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Biologia reprodutiva e ausência de frutificação de Aloe saponaria (Aiton) Haw. (Xanthorrhoeaceae) fora do local de origem

Reproductive biology and absence of fruiting of Aloe saponaria (Aiton) Haw. (Xanthorrhoeaceae) outside its place of origin.

RESUMO

O gênero Aloe, originário principalmente da África, tem atualmente uma ampla distribuição no mundo. No entanto, são poucas as regiões que têm realizado estudos quanto ao sistema reprodutivo. O objetivo do presente trabalho foi analisar as características e o comportamento reprodutivo de Aloe saponaria em Florianópolis, Santa Catarina. Foram conduzidos estudos sobre sua morfologia e biologia floral, visitantes florais e sistema reprodutivo. Esta espécie apresentou uma inflorescência por planta, com um comprimento de 105 ± 0,1 cm e 267 ± 92,7 flores. A razão pólen/óvulo sugere que a espécie é xenogâmica. O volume e concentração de sólidos solúveis totais do néctar potencial foi 16,6 ± 6,3 μL e 22 ± 2,4 °Brix respectivamente. O néctar instantâneo não apresentou diferenças significativas nos períodos avaliados (9:00h e 15:00h) e o estigma permaneceu receptivo até o segundo dia após a antese. Foram coletados 110 insetos visitantes florais, dos quais 61,8% foram indivíduos de Trigona spinipes. Entretanto, nos testes de polinização não foi observada frutificação efetiva, indicando que a propagação vegetativa é o principal tipo de reprodução usado nessa população. Isto pode estar relacionado a um mecanismo de autoincompatibilidade esporofítica, a anormalidades cromossômicas durante a formação do pólen, as condições climáticas, e a escassa variabilidade genética no local de estudo.

Palavras-chave
Aloe; autoincompatibilidade esporofítica; polinização; visitantes florais

ABSTRACT

The Aloe genus, originating mainly from Africa, currently has a wide distribution in the world. However, in few regions studies about the reproductive system have been carried on. The aim e of this study was to analyze the characteristics and reproductive performance of the Aloesaponaria in Florianópolis, Santa Catarina. The morphology, floral biology, flower visitors and the reproductive system were determined. The plants presented an inflorescence per plant, with 105 ± 0,1 cm in length and 267 ± 92.7 flowers. The pollen/ovule ratio suggested that the species is xenogamic. The volume and concentration of total soluble solids in the potential nectar were 16.6 ± 6.3 μL and 22 ± 2.4°Brix, respectively. The instant nectar showed no significant differences between the evaluated periods (9:00h and 15:00h) and the stigma remained receptive until the second day the after anthesis. 110 insects were collected, from which 61.8% were from theTrigona spinipesspecies. However, in the pollination tests the fruit set was not observation, indicating that vegetative propagation is the main type of reproduction used by this population. This may be related to a mechanism of sporophytic self-incompatibility, to chromosomal abnormalities during the formation of pollen, to weather conditions, and to the low genetic variability at the study site.

Keywords
Aloe; pollination; floral visitors; sporophytic self-incompatibility

INTRODUCÃO

O gênero Aloe compreende cerca de 500 espécies, possuindo uma ampla diversidade que inclui ervas perenes, arbustos e pequenas árvores que em geral se caracterizam por suas folhas grossas e suculentas com margem espinhosa (Smith & Steyn, 2004SMITH, G.F.; STEYN, E.M.A. Taxonomy of Aloaceae. In: REYNOLDS, T. (Ed.). Aloes: The genus Aloe. Boca Raton: CRC Press, 2004. p.15-30.; Grace et al., 2010GRACE, O.M.; et al. Chemosystematic evaluation of Aloe section Pictae (Asphodelaceae). Biochemical Systematics and Ecology, v.38, p.57-62, 2010.). A maioria das espécies de Aloe ocorre no sudeste do continente Africano, na Península Arábica e nas ilhas do Oceano Índico (Newton, 2004NEWTON, L.E. 2004. Aloes in habitat. In: REYNOLDS, T. (Ed.). Aloes: The genus Aloe. Boca Raton: CRC Press, 2004. p.1-14.; Grace et al., 2010GRACE, O.M.; et al. Chemosystematic evaluation of Aloe section Pictae (Asphodelaceae). Biochemical Systematics and Ecology, v.38, p.57-62, 2010.). Sendo Sudáfrica com ± 140 espécies, o país com maior diversidade de Aloe no continente Africano (Klopper et al., 2009KLOPPER, R.R.; et al. The genus Aloe L. (Asphodelaceae: Alooideae) in the Free State Province of South Africa. Haseltonia, v.15, p.41–52, 2009.). A espécie Aloe vera tem sido comercializada desde o século IV a.C., resultando na sua distribuição ao longo das rotas comerciais desde a Península Arábica para o Mediterrâneo, o subcontinente indiano, as Américas e o Caribe, onde foi naturalizada (Grace, 2011GRACE, O.M. Current perspectives on the economic botany of the genus Aloe L. (Xanthorrhoeaceae). South African Journal Of Botany, v.77, p.980 – 987, 2011.). No entanto, são poucas as espécies do gênero Aloe que se tornaram invasores fora de suas distribuições naturais (Grace, 2011GRACE, O.M. Current perspectives on the economic botany of the genus Aloe L. (Xanthorrhoeaceae). South African Journal Of Botany, v.77, p.980 – 987, 2011.). No Brasil, esse táxon foi introduzido e os representantes são empregados como ornamentais e medicinais (Souza & Lorenzi, 2008SOUZA, V.C.; LORENZI, H. Botânica sistemática. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2008. 704p.).

