Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação topográfica das articulações sacroilíacas por ressonância magnética em pacientes com espondiloartrite axial Trabalho desenvolvido no Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI), Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

Resumo

Objetivo:

Avaliar as características de imagem das espondiloartrites na ressonância magnética (RM) das articulações sacroilíacas (SI) quanto à topografia (em terços) e margem acometida, uma vez que esse aspecto é pouco abordado na literatura.

Métodos:

Estudo transversal com avaliação por RM (1,5 T) das SI em 16 pacientes com diagnóstico de espondiloartrite axial quanto à presença de alterações agudas (edema ósseo subcondral, entesite, sinovite e capsulite) e crônicas (erosões, esclerose óssea subcondral, ponte óssea e substituição gordurosa), feita por dois radiologistas, cegos para os dados clínicos. Os achados da RM foram correlacionados com dados clínicos, incluindo idade, tempo de doença, medicações, HLA-B27, BASDAI, ASDAS-VHS e ASDAS-PCR, BASMI, BASFI e mSASSS.

Resultados:

Padrão de edema ósseo e erosões apresentaram predomínio no terço superior das SI (p = 0,050 e p = 0,0014, respectivamente). Houve correlação entre o tempo de doença e alterações estruturais por terço acometido (p = 0,028-0,037), bem como a presença de pontes ósseas com o BASMI (p = 0,028) e o mSASSS (p = 0,014). Pacientes com osteíte no terço inferior apresentaram maiores valores de ASDAS (VHS: p = 0,011 e PCR: p = 0,017).

Conclusão:

As alterações inflamatórias crônicas e o padrão de edema ósseo predominaram no terço superior das SI, mas também havia acometimento concomitante dos terços médio ou inferior da articulação. A localização do acometimento no terço superior das SI se mostra insuficiente para a diferenciação entre degeneração e inflamação.

Palavras-chave
Ressonância magnética; Articulações sacroilíacas; Espondiloartrite; Sacroiliíte; Avaliação topográfica

Abstract

Objective:

To evaluate the imaging features of spondyloarthritis in magnetic resonance imaging (MRI) of the sacroiliac (SI) joint and topography (in thirds) and affected margin, considering that this issue is rarely addressed in the literature.

Methods:

A cross-sectional study evaluating MRI (1.5 T) of SI in 16 patients with axial spondyloarthritis, for the presence of acute (subchondral bone edema, enthesitis, synovitis and capsulitis) and chronic (erosions, subchondral bone sclerosis, bony bridges, and fatty infiltration) changes, performed by two blinded radiologists. MRI findings were correlated with clinical data, including age, duration of disease, medications, HLA-B27, BASDAI, ASDAS-ESR and ASDAS-CRP, BASMI, BASFI, and mSASSS.

Results:

Bone edema pattern and erosions were predominant in the upper third of SI (p = 0.050 and p = 0.0014, respectively). There was a correlation between disease duration and structural changes by affected third (p = 0.028-0.037), as well as between the presence of bone bridges with BASMI (p = 0.028) and mSASSS (p = 0.014). Patients with osteitis in the lower third showed higher values for ASDAS (ESR: p = 0.011 and PCR: p = 0.017).

Conclusion:

Chronic inflammatory changes and the pattern of bone edema predominated in the upper third of SI, but a simultaneous involvement of middle or lower thirds of the joint was also noted. The location of involvement in the upper third of SI is insufficient to differentiate between degeneration and inflammation.

Keywords:
Magnetic resonance imaging; Sacroiliac joints; Spondyloarthritis; Sacroiliitis; Topographic evaluation

Introdução

As espondiloartrites (EpA) representam um grupo de doenças com prevalência de 0,5 a 1,9% e que englobam espondilite anquilosante, artrite psoriásica, artrite associada à doença inflamatória intestinal, artrite reativa e formas indiferenciadas. Além disso, têm associação genética com o antígeno leucocitário humano (HLA) B27 e pode ocorrer sobreposição das formas clínicas em um mesmo paciente ou em parentes de primeiro grau.11 Mager AK, Althoff CE, Sieper J, Hamm B, Hermann KG. Role of whole-body magnetic resonance imaging in diagnosing early spondyloarthritis. Eur J Radiol. 2009;71:182-8.,22 Rudwaleit M, van der Heijde D, Khan MA, Braun J, Sieper J. How to diagnose axial spondyloarthritis early. Ann Rheum Dis. 2004;63:535-43.

