Acessibilidade / Reportar erro

Troca plasmática terapêutica em doenças reumáticas: a experiência de um hospital universitário

Resumo

Introdução:

Diariamente acumulam-se evidências relacionadas com o uso da troca plasmática terapêutica (TPT) em pacientes com doenças reumáticas. O Hospital Universitário San Ignacio registrou todas as sessões de TPT feitas pelo grupo de aférese dessa instituição.

Objetivo:

Descrever a experiência do Hospital Universitário San Ignacio na TPT em pacientes com doenças reumatológicas.

Métodos:

Análise observacional, retrospectiva, descritiva. Incluiu análises das sessões de TPT feitas em pacientes com doenças reumáticas de novembro de 2009 a novembro de 2013.

Resultados:

O grupo de aférese fez 136 sessões em 27 pacientes. A idade média foi de 43 anos (DP 18,5) e 59,3% eram do sexo feminino. Quanto ao diagnóstico, os mais frequentes foram: vasculite associada ao anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) seguida de lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolipídica catastrófica. A quantidade média de sessões por paciente foi de cinco (DP 1,8) e a média de troca plasmática por paciente foi de 1,3 unidade de substituição do volume de plasma. A solução de substituição mais usada foi o plasma fresco congelado (PFC, 63,2% das sessões). De todas as sessões, 4,4% apresentaram complicações, a maioria delas relacionadas com o acesso vascular. Quinze pacientes necessitaram de terapia de substituição renal (TSR) secundária à mesma causa que levou à necessidade de TPT; três pacientes necessitaram de TSR em decorrência de outras causas além da intervenção diagnóstica de TPT e um paciente tinha sido submetido à diálise crônica.

Conclusões:

A TPT é uma opção terapêutica necessária para o manejo de pacientes com doenças reumáticas com envolvimento renal e daqueles que são refratários ao tratamento convencional. Os resultados clínicos do presente estudo estão de acordo com o que é encontrado na literatura global.

Palavras-chave
Troca plasmática; Doenças reumáticas; Vasculite; Lúpus eritematoso sistêmico; Síndrome antifosfolipídica catastrófica

Abstract

Introduction:

Each day, evidence accumulates related to the use of therapeutic plasma exchange (TPE) in patients with rheumatic diseases. San Ignacio University Hospital has recorded all of the TPE sessions performed by the institution's apheresis group.

Objective:

To describe the TPE experience of patients with rheumatologic diseases in a hospital setting.

Methods:

Descriptive, observational, retrospective analysis. This study included analyses of the TPE sessions that were performed in patients with rheumatic diseases from November 2009 to November 2013.

Results:

The apheresis group performed 136 sessions in 27 patients. The mean patient age was 43 years (SD 18.5), and 59.3% of the patients were female. Regarding the diagnosis, the most frequents ones where: ANCA-associated vasculitis followed by systemic lupus erythematosus and catastrophic antiphospholipid syndrome. The average number of sessions per patient was 5 (SD 1.8), and the average plasma exchange per patient was 1.3 plasma volume replacement units. The most used replacement solution was frozen fresh plasma (FFP; 63.2% of the sessions). Of all the sessions, 4.4% presented complications, and the majority of the complications were related to vascular access. Fifteen patients required renal replacement therapy (RRT) secondary to the same cause that created the need for TPE, 3 patients required RRT due to causes other than the TPE diagnostic intervention and 1 patient had undergone chronic dialysis.

Conclusions:

TPE is a therapeutic alternative that is needed for the management of patients with rheumatic diseases with renal involvement and those who are refractory to conventional management. Our clinical results were in agreement with the global literature.

Keywords:
Plasma exchange; Rheumatic diseases; Vasculitis; Systemic lupus erythematosus; Catastrophic antiphospholipid syndrome

Introdução

A troca plasmática terapêutica (TPT) é uma terapia extracorpórea que envolve a separação do plasma dos elementos de formação do sangue para eliminar anticorpos, complexos imunes, citocinas e outros mediadores inflamatórios circulantes.11 Baweia S, Wiggins K, Lee D, Blair S, Fraenkel M, McMahon LP. Benefits and limitations of plasmapheresis in renal diseases: an evidence bases approach. J Artif Organs. 2011;14:9-22.,22 Ward DM. Conventional apheresis therapies: a review. J Clin Apher. 2011;26:230-8. O volume de plasma retirado é simultaneamente substituído por outra solução, como a albumina ou o plasma fresco congelado.33 Nguyen TC, Kiss JE, Goldman JR, Carcillo JA. The role of plasmapheresis in critical illness. Crit Care Clin. 2012;28:453-68.,44 Restrepo C, Márquez E, Sanz MF. Plasmaferesis terapéutica: Tipos, técnica e indicaciones en medicina interna. Actualizaciones. Acta Med Col. 2009;34:23-32.

