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Análise da variabilidade e repetibilidade da pressão plantar durante a marcha de idosos

RESUMO

Introdução:

A repetibilidade e a variabilidade da pressão plantar em avaliações da marcha são componentes importantes na avaliação clínica do idoso. Contudo, pouco é conhecido sobre a consistência dos padrões de pressão plantar em idosos.

Objetivo:

Analisar a variabilidade e repetibilidade da pressão plantar durante da marcha de idosos, considerando valores médios, picos e assimetrias.

Métodos:

A pressão plantar foi avaliada em quatro diferentes dias em 10 idosos (cinco mulheres), com idade média ± desvio-padrão de 73 ± 6 anos, durante o andar descalço em velocidade preferida. Os dados de pressão plantar foram comparados entre as pisadas em cada dia e entre os diferentes dias de avaliação.

Resultados:

Dados de pressão média e pico foram similares entre os diferentes dias de avaliação. Os índices de assimetria observados foram similares entre os diferentes dias avaliados.

Conclusão:

A pressão plantar (média e pico) apresentou um padrão consistente nos idosos. Contudo, os índices de assimetria observados sugerem que idosos estejam sistematicamente expostos a cargas assimétricas durante a locomoção. Essa observação requer futuras investigações, especialmente em relação ao impacto dessas assimetrias na origem de doenças articulares.

Palavras-chave:
Marcha; Cinética; Envelhecimento; Biomecânica; Pé

ABSTRACT

Introduction:

Repeatability and variability of the plantar pressure during walking are important components in the clinical assessment of the elderly. However, there is a lack of information on the uniformity of plantar pressure patterns in the elderly.

Objective:

To analyze the repeatability and variability in plantar pressure considering mean, peak and asymmetries during aged gait.

Methods:

Plantar pressure was monitored in four different days for ten elderly subjects (5 female), with mean ± standard-deviation age of 73 ± 6 years, walking barefoot at preferred speed. Data were compared between steps for each day and between different days.

Results:

Mean and peak plantar pressure values were similar between the different days of evaluation. Asymmetry indexes were similar between the different days evaluated.

Conclusion:

Plantar pressure presented a consistent pattern in the elderly. However, the asymmetry indexes observed suggest that the elderly are exposed to repetitive asymmetric loading during locomotion. Such result requires further investigation, especially concerning the role of these asymmetries for development of articular injuries.

Keywords:
Gait; Kinetics; Aging; Biomechanics; Foot

Introdução

A marcha é um importante componente da independência dos idosos, pois permite a realização de atividades diárias e contribui para o funcionamento de diversos sistemas corporais. Sendo a marcha bípede uma habilidade comum aos seres humanos, serve tanto como forma de locomoção como modalidade de exercício físico. Durante a marcha, a cada contato dos pés com o solo, os membros inferiores experimentam o impacto devido à ação da força de reação do solo.1Cavanagh PR. Ground reaction forces in human locomotion. J Biomech. 1979;12:630.,2Hurkmans HL, Bussmann JB, Selles RW, Horemans HL, Benda E, Stam HJ, et al. Validity of the pedar mobile system for vertical force measurement during a seven-hour period. J Biomech. 2006;39:110-118.

A partir das medidas de força e área de contato do pé com a superfície é possível quantificar a pressão plantar durante o andar. Dessa forma, podemos acessar importantes informações para a investigação do estresse gerado nas diferentes regiões da face plantar.3Stucke S, McFarland D, Goss L, Fonov S, McMillan GR, Tucker A, et al. Spatial relationships between shearing stresses and pressure on the plantar skin surface during gait. J Biomech. 2012;45:619-22. A literatura sugere que idosos experimentam maior pressão plantar sobre as regiões da 2ª, 3ª e 5ª articulações metatarsofalangianas e hálux durante o andar.4Menz HB, Zammit GV, Munteanu SE. Plantar pressures are higher under callused regions of the foot in older people. Clin Exp Dermatol. 2007;32:375-780. Esse aumento da carga sobre tecidos moles plantares, que se apresentam enrijecidos devido ao envelhecimento, frequentemente evolui para a metatarsalgia em idosos.5Hsu CC, Tsai WC, Chen CP, Shau YW, Wang CL, Chen MJ, et al. Effects of aging on the plantar soft tissue properties under the metatarsal heads at different impact velocities. Ultrasound Med Biol. 2005;31:1423-9.