A radiografia convencional (Rx) é inadequada para o diagnóstico da doença no seu estágio inicial, principalmente antes do aparecimento de lesão estrutural, uma vez que não detecta lesões inflamatórias agudas e pode ocasionar atraso do diagnóstico em 8 a 11 anos, em média.11 Mager AK, Althoff CE, Sieper J, Hamm B, Hermann KG. Role of whole-body magnetic resonance imaging in diagnosing early spondyloarthritis. Eur J Radiol. 2009;71:182-8.,33 Weber U, Hodler J, Kubik RA, Rufibach K, Lambert RG, Kissling RO, et al. Sensitivity and specificity of spinal inflammatory lesions assessed by whole-body magnetic resonance imaging in patients with ankylosing spondylitis or recent-onset inflammatory back pain. Arthritis Rheum. 2009;61:900-8.

Devido às dificuldades diagnósticas pela sobreposição de quadros clínicos de sacroiliíte mecânica e inflamatória, o estudo topográfico das EpA pela ressonância magnética (RM) pode auxiliar no esclarecimento dessa lacuna na literatura.

Este trabalho teve o intuito de descrever as características topográficas do envolvimento das articulações sacroilíacas, por meio da RM, de forma a auxiliar a diferenciação entre o acometimento inflamatório e mecânico, uma vez que esses aspectos são pouco abordados na literatura, e correlacionar os dados clínicos e laboratoriais com os achados de imagem.

Material e métodos

Foi feito estudo observacional transversal que envolveu 16 pacientes provenientes do Ambulatório de Espondiloartrites da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foram incluídos pacientes com diagnóstico de EpA axial, conforme os critérios de classificação propostos pela Assessment of Splondyloarthritis International Society (ASAS), e que foram encaminhados para RM das articulações sacroilíacas (24 pacientes). Foram excluídos os pacientes que não apresentavam alterações na RM das articulações sacroilíacas e aqueles com dados laboratoriais incompletos; restaram 16 pacientes. Desses, 12 tinham diagnóstico de espondilite anquilosante e quatro de espondiloartrite axial não radiográfica. Os exames foram analisados por dois radiologistas do Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI) da UNIFESP com especialização em musculoesquelético com 5 e 15 anos de experiência (MRC e EAF), separadamente, e cegos para os dados clínicos, e os casos em que houve desacordo foram decididos em consenso.

Os exames de RM foram realizados no DDI-UNIFESP, em aparelhos de 1,5 T, Siemens (Siemens Medical Solutions, Erlangen, Germany) e Philips (Gyroscan; Philips, Eindhoven, The Netherlands), com matriz que variou de 320 × 70 a 320 × 90. Todas as aquisições foram feitas com 4 mm de espessura. A avaliação das imagens foi feita em monitor de vídeo padrão com resolução de 1024 × 768 pixel e 32-bits.

O protocolo de rotina usado na região sacroilíaca foi: localizador de três planos, coronal short-tau Inversion Recovery (STIR), coronal T1, axial T2 com saturação do sinal da gordura (fat-sat) e axial T1. Após a injeção de contraste paramagnético intravenoso (IV), foram realizados cortes axiais e coronais ponderados em T1 fat-sat.

Na RM, foram estudadas as alterações inflamatórias agudas e crônicas das articulações sacroilíacas, que foram divididas em três terços: o superior, acima do primeiro forame sacral; o médio, entre os dois primeiros forames sacrais; e o inferior, abaixo do segundo forame sacral (figura 1).

Figura 1
Desenho esquemático da divisão em terços feita para a avaliação dos achados de imagem.