A TPT produz alterações em substâncias que podem atuar na fisiopatologia da doença. Por exemplo, a TPT esgota as proteínas do plasma, inclusive anticorpos, fatores de coagulação, componentes do complemento, peptídeos vasoativos, citocinas, hormônios, minerais e outras substâncias.55 Kaplan A. Therapeutic plasma exchange: Core Curriculum 2008. Core curriculum in nephrology. Am J Kidney Dis. 2008;52:1180-96.,66 Illei GG. Apheresis. Rheum Dis Clin North Am. 2000;26:63-73.

Em 1960, Schwab e Fahey fizeram a primeira TPT em um paciente com macroglobulinemia.11 Baweia S, Wiggins K, Lee D, Blair S, Fraenkel M, McMahon LP. Benefits and limitations of plasmapheresis in renal diseases: an evidence bases approach. J Artif Organs. 2011;14:9-22. A introdução da troca plasmática à prática clínica para pacientes com doença renal e imunológica foi feita por Lockwood et al. em 1975, em um paciente com síndrome de Goodpasture. A TPT associada à terapia imunossupressora resultou em melhoria na função renal e resolução da hemorragia alveolar do paciente.77 Hildebrand A, Huang S, Clark W. Plasma exchange for kidney disease: what is the best evidence?. Adv Chron Kidney Dis. 2014;21:217-27. Desde então, a quantidade de indicações para esse procedimento tem aumentado. Essas indicações eram inicialmente baseadas em casos anedóticos ou estudos não controlados. A progressão do conhecimento médico e a compreensão da fisiopatologia de diversas doenças apoiam o papel da TPT como parte do tratamento de várias entidades clínicas. As evidências clínicas atuais apoiam o uso desse tipo de tratamento em várias doenças, inclusive as reumáticas.

A aférese destina-se a remover fisicamente complexos imunes ou fatores humorais. A aférese é considerada um tratamento opcional quando o tratamento conservador foi insuficiente para controlar a atividade da doença ou em alguns casos como um complemento à terapia convencional destinada a aprimorar os resultados. No entanto, a aférese é uma medida temporária e requer tratamento clínico subsequente ou sessões repetidas.88 Pons-Enstel G. Therapeutic plasma exchange for the management of refractory systemic autoimmune diseases: report of 31 cases and review of the literature. Autoimmun Rev. 2011;10:679-84.

A utilidade da aférese tem sido repetidamente demonstrada em pacientes com crioglobulinemia mista essencial, vasculite associada ao ANCA, síndrome de Goodpasture, síndrome antifosfolipídica catastrófica e outras condições.99 Colleen T, Sudhakar S. Novel therapies on vasculitis. Expert Opin Investig Drugs. 2001;10:1279-89.

Em 1960, foi feita aférese em pacientes com artrite reumatoide. Posteriormente, foram publicados estudos relacionados com a TPT e a leucaférese. Relatou-se que a TPT não era eficaz contra a artrite reumatoide, ao passo que a leucaférese estava associada a uma resposta temporária. Desde 1980, outras técnicas de purificação do sangue têm sido usadas, inclusive o teste de imunoadsorção em coluna preenchida com proteína A isolada de Staphylococcus aureus. Essas colunas têm uma elevada afinidade para a porção Fc da imunoglobulina e, assim, conseguem a remoção dos complexos imunes circulantes e dos anticorpos envolvidos na fisiopatologia da doença. Depois do uso da aférese em 91 pacientes com artrite reumatoide refratária a fármacos antirreumáticos modificadores da doença, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou em 1999 a aférese como parte do tratamento para essa doença.1010 Seror R. Plasma exchange for rheumatoid arthritis. Transfus Apher Sci. 2007;36:195-9.