Adicionalmente, a exposição excessiva a cargas sobre os tecidos moles dos pés pode levar a problemas comumente conhecidos como úlceras de pressão.6Mak AFT, Zhang M, Tam EWC. Biomechanics of pressure ulcer in body tissues interacting with external forces during locomotion. Annu Rev Biomed Eng. 2010;12:29-53. Essas lesões podem se originar de microtraumas repetitivos que provocam diminuição do teor de água do tecido fibroso elástico e perdas graduais de colágeno na camada de gordura do calcâneo o que contribuir para a diminuição da elasticidade e da capacidade de absorção de impacto do coxim gorduroso.7Ozdemir H, Soyuncu Y, Ozgorgen M, Dabak K. Effects of changes in heel fat pad thickness and elasticity on heel pain. J Am Podiat Med Assn. 2004;94:47-52.,8Periyasamy R, Anand S, Ammini AC. The effect of aging on the hardness of foot sole skin: a preliminary study. The Foot. 2012;22:95-9. As alterações em propriedades mecânicas do coxim gorduroso do calcanhar também conduzem a lesões induzidas por impacto, além de dor no calcanhar.9Hsu TC, Wang CL, Tsai WC, Kuo JK, Tang FT. Comparison of the mechanical properties of the heel pad between young and elderly adults. Arch Phys Med Rehab. 1998;79:1101-14. Essas condições têm sido assumidas como similares entre os membros inferiores. Contudo, evidências sugerem que a lateralização funcional é um componente dinâmico do desenvolvimento motor humano e pode influenciar diferenças entre os membros inferiores durante a marcha.1010 Teixeira MC, Teixeira LA. Leg preference and interlateral performance asymmetry in soccer player children. Develop Psychobiol. 2008;50:799-806.

No contexto da locomoção humana, caso de nosso estudo, assimetrias podem ser entendidas como desvios na similaridade do desempenho entre os hemicorpos direito e esquerdo. Esses desvios são considerados significativos a partir de testes estatísticos ou da aplicação de índices de simetria.1111 Carpes FP, Mota CB, Faria IE. On the bilateral asymmetry during running and cycling – A review considering leg preference. Physical Therapy in Sport. 2010;11:136-42. Muitos estudos têm discutido os efeitos de assimetrias em parâmetros da locomoção e sugerem que assimetrias podem ter impacto sobre características de desempenho e também de risco de lesões nos membros inferiores.1111 Carpes FP, Mota CB, Faria IE. On the bilateral asymmetry during running and cycling – A review considering leg preference. Physical Therapy in Sport. 2010;11:136-42.,1212 Lathrop-Lambach RL, Asay JL, Jamison ST, Pan X, Schmitt LC, Blazek K, et al. Evidence for joint moment asymmetry in healthy populations during gait. Gait Posture. 2014;40:526-31.

Chavet e Lafortune1313 Chavet P, Lafortune MA, Gray JR. Asymmetry of lower extremity responses to external impact loading. Hum Movement Sci. 1997;16:391-406. avaliaram assimetrias no impacto e transmissão de choque nos membros inferiores e sugeriram que a repetição das assimetrias pode ser mais prejudicial do que sua própria magnitude. Ou seja, mesmo baixos índices de assimetria, se forem experimentados de maneira repetitiva, podem ser um risco para lesões.1313 Chavet P, Lafortune MA, Gray JR. Asymmetry of lower extremity responses to external impact loading. Hum Movement Sci. 1997;16:391-406. Nesse sentido, quantificar o índice de assimetria pode fornecer importantes parâmetros para a avaliação de cargas assimétricas na locomoção. Considerando o exposto sobre a capacidade de absorção de impacto na marcha em idosos,1414 Menz HB, Morris ME. Clinical determinants of plantar forces and pressures during walking in older people. Gait Posture. 2006;24:229-36. a repetibilidade de assimetrias na marcha de idosos pode ser um fator de risco para o surgimento de lesões nos pés de idosos. A popularização do uso de sistemas de baropodometria aumenta a discussão sobre as aplicações clínicas da medida de pressão plantar na avaliação do movimento humano, especialmente em relação à variabilidade e consistência das medidas.1515 Deepashini H, Omar B, Paungmali A, Amaramalar N, Ohnmar H, Leonard J. An insight into the plantar pressure distribution of the foot in clinical practice: narrative review. Polish Ann Medicine. 2014;21:51-6. Estudos anteriores sugeriram que um mínimo de três medições em cada teste seria necessário para se obter um bom nível de consistência nas medidas.1616 Gurney JK, Kersting UG, Rosenbaum D. Between-day reliability of repeated plantar pressure distribution measurements in a normal population. Gait Posture. 2008;27:706-9.,1717 Putti AB, Arnold GP, Cochrane LA, Abboud RJ. Normal pressure values and repeatability of the Emed ST4 system. Gait Posture. 2008;27:501-5.