Em relação às alterações agudas, foi verificada e topografada a presença de osteíte, caracterizada por edema ósseo subcondral (alto sinal nas sequências sensíveis a líquido e realce pelo meio de contraste). Além disso, foram verificados sinais de capsulite, entesite e sinovite que, sem osteíte associada, não são suficientes para assegurar o diagnóstico de sacroiliíte em atividade, definidos com base na resolução da Outcome Measures in Rheumatology Clinical Trials (OMERACT) 10:44 Rudwaleit M, Jurik AG, Hermann KG, Landewe R, van der Heijde D, Baraliakos X, et al. Defining active sacroiliitis on magnetic resonance imaging (MRI) for classification of axial spondyloarthritis: a consensual approach by the ASAS/OMERACT MRI group. Ann Rheum Dis. 2009;68:1520-7.

  • Capsulite: alto sinal no STIR e/ou na sequência T1 fat-sat após contraste IV na cápsula anterior ou posterior. Pode apresentar extensão medial e/ou lateral para o periósteo adjacente.

  • Entesite: alto sinal no STIR e/ou no T1 fat-sat após contraste IV nos locais em que ligamentos e tendões se inserem nos ossos, incluindo o espaço retroarticular (ligamentos interósseos). A alteração de sinal pode estender-se para a medular óssea e as partes moles adjacentes.

  • Sinovite: alto sinal no T1 fat-sat após contraste IV na porção sinovial das sacroilíacas (intensidade de sinal semelhante à dos vasos sanguíneos).

As lesões crônicas nas articulações sacroilíacas foram caracterizadas pela presença de erosões, esclerose óssea subcondral, pontes ósseas e substituição gordurosa, conforme estabelecido pelo ASAS.55 Sieper J, Rudwaleit M, Baraliakos X, Brandt J, Braun J, Burgos-Vargas R, et al. The Assessment of SpondyloArthritis international Society (ASAS) handbook: a guide to assess spondyloarthritis. Ann Rheum Dis. 2009;68(Suppl. 2):ii1-44.

Por meio da análise dos prontuários, foram verificados os seguintes dados clínicos: idade, sexo, cor da pele, tempo de doença, uso contínuo de anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) e outras drogas modificadoras do curso de doença (DCMDs), como sulfassalazina e bloqueadores do fator de necrose tumoral (anti-TNF), pesquisa do HLA-B27 e instrumentos específicos para a avaliação da atividade da doença (BASDAI -Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index e ASDAS - Ankylosing Spondylitis Disease Activity Score, com PCR - proteína C reativa - e VHS - velocidade de hemossedimentação), mobilidade (BASMI - Bath Ankylosing Spondylitis Metrology Index) e função (BASFI - Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index), bem como dano estrutural (mSASSS - Modified Stoke Ankylosing Spondylitis Spine Score).

Os achados de RM foram confrontados entre si e com os dados clínicos obtidos do prontuário, correlacionaram-se os dados relativos à atividade de doença (BASDAI, BASFI, ASDAS-VHS e ASDAS-PCR com os achados agudos à RM) e tempo de doença e testes clínicos associados com cronicidade (BASMI e mSASSS) com os achados crônicos à RM.

Para as variáveis categóricas foram usados os testes qui-quadrado e exato de Fisher e para as variáveis numéricas, o teste t de Student para amostras independentes. Com a finalidade de avaliar, de modo concomitante, a associação entre as variáveis categóricas (uso de medicações e alterações das articulações sacroilíacas à RM) e numéricas (tempo de doença, BASDAI, ASDAS-PCR, ASDAS-VHS, BASMI, BASFI, mSASSS), foi feita a análise de clusters por meio do teste t de Student. O nível de significância (valor de p) considerado foi de 0,05.

Resultados

O grupo de pacientes estudado foi composto de 11 homens e cinco mulheres, com média de idade de 46,4 anos e tempo médio de doença de 8,6 anos.

A pesquisa do HLA-B27 foi positiva em nove (56,3%) dos pacientes, negativa em seis (37,5%) e indisponível em um deles (6,3%). Os dados demográficos, clínicos e laboratoriais são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas, clínicas e laboratoriais

Em relação à topografia dos achados à RM, o terço superior foi o mais acometido, tanto pelo edema ósseo (p = 0,049) como pelas alterações crônicas (p = 0,0014). No caso das alterações agudas, o segundo terço mais acometido foi o inferior e, no caso das crônicas, o médio.