Desde 2008 o Hospital Universitário San Ignacio, uma instituição acadêmica em Bogotá (Colômbia), emprega um sistema de TPT e filtragem transmembrana com uma técnica controlada pelo volume e verificada quanto à segurança e precisão dessa terapia. O grupo de aférese e nefrologia da presente instituição registrou todas as sessões de TPT feitas. No presente estudo, relata-se a experiência desse grupo com a TPT no tratamento de pacientes com doenças reumáticas. O objetivo é avaliar a resposta clínica a essa terapia.

Material e métodos

População de estudo

Fez-se uma análise descritiva das sessões de TPT de pacientes com doenças reumáticas feitas durante quatro anos (de novembro de 2009 a novembro de 2013) no Hospital Universitário San Ignacio. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição e pela Universidade Javeriana. Registraram-se as características demográficas dos pacientes, as técnicas usadas, as indicações terapêuticas e as complicações com base nas informações obtidas do registro clínico da instituição e da base de dados do presente grupo de aférese. A população foi classificada por sexo, idade, etnia, local do hospital, quantidade de sessões de TPT por paciente e indicação do tratamento. Uma sessão foi definida como uma terapia de TPT; um procedimento foi definido como o grupo de sessões de TPT que foram feitas em um paciente com um diagnóstico específico durante um determinado período.

Técnica

No desenvolvimento da técnica de TPT, usaram-se sistemas de equipamentos de filtragem transmembrana e cateteres de hemodiálise para acesso vascular. As terapias de reposição usadas envolveram o PFC e a albumina a 5%. A seleção da solução foi feita de acordo com a doença do indivíduo, a indicação terapêutica, o estado clínico e a probabilidade de eventos adversos. A solução de substituição selecionada tem implicações para a eficácia do tratamento, pressão oncótica, distúrbios de coagulação e ocorrência de eventos adversos. Em geral, prefere-se usar albumina em detrimento do PFC em decorrência da redução nos riscos de reações de hipersensibilidade e transmissão de doenças virais associadas ao uso da albumina.1010 Seror R. Plasma exchange for rheumatoid arthritis. Transfus Apher Sci. 2007;36:195-9. No entanto, no tratamento de algumas doenças, a solução de escolha é o PFC, porque ele alivia todas as deficiências dos fatores plasmáticos. É também preferível usar PFC quando o paciente está em risco de sangramento, apresenta defeitos hemostáticos ou baixos níveis de fibrinogênio, ou apresenta hemorragia ativa.1111 Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Handbook of dialysis. Plasmapheresis. 4th ed. Lippincott Williams and Wilkins; 2007. p. 275–98.

12 Madore F. Plasmapheresis technical aspects and indications. Crit Care Clin. 2002;18:375-92.
-1313 Cordoba JP, Larrarte C, Ruiz A. Is anticoagulation required in plasmapheresis? A university Hospital Experience in Bogotá, Colombia. Transfus Apher Sci. 2013;48:301-5.

Para fazer o tratamento, estima-se o volume de plasma do paciente com a fórmula de Kaplan. Prescreve-se ao paciente 1 a 1,5 unidade de substituição do volume de plasma. A quantidade de sessões prescritas depende da doença subjacente e das recomendações das diretrizes internacionais de aférese. As terapias foram monitoradas pela equipe de enfermagem com treinamento no monitoramento e registro responsável dos parâmetros terapêuticos, controle dos sinais vitais do paciente e observação dos sintomas ocorridos durante a sessão de TPT.

Análise estatística

As variáveis categóricas são descritas como frequências (proporções e porcentagens) e as variáveis numéricas são descritas como medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de dispersão (desvio-padrão e intervalo). As análises citadas foram feitas com o software STATA, versão 10.

Resultados

Dados demográficos

Fizeram-se 136 sessões em 27 pacientes. A idade média foi de 43 anos (DP 18,5). Trataram-se três pacientes com idade superior a 65 anos e um com idade inferior a 15 anos. A população era composta por 59,3% de mulheres e 40,7% de homens; 100% dos pacientes eram mestiços. De todas as sessões, 74,3% foram feitas em unidades de terapia intensiva (UTI) e 25,7% em regime ambulatorial. A quantidade média de sessões por paciente foi de cinco (DP 1,8); 48% dos pacientes tinham diagnósticos recentes e 52% tinham doenças autoimunes relacionadas; entre esses últimos, 92% recebiam tratamento, 78% usavam corticoides e 21% receberam tratamento com citostáticos; 26 pacientes receberam tratamentos associados à TPT e tratamentos com corticoides (quatro por via intravenosa e um por via oral) e 13 pacientes receberam citostáticos (tabela 1).