Devido à grande diversidade do gênero e às várias formas pelas quais as Aloes são valorizadas no mundo, são necessárias medidas de conservação efetivas e enfoques políticos para essas espécies sejam usadas de forma sustentável (Grace, 2011GRACE, O.M. Current perspectives on the economic botany of the genus Aloe L. (Xanthorrhoeaceae). South African Journal Of Botany, v.77, p.980 – 987, 2011.). Os membros do gênero Aloe têm grande variedade de usos comerciais (Mascola et al., 2004MASCOLA, N.; IZZO, A.; BORRELLI, F.; CAPASSO, R. Healing powers of Aloes. In: REYNOLDS, T. (Ed.). Aloes: The genus Aloe. Boca Raton: CRC Press, 2004. p.210-40.). Sua atração estética, a relativa facilidade de cultivo, e a capacidade de hibridizar, dotaram as plantas desse gênero de uma popularidade significativa na horticultura (Van Wyk & Smith, 2008VAN WYK, B.-E.; SMITH, G. Guide to the Aloes of South Africa. Pretoria: Briza Publications, 2008.). Embora A. vera seja uma espécie muito pesquisada e explorada, existem outras espécies do gênero que podem ter potenciais valores econômicos e medicinais. Por exemplo, Aloe saponaria sinônimo de A. maculataAll. (Eggli et al., 2001EGGLI, U.; NEWTON, L.E.; ROWLEY, G.D. CITES Aloe and Pachypodium Checklist. London: Royal Botanic Gardens, 2001. 165p.), é uma boa alternativa da A. vera no uso antifúngico para manter a qualidade dos frutos de várias espécies (Zapata et al., 2013ZAPATA, P.J.; et al. Characterisation of gels from different Aloe spp. as antifungal treatment: Potential crops for industrial applications. Industrial Crops and Products, v.42, p.223–230, 2013.). Trabalhos relacionados ao uso farmacológico, mostram que essa espécie pode ser útil para o estudo do dano oxidativo nas células e tecidos (Yoo et al., 2008YOO, E.A; et al. Evaluation of antioxidant, antinociceptive, and anti-inflammatory activities of ethanol extracts from Aloe saponaria Haw. Phytotherapy Research, v.22, p.1389–1395, 2008.), para contribuir na inibição da proliferação de células tumorais (Sampedro et al., 2004SAMPEDRO, C.M.; et al. Mannan from Aloe saponariainhibits tumoral cell activation and proliferation. International Immunopharmacology, v.4, p.411–418, 2004.) e como anti-inflamatório nas lesões térmicas (Silva et al., 2013SILVA M.A.; et al. Antinociceptive and antiinflammatory effects of Aloe saponaria Haw on thermal injury in rats. Journal of Ethnopharmacology, v.146, p.393–401, 2013.).

