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Associação entre doença desmielinizante e doença reumática autoimune em uma população pediátrica Estudo feito com a colaboração conjunta dos setores de Reumatologia Pediátrica e Doenças Desmielinizantes da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

Introdução:

Esclerose múltipla (EM) e neuromielite óptica (NMO) são doenças desmielinizantes do sistema nervoso central. A autoimunidade entre pacientes com doenças desmielinizantes e seus parentes tem sido amplamente investigada e discutida. Estudos recentes demonstram maior incidência de doenças reumáticas autoimunes entre pacientes adultos com EM e NMO e seus parentes, mas não há estudos na população pediátrica.

Objetivo:

Avaliar a associação de EM e NMO com doenças reumáticas autoimunes em pacientes pediátricos.

Método:

Foram incluídos 22 pacientes menores de 21 anos com diagnóstico de EM ou NMO antes dos 18 anos e avaliados dados epidemiológicos, clínicos, associação com doenças autoimunes, história familiar de doenças autoimunes, exames laboratoriais, exames de imagem e presença de autoanticorpos.

Resultados:

Entre os pacientes estudados, houve prevalência do sexo feminino (68,1%). A média de idade de início dos sintomas foi de oito anos e nove meses e a média de idade dos pacientes na avaliação foi 16 anos e quatro meses. Dois pacientes (9%) apresentaram doença reumática autoimune associada, um caso de dermatomiosite juvenil em paciente com NMO e outro de lúpus eritematoso sistêmico juvenil em paciente com EM. Três pacientes (13%) apresentaram história familiar de autoimunidade em parentes de primeiro grau. Anticorpo antinuclear (ANA) positivo foi encontrado em 80% dos pacientes com NMO e em 52% dos pacientes com EM. Cerca de 15% dos pacientes com ANA positivo apresentaram diagnóstico definitivo de doença autoimune reumática associada.

Conclusão:

Entre os pacientes com doenças desmielinizantes diagnosticadas durante a infância incluídos nesta pesquisa houve uma alta frequência de ANA positivo, mas uma menor taxa de associação com doenças reumáticas autoimunes do que a encontrada em trabalhos conduzidos em adultos.

Palavras-chave:
Doenças autoimunes; Doenças reumáticas; Doenças desmielinizantes; Infância

ABSTRACT

Introduction:

Multiple sclerosis (MS) and neuromyelitis optica (NMO) are demyelinating diseases of the central nervous system. Autoimmunity in patients with demyelinating disease and in their families has been broadly investigated and discussed. Recent studies show a higher incidence of rheumatic autoimmune diseases among adult patients with MS or NMO and their families, but there are no studies in the pediatric population.

Objective:

To evaluate an association of MS and NMO with autoimmune rheumatic diseases in pediatric patients.

Method:

22 patients younger than 21 years old with MS or NMO diagnosed before the age of 18 years were evaluated regarding epidemiological data, clinical presentation, association with autoimmune diseases, family history of autoimmune diseases, laboratory findings, imaging studies and presence of auto-antibodies.

Results:

Among the patients studied, there was a prevalence of females (68.1%). The mean age of symptoms onset was 8 years and 9 months and the mean current age was 16 years and 4 months. Two patients (9%) had a history of associated autoimmune rheumatic disease: one case of juvenile dermatomyositis in a patient with NMO and another of systemic lupus erythematosus in a patient with MS. Three patients (13%) had a family history of autoimmunity in first-degree relatives. Antinuclear antibody was found positive in 80% of patients with NMO and 52% of patients with MS. About 15% of antinuclear antibody-positive patients were diagnosed with rheumatologic autoimmune diseases.

Conclusion:

Among patients with demyelinating diseases diagnosed in childhood included in this study there was a high frequency of antinuclear antibody positivity but a lower association with rheumatologic autoimmune diseases than that observed in studies conducted in adults.

Keywords:
Autoimmune diseases; Rheumatic diseases; Demyelinating diseases; Childhood

Introdução

O termo doenças desmielinizantes refere-se ao grupo de patologias que apresentam, em comum, a perda da bainha de mielina, com relativa preservação axonal. Dentre suas diversas categorias, destacamos as de causa inflamatória, em especial a esclerose múltipla (EM), doença neurológica mais incapacitante a atingir adultos jovens, e a neuromielite óptica (NMO). Os aspectos clínicos e patológicos dessas condições levam a crer que se trata de doenças autoimunes inflamatórias, que levam à deterioração progressiva de diversas funções do organismo.11 Rejdak K, Jackson S, Giovannoni G. Multiple sclerosis: a practical overview for clinicians. Brit Med Bull. 2010;95:79-104.