Tabela 1
Características da população

Indicação terapêutica

Os diagnósticos, em ordem decrescente de frequência, foram os seguintes: vasculite associada ao ANCA com glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) e/ou hemorragia alveolar, lúpus eritematoso sistêmico (LES) com hemorragia alveolar refratária, síndrome antifosfolípidica catastrófica, crioglobulinemias e síndrome de Goodpasture (tabela 2). A maior parte dos pacientes necessitou de TPT para doenças renais e pulmonares concomitantes ou apenas doença pulmonar. Outros precisaram de TPT para uma doença condizente com as recomendações das diretrizes da Sociedade Americana para Aférese ASFA (tabela 3).

Tabela 2
Indicação do tratamento
Tabela 3
Tipos de distúrbios em pacientes submetidos a TPT

Técnica de troca plasmática

Todas as sessões foram feitas com a técnica de filtração transmembrana com uma média de troca plasmática de 1,3 volume. Não foram usados agentes anticoagulantes em sessão alguma. Cateteres de hemodiálise transitórios foram usados em todas as sessões; 58,8% dos cateteres estavam localizados em veias jugulares e os outros foram colocados nas veias femorais. A solução de substituição mais usada foi a PFC (63,2% das sessões), seguida da albumina a 5% (31,6% das sessões), uma combinação de plasma com albumina (4,4% das sessões) e albumina a 3,5% (0,7% das sessões).

Complicações

As complicações ocorreram em 4,4% das sessões de TPT e estiveram relacionadas principalmente com o acesso vascular. As complicações do acesso vascular foram mais comuns do que aquelas relacionadas com disfunções do cateter. A tabela 4 descreve as complicações observadas durante as sessões de TPT (tabela 4). Quanto às alterações eletrolíticas ocorridas durante os procedimentos, as taxas de hipocalcemia, hipocalemia e hipofosfatemia foram de 17%, 15% e 4%, respectivamente.

Tabela 4
Complicações relacionadas com a TPT

Desfechos

Quinze pacientes necessitaram de terapia de reposição renal (TRR) secundária à causa que exigia a TPT, um estava em diálise crônica e três necessitaram de TRR por outras causas que não as responsáveis pelas indicações para a TPT. Entre os 19 pacientes submetidos à TRR, 10 morreram, cinco recuperaram a função renal e quatro se tornaram dependentes da diálise ao receber alta. Entre os 27 pacientes, 13 morreram e a maior parte das mortes foi decorrente de choque séptico. A tabela 5 descreve os desfechos do paciente após a TPT.

Tabela 5
Desfechos

Discussão

A TPT pode remover complexos imunes, autoanticorpos e outros reagentes imunes envolvidos na fisiopatologia das doenças reumáticas do sangue. Desde o uso inicial da TPT, essa técnica tem sido examinada em vários estudos reumatológicos; no entanto, esses estudos geralmente relataram resultados ou efeitos negativos que eram insuficientes para justificar as recomendações do procedimento (principalmente no LES), a menos que seu uso estivesse associado à microangiopatia trombótica ou síndrome antifosfolipídica catastrófica.1414 Cordoba J, Ruiz C, Larrarte C, Mendez JA, Beltran E, Caicedo A, et al. Intercambio plasmático terapéutico en enfermedades neurológicas mediadas inmunológicamente: experiencia de cuatro años del Hospital Universitario San Ignacio, Bogotá, Colombia. Acta Neurol Colomb. 2014;30:89-96.,1515 Pagnoux C, Korach J-M, Guillevin L. Indications for plasma exchange in systemic lupus erythematosus in 2005. Lupus. 2005;14:871-7.

As melhores evidências que apoiam o uso da TPT estão relacionadas com as doenças renais, como síndrome hemolítica urêmica, vasculite, anticorpos antimembrana basal glomerular, no contexto do transplante renal por glomerulonefrite recorrente, e no manejo da rejeição pós-transplante.1515 Pagnoux C, Korach J-M, Guillevin L. Indications for plasma exchange in systemic lupus erythematosus in 2005. Lupus. 2005;14:871-7.