Assim como outros gêneros muito diversos, estudos completos e detalhados da taxonomia e biologia de Aloe são difíceis, e até hoje a pesquisa tem focado em subconjuntos geográficos ou taxonômicos (Grace, 2011GRACE, O.M. Current perspectives on the economic botany of the genus Aloe L. (Xanthorrhoeaceae). South African Journal Of Botany, v.77, p.980 – 987, 2011.). Dessa forma, trabalhos relacionados à biologia reprodutiva, têm sido realizados principalmente na África (Symes & Nicolson, 2008SYMES, C.T.; NICOLSON, S.W. Production of copious dilute nectar in the bird-pollinated African succulent Aloe marlothii. South African Journal of Botany, v.74, p.598-605, 2008.; Botes et al., 2009BOTES, C.; et al. The birds and the bees: using selective exclusion to identify effective pollinators of African tree Aloes. International Journal of Plant Science, v.170, n.2, p.151–156, 2009.; Hargreaves et al., 2010HARGREAVES, A.L.; et al. Native pollen thieves reduce the reproductive success of a hermaphroditic plant, Aloe maculata. Ecology, v.91, n.6, p.1693–1703, 2010., 2012HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012.,), sendo poucos com espécies naturalizadas fora do local de origem (Imery-Buiza & Cárdenas-Ramírez, 2006IMERY-BUIZA, J.; CÁRDENAS-RAMÍREZ, Y. Durabilidad de la capacidad germinativa del pólen de Aloe vera (L.) Burm. F. y A. saponaria Haw. Revista UDO Agricola, v.6, n.1, p.67-75, 2006.; 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.; Velásquez-Arenas & Imery-Buiza, 2008VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008.). Considerando que o sistema reprodutivo das plantas é resultado da interação das suas próprias características reprodutivas com o ambiente (Dafni et al., 2005DAFNI, A.; KEVAN, P.G.; HUSBAND, B.C. (Eds.). Practical Pollination Biology. Cambridge: Enviroquest, Ltd., 2005. 590p.), são necessárias informações básicas que permitam uma melhor compreensão das formas de dispersão e das causas do sucesso das espécies em ambientes não-nativos. Por exemplo, populações naturais de A. vera na África têm frutificação bem sucedida, ao contrário das populações naturalizadas na Venezuela, que não formam frutos apesar de ocorrer visitas frequentes de numerosos polinizadores (Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.). Da mesma forma, estudos indicam que autopolinizações artificiais sugerem autocompatibilidade na espécie A. saponaria quando está fora do local de origem (Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.). Porém, avaliações realizadas em Sudáfrica, indicam que essa espécie, entre outras Aloe parece ser autoincompatível (Hargreaves et al., 2012HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012.).

O conhecimento da biologia floral, e do sistema reprodutivo, são aspectos essenciais para a compreensão da biologia reprodutiva de determinada espécie. Essas informações sugerem como os genes são recombinados e mantidos para a perpetuação da variabilidade genética (Sebbenn et al., 1999SEBBENN, A.M.; et al. Variação genética entre e dentro de populações de amendoim - Pterogyne nitens. Scientia Florestalis, n.56, p.29-40, 1999.), considerando, que nas populações com reprodução assexuada proporciona-se indivíduos genotipicamente idênticos; nas populações autógamas os gametas que se unem provêm da mesma planta, produzindo consequentemente plantas homozigotas; e nas populações alógamas há uma recombinação genética constante, já que os gametas provêm de indivíduos distintos, originando plantas heterozigotas (Bueno et al, 2006BUENO, L.C.DE S.; MENDES, A.N.G.; CARVALHO, S.P. Melhoramento genético de plantas: princípios e procedimentos. 2. ed. Lavras: UFLA, 2006. 319p.). Desta maneira, esse tipo de informações sobre A. saponaria, permitiriam aprimorar os cruzamentos em programas de melhoramento genético do gênero Aloe, permitiriam desenvolver programas de conservação e inclusive poderiam oferecer estratégias de cultivo para produção com fins medicinais no Brasil. Neste sentido, e considerando o escasso conhecimento sobre a biologia reprodutiva do gênero Aloe no sul do Brasil, e a sua importância medicinal e agroindustrial, o objetivo deste trabalho foi analisar as características e o comportamento reprodutivo da espécie A. saponaria em população ex-situ localizada em Florianópolis (Santa Catarina).

MATERIAL E MÉTODOS

Área de Estudo

Os estudos foram conduzidos no Centro de Treinamento da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – Epagri, (área sob influência antrópica) localizado no município de Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina (27°34’49’’ S; 48°30’22’’ O). O clima se enquadra no tipo Cfa na classificação de Köppen (1948)KÖPPEN, W. Climatologia. México: Fondo de Cultura Económica, 1948. 478p., com temperaturas médias anuais de 22ºC, 1.600mm de precipitação pluviométrica e 82% de umidade relativa do ar (Cecca, 1997CENTRO DE ESTUDOS CULTURA E CIDADANIA - CECCA. Uma cidade numa ilha. Florianópolis: Ed. Insular, 1997. 248p.). O material testemunho de A. saponaria (Aiton) Haw. (Xanthorrhoeaceae), está depositado como exsicata no Herbário FLOR/CCB/UFSC no 51448.

Morfologia e biologia floral

O comprimento das inflorescências foi medido em 10 indivíduos, desde a base da panícula até o ápice. Foram realizados a contagem de inflorescências por planta e o número de flores por inflorescência. A duração da abertura floral por inflorescência foi determinada tomando a data da abertura da primeira e da última flor na mesma inflorescência. O comprimento e diâmetro do botão floral foram determinados com um paquímetro digital, em 30 flores. O número de anteras por flor foi quantificado em 30 flores em estádio de pré antese.