Houve correlação estatisticamente significante entre as alterações do terço superior, médio e inferior em relação ao edema na face ilíaca (p = 0,050), isto é, quando a alteração estava presente no terço superior da borda ilíaca, também estava nos terços médio ou inferior. O mesmo não ocorreu em relação ao edema na margem sacral, em que dois pacientes apresentaram edema isolado no terço superior, ou quando foram consideradas as faces ilíaca e sacral conjuntamente.

Alterações agudas foram observadas em quase 60% dos pacientes. O achado mais frequente foi o edema ósseo (n = 6; 37,5%; cinco na face sacral e quatro na face ilíaca; figs. 1 e 2), seguido da sinovite (n = 5; 31,2%) e da entesite (n = 4; 25%; fig. 2). Capsulite não foi observada.

Figura 2
A, corte coronal de RM ponderada em T2 com saturação do sinal de gordura evidencia edema da medular óssea nos terços superior e médio das articulações sacroilíacas (setas); B, corte axial de RM ponderada em T2 com saturação do sinal de gordura evidencia esclerose óssea no terço superior das articulações sacroilíacas (setas). Observam-se edema subcondral na face sacral direita (cabeças de seta) e entesite bilateral (asteriscos).

As alterações crônicas foram observadas na grande maioria dos pacientes (n = 14; 87,5%). Os achados em ordem decrescente de frequência foram: erosões (n = 13; 81,2%), esclerose subcondral (n = 6; 37,5%; fig. 2), substituição gordurosa (n = 5; 31,2%) e ponte óssea (n = 2; 12,5%).

Os pacientes com sinais de osteíte no terço inferior apresentaram maiores valores de ASDAS-VHS e ASDAS-PCR (p = 0,011 e p = 0,017, respectivamente; tabela 2). Houve associação entre o longo tempo de doença e a presença das alterações crônicas globalmente e também por terço de envolvimento (superior: p = 0,031; médio: p = 0,037; inferior: p = 0,028; tabela 3). Além disso, houve associação entre a presença de pontes ósseas, independentemente da topografia, com o longo tempo de doença (p = 0,015) e valores mais altos de BASMI (p = 0,028) e mSASSS (p = 0,014).

Tabela 2
Correlação das alterações agudas e das áreas de edema ósseo por terços com os dados clínicos e laboratoriais relacionados à atividade de doença
Tabela 3
Correlação das lesões estruturais (crônicas) com tempo de doença, BASMI e mSASSS

Discussão

A RM constitui um grande avanço, não só para o diagnóstico, mas possivelmente no manejo clínico das espondiloartrites, incluindo diagnóstico diferencial e monitoração terapêutica,66 Carmona R, Harish S, Linda DD, Ioannidis G, Matsos M, Khalidi NA. MR imaging of the spine and sacroiliac joints for spondyloarthritis: influence on clinical diagnostic confidence and patient management. Radiology. 2013;269:208-15.,77 Teles MS, Fernandes ARC, Pinheiro MM, Fernandes EA. Influência da ressonância magnética da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas no manejo clínico de pacientes com espondilite anquilosante. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2012. devido à sua sensibilidade e confiabilidade para a avaliação de sinais de inflamação ativa.88 Rennie WJ, Dhillon SS, Conner-Spady B, Maksymowych WP, Lambert RG. Magnetic resonance imaging assessment of spinal inflammation in ankylosing spondylitis: standard clinical protocols may omit inflammatory lesions in thoracic vertebrae. Arthritis Rheum. 2009;61:1187-93.

A maior frequência de achados agudos e crônicos observados no presente estudo no terço superior das articulações sacroilíacas, até onde vai nosso conhecimento, é um achado novo na literatura. O fato de tanto o edema ósseo quanto as alterações crônicas apresentarem esse comportamento sugere que esse tenha sido um dos locais de atividade da doença, o que suscitou questionamentos quanto a justificativas do ponto de vista da anatomia da articulação e também da fisiopatologia da doença.