Em estudos da hemorragia alveolar grave associada à síndrome de Goodpasture e outras condições que afetam os capilares pulmonares, encontrou-se que a TPT é uma opção terapêutica útil ao uso de agentes imunossupressores1313 Cordoba JP, Larrarte C, Ruiz A. Is anticoagulation required in plasmapheresis? A university Hospital Experience in Bogotá, Colombia. Transfus Apher Sci. 2013;48:301-5. para doenças renais que resultam de anticorpos antimembrana basal glomerular; no entanto, as evidências relacionadas com a aplicação da TPT para a vasculite associada ao ANCA são ruins.77 Hildebrand A, Huang S, Clark W. Plasma exchange for kidney disease: what is the best evidence?. Adv Chron Kidney Dis. 2014;21:217-27.,1616 Rúa-Figueroa I, Erausquin C. Tratamiento de las vasculitis sistémicas asociadas a ANCA. Reumatol Clin. 2010;6:161-72.

No que se refere ao comprometimento renal decorrente da vasculite associada ao ANCA, a melhor evidência disponível é o estudo Mepex, que comparou o uso de pulsos de metilprednisolona com a troca plasmática feita precocemente. O estudo encontrou que a troca plasmática era superior em termos de sobrevida livre de diálise; no entanto, não foram detectadas diferenças nas taxas de mortalidade.1717 Stegmayr B, Korach JM, Norda R, Rock G, Fadel F. Is there a need for a national or a global apheresis registry?. Transfus Apheresis Sci. 2003;29:179-85.,1818 Jayne DR, Gaskin G, Rasmussen N, Abramowicz D, Ferrario F, Guillevin L, et al. Randomized trial of plasma exchange or high-dosage methylprednisolone as adjunctive therapy for severe renal vasculitis. J Am Soc Nephrol. 2007;18:2180-8. A presente coorte recebeu ambas as intervenções consecutivamente. Portanto, não é possível fazer comparações com o estudo Mepex em termos de recuperação da função renal. Além disso, não se tem dados de seguimento que possibilitem a avaliação da recuperação na função renal a longo prazo do paciente.

Recentemente publicou-se uma revisão das evidências disponíveis sobre a TPT na vasculite associada ao ANCA.1919 Walters G. Role of therapeutic plasmapheresis in ANCA-associated vasculitis. Pediatr Nephrol. 2016;31:217-25. Essa publicação se refere a oito ensaios clínicos randomizados que avaliaram o papel da TPT na vasculite renal pauci-imune. Os critérios de inclusão e exclusão dos estudos foram diferentes, mas a maior parte incluiu pacientes com glomerulonefrite crescêntica. Vários estudos documentaram o efeito a favor da TPT em termos de recuperação da função renal e sobrevida renal. Os resultados desses estudos foram analisados na revisão sistemática Cochrane. Essa análise apoia o efeito benéfico da TPT no desenvolvimento da doença renal terminal em três e 12 meses de tratamento. Os pacientes incluídos nesses estudos apresentaram doença renal grave, de modo que o benefício da TPT não pode ser extrapolado a pessoas com disfunção renal menos grave. O estudo Pexivas, que está em andamento, tem como objetivo resolver essas questões.

Não há ensaios clínicos randomizados que avaliem o efeito da TPT em pacientes com hemorragia alveolar associada ao ANCA. Estudos retrospectivos sugerem que a TPT pode ser útil com base na lógica da remoção de anticorpos e à semelhança da fisiopatologia entre a hemorragia alveolar e a glomerulonefrite rapidamente progressiva associada à vasculite.2020 Ben Fatma L, El Ati Z, Lamia R, Aich DB, Madiha K, Wided S, et al. Alveolar hemorrhage and kidney disease: characteristics and therapy. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2013;24:743-50.

O presente estudo incluiu pacientes com vasculite associada ao ANCA com comprometimento renal ou pulmonar. Esses pacientes foram tratados com imunossupressão e TPT. Este tipo de estudo não possibilita comparações entre as modalidades terapêuticas e não possibilita o prognóstico em longo prazo em pacientes tratados com TPT. A mortalidade entre esses pacientes foi alta e também a necessidade de diálise durante a hospitalização. Dos sete pacientes que sobreviveram, três continuaram a precisar de diálise até a alta (dados não mostrados).