Para determinar o número de grãos de pólen por antera, foi utilizada a metodologia adaptada de Petri et al. (1976)PETRI, J.L. Número de grãos de pólen por antera em diversas cultivares de macieira (Malus Sylvestris). Anais do terceiro Congresso Brasileiro de Fruticultura, Campinas: Sociedade Brasileira de Fruticultura, 1976. p. 467-471.. Quatro anteras por flor (em pré-antese) foram mergulhadas em 500 µL de ácido lático (80%), maceradas e agitadas para manter os grãos de pólen em suspensão. Foi retirada uma gota de 1,5 µL e depositada em uma lâmina reticulada, para a contagem total no microscópio óptico. Foram utilizadas 30 flores, totalizando 30 contagens. O número de grãos de pólen por antera foi calculado utilizando a fórmula:

Onde, N é o número de grãos de pólen por antera e X é o número de grãos de pólen contados por lâmina.

Foram realizados cortes longitudinais e transversais do ovário de 30 flores para determinar o número de óvulos por flor. A razão pólen/óvulo foi obtida dividindo o número de grãos de pólen pelo número de óvulos por flor (Cruden, 1977CRUDEN, R.W. Pollen-ovule ratio: a conservative indicator of breeding system in flowering plants. Evolution, v.31, p.32-46, 1977.).

O volume do néctar (Dafni, 1992DAFNI, A. Pollination ecology - A practical approach.Oxford: Oxford University Press, 1992. 250p.), foi determinado com o auxílio de tubos microcapilares de 20μL. Foram ensacadas 50 flores na pré-antese e após 24 horas foi avaliado o néctar potencial. O néctar instantaneamente disponível foi avaliado em dois horários: 9:00h e 15:00h, sendo utilizadas 30 flores não ensacadas em cada coleta. A concentração de sólidos solúveis totais (°Brix) do néctar foi medida com um refratômetro portátil com escala de 0 a 30°Brix (Bellingham & Stanley, modelo Eclipse).

A receptividade do estigma foi testada utilizando peróxido de hidrogênio a 10% (Galen & Plowright, 1987GALEN, C.; PLOWRIGHT, R.C. Testing the accuracy of using peroxidase actity to indicate stigma receptive. Canadian Journal of Botany, v.65, p.11-107, 1987.), sendo considerado receptivo o estigma que apresentou reação de efervescência observada em estereomicroscópio. Foram avaliados quatro estádios maturação da flor: dia da antese, um dia, dois dias e três dias após a antese.

Visitantes florais

As observações foram realizadas durante quatro dias, em períodos de 30 minutos, das 8:00h até às 18:00h, com intervalos regulares de duas horas (Sakagami et al., 1967SAKAGAMI, S.F.; LAROCA, S.; MOURE, J.S. Wild bee biocenotics in São José dos Pinhais (PR) South Brazil. Preliminary report. Journal of the Faculty of Science, Hokkaido University. Series 6, Zoology, v.16 n.2, p.253-291, 1967.). Foram considerados visitantes florais legítimos somente aqueles que tocavam a antera ou estigma. Os insetos coletados foram transferidos para um tubo mortífero contendo cianeto de potássio e posteriormente congelados a -24°C. Estes foram identificados através de consulta a bibliografia especializada (Silveira et al., 2002SILVEIRA, F.A.; MELO, G.A.R.; ALMEIDA, E.A.B. Abelhas Brasileiras: sistemática e identificação. Belo Horizonte: Fernando A. Silveira, 2002. 254p.; Michener, 2007MICHENER, C.D. The bees of the world. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007. 913p.). Os espécimes foram depositados no Museu entomológico do Laboratório de Entomologia Agrícola da Universidade Federal de Santa Catarina.

Sistema Reprodutivo

Foram realizados testes de polinização manual em 10 inflorescências de 10 indivíduos distintos empregando-se os seguintes tratamentos: 1) Polinização aberta: flores sob condições naturais; 2) Autopolinização espontânea: flores ensacadas no dia em que antecedeu a antese; 3) Autopolinização manual: flores emasculadas e polinizadas com pólen proveniente de flores da mesma planta na pré-antese; 4) Polinização cruzada manual: flores emasculadas e polinizadas com pólen proveniente de plantas distintas na pré-antese; 5) Partenocarpia: flores emasculadas e ensacadas na pré-antese. A frutificação efetiva foi avaliada 30 dias após a polinização.

Para analisar o crescimento do tubo polínico, foram coletados pistilos polinizados a cada duas horas, até completar 10 horas após a polinização. Os pistilos foram fixados em FAA (5ml de formol, 5ml de Ácido Acético e 90ml de álcool 70%) por um período de 24 horas. Em seguida permaneceram em NaOH 9N por 15 minutos e posteriormente foram lavados três vezes com água destilada. O material foi transferido para uma lâmina com azul de anilina e observado em microscópio de epiflorescência, com filtros na faixa de 450 nm.