Contudo, pouco se sabe sobre a repetibilidade de parâmetros da pressão plantar em idosos. Adicionalmente, a maioria das avaliações clínicas é feita apenas em um dia e desconsideram-se possíveis variações que possam ocorrer quando mais avaliações são feitas. Do ponto de vista das assimetrias, a carga repetitiva pode resultar em um risco maior do que a sua magnitude e são escassos os trabalhos que investiguem essas questões na marcha de idosos. Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar medidas repetidas de pressão plantar na marcha de idosos a fim de discutir a consistência das medidas de pressão média e pico de pressão, bem como os índices de assimetrias em diferentes dias.

Material e métodos

Participantes

Inicialmente, um grupo de 50 idosos foi convidado a participar do estudo. Ao longo do desenvolvimento do estudo, muitos participantes deixaram de comparecer às sessões de avaliação. Sendo este um estudo que envolve medidas repetidas, os participantes que não foram avaliados no período determinado foram excluídos. Após o período de avaliações ser finalizado, foram incluídos neste estudo 10 idosos, cinco homens e cinco mulheres. Todos foram recrutados em um centro de convivência da terceira idade da cidade local, onde participavam de atividades lúdicas, em grupo, três vezes por semana. Todos os idosos considerados independentes foram convidados a participar do experimento (50) e aqueles que completaram as quatro avaliações no intervalo máximo de sete dias foram incluídos neste estudo. Mesmo os que não completaram o protocolo no intervalo definido receberam os resultados detalhados de suas avaliações, que foram devidamente explicados por um fisioterapeuta. Os dados também foram fornecidos para o centro de convivência, de modo a serem arquivados junto com os documentos e demais exames clínicos dos idosos. O número de idosos incluídos em nosso estudo foi similar a estudos com escopo semelhante1818 Hessert MJ, Vyas M, Leach J, Hu K, Lipsitz LA, Novak V. Foot pressure distribution during walking in young and old adults. BMC Geriatrics. 2005;5:8.,1919 Pataky TC, Caravaggi P, Savage R, Parker D, Goulermas JY, Sellers WI, et al. New insights into the plantar pressure correlates of walking speed using pedobarographic statistical parametric mapping (pSPM). J Biomech. 2008;41:1987-94. e, conforme descrito a seguir, observamos que os participantes tinham desempenho bastante homogêneo.

Para inclusão, os participantes deveriam ter 60 anos ou mais e ser capazes de deambular sem auxílio. Eles deveriam comparecer ao local de avaliação nos dias e horários previamente agendados. No caso de idosos que usassem lentes de correção, deveriam estar com elas nos dias das avaliações. Os idosos não deveriam ter lesões cutâneas nos pés, tampouco deformidades que pudessem influenciar a pressão plantar. Os critérios de exclusão envolviam lesão de qualquer um dos membros inferiores no último ano, bem como claudicações durante a marcha, doenças osteomusculares e/ou neuromusculares que afetassem a marcha independente. Antes de iniciar a participação no estudo, todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da universidade local (protocolo n° 062011).

Delineamento experimental

Nossa investigação tem um desenho observacional transversal, no qual os idosos foram avaliados durante o andar descalço, conforme deambulavam em velocidade preferida ao longo de um trajeto de nove metros em linha reta. A avaliação foi feita com os idosos descalços, de modo a minimizar a influência do calçado sobre as medidas de interesse neste estudo. O protocolo de marcha foi repetido em quatro dias não consecutivos, em um intervalo de no máximo sete dias entre as avaliações. Para cada dia de avaliação, foram gravadas as medidas de pressão plantar para 10 pisadas com cada pé. As informações de pressão plantar foram registradas por meio de um tapete instrumentado, posicionado na metade do trajeto. Buscou-se fazer a avaliação da marcha sempre na mesma hora e turno do dia, preferencialmente entre 9 h e 12 h. Os dados foram comparados entre as pisadas, em cada dia, e entre os diferentes dias de avaliação. O índice de assimetria também foi calculado para todas as pisadas e todos os dias de avaliação.