Anatomia das articulações sacroilíacas

A articulação sacroilíaca é considerada uma "anfiartrose",99 Vleeming A, Schuenke MD, Masi AT, Carreiro JE, Danneels L, Willard FH. The sacroiliac joint: an overview of its anatomy, function and potential clinical implications. J Anat. 2012;221:537-67. com uma porção diartroidal (sinovial) cartilaginosa (composta pelas faces auriculares sacral e ilíaca) e outra sindesmoidal fibrosa (pelos ligamentos interósseos). Sua porção cartilaginosa (em formato de C, com a convexidade voltada para anterior) é considerada uma articulação sinovial desde 1920, porém não se trata de uma articulação sinovial usual, dadas as características únicas da articulação sacroilíaca. Primeiramente, as faces articulares apresentam, no lado sacral, uma cartilagem hialina espessa e na face ilíaca trata-se de fibrocartilagem fina. Além disso, a cápsula articular é fibrosa e apresenta locais de descontinuidade.

No terço superior da articulação sacroilíaca, destaca-se a presença de faixas espessas de tecido fibroso com uma zona transicional ampla composta de fibrocartilagem que partem do ligamento sacroilíaco ventral e inserem-se nas cartilagens articulares sacral e ilíaca. Dorsalmente, na porção ligamentar da articulação, fibras resistentes dos ligamentos inserem-se tanto no osso como nas cartilagens sacral e ilíaca.1010 Bowen V, Cassidy JD. Macroscopic and microscopic anatomy of the sacroiliac joint from embryonic life until the eighth decade. Spine (Phila Pa 1976). 1981;6:620-8.

Puhakka et al.,1111 Puhakka KB, Melsen F, Jurik AG, Boel LW, Vesterby A, Egund N. MR imaging of the normal sacroiliac joint with correlation to histology. Skeletal Radiol. 2004;33:15-28. ao correlacionar a histologia da articulação sacroilíaca com os achados de RM, demonstraram ausência de tecido sinovial no terço superior da articulação em indivíduos normais no interior da região cartilagínea e na cápsula da articulação. Bowen e Cassidy1010 Bowen V, Cassidy JD. Macroscopic and microscopic anatomy of the sacroiliac joint from embryonic life until the eighth decade. Spine (Phila Pa 1976). 1981;6:620-8. descreveram que a cápsula articular, a partir da terceira e quarta décadas de vida, torna-se mais colágena e menos celular, o que poderia explicar a ausência de tecido sinovial no estudo anatomopatológico de Puhakka et al.,1111 Puhakka KB, Melsen F, Jurik AG, Boel LW, Vesterby A, Egund N. MR imaging of the normal sacroiliac joint with correlation to histology. Skeletal Radiol. 2004;33:15-28. em que os cadáveres apresentavam entre 20 e 45 anos.

Fisiopatologia das espondiloartrites

Na espondilite anquilosante, o achado de entesite é tão marcante que é considerada a lesão primária dessa doença. Nas outras espondiloartrites, Benjamin e McGonagle1212 Benjamin M, McGonagle D. The anatomical basis for disease localisation in seronegative spondyloarthropathy at entheses and related sites. J Anat. 2001;199(Pt 5):503-26. propuseram que a sinovite seja secundária à liberação de mediadores inflamatórios a partir do acometimento das ênteses adjacentes.

Correlacionando esses dados ao fato de a face ilíaca estar recoberta por fibrocartilagem, uma vez que a atividade inflamatória geralmente se inicia e predomina nessa face, esses componentes fibrosos ligamentar e da cartilagem podem ser as chaves para o alvo antigênico envolvido.1313 Braun J, Sieper J. The sacroiliac joint in the spondyloarthropathies. Curr Opin Rheumatol. 1996;8:275-87.,1414 McGonagle D, Benjamin M, Marzo-Ortega H, Emery P. Advances in the understanding of entheseal inflammation. Curr Rheumatol Rep. 2002;4:500-6. Talvez o componente fibroso da fibrocartilagem seja o alvo preferencial do ataque inflamatório, em detrimento da cartilagem hialina pura presente na face sacral da articulação.