Analises estatística

Os dados foram apresentados como média (X) ± desvio padrão (SD). Quando necessário foram submetidos ao teste de Shapiro-Wilk e teste de Bartlett para verificar a normalidade e homocedasticidade, respectivamente. Para determinar diferencias entre as variáveis foi realizada a análise de variância (ANOVA) (P<0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Morfologia floral

A planta de A. saponaria, forma apenas uma inflorescência ramificada, que tende a ser densamente florida e colorida. Foram emitidas 267 ± 92,7 flores por inflorescência, com um período de abertura floral de aproximadamente 14 dias (Tabela 1). As flores apresentaram sua antese ao longo do dia, o que permitiu aos visitantes florais encontrar flores em vários estádios fenológicos na mesma inflorescência. As flores encontraram-se dirigidas para baixo durante a floração, são actinomorfas, hermafroditas e tubulares de coloração laranja-vermelhada, sendo o ápice das tépalas de cor amarela. As flores são levemente avultadas na região basal, onde apresentam um diâmetro médio de 6,4 ± 0,4 mm (Figura 1a). Cada flor apresenta em média 356.216,6 grãos de pólen, distribuídos em 6 anteras basifixas com deiscência longitudinal. O ovário é supero, alongado, trilocular, apresentando duas filas de óvulos por lóculo (Figura 1b, 1c).

TABELA 1
Características morfológicas das inflorescências de Aloe saponaria em Florianópolis, Santa Catarina. Valores médios (X) ± desvio padrão (SD). SST: de sólidos solúveis totais.
FIGURA 1
Flores de Aloe saponaria em Florianópolis, Santa Catarina. a. Flores tubulares levemente avultadas na região basal (seta); b. Corte transversal do ovário trilocular (setas); c. Visão longitudinal do ovário mostra as duas filas (setas) de óvulos presentes em cada lóculo; d-e.Imagem no microscópio de epifluorescência: d. Estigma com grãos de pólen sem germinar após 2 horas da polinização; e.Estigma com grãos de pólen sem germinar após 10 horas da polinização. Barras: a: 1cm; b-c: 1mm; d-e: 100μm

O número de flores por inflorescência é maior ao encontrado previamente para esta espécie naturalizada na Venezuela (Velásquez-arenas & Imery-Buiza, 2008VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008.). Porém, o comprimento e diâmetro das flores foram semelhantes (Velásquez-arenas & Imery-Buiza, 2008VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008.). Segundo Reynolds (1982)REYNOLDS, D.R. The Aloes of South Africa, 4.ed. Cape Town: A.A. Balkema, 1982. 538p., A. saponaria é inquestionavelmente o Aloe manchado mais variável de todos, devido provavelmente à ampla gama de condições nas quais é encontrada desde o nível do mar até 1800 metros de altitude.

A razão Pólen/óvulo foi de 4.608,2 : 1 caracterizando esta espécie como xenogâmica (Cruden, 1977CRUDEN, R.W. Pollen-ovule ratio: a conservative indicator of breeding system in flowering plants. Evolution, v.31, p.32-46, 1977.), ou seja, dependente da polinização cruzada para obter seu sucesso reprodutivo. O néctar potencial das flores apresentou um volume médio de 16,6 ± 6,3 µL com uma concentração de sólidos solúveis totais 22 ± 2,4 °Brix. As médias de produção de néctar instantâneo e a sua concentração de açúcares durante os períodos matutinos e vespertinos não apresentaram diferença significativa segundo a análise de variância (ANOVA) (P<0,05).

Os valores das concentrações de sólidos solúveis totais no néctar das flores para esta espécie foram similares aos encontrados por Velásquez-Arenas & Imery-Buiza (2008)VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008., sob as condições ambientais do bosque seco tropical. No presente trabalho, este recurso floral mostrou-se disponível em grandes quantidades durante o dia todo. Esta característica é vantajosa, pois permite aumentar o número de flores visitadas pelos polinizadores. A concentração parece estar relacionada com o volume de néctar produzido na flor. Por exemplo, Aloe marlothii também apresenta flores tubulares cor laranja a vermelha, porém, elas produzem uma quantidade de néctar muito alta (250 µL.flor-1) com uma concentração de 12% de sólidos solúveis totais (Symes & Nicolson, 2008). Em contraste as flores da espécie Aloe greatheadii var. davyanaproduzem menos néctar (33 µL.flor-1) com uma concentração mais elevada (21%) (Human & Nicolson, 2008HUMAN, H.; NICOLSON, S.W. Flower structure and nectar availability in Aloe greatheadii var. davyana: an evaluation of a winter nectar source for honeybees. International Journal of Plant Sciences, v.169, p.263–269, 2008.).

Pode-se observar uma baixa receptividade dos estigmas no dia da antese, a qual aumentou consideravelmente até o segundo dia após a abertura floral. A partir deste momento a receptividade começou a declinar, e no terceiro dia após a antese não foi identificada. Por outro lado, a liberação dos grãos de pólen iniciou junto com antese, sendo que o estigma se encontra mais receptivo após a deiscência das anteras. Isto ratifica a dicogamia nestas flores, de tipo protandria, reportado previamente para esta espécie por Velásquez-Arenas & Imery-Buiza (2008)VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008..