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-44 De Oliveira EM, Annes M, Oliveira AS, Gabbai AA. Multiple sclerosis. Clinical survey of 50 patients followed at the Ambulatory of Neurology Unifesp-EPM. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57:51-5.

A EM pode envolver qualquer parte do SNC em diferentes momentos de sua evolução. Os sintomas iniciais mais comuns são paresia em um ou mais membros, sinais de liberação piramidal (espasticidade, hiper-reflexia, sinal de Babinski e clônus), ataxia, disartria, parestesias, incontinência ou retenção urinária e fecal ou disfunção sexual.55 Lublin FD, Reingold SC. Defining the clinical course of multiple sclerosis: results of an international survey. National Multiple Sclerosis Society (USA) Advisory Committee on Clinical Trials of New Agents in Multiple Sclerosis. Neurology. 1996;46:907-11.

A NMO ou doença de Devic caracteriza-se pela produção de anticorpos contra a barreira hematoencefálica. Os primeiros sintomas ocorrem entre a 3 ª e a 4 ª décadas de vida, sob a forma de neurite óptica e/ou mielite com extensão longitudinal. A neurite óptica se manifesta com redução aguda da acuidade visual bilateral, com recuperação parcial. A mielite se caracteriza por sintomas motores bilaterais, com perda de força importante, alterações sensitivas e recuperação parcial pós-surto.66 Wingerchuk DM. Neuromyelitis optica. Int MS J. 2006;13:42-50.

A autoimunidade que cerca os pacientes com doenças desmielinizantes e seus parentes tem sido amplamente investigada e discutida. Estudos recentes demonstram que pacientes com EM e NMO, bem como seus parentes, têm maior risco de apresentar, em algum momento, diagnóstico associado de doenças reumáticas autoimunes. Nenhum desses trabalhos, no entanto, foi direcionado à população pediátrica.77 Henderson RD, Bain CJ, Pender MP. The occurrence of autoimmune diseases in patients with multiple sclerosis and their families. J Clin Neurosci. 2000;7:434-7.,88 Marrie RA, Reider N, Cohen J, Stuve O, Sorensen PS, Cutter G, et al. A systematic review of the incidence and prevalence of autoimmune disease in multiple sclerosis. Mult Scler J. 2014;21:282-93.

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação de EM ou NMO com doenças reumáticas autoimunes em pacientes de uma população pediátrica e seus parentes de primeiro grau.

Pacientes e métodos

Foram incluídos todos os pacientes com idade atual até 21 anos com diagnóstico de EM, de acordo com os critérios de McDonald, ou NMO, de acordo com critérios revisados em 2006, em acompanhamento nos serviços de doenças desmielinizantes do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia e do setor de Reumatologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em um estudo transversal retrospectivo de avaliação de prontuários. O diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESj) e dermatomiosite juvenil (DMJ) foi feito de acordo com os critérios da literatura.66 Wingerchuk DM. Neuromyelitis optica. Int MS J. 2006;13:42-50.,99 McDonald WI, Compston A, Edan G, Goodkin D, Hartung HP, Lublin FD, et al. Recommended diagnostic criteria for multiple sclerosis: guidelines from the International Panel on the Diagnosis of Multiple Sclerosis. Ann Neurol. 2001;50:121-7.

10 Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology. Arthritis Rheum. 1997;40:1725.
-1111 Bohan A, Peter J. Polymyositis and dermatomyositis (first of two parts). N Engl J Med. 1975;292:344-7. Todos os pacientes eram menores de 18 anos ao diagnóstico da doença desmielinizante ou reumática autoimune.

Foram coletadas as seguintes informações: dados demográficos, idade atual, idade de início dos sintomas e tempo de evolução da doença; sinais e sintomas da doença desmielinizante, história de recorrências, número de surtos e intervalo entre eles; doenças autoimunes associadas; história familiar de doenças autoimunes; exames laboratoriais e presença de anticorpo antinuclear (ANA), fator reumatoide (FR), anticorpos contra antígenos extraídos do núcleo (anti-ENA), antiaquaporina, anticardiolipina e anti-DNA; análise de líquido cefalorraquidiano (LCR) e exames de imagem como ressonância magnética (RM) de crânio e RM de coluna.

As características demográficas e clínicas foram descritas em frequências absoluta, relativa, mediana e valores mínimos e máximos, de acordo com a natureza das variáveis.