Há dois tipos de ênteses:1212 Benjamin M, McGonagle D. The anatomical basis for disease localisation in seronegative spondyloarthropathy at entheses and related sites. J Anat. 2001;199(Pt 5):503-26. as fibrosas e as fibrocartilaginosas. O acometimento das espondiloartrites se localiza geralmente nas últimas e poupa as primeiras. As ênteses fibrocartilaginosas não são meras junções de tendões ou ligamentos com os ossos e podem ser consideradas órgãos complexos. Essa complexidade não é observada somente nas ênteses "verdadeiras", mas também em locais de atrito com superfícies ósseas ou estruturas fibrosas, chamados de ênteses funcionais. Ainda deve ser comentada a semelhança desse tipo de êntese com o revestimento fibrocartilagíneo de algumas superfícies articulares em articulações sinoviais, cujo exemplo mais marcante é a face ilíaca da articulação sacroilíaca.

Apenas a constituição das ênteses não determina seu acometimento. Foi observado que a osteíte parece seguir linhas de estresse mecânico e também que as ênteses funcionais são acometidas apesar de não haver contato direto com o componente ósseo. Dessa forma, infere-se que influências biomecânicas podem iniciar e/ou perpetuar as alterações inflamatórias ósseas.1313 Braun J, Sieper J. The sacroiliac joint in the spondyloarthropathies. Curr Opin Rheumatol. 1996;8:275-87.

A presença de alterações inflamatórias agudas e crônicas prevalente no terço superior das articulações sacroilíacas encontradas no presente estudo provavelmente se relaciona às características anatômicas e fisiopatológicas comentadas acima, como reflexo da atividade inflamatória nas ênteses, que também envolve o terço superior das articulações sacroilíacas. As erosões ósseas foram encontradas predominantemente nos terços superiores das faces ilíacas. A partir da premissa de que as erosões são o achado mais específico1515 Wick MC, Weiss RJ, Jaschke W, Klauser AS. Erosions are the most relevant magnetic resonance imaging features in quantification of sacroiliac joints in ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2010;37:622-7. das espondiloartrites, nossos achados sugerem que a atividade inflamatória também tenha ocorrido no terço superior. No entanto, é importante ressaltar que o acometimento isolado do terço superior das sacroilíacas não foi verificado em nenhum paciente.

Não há consenso na literatura quanto ao critério topográfico da esclerose nas articulações sacroilíacas para definição de alteração degenerativa. Resnick et al.1616 Resnick D, Niwayama G, Goergen TG. Comparison of radiographic abnormalities of the sacroiliac joint in degenerative disease and ankylosing spondylitis. Am J Roentgenol. 1977;128:189-96. avaliaram a artropatia degenerativa das sacroilíacas por radiografia convencional e evidenciaram que o achado de esclerose focal foi mais comum nas margens superior e inferior da cavidade articular sacroilíaca. Shibata et al.1717 Shibata Y, Shirai Y, Miyamoto M. The aging process in the sacroiliac joint: helical computed tomography analysis. J Orthop Sci. 2002;7:12-8. fizeram avaliação tomográfica e o achado de esclerose (degenerativa) foi mais comum nas porções superior e média da região anterior da face articular ilíaca. Brunner et al.1818 Brunner C, Kissling R, Jacob HA. The effects of morphology and histopathologic findings on the mobility of the sacroiliac joint. Spine (Phila Pa 1976). 1991;16:1111-7. encontraram, em sua avaliação histológica, maior frequência de alterações degenerativas no terço médio. No presente estudo, a maior frequência do nosso achado de esclerose no terço superior da sacroilíaca poderia suscitar o questionamento quanto à origem degenerativa, tendo em vista que mais da metade dos nossos pacientes tinha mais de 50 anos e os achados de artropatia degenerativa são descritos de forma crescente a partir dos 20 anos.1010 Bowen V, Cassidy JD. Macroscopic and microscopic anatomy of the sacroiliac joint from embryonic life until the eighth decade. Spine (Phila Pa 1976). 1981;6:620-8. Entretanto, dada a concomitância com outro achado mais específico para artropatia inflamatória (erosão) no terço superior das sacroilíacas, acreditamos que a esclerose deva estar relacionada às lesões estruturais crônicas da espondiloartrite.