Avaliação da pressão plantar

Um baropodômetro computadorizado com formato de tapete (Matscan, Tekscan Inc., EUA) foi usado para registrar a pressão plantar durante a pisada. Os dados foram gravados com uma taxa de amostragem de 400 Hz. As medidas de pressão plantar foram tomadas para determinação da pressão média e do pico de pressão considerando a totalidade de área de contato do pé com o solo nas 10 pisadas registradas para cada pé, em cada dia. A partir dessas informações, índices de assimetrias entre os pés também foram quantificados para a pressão média e pico de pressão, determinadas com base na área total de contato do pé com o solo.

Para a aquisição dos dados, o tapete instrumentado ficou disposto no meio do trajeto de nove metros. Os dados foram mensurados com resolução de 1,4 sensor por cm2, totalizando 2.288 sensores. Pisadas com o pé direito e esquerdo eram coletadas aleatoriamente, sem ser solicitado ao participante pisar com um determinado pé no tapete. O participante também não sabia quando uma tentativa era válida ou não, ele apenas era informado do fim do experimento quando 10 pisadas para cada pé tivessem sido gravadas. A partir das informações de pressão plantar foi calculada a pressão média e de pico, para a área total de cada pé, em cada pisada. As tentativas eram consideradas válidas quando todo o pé do participante tocava o baropodômetro disposto no solo.1818 Hessert MJ, Vyas M, Leach J, Hu K, Lipsitz LA, Novak V. Foot pressure distribution during walking in young and old adults. BMC Geriatrics. 2005;5:8.,1919 Pataky TC, Caravaggi P, Savage R, Parker D, Goulermas JY, Sellers WI, et al. New insights into the plantar pressure correlates of walking speed using pedobarographic statistical parametric mapping (pSPM). J Biomech. 2008;41:1987-94.

Avaliação da velocidade média

Para quantificar a velocidade média de cada participante e dessa forma caracterizar o grupo de participantes, o tempo do deslocamento era cronometrado pelo examinador com um cronômetro digital (SW2018, Cronobio, Brasil). A velocidade média foi calculada a partir das informações de deslocamento e tempo para cada trecho de nove metros e então médias para cada dia eram calculadas.

Análises estatísticas

Os dados de velocidade média da marcha foram agrupados em média e desvio-padrão para comparação entre os dias. Para os dados de pressão plantar (média e pico), as informações foram organizadas em média e desvio-padrão considerando os valores de 10 pisadas em cada dia, para cada perna. Os dados foram comparados entre as pisadas em cada dia e entre os diferentes dias de avaliação. O coeficiente de variação (CV) foi calculado considerando a razão entre o desvio-padrão e a média.

Para verificar a normalidade da distribuição dos dados foi usado o teste de Shapiro-Wilk. O teste de Anova one-way com post hoc de Tukey foi empregado para comparar as variáveis entre os quatro dias, assim como para comparar as pisadas em cada dia, para perna direita e esquerda. Para expressar a magnitude das assimetrias em cada dia, calculamos o índice de assimetria (IA) por meio da equação 1.1010 Teixeira MC, Teixeira LA. Leg preference and interlateral performance asymmetry in soccer player children. Develop Psychobiol. 2008;50:799-806. O nível de significância foi estabelecido em 0,05 para todas as análises. As análises estatísticas foram feitas com o pacote estatístico SPSS versão 17.0.

Resultados

As características dos participantes deste estudo estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos participantes avaliados. Dados apresentados em média ± desvio-padrão. IMC: índice de massa corporal, calculado pela razão entre a massa corporal e a estatura elevada ao quadrado

Quando os dados de pressão plantar para cada pé foram comparados entre os diferentes dias, observamos um padrão consistente na aplicação da pressão média, sem diferenças entre os dias, tanto para a perna direita (F(3) = 0,728; P = 0,542) quanto para perna esquerda (F(3) = 0,495; P = 0,688). Similar resultado foi observado para o pico de pressão, tanto para a perna direita (F(3) = 0,526; P = 0,667) quanto para perna esquerda (F(3) = 0,033; P = 0,992) (fig. 1).