Visitantes florais

Segundo Xena & Madriz, (1994)XENA, N.; MADRIZ, R. Aspectos de la biología de polinización en el bosque enano de la cima del “Cerro Copey” (Isla Margarita). Acta Botánica Venezuelica, v.17, p.35-68, 1994. a cor amarela e laranja-vermelha nas flores permitem atrair um grupo variado de visitantes florais. Desta forma, nas inflorescências de A. saponaria foi coletado um total de 110 insetos, os quais pertencem a três ordens: Diptera, Hemiptera e Hymenoptera (Tabela 2). A ordem Hymenoptera foi a mais abundante com 104 insetos coletados (94,5%), os quais pertencem às famílias: Apidae, Halictidae e Vespidae. A espécie mais frequente foi Trigona (Trigona) spinipes, sendo responsável pelo 61,8% das visitas. Nas espécies A. vera e A. saponaria,Velásquez-Arenas & Imery-Buiza (2008)VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008.só encontraram visitantes florais da ordem Hymenoptera, sendo Apis mellifera a espécie que apresentou maior número de indivíduos. Segundo Hargreaves et al. (2012)HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012., as características florais específicas de cada espécie, especialmente a acessibilidade ao néctar e a dicogamia, controlam a eficiência das abelhas coletoras de pólen como polinizadores das espécies Aloe.

TABELA 2
Visitantes florais coletados sobre flores de Aloe saponaria em Florianópolis, Santa Catarina.

A espécie Trigona (Trigona) spinipes é considerada de caráter generalista (Johnson e Steiner, 2000JOHNSON, S.D.; STEINER, K.E. Generalization versus specialization in plant pollination systems. Trends in Ecology and Evolution, West Sussex, v.15, n.4, p.140-143, 2000.), com efeitos negativos sobre diversas espécies vegetais, devido a sua atividade pilhadora, realizando orifícios na base da corola para a extração ilegítima do néctar (Krieck et al., 2008KRIECK, C.; et al. Biologia reprodutiva de Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm. (Zingiberaceae) em Florianópolis, Santa Catarina. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.10, n.2, p.103-110, 2008.; Hargreaves et al., 2009HARGREAVES, A.L.; et al. Consumptive emasculation: the ecological and evolutionary consequences of pollen theft. Biological Reviews, v.84, p.259–276, 2009.). No entanto, durante as visitas às flores de A. saponaria, não foi observado este tipo de atividade, uma vez que os indivíduos de T. spinipes ingressavam pela abertura da corola e posteriormente saiam com uma massa de pólen aderida às corbículas das pernas posteriores, sendo evidente sua atividade coletora de pólen. Muller et al. (2006)MULLER, A.; et al. Quantitative pollen requirements of solitary bees: implications for bee conservation and the evolution of bee–flower relationships. Biological Conservation, v.130, p. 604–615, 2006. indicam que essa coleta é realizada para alimentar suas larvas. Provavelmente o maior impacto do comportamento destas abelhas está relacionado com sua eficiente capacidade de remoção do pólen, não obstante, fornece pouca ou nenhuma transferência de pólen entre plantas, deixando pouco pólen disponível para outros polinizadores (Thomson & Thomson, 1992THOMSON, J.D.; THOMSON, B.A. Pollen presentation and viability schedules in animal-pollinated plants: consequences for reproductive success. In: WYATT R. (Ed.). Ecology and evolution of plant reproduction. New York: Chapman and Hall, 1992. p.1-25.; Hargreaves et al., 2009HARGREAVES, A.L.; et al. Consumptive emasculation: the ecological and evolutionary consequences of pollen theft. Biological Reviews, v.84, p.259–276, 2009.). Na África, tem sido relatado que a atividade das abelhas pilhadoras, pode reduzir o sucesso reprodutivo das populações de A. maculata (Hargreaves et al., 2010HARGREAVES, A.L.; et al. Native pollen thieves reduce the reproductive success of a hermaphroditic plant, Aloe maculata. Ecology, v.91, n.6, p.1693–1703, 2010.), assim como em outras espécies de Aloe (Botes et al., 2009BOTES, C.; et al. The birds and the bees: using selective exclusion to identify effective pollinators of African tree Aloes. International Journal of Plant Science, v.170, n.2, p.151–156, 2009.).

O pico de visitação ocorreu das 12:00 às 12:30 com um total de 29 insetos coletados a uma temperatura média de 26,5 ± 1,5ºC (Figura 2). A diminuição da visitação ocorreu no final do dia (18:00 horas), período onde apresentou-se uma queda na temperatura. Segundo Vitali-Veiga & Machado (2001)VITALI-VEIGA, M.J.; V.L.L. MACHADO. Entomofauna visitante de Gleditsia triacanthos L. Leguminosae durante o seu período de floração. Bioikos, v.15, n.1, p.29-38, 2001., T. spinipes é um dos visitantes mais frequentes nas flores da leguminosa Gleditsia triacanthos, apresentando uma correlação significativa com a temperatura do ambiente, pois sua maior atividade foi observada durante as horas mais quentes do dia.