A troca plasmática provou ser eficaz em crioglobulinemias mistas essenciais. Assim, propôs-se que a troca plasmática é um tratamento eficaz para pacientes com crioglobulinemias sintomáticas. Uma quantidade significativa de observações apoia o papel da aférese em melhorar a doença renal aguda, neuropatias e ulcerações decorrentes de tratamentos para crioglobulinemias mistas essenciais. Além disso, a aférese permanece o tratamento de primeira linha para a síndrome de hiperviscosidade decorrente da crioglobulinemia, apesar da quantidade limitada de estudos disponíveis sobre o assunto, o que se deve principalmente à baixa prevalência dessa doença. As recomendações do grupo italiano incluem o uso da aférese em casos de manifestações graves potencialmente fatais secundárias à crioglobulinemia e quando os outros tratamentos falharem.77 Hildebrand A, Huang S, Clark W. Plasma exchange for kidney disease: what is the best evidence?. Adv Chron Kidney Dis. 2014;21:217-27.,2121 West S, Arulkumaran N, Ind P, Pusey C. Diffuse alveolar haemorrhage in ANCA-associated vasculitis. Intern Med. 2013;52:5-13.,2222 Pietrogrande M, De Vita S, Zignego AL, Pioltelli P, Sansonno D, Sollima S, et al. Recommendations for the management of mixed cryoglobulinemia syndrome in hepatitis C virus-infected patients. Autoimmun Rev. 2011;10:444-54. No presente estudo, a aférese foi administrada a dois pacientes com diagnóstico de crioglobulinemia associada à hemorragia alveolar e síndrome antifosfolipídica catastrófica, conforme confirmado pelas recomendações citadas previamente.

De acordo com os achados descritos anteriormente, as indicações aplicadas em nossa experiência são semelhantes às recomendadas na literatura. Também será útil avaliar as respostas e a mortalidade dos pacientes submetidos à troca plasmática por vasculite associada ao ANCA na presença de hemorragia alveolar e GNRP.

Nos pacientes com LES tratados com TPT, as evidências são menos claras do que em outras doenças. O tratamento com TPT é reservado a casos de LES refratários ao tratamento de primeira linha. Neste estudo, oito pacientes com LES foram tratamentos com TPT, dos quais sete tinham hemorragia alveolar e tinham recebido terapia imunossupressora adicional.2323 Kazzaz NM, Coit P, Lewis EE, McCune MJ, Sawalha AH, Knight JS. Systemic lupus erythematosus complicated by diffuse alveolar haemorrhage: risk factors, therapy and survival. Lupus Sci Med. 2015;2:e000117.

Em relação a isso, a French Society of Hemapheresis relatou uma taxa de 2,8% de complicações e eventos adversos em 2003 e documentou especificamente a hipocalcemia seguida de reações alérgicas. Infecções bacterianas ou virais que são principalmente decorrentes do herpes zoster ou citomegalovírus são comuns em pacientes que receberam previamente glicocorticoides e/ou ciclofosfamida e geralmente também são comuns nesse tipo de paciente.2424 Seck SM, Bertrand D, Boucar D. Current indication of plasma exchanges in nephrology: a systematic review. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2011;22:219-24. No presente estudo, observou-se uma taxa de complicações de 4,4%. As complicações estiveram comumente associadas a evidências de hipocalcemia, similarmente ao que foi relatado pela French Society of Hemapheresis.

As evidências são fracas para produzir recomendações sobre custo-eficácia. Contudo, acredita-se que a TPT irá receber cada vez mais indicações para uso em doenças reumatológicas e requer mais pesquisas. O presente estudo apresenta fragilidades, pois se trata de um estudo descritivo e retrospectivo com uma amostra pequena, o que limita a análise estatística. Todavia, considera-se que são informações úteis para a prática clínica.

Conclusão

A principal indicação para a troca plasmática foi a vasculite associada ao ANCA com glomerulonefrite e hemorragia alveolar de progressão rápida. A taxa de complicação foi baixa e principalmente impulsionada por alterações eletrolíticas. Os agentes anticoagulantes não foram usados nas sessões de troca plasmática durante os oito anos relatados e não foram observadas complicações secundárias. São necessários mais estudos para avaliar as respostas em longo prazo e a recorrência.