Resultados

Foram selecionados 22 pacientes com diagnóstico de doença desmielinizante: 17 com EM (77,3%) e cinco com NMO (22,7%). A tabela 1 resume as características demográficas dos pacientes.

Tabela 1
Características demográficas da população do estudo

As queixas predominantes dos pacientes com EM foram o comprometimento visual (41%), de tronco encefálico (41%) e motor piramidal (35%). Todos os pacientes com NMO apresentaram comprometimento visual em algum momento da evolução da doença. Outras queixas frequentes foram o comprometimento motor piramidal (60%), o comprometimento sensitivo (40%) e o comprometimento esfincteriano (40%) (tabela 2). A tabela 2 descreve as características clínicas dos pacientes com doenças desmielinizantes.

Tabela 2
Características clínicas da população do estudo

Apresentaram recorrências 14 pacientes com EM, com média de 2,5 surtos por paciente, com intervalo mínimo de um mês e máximo de 108 meses entre eles. Todos os pacientes com NMO apresentaram história de recorrência, com média de três surtos por paciente, com intervalo mínimo de dois meses e máximo de 29 meses entre eles.

Entre os pacientes incluídos neste estudo, apenas dois (9%) apresentaram história de doença reumática autoimune associada. O primeiro apresentou diagnóstico de base de EM e cerca de um ano após o primeiro surto evoluiu com quadro clínico-laboratorial compatível com LESj. O segundo apresentou diagnóstico de DMJ, evoluiu com diagnóstico de NMO cerca de dez anos após o início dos sintomas da doença autoimune.

Apenas três (13%) pacientes apresentaram história familiar de autoimunidade em parentes de primeiro grau. Dois pacientes com EM (um deles com diagnóstico de LESj associado à doença desmielinizante) apresentaram história familiar de lúpus eritematoso sistêmico. Um paciente com diagnóstico de NMO apresentou história familiar de artrite reumatoide.

Dentre os pacientes com EM, nove (53%) apresentaram ANA positivo, inclusive o paciente com diagnóstico de LESj. O padrão predominante foi o nuclear pontilhado fino (88%). O paciente com diagnóstico associado de LESj apresentou também anticardiolipina IgM positiva e antinucleossomo positivo. Dentre os pacientes com NMO, quatro (80%) apresentaram ANA positivo, inclusive o paciente com diagnóstico de DMJ. O padrão predominante foi o nuclear pontilhado fino (75%). O paciente com diagnóstico associado de DMJ apresentou anticardiolipina IgM positiva. Em exame posterior esse anticorpo foi negativo. Ao todo, 15% dos pacientes com ANA positivo apresentaram diagnóstico conclusivo de doença reumática autoimune associada à doença desmielinizante.

Três dos pacientes com diagnóstico de NMO (60%) apresentaram antiaquaporina positivo. A tabela 3 resume a presença de autoanticorpos na população do estudo.

Tabela 3
Presença de autoanticorpos na população do estudo

Não foram observados anticorpos anti-ENA, anti-DNA ou fator reumatoide. Nenhum dos pacientes deste estudo apresentou qualquer citopenia (anemia, leucopenia, plaquetopenia), queda do complemento ou alterações de ureia e creatinina.

Somente os pacientes com diagnóstico de EM foram submetidos a punção lombar. Desses, seis (35,3%) apresentaram bandas oligoclonais no líquor cefalorraquidiano.

Quatro pacientes (23,5%) com EM receberam tratamento com glatiramer e nove (52,9%) receberam tratamento com betainterferona. Outras drogas associadas foram prednisona (5%) e imunoglobulina (5%). O paciente com diagnóstico de LESj recebeu também ácido acetil-salicílico, hidroxicloroquina, azatioprina, além de pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida. Todos os pacientes com NMO receberam tratamento com prednisona e azatioprina e um paciente recebeu também imunoglobulina endovenosa. O paciente com diagnóstico associado de DMJ recebeu também tratamento com metotrexato.

Os pacientes com diagnóstico de EM-LESj e NMO-DMJ apresentaram diversos episódios de surtos e remissões ao longo de sua evolução e atualmente encontram-se em remissão, sem sequelas neurológicas.

Discussão

Diferentes estudos demonstram a associação entre as doenças desmielinizantes e outras doenças autoimunes.88 Marrie RA, Reider N, Cohen J, Stuve O, Sorensen PS, Cutter G, et al. A systematic review of the incidence and prevalence of autoimmune disease in multiple sclerosis. Mult Scler J. 2014;21:282-93. Os resultados de uma revisão sistemática recente apontam para o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a artrite reumatoide como as doenças autoimunes reumáticas mais frequentemente associadas à EM.88 Marrie RA, Reider N, Cohen J, Stuve O, Sorensen PS, Cutter G, et al. A systematic review of the incidence and prevalence of autoimmune disease in multiple sclerosis. Mult Scler J. 2014;21:282-93.