FIGURA 2
Número total de visitantes florais de Aloe saponariacoletados em intervalos de duas horas, durante 4 dias em Florianópolis, Santa Catarina.

Além dos insetos, foi observada uma espécie de beija-flor da família Trochilidae (Ordem: Apodiformes) visitando as flores de A. saponaria. Velásquez-Arenas & Imery-Buiza (2008)VELÁSQUEZ-ARENAS, R.; IMERY-BUIZA, J. Fenología reproductiva y anatomía floral de las plantas Aloe vera y Aloe saponaria (Aloaceae) en Cumaná, Venezuela. Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.56, n.3, p.1109-1125, 2008. observaram este tipo de aves como visitantes florais nessa espécie. Cronquist (1981)CRONQUIST, A. An integrated system of classification of flowering plants. New York: Columbia University Press, 1981. 1262p. sugere a síndrome de polinização ornitofílica para a maioria das espécies do gênero Aloe que apresentam flores de tamanho igual ou superior ao encontrado em A. saponaria. Segundo Johnson & Nicolson (2008)JOHNSON, S.D.; NICOLSON, S.W. Evolutionary associations between nectar properties and specificity in bird pollination systems. Biology Letters, v.4, p.49–52, 2008., as propriedades do néctar estão associadas com a especificidade da polinização por aves, sendo que flores que produzem um alto volume de néctar (40-100 µL.flor-1) e baixa concentração de sólidos solúveis totais (8-12%) atrai polinizadores generalistas, enquanto que um baixo volume de néctar (10-30 µL./flor-1) com maior concentração (15-25%), atrai nectarivoros especializados, como os beija-flores. Segundo Hargreaves et al. (2012)HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012., o comportamento do inseto pode limitar a quantidade e a qualidade do pólen depositado no estigma, considerando que os insetos se movem com menos frequência entre as plantas do que os pássaros.

Sistema Reprodutivo

Os resultados indicam a presença de incompatibilidade em A. saponaria, uma vez que as flores submetidas aos tratamentos de polinizações não formaram frutos. Isto pode ser explicado pela inibição da germinação do pólen e crescimento do tubo polínico, evidenciado mediante a microscopia de epifluorescência (Figura 1d; 1e). Portanto, além da protandria nesta espécie, existe outro mecanismo complementar, relacionado à incompatibilidade esporofítica, que regula a germinação do pólen e o crescimento do tubo polínico dentro do pistilo. A incompatibilidade esporofítica ocorre na superfície do estigma ou logo após sua penetração e está envolvida com substâncias secretadas na superfície das papilas estigmáticas (Bueno et al., 2006BUENO, L.C.DE S.; MENDES, A.N.G.; CARVALHO, S.P. Melhoramento genético de plantas: princípios e procedimentos. 2. ed. Lavras: UFLA, 2006. 319p.).

Estudos em populações naturais em Sudáfrica consideram A. saponaria uma espécie autoincompatível, devido a um mecanismo tardio que age no ovário (Hargreaves et al., 2012HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012.). Nas plantas Aloe, com sistemas de autoincompatibilidade de ação tardia, a autopolinização pode ser especialmente cara, já que leva à redução do óvulo, o que pode reduzir fortemente a produção de sementes (Hargreaves et al., 2012HARGREAVES A.L.; et al. Floral traits mediate the vulnerability of aloes to pollen theft and inefficient pollination by bees. Annals of Botany, v.109, p.761–772, 2012.). No entanto, a germinacão do pólen, também pode estar relacionada com a existência de algumas anormalidades genéticas na microsporogênese referidas previamente para o gênero Aloe (Imery & Cequea, 2002IMERY, J.; CEQUEA, H. Anormalidades cromosómicas en la microsporogénesis de Aloe vera (L.) Burm.f. (Aloaceae). Acta Botánica Venezuelica, v.25, p.143-152, 2002.; Imery-Buiza, 2007IMERY-BUIZA, J. Inestabilidad cariológica durante la formación de células madres del polen en Aloe vera (Aloaceae). Revista de Biología Tropical (International Journal of Tropical Biology and Conservation ISSN-0034-7744) v.55, n.3-4, p.805-813, 2007.), as quais são favorecidas pela acumulação de mutações através da propagação assexual (Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.).