References

  • 1
    Baweia S, Wiggins K, Lee D, Blair S, Fraenkel M, McMahon LP. Benefits and limitations of plasmapheresis in renal diseases: an evidence bases approach. J Artif Organs. 2011;14:9-22.
  • 2
    Ward DM. Conventional apheresis therapies: a review. J Clin Apher. 2011;26:230-8.
  • 3
    Nguyen TC, Kiss JE, Goldman JR, Carcillo JA. The role of plasmapheresis in critical illness. Crit Care Clin. 2012;28:453-68.
  • 4
    Restrepo C, Márquez E, Sanz MF. Plasmaferesis terapéutica: Tipos, técnica e indicaciones en medicina interna. Actualizaciones. Acta Med Col. 2009;34:23-32.
  • 5
    Kaplan A. Therapeutic plasma exchange: Core Curriculum 2008. Core curriculum in nephrology. Am J Kidney Dis. 2008;52:1180-96.
  • 6
    Illei GG. Apheresis. Rheum Dis Clin North Am. 2000;26:63-73.
  • 7
    Hildebrand A, Huang S, Clark W. Plasma exchange for kidney disease: what is the best evidence?. Adv Chron Kidney Dis. 2014;21:217-27.
  • 8
    Pons-Enstel G. Therapeutic plasma exchange for the management of refractory systemic autoimmune diseases: report of 31 cases and review of the literature. Autoimmun Rev. 2011;10:679-84.
  • 9
    Colleen T, Sudhakar S. Novel therapies on vasculitis. Expert Opin Investig Drugs. 2001;10:1279-89.
  • 10
    Seror R. Plasma exchange for rheumatoid arthritis. Transfus Apher Sci. 2007;36:195-9.
  • 11
    Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Handbook of dialysis. Plasmapheresis. 4th ed. Lippincott Williams and Wilkins; 2007. p. 275–98.
  • 12
    Madore F. Plasmapheresis technical aspects and indications. Crit Care Clin. 2002;18:375-92.
  • 13
    Cordoba JP, Larrarte C, Ruiz A. Is anticoagulation required in plasmapheresis? A university Hospital Experience in Bogotá, Colombia. Transfus Apher Sci. 2013;48:301-5.
  • 14
    Cordoba J, Ruiz C, Larrarte C, Mendez JA, Beltran E, Caicedo A, et al. Intercambio plasmático terapéutico en enfermedades neurológicas mediadas inmunológicamente: experiencia de cuatro años del Hospital Universitario San Ignacio, Bogotá, Colombia. Acta Neurol Colomb. 2014;30:89-96.
  • 15
    Pagnoux C, Korach J-M, Guillevin L. Indications for plasma exchange in systemic lupus erythematosus in 2005. Lupus. 2005;14:871-7.
  • 16
    Rúa-Figueroa I, Erausquin C. Tratamiento de las vasculitis sistémicas asociadas a ANCA. Reumatol Clin. 2010;6:161-72.
  • 17
    Stegmayr B, Korach JM, Norda R, Rock G, Fadel F. Is there a need for a national or a global apheresis registry?. Transfus Apheresis Sci. 2003;29:179-85.
  • 18
    Jayne DR, Gaskin G, Rasmussen N, Abramowicz D, Ferrario F, Guillevin L, et al. Randomized trial of plasma exchange or high-dosage methylprednisolone as adjunctive therapy for severe renal vasculitis. J Am Soc Nephrol. 2007;18:2180-8.
  • 19
    Walters G. Role of therapeutic plasmapheresis in ANCA-associated vasculitis. Pediatr Nephrol. 2016;31:217-25.
  • 20
    Ben Fatma L, El Ati Z, Lamia R, Aich DB, Madiha K, Wided S, et al. Alveolar hemorrhage and kidney disease: characteristics and therapy. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2013;24:743-50.
  • 21
    West S, Arulkumaran N, Ind P, Pusey C. Diffuse alveolar haemorrhage in ANCA-associated vasculitis. Intern Med. 2013;52:5-13.
  • 22
    Pietrogrande M, De Vita S, Zignego AL, Pioltelli P, Sansonno D, Sollima S, et al. Recommendations for the management of mixed cryoglobulinemia syndrome in hepatitis C virus-infected patients. Autoimmun Rev. 2011;10:444-54.
  • 23
    Kazzaz NM, Coit P, Lewis EE, McCune MJ, Sawalha AH, Knight JS. Systemic lupus erythematosus complicated by diffuse alveolar haemorrhage: risk factors, therapy and survival. Lupus Sci Med. 2015;2:e000117.
  • 24
    Seck SM, Bertrand D, Boucar D. Current indication of plasma exchanges in nephrology: a systematic review. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2011;22:219-24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2016
  • Aceito
    8 Nov 2016
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br