorrer, por constituir uma prática ainda pouco difundida entre os Cirurgiões-Dentistas. Há necessidade da realização estudos clínicos, para se confirmar ou não, as propriedades farmacológicas de um grande número de espécies de uso popular ainda não estudadas, criando assim, perspectivas para pesquisas futuras.

Considerando que a Amazônia possui a maior biodiversidade mundial surge o paradigma de não utilizarmos a fitoterapia no serviço público do modo racional e seguro para prevenir, curar ou minimizar os sintomas das doenças, com o custo mais acessível à população compatarivamente àqueles obtidos por produtos isolados que geralmente envolve patentes tecnológicas.

Assim, os resultados desta pesquisa credita-se que é necessário e oportuno a aplicabilidade da Política Nacional de Práticas Integrativas eComplementares no Sistema Único de Saúde na cidade de Manaus, inserindo, neste caso, a fitoterapia na rede pública, capacitando os Cirurgiões-Dentistas para o emprego das plantas medicinais com segurança, alicerçado nas evidências científicas.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico-CNPQ processo n.575752/2008-4 pelo auxílio no fomento da pesquisa.

Recebido para publicação em 01/12/2011

Aceito para publicação em 05/02/2013

  • AGRA, M. F.; FREITAS, P.F.; BARBOSA-FILHO, J. M.; Synopsis of the plants known as medicinal and poisonous in Northeast of Brazil. Revista Brasileira de Farmacognosia, 2007;17(1):114-40.
  • AMOROZO, M. C. M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In: DI STASI, L.C. (Org). Plantas medicinais: arte e ciência - um guia de estudo interdisciplinar. São Paulo: UNESP. 1996. p. 47-68.
  • BANDEIRA, MFCL. Estudo comparativo da compatibilidade biológica do óleo essencial e da resina da Copaifera multijuga, associados ao hidróxido de cálcio, em diferentes níveis de pesquisa: farmacológico, microbiológico e molares de rato. 1998, 265 p. Dissertação (Mestrado em Dentística Restauradora) - Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista, Araraquara.
  • BANDEIRA, M.F.C.L. et al. Estudo comparativo da compatibilidade biológica em molaresde rato do óleo essencial e da resina da Copaifera multijuga (óleo de copaíba) associados aohidróxido de cálcio. Jornal Brasileiro de Clínica Estética em Odontologia, v. 3, n. 16, p. 42-49, 1999.
  • BORRÁS, Maria Rosa Lozano. Plantas da Amazônia: Medicinais ou mágica? Plantas comercializadas no mercado Adolpho Lisboa. Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas, Manaus-AM, 322p, 2003.
  • BRASIL . Decreto nº 5.813, de 22 de jun. de 2006. Aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, jun. 2006.
  • CARVALHO, J C T. Fitoterápicos antiinflamatórios: aspectos químicos, farmacológicos e aplicações terapêuticas, Ribeirão Preto, Tecmedd, 2004,479p.
  • CASTILHO, A. R; MURATA, R. M; PARDI, V. Produtos naturais em Odontologia. Revista Saúde Disponível em:<http://revistas.ung.br/index.php/saude/article/viewFile/64/99>. Acesso em: 24 de outubro de 2009.
  • CRAGG, G.M; NEWMAN, D.J; SNADER, K.M. Natural products in drug Discovery and development. J Nat Prod, v.60, n.1, p.52-60, 1997.
  • DI STASI, L. C. Plantas medicinais: arte e ciência. Um guia de estudo interdisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994. 230 p.
  • DOURADO, E.R.; DOCA, K.N.P.; ARAÚJO, T.C.C. Comercialização de plantas medicinais por "raizeiros" na cidade de Anápolis-GO. Revista Eletrônica de Farmácia.Suplemento. v. 2, n. 2, p. 67-69, 2005.
  • GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa SocialSão Paulo:Atlas, 1995. Rev. Bras. Pl. Med., Campinas, v.15, n.4, p.513-519, 2013.
  • JUNIOR, J. F. L. et al. O uso de fitoterápicos e a saúde bucal. Saúde em Revista, Piracicaba, v.7, n.16, p.117, 2005.
  • JUNIOR, J. F. L.; DIMENSTEIN, M. A Fitoterapia na saúde pública em Natal/RN: visão do odontólogo. Saúde em Revista, Piracicaba, v.8, n.19, p. 37-44, 2006.
  • NESS, J; SHERMAN,F.T; PAN, C.X. Alternative medicine: what the data say about common herbal therapies. Geriatrics, v. 54, n. 10, p. 33-38, out. 1999.
  • REVILLA, J. Mapeamento da Biodiversidade Amazônia: potencialidades dos fitos. T & C Amazônia, ano 5, n. 11, jun. 2007.
  • RODRIGUES, V. E. G.; CARVALHO, D. A. Levantamento etnobotânico de plantas medicinais no domínio do cerrado na região do Alto Rio Grande Minas Gerais. Revista Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v.25, n. 1, p. 102-123, 2001.
  • SANTOS, E. B.; DANTAS, G. S.; SANTOS, H. B.; DINIZ, M. F. F. M.; SAMPAIO, F. C. Estudo etnobotânico de plantas medicinais para problemas bucais no município de João Pessoa, Brasil. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 19, n. 1B, p. 321-324, jan./mar, 2009.
  • SILVA, M. I. G. et al. Utilização de fitoterápicos nas unidades básicas de atenção ä saúde da família no município de Maracanaú (CE). Revista Brasileira de Farmacognosia, João Pessoa, v.16, n.4, p. 455-462, out/ dez 2006.
  • SIMÕES, C. A. C. G. Formulação de um gel de óleo de copaíba (Copaifera multijuga) e avaliação de sua atividade antibacteriana sobre cepas de Streptococcus sp. isoladas da placa dental. Manaus, 120p. Dissertação de Mestrado em Patologia Tropical - Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Amazonas, 2004.
  • SPONCHIADO-JUNIOR, E. C. Atividade antibacteriana contra o Enterococcus faecalis de uma medicação intracanal contendo ativos fitoterápicos de Pothomorphe umbellata, Tese (doutorado) -Universidade Federal do Amazonas,UFAM, Biotecnologia, área da saúde. Manaus UFAM, 2006.
  • TOLEDO, A. C. O. et al. Fitoterápicos: uma abordagem farmacotécnica. Revista Lecta, Bragança Paulista, v. 21 n.1 / 2, p. 7-13, jan./dez. 2003.
  • TRESVENZOL, L. M., J. R.; PAULA, A. F. ;RICARDO, H. D.; FERREIRAd D. T. ZATTA. Estudo sobre o comércio informal de plantas medicinais em Goiânia e Cidades Vizinhas. Revista Eletrônica de Farmácia, v. 3, n.1, p. 2328,2006.
  • VICKERS, K. A.; JOLLY, K. B.; GREENFIELD, S. M. Herbal medicine: women's views, knowledge and interaction with doctors: a qualitative study. BMC Complementary and Alternative Medicine, v. 6, n. 40, p. 1 8, 2007.
  • *
    E-mail:
    fulgencia@ufam.edu.br Telefone: (092) 3305-1496
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Dez 2011
    • Aceito
      05 Fev 2013
    Sociedade Brasileira de Plantas Medicinais Sociedade Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Farmácia, Bloco T22, Avenida Colombo, 5790, 87020-900 - Maringá - PR, Tel: +55-44-3011-4627 - Botucatu - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbpmed.org.br