A espécie A. saponaria é considerada xenogâmica, uma vez que Cruden (1977)CRUDEN, R.W. Pollen-ovule ratio: a conservative indicator of breeding system in flowering plants. Evolution, v.31, p.32-46, 1977. assinala que este tipo de sistema reprodutivo, está relacionado com plantas geralmente autoincompatíveis, que apresentam protandria, e que requerem de polinizadores para seu sucesso reprodutivo. De acordo com isso, vários autores citam que a maioria das espécies do gênero Aloe são autoincompatíveis e protandricas (Newton, 2004NEWTON, L.E. 2004. Aloes in habitat. In: REYNOLDS, T. (Ed.). Aloes: The genus Aloe. Boca Raton: CRC Press, 2004. p.1-14.; Smith & Steyn, 2004SMITH, G.F.; STEYN, E.M.A. Taxonomy of Aloaceae. In: REYNOLDS, T. (Ed.). Aloes: The genus Aloe. Boca Raton: CRC Press, 2004. p.15-30.; Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.) e dependem de visitantes florais para a polinização (Botes et al., 2009BOTES, C.; et al. The birds and the bees: using selective exclusion to identify effective pollinators of African tree Aloes. International Journal of Plant Science, v.170, n.2, p.151–156, 2009.). Contudo, a ausência de frutificação em A. saponaria não foi consequência da falta de polinizadores, visto que no local de estudo observamos a presença de visitantes florais que transportaram o pólen até o estigma. Populações naturais da espécie A. vera na África formam frutos com sementes (Carter, 1994CARTER, S. Flora of tropical east Africa, Aloaceae.U.K.: Royal Botanic Garden, 1994. 61p.), porém, populações de A. vera naturalizadas na Venezuela, não frutificam, apesar de ocorrer a visitação de numerosos polinizadores durante a floração. Isto indica que as diferenças de latitude e as condições climáticas no local de estudo podem incidir sobre o desenvolvimento floral, características do pólen ou receptividade do pistilo (Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.). Além disso, também influencia a menor diversidade genética dentro de suas populações considerando que as plantas estão localizadas fora do centro de origem primário (Imery-Buiza & Cequea-Ruiz, 2008IMERY-BUIZA, J.; CEQUEA-RUIZ, H. Autoincompatibilidad y protandría en poblaciones naturalizadas de Aloe vera de la Península de Araya – Venezuela. Polibotánica, v.26, n.2, p.113-125, 2008.).

Plantas de A. vera introduzidas em algumas outras regiões do mundo apresentam propagação exclusivamente vegetativa (Natali et al., 1990NATALI, L.; CASTORENA, I.; CAVALLINI, A. In vitro culture of Aloe barbadensis Mill. micropropagation from vegetative meristems. Plant Cell, Tissue & Organ Culture, v.20, p.71-74, 1990.). Este modo de reprodução tende a predominar em ambientes que são desfavoráveis para o recrutamento sexual e tem consequências ecológicas sobre a fecundidade, especialmente em plantas autoincompatíveis (Eriksson 1993ERIKSSON, O. Dynamics of genets in clonal plants. Trends in Ecology & Evolution, v.8, p.313–316, 1993.; Vallejo-Marín et al. 2010VALLEJO-MARÍN, M.; et al. The ecological and evolutionary consequences of clonality for plant mating. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, v.41, p.193-213, 2010.). A propagação vegetativa leva a uma redução da variabilidade nas populações de Aloe naturalizadas (Imery & Cequea 2002IMERY, J.; CEQUEA, H. Anormalidades cromosómicas en la microsporogénesis de Aloe vera (L.) Burm.f. (Aloaceae). Acta Botánica Venezuelica, v.25, p.143-152, 2002.; Albornoz & Imery, 2003ALBORNOZ, A.A.; IMERY, B.J. Evaluación citogenética de ocho poblaciones de Aloe vera L. de la península de Araya-Venezuela. Ciencia, v.11, n.1, p.5-13, 2003.) e consequentemente, torna essas populações mais vulneráveis à doenças e pragas, prejudicando sua capacidade de se adaptarem às mudanças ambientais.

A combinação desses fenômenos biológicos restringe a reprodução sexual de A. saponaria em Florianópolis, onde provavelmente sua população tem se estabelecido principalmente pela propagação vegetativa a partir de um ou poucos espécimes introduzidos na região. Nesse caso, promover novas combinações genéticas mediante cruzamentos interespecíficos seria uma estratégia para favorecer o aumento da variabilidade genética das Aloe no local estudado.

CONCLUSÃO

Apesar da produção considerável de néctar, a presença de polinizadores, e a receptividade do estigma na população ex-situ de A. saponaria em Florianópolis, não houve frutificação efetiva. Isto pode estar relacionado com outros fatores, como a existência de um mecanismo de autoincompatibilidade esporofítica, a presença de anormalidades cromossômicas no pólen, as condições climáticas, ou a escassa variabilidade genética no local de estudo. Consequentemente, as expectativas da reprodução sexual nessa população de A. saponaria, são reduzidas, limitando o recrutamento de novos indivíduos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2014
  • Aceito
    08 Jan 2015
Sociedade Brasileira de Plantas Medicinais Sociedade Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Farmácia, Bloco T22, Avenida Colombo, 5790, 87020-900 - Maringá - PR, Tel: +55-44-3011-4627 - Botucatu - SP - Brazil
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