Figura 1
Comparação entre os dias para pressão média e pressão pico. Média (colunas) e desvio‐padrão (linhas verticais) para a pressão média (N/cm2), variabilidade da pressão média (CV%), pico de pressão (N/cm2) e variabilidade do pico de pressão (CV%), do topo para o fim da figura, respectivamente.

Quando a variabilidade da pressão plantar foi comparada entre os diferentes dias, também observamos um padrão consistente de variabilidade na pressão média ao longo dos quatro dias, sem diferenças significativas, tanto para a perna direita (F(3) = 1,245; P = 0,308) quanto para perna esquerda (F(3)= 0,335; P = 0,800). Esse padrão também foi observado para a variabilidade do pico de pressão, tanto para a perna direita (F(3) = 0,600; P = 0,619) quanto para perna esquerda (F(3) = 0,415; P = 0,743) (fig. 1).

A média ± desvio-padrão do índice de assimetria para a pressão plantar média nos diferentes dias foi de 4,79% ± 0,99% e para o pico de pressão foi de 6,73% ± 1,36%. Ambos os índices foram similares entre os quatro dias de avaliação (F(3) = 0,986; P = 0,410 e F(3) = 0,125; P = 0,944, para a pressão média e pico, respectivamente).

Ao compararmos o índice de assimetria da pressão média e da pressão pico não foram observadas diferenças significativas no primeiro (t(9) = −1,740; P = 0,116), segundo (t(9) = −1,161; P = 0,275), terceiro (t(9) = −1,308; P = 0,223) ou quarto dia de avaliação (t(9) = −,072; P = 0,944) (fig. 2).

Figura 2
Comparação do índice de assimetria da pressão média e pressão pico entre os dias. Média (colunas) e desvio‐padrão (linhas verticais) para o índice de assimetria (%) nos quatro dias de avaliação para a pressão média (colunas pretas) e pico de pressão (colunas cinza).

Quando a pressão média para a perna direita e esquerda (fig. 3) foi comparada entre as 10 pisadas analisadas em cada dia, os resultados indicaram que no dia 1 houve um efeito das pisadas sobre a pressão média (F(9) = 11,092; P = < 0,001) onde o teste post hoc indicou diferença entre a 1ª e a 5ª pisada (P < 0,05), e entre a 1ª e a 8ª pisada (P < 0,05).

Figura 3
Comparação da pressão média entre as pisadas para cada dia. Média (colunas) e desvio‐padrão (linhas verticais) para a pressão média (N/cm2) considerando as 10 pisadas em cada dia, para a perna direita (linha superior) e esquerda (linha inferior). * indica diferença entre as pisadas.

Nas demais pisadas, e demais dias, não observamos quaisquer diferenças entre as pisadas da perna direita (F(9) = 0,405; P = 0,930; F(9) = 0,795; P = 0,622; F(9) = 0,477; P = 0,886; para os dias 1, 2, 3 e 4, respectivamente) e perna esquerda (F(9) = 0,302; P = 0,972; F(9) = 0,312; P = 0,969; F(9) = 0,446; P = 0,906; F(9) = 0,288; P = 0,977; para os dias 1, 2, 3 e 4, respectivamente).

Quando o pico de pressão para a perna direita e esquerda (fig. 4) foi comparado entre as 10 pisadas analisadas em cada dia, não observamos diferenças entre as pisadas com a perna direita (F(9)= 0,359; P = 0,951; F(9) = 0,706; P = 0,702; F(9) = 0,419; P = 0,922; F(9) = 0,454; P = 0,901; para os dias 1, 2, 3 e 4, respectivamente) ou com a perna esquerda (F(9) = 0,359; P = 0,951; F(9) = 0,196; P = 0,994; F(9) = 0,380; P = 0,942; F(9) = 0,189; P = 0,995; para os dias 1, 2, 3 e 4, respectivamente).