A observação no presente estudo de frequência maior de alterações crônicas do que as agudas pode ser justificada pelo longo tempo de doença médio dos pacientes, que foi considerado a partir do diagnóstico (8,2 anos). Considerando-se que o diagnóstico pode ser atrasado principalmente com a avaliação somente por radiografia convencional,1919 Navallas M, Ares J, Beltran B, Lisbona MP, Maymo J, Solano A. Sacroiliitis associated with axial spondyloarthropathy: new concepts and latest trends. Radiographics. 2013;33:933-56. podemos inferir que o tempo real de doença deva ser ainda maior do que o considerado.

O longo tempo de doença favorece que as alterações crônicas devam alterar o eixo de carga de seu esqueleto axial, pela mudança no equilíbrio sagital com retificação da lordose lombar e alterações variáveis da cifose torácica. Sabe-se que o movimento das articulações sacroilíacas ocorre por nutação e contranutação e o pivô da articulação ocorre no tubérculo ilíaco ao nível de S2, posteriormente à face auricular da articulação.99 Vleeming A, Schuenke MD, Masi AT, Carreiro JE, Danneels L, Willard FH. The sacroiliac joint: an overview of its anatomy, function and potential clinical implications. J Anat. 2012;221:537-67.,1818 Brunner C, Kissling R, Jacob HA. The effects of morphology and histopathologic findings on the mobility of the sacroiliac joint. Spine (Phila Pa 1976). 1991;16:1111-7. Por isso, mais estudos são necessários para avaliar de que forma as alterações estruturais influenciam no equilíbrio sagital e se isso estaria relacionado à topografia das lesões.

Correlação dos achados de RM com os dados clínicos e laboratoriais

Os maiores valores de ASDAS-VHS e ASDAS-PCR nos pacientes com sinais de osteíte do terço inferior sugerem que essas áreas de edema ósseo estavam ligadas à atividade inflamatória.

A correlação estatística entre os achados crônicos e o tempo de doença é corroborada pelo longo tempo de doença médio dos pacientes, bem como o possível atraso diagnóstico inerente ao método radiológico convencional. A correlação significativa entre a presença de pontes ósseas, independentemente da topografia, com o BASMI e o mSASSS reforça a relação entre o dano estrutural das articulações sacroilíacas com as da coluna vertebral e o comprometimento da mobilidade.

As limitações do trabalho incluíram a amostra reduzida e o intervalo variável de tempo entre o início dos sintomas, o diagnóstico e o exame de RM.

Conclusões

As alterações inflamatórias crônicas e o padrão de edema medular ósseo predominaram no terço superior das articulações sacroilíacas, mas também foram observados nos 2/3 inferiores. Isso sugere que toda a articulação pode ser acometida pelo processo inflamatório do complexo entesossinovial em pacientes com EpA axial. Por outro lado, a localização não parece ser suficiente para diferenciar alterações inflamatórias das degenerativas.

Além disso, houve correlação significante entre o ASDAS-VHS e o ASDAS-PCR com a presença de osteíte no terço inferior das SI e entre o longo tempo de doença com a presença de alterações estruturais crônicas, bem como dos instrumentos clínicos de avaliação BASMI e mSASSS com a presença de pontes ósseas das sacroilíacas.