Em 2000, um estudo de caso-controle comparou pacientes com EM e controles sem doenças desmielinizantes, em sua maioria adultos, quanto à ocorrência de doenças autoimunes que incluíram tireoidite autoimune, gastrite autoimune, doença de Addison, artrite reumatoide, pênfigo vulgar, esclerodermia, cirrose biliar primária, LES e espondilite anquilosante. Pacientes com EM apresentaram uma maior prevalência dessas condições (20%) em comparação com os controles sem EM (13%), bem como seus parentes de primeiro grau (45% contra 27%, respectivamente).77 Henderson RD, Bain CJ, Pender MP. The occurrence of autoimmune diseases in patients with multiple sclerosis and their families. J Clin Neurosci. 2000;7:434-7. Em 2006, um estudo caso-controle encontrou resultados semelhantes, que apontaram ainda para a importância dos genes HLA-DR na determinação da autoimunidade que envolve os pacientes com EM e suas famílias.1212 Laroni A, Calabrese M, Perini P, Albergoni MP, Ranzato F, Tiberio M, et al. Multiple sclerosis and autoimmune diseases: epidemiology and HLA-DR association in North-east Italy. J Neurol. 2006;253:636-9.

Estudo com pacientes em sua maioria adultos com NMO também mostrou que cerca de um terço dos pacientes apresentou diagnóstico de outra doença autoimune, como síndrome de Sjögren, colangite esclerosante primária e púrpura trombocitopênica imune.1313 Wingerchuk DM, Hogancamp WF, O’Brien PC, Weinshenker BG. The clinical course of neuromyelitis optica (Devic's syndrome). Neurology. 1999;53:1107-14.

Uma coorte retrospectiva, no entanto, demonstrou não haver maior risco de doenças reumáticas autoimunes em pacientes com EM (RR: 0,9; com CI: 0,7-1,03), ao contrário de seus parentes, que apresentaram risco aumentado para as mesmas (RR: 1,2; com CI: 1,1-1,4).1414 Nielsen NM, Frisch M, Rostgaard K, Wohlfahrt J, Hjalgrim H, Koch-Henriksen N, et al. Autoimmune diseases in patients with multiple sclerosis and their first-degree relatives: a nationwide cohort study in Denmark. Mult Scler. 2008;14:823-9. Esses achados podem estar relacionados a possíveis vieses e uso de diferentes critérios diagnósticos para as diversas doenças autoimunes avaliadas.1414 Nielsen NM, Frisch M, Rostgaard K, Wohlfahrt J, Hjalgrim H, Koch-Henriksen N, et al. Autoimmune diseases in patients with multiple sclerosis and their first-degree relatives: a nationwide cohort study in Denmark. Mult Scler. 2008;14:823-9.

Dois pacientes (9%) com EM ou NMO incluídos no presente estudo apresentaram doenças reumáticas autoimunes: LESj e DMJ, respectivamente. Embora o LES tenha sido descrito em associação com doenças desmielinizantes, em nossa revisão da literatura foram encontradas apenas duas publicações que relacionaram essas doenças à dermatomiosite.1515 Somani AK, Swick AR, Cooper KD, McCormick TS. Severe dermatomyositis triggered by interferon beta-1a therapy and associated with enhanced type I interferon signaling. Arch Dermatol. 2008;144:1341-9.,1616 Fragoso YD, Ferreira MLB, Oliveira EML, Domingues RB, Ribeiro TAGJ, Brooks JBB, et al. Neuromyelitis optica with onset in childhood and adolescence. Pediatr Neurol. 2014;50:66-8. O primeiro relato se refere a um adulto do sexo masculino com diagnóstico prévio de EM que, após tratamento com interferon beta-1A, desenvolveu lesões cutâneas típicas de dermatomiosite (pápulas de Gottron e heliótropo) e fraqueza muscular proximal, com biópsia cutânea compatível com o diagnóstico.1515 Somani AK, Swick AR, Cooper KD, McCormick TS. Severe dermatomyositis triggered by interferon beta-1a therapy and associated with enhanced type I interferon signaling. Arch Dermatol. 2008;144:1341-9. A segunda publicação trata-se de uma série de casos de pacientes com NMO de início na infância e adolescência em que um dos pacientes apresentou diagnóstico associado de DMJ. Não foi detalhada a evolução clínica ou o tratamento recebido por esse paciente. Neste estudo não foram avaliados os antecedentes familiares de doenças autoimunes dos pacientes com NMO.1616 Fragoso YD, Ferreira MLB, Oliveira EML, Domingues RB, Ribeiro TAGJ, Brooks JBB, et al. Neuromyelitis optica with onset in childhood and adolescence. Pediatr Neurol. 2014;50:66-8.