Figura 4
Comparação da pressão pico entre as pisadas para cada dia. Média (colunas) e desvio‐padrão (linhas verticais) para o pico de pressão (N/cm2) considerando as 10 pisadas em cada dia, para a perna direita (linha superior) e esquerda (linha inferior).

Discussão

Neste estudo analisamos a variabilidade e repetibilidade na pressão plantar média, pico e assimetrias durante a marcha de idosos. Nossos principais resultados sugerem que a pressão média e o pico de pressão na marcha dos idosos que avaliamos foram consistentes entre diferentes dias e refletiram índices de assimetrias similares ao longo de diferentes avaliações. Esse é um resultando importante, pois sugere que os idosos avaliados experimentam cargas distintas entre os membros inferiores durante a caminhada. Até o presente momento, esse parece ser o primeiro estudo a descrever tal padrão para a marcha de idosos.

Quando analisamos as diferentes pisadas em um mesmo dia, encontramos um padrão consistente da média e pico de pressão, ou seja, os valores de pressão plantar observados não diferiram entre as pisadas e dias, exceto por duas diferenças isoladas observadas na pressão média. Isso contribuiu para que os índices de assimetria tenham sido similares também. Essa repetibilidade das assimetrias, mesmo que com baixas magnitudes, pode repercutir em cargas cumulativas durante a locomoção e reiterar o que a literatura descreveu, ou seja, que a repetição do impacto assimétrico pode repercutir em riscos maiores do que a sua própria magnitude.1313 Chavet P, Lafortune MA, Gray JR. Asymmetry of lower extremity responses to external impact loading. Hum Movement Sci. 1997;16:391-406. O pé humano é responsável pelo amortecimento e pela absorção de impactos durante a marcha.8Periyasamy R, Anand S, Ammini AC. The effect of aging on the hardness of foot sole skin: a preliminary study. The Foot. 2012;22:95-9. Assim, a repetição de padrões assimétricos na aplicação da pressão plantar pode ter um efeito diferenciado no idoso, que apresenta tecidos moles dos pés com menor capacidade de absorção de impacto,2020 Bus SA. Ground reaction forces and kinematics in distance running in older-aged men. Med Sci Sports Exerc. 2003;35:1167-75. assim como diminuída habilidade propulsiva durante o ciclo da marcha.1818 Hessert MJ, Vyas M, Leach J, Hu K, Lipsitz LA, Novak V. Foot pressure distribution during walking in young and old adults. BMC Geriatrics. 2005;5:8.,2121 Kernozek TW, LaMott EE. Comparisons of plantar pressures between the elderly and young adults. Gait Posture. 1995;3:143-8.

Nosso experimento considerou idosos independentes, fato que pode ter sido determinante para que, mesmo com 60 ou mais anos, um padrão consistente de marcha seja observado entre os participantes. Nossos resultados poderiam ser diferentes se um grupo de idosos com alguma limitação fosse considerado, já que sujeitos saudáveis têm melhor capacidade de adaptar a sua marcha.2222 Castro MP, Soares D, Mendes E, Machado L. The influence of different in-shoe inserts on the plantar pressure during the gait of healthy elderly people. Gait Posture. 2012;36:S16. Contudo, devemos considerar que nossas medidas foram feitas a partir da área total do pé em contato com o solo. A avaliação de diferentes regiões do pé, embora mais complexa para o uso no ambiente clínico, também pode prover resultados adicionais sobre essa questão. O método que empregamos aqui buscou aproximar o resultado do que é observado com mais frequência em consultórios e clínicas que atendem idosos, onde os instrumentos de avaliação tendem a considerar a medida do pé inteiro, aprimorar o tempo de processamento dos dados, bem como facilitar o manuseio da instrumentação. Nosso grupo de participantes pode ser considerado pequeno (10 idosos), mas a homogeneidade das medidas é um fator que deve ser considerado em nossas análises. Se as medidas tivessem uma variabilidade muito alta, a probabilidade de um viés na análise estatística seria grande, o que não parece ser o caso do presente estudo.