  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI), Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

References

  • 1
    Mager AK, Althoff CE, Sieper J, Hamm B, Hermann KG. Role of whole-body magnetic resonance imaging in diagnosing early spondyloarthritis. Eur J Radiol. 2009;71:182-8.
  • 2
    Rudwaleit M, van der Heijde D, Khan MA, Braun J, Sieper J. How to diagnose axial spondyloarthritis early. Ann Rheum Dis. 2004;63:535-43.
  • 3
    Weber U, Hodler J, Kubik RA, Rufibach K, Lambert RG, Kissling RO, et al. Sensitivity and specificity of spinal inflammatory lesions assessed by whole-body magnetic resonance imaging in patients with ankylosing spondylitis or recent-onset inflammatory back pain. Arthritis Rheum. 2009;61:900-8.
  • 4
    Rudwaleit M, Jurik AG, Hermann KG, Landewe R, van der Heijde D, Baraliakos X, et al. Defining active sacroiliitis on magnetic resonance imaging (MRI) for classification of axial spondyloarthritis: a consensual approach by the ASAS/OMERACT MRI group. Ann Rheum Dis. 2009;68:1520-7.
  • 5
    Sieper J, Rudwaleit M, Baraliakos X, Brandt J, Braun J, Burgos-Vargas R, et al. The Assessment of SpondyloArthritis international Society (ASAS) handbook: a guide to assess spondyloarthritis. Ann Rheum Dis. 2009;68(Suppl. 2):ii1-44.
  • 6
    Carmona R, Harish S, Linda DD, Ioannidis G, Matsos M, Khalidi NA. MR imaging of the spine and sacroiliac joints for spondyloarthritis: influence on clinical diagnostic confidence and patient management. Radiology. 2013;269:208-15.
  • 7
    Teles MS, Fernandes ARC, Pinheiro MM, Fernandes EA. Influência da ressonância magnética da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas no manejo clínico de pacientes com espondilite anquilosante. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2012.
  • 8
    Rennie WJ, Dhillon SS, Conner-Spady B, Maksymowych WP, Lambert RG. Magnetic resonance imaging assessment of spinal inflammation in ankylosing spondylitis: standard clinical protocols may omit inflammatory lesions in thoracic vertebrae. Arthritis Rheum. 2009;61:1187-93.
  • 9
    Vleeming A, Schuenke MD, Masi AT, Carreiro JE, Danneels L, Willard FH. The sacroiliac joint: an overview of its anatomy, function and potential clinical implications. J Anat. 2012;221:537-67.
  • 10
    Bowen V, Cassidy JD. Macroscopic and microscopic anatomy of the sacroiliac joint from embryonic life until the eighth decade. Spine (Phila Pa 1976). 1981;6:620-8.
  • 11
    Puhakka KB, Melsen F, Jurik AG, Boel LW, Vesterby A, Egund N. MR imaging of the normal sacroiliac joint with correlation to histology. Skeletal Radiol. 2004;33:15-28.
  • 12
    Benjamin M, McGonagle D. The anatomical basis for disease localisation in seronegative spondyloarthropathy at entheses and related sites. J Anat. 2001;199(Pt 5):503-26.
  • 13
    Braun J, Sieper J. The sacroiliac joint in the spondyloarthropathies. Curr Opin Rheumatol. 1996;8:275-87.
  • 14
    McGonagle D, Benjamin M, Marzo-Ortega H, Emery P. Advances in the understanding of entheseal inflammation. Curr Rheumatol Rep. 2002;4:500-6.
  • 15
    Wick MC, Weiss RJ, Jaschke W, Klauser AS. Erosions are the most relevant magnetic resonance imaging features in quantification of sacroiliac joints in ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2010;37:622-7.
  • 16
    Resnick D, Niwayama G, Goergen TG. Comparison of radiographic abnormalities of the sacroiliac joint in degenerative disease and ankylosing spondylitis. Am J Roentgenol. 1977;128:189-96.
  • 17
    Shibata Y, Shirai Y, Miyamoto M. The aging process in the sacroiliac joint: helical computed tomography analysis. J Orthop Sci. 2002;7:12-8.
  • 18
    Brunner C, Kissling R, Jacob HA. The effects of morphology and histopathologic findings on the mobility of the sacroiliac joint. Spine (Phila Pa 1976). 1991;16:1111-7.
  • 19
    Navallas M, Ares J, Beltran B, Lisbona MP, Maymo J, Solano A. Sacroiliitis associated with axial spondyloarthropathy: new concepts and latest trends. Radiographics. 2013;33:933-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    18 Maio 2016
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br