As manifestações neurológicas dos pacientes com LES podem mimetizar as alterações encontradas nos pacientes com EM e NMO, especialmente nos períodos em que a doença apresenta maior atividade. A mielite transversa, por exemplo, apesar de rara, já foi descrita diversas vezes como manifestação neurológica de pacientes com LES, associada ou não à neurite óptica. Nesses pacientes a diferenciação entre atividade do LES ou coexistência de EM ou NMO pode ser complexa.1717 Tellez-Zenteno JF, Remes-Troche JM, Negrete-Pulido RO, Davila-Maldonado L. Longitudinal myelitis associated with systemic lupus erythematosus: clinical features and magnetic resonance imaging of six cases. Lupus. 2001;10:851-6.

Szmyrka-Kaczmarek et al. descrevem em seu estudo caso-controle a maior prevalência de ANA e anticorpos antifosfolípides em pacientes com EM sem, no entanto, correlação com sintomas sugestivos de doenças reumáticas autoimunes ou eventos tromboembólicos.1818 Szmyrka-Kaczmarek M, Pokryszko-Dragan A, Pawlik B, Gruszka E, Korman L, Podemski R, et al. Antinuclear and antiphospholipid antibodies in patients with multiple sclerosis. Lupus. 2012;21:412-20. No mesmo estudo, foi possível correlacionar os autoanticorpos a determinados padrões de apresentação clínica da EM. Assim, pacientes com ANA positivo, principalmente em altos títulos, apresentaram doença de menor duração e pouca evolução para incapacidade. Já a presença do anti-β2 glicoproteína I esteve associada a doença de curso mais arrastado, com maiores limitações.1818 Szmyrka-Kaczmarek M, Pokryszko-Dragan A, Pawlik B, Gruszka E, Korman L, Podemski R, et al. Antinuclear and antiphospholipid antibodies in patients with multiple sclerosis. Lupus. 2012;21:412-20.

O estudo de Hilário et al. encontrou ANA positivo em 12,6% de crianças saudáveis e em 36,2% de crianças com doenças reumáticas autoimunes variadas.1919 Hilário MOE, Len CA, Roja SC, Terreri MT, Almeida G, Andrade LEC. Frequency of antinuclear antibodies in healthy children and adolescents. Clin Pediatr (Phila). 2004;43:637-42. Estudos mostram que a positividade do ANA em pacientes com EM pode variar de 20-60% e nos pacientes com NMO, aproxima-se de 45%.1818 Szmyrka-Kaczmarek M, Pokryszko-Dragan A, Pawlik B, Gruszka E, Korman L, Podemski R, et al. Antinuclear and antiphospholipid antibodies in patients with multiple sclerosis. Lupus. 2012;21:412-20.,2020 Collard RC, Koehler RP, Mattson DH. Frequency and significance of antinuclear antibodies in multiple sclerosis. Neurology. 1997;49:857-61.,2121 Wu L, Huang D, Yang Y, Wu W. Combined screening for serum anti-nuclear and anti-aquaporin-4 antibodies improves diagnostic accuracy for distinguishing neuromyelitis optica from multiple sclerosis. Eur Neurol. 2014;72:103-8. A positividade do ANA entre os pacientes com doenças desmielinizantes incluídos no presente estudo foi de cerca de 59%, dentre os quais 15% (dois pacientes) apresentaram diagnóstico final de doença reumática autoimune associada. Sugere-se, dessa forma, que os pacientes portadores de doenças desmielinizantes e que apresentem ANA positivo recebam uma investigação complementar mais detalhada a fim de excluir a possibilidade de doenças autoimunes associadas.

Em suma, observamos entre os pacientes com doenças desmielinizantes diagnosticadas durante a infância incluídos nesta pesquisa uma alta frequência de ANA positivo, mas uma taxa de associação com doenças reumáticas autoimunes menor do que a encontrada em trabalhos conduzidos em adultos, apesar de significativa para a população deste estudo.

  • Estudo feito com a colaboração conjunta dos setores de Reumatologia Pediátrica e Doenças Desmielinizantes da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    7 Jan 2016
  • Aceito
    19 Ago 2016
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