O índice de assimetria que observamos foi semelhante ao longo dos dias e das pisadas. Mesmo de baixa magnitude, o predomínio de assimetrias nas respostas dos mecanismos de amortecimento dos membros inferiores pode afetar as cargas mecânicas experimentadas,2323 Laassel EM, Voisin PH, Loslever P, Herlant M. Analyse de la dissymetrie des deux membres inferieurs au tours de la marche normale. Ann Réadaptation et de Médecine Physique. 1992;35:159-73.,2424 Viel E, Perelle A, Peyranne J, Esnault M. Analyse tridimensionnelle de la marche et de l’appui du pied au sol. Médecine et Chirurgie du Pied. 1985;2:151-60. especialmente sobre tecidos moles da região plantar.5Hsu CC, Tsai WC, Chen CP, Shau YW, Wang CL, Chen MJ, et al. Effects of aging on the plantar soft tissue properties under the metatarsal heads at different impact velocities. Ultrasound Med Biol. 2005;31:1423-9.,9Hsu TC, Wang CL, Tsai WC, Kuo JK, Tang FT. Comparison of the mechanical properties of the heel pad between young and elderly adults. Arch Phys Med Rehab. 1998;79:1101-14. Considerando que idosos apresentam velocidade de marcha mais lenta do que adultos jovens, e que assim os pés experimentam as cargas mecânicas por mais tempo durante a fase de apoio,2525 Chiu MC, Wu HC, Chang LY, Wu MH. Center of pressure progression characteristics under the plantar region for elderly adults. Gait Posture. 2013;37:408-12. as assimetrias observadas podem ser um fator de risco para lesões plantares em longo prazo.2626 Kwan RLC, Zheng YP, Cheing GLY. The effect of aging on the biomechanical properties of plantar soft tissues. Clin Biomech. 2010;25:601-5.

Gurney et al.1616 Gurney JK, Kersting UG, Rosenbaum D. Between-day reliability of repeated plantar pressure distribution measurements in a normal population. Gait Posture. 2008;27:706-9. investigaram a confiabilidade das medidas de pressão plantar durante a marcha de uma população normal e independente em cinco diferentes dias e concluíram que as medidas têm repetibilidade satisfatória para uso em estudos clínicos. Nossos resultados também sugerem que as análises de pressão plantar e a sua variabilidade se apresentam bastantes consistentes em idosos comparando dados de avaliações feitas em quatro dias não consecutivos. De certa forma, isso facilita a tomada de decisões com base em medidas e avaliações clínicas dos pés dos idosos feitas durante a avaliação da marcha descalça em um único dia. Adicionalmente, a medida da pressão plantar considerando a área total do pé aumenta a confiabilidade na avaliação entre diferentes examinadores,2727 Deschamps K, Birch I, Mc Innes J, Desloovere K, Matricali GA. Inter- and intra-observer reliability of masking in plantar pressure measurement analysis. Gait Posture. 2009;30:379-82. já que elimina a subjetividade muitas vezes presente na definição das regiões do pé.

Nosso estudo tem algumas limitações. A tomada de medidas em vários dias buscando um intervalo similar entre as avaliações, embora fundamental para atingir o nosso objetivo, acabou limitando o número de participantes incluídos, pois vários idosos não conseguiram ser avaliados no intervalo de tempo desejado. A medida de pressão plantar na marcha descalça pode ser uma limitação, já que as pessoas andam calçadas no dia a dia. Contudo, fizemos essa escolha para que os dados tivessem minimizadas as influências dos diferentes tipos de calçados usados pelos idosos, uma vez que seria difícil exigir o uso de um mesmo tipo de calçado por todos os idosos. Por fim, embora a medida da pressão para a área total do pé possa ser indicada para o tipo de avaliação que fizemos,2727 Deschamps K, Birch I, Mc Innes J, Desloovere K, Matricali GA. Inter- and intra-observer reliability of masking in plantar pressure measurement analysis. Gait Posture. 2009;30:379-82. seria interessante considerar também a análise de regiões específicas do pé, especialmente em relação à localização dos picos de pressão.

Conclusão

Os idosos participantes deste experimento apresentaram um padrão similar de marcha nos diferentes dias, tanto para pressão média quanto para o pico de pressão, com índices de assimetrias também similares entre os diferentes dias avaliados. A repetibilidade dos índices de assimetria em idosos sugere que eles estejam expostos a cargas assimétricas de maneira consistente durante a locomoção e esse é um resultado que fomenta a necessidade de futuras investigações nesse tema.

  • Financiamento
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs, processo n° 1013100) por meio de financiamento concedido à FPC.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2014
  • Recebido
    17 Mar 2015
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