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Qualidade de vida e capacidade funcional de pacientes com capsulite adesiva: identificação de fatores de risco associados a melhores desfechos após tratamento com bloqueio de nervo

Resumo

Introdução:

Os objetivos deste estudo foram avaliar a qualidade de vida e a capacidade funcional de pacientes com capsulite adesiva no início e no fim do procedimento de bloqueio de nervo e identificar fatores de risco associados a melhores desfechos após o tratamento.

Métodos:

Fez-se um estudo de coorte prospectiva. Os critérios de inclusão foram sinais clínicos de capsulite adesiva e alterações da doença nos exames de imagem do ombro. Administrou-se a forma abreviada do questionário World Health Organization Quality of Life e o questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand no início e no fim do tratamento. Foi usada uma pontuação de 55 pontos ou mais no índice de Constant para descontinuar o tratamento. Usou-se o teste de Wilcoxon para amostras pareadas. Aplicou-se a análise de regressão múltipla de Poisson com variáveis de exposição com p < 0,20 na análise univariada. Usou-se a qualidade de vida satisfatória e a melhor capacidade funcional como desfechos. O nível de significância foi de 5%.

Resultados:

Avaliaram-se 43 pacientes. Na comparação entre os valores medianos no início e no fim do tratamento (Domínio Físico: 46,43 a 67,86; Domínio Psicológico: 66,67 a 79,17; Domínio Social: 66,67 a 75; Domínio Ambiental: 62,5 a 68,75; DASH: 64,16 a 38,33), o p foi < 0,05. O envelhecimento (Físico/Psicológico/DASH), a maior escolaridade (Físico/Ambiental/DASH), a menor gravidade (apenas Físico) e a menor quantidade de bloqueios de nervo (apenas Psicológico) foram fatores de risco independentes.

Conclusões:

A qualidade de vida e a capacidade funcional dos pacientes melhoram no fim do procedimento. Pacientes mais idosos e uma maior escolaridade são os fatores de risco associados à qualidade de vida satisfatória e à melhor capacidade funcional depois do tratamento com bloqueio de nervo

Palavras-chave
Qualidade de vida; Bloqueio de nervo; Avaliação de desfecho; Capsulite adesiva; Ombro

Abstract

Introduction:

The objectives of this study were to assess the quality of life and functional capacity of adhesive capsulitis patients at the beginning and end of procedure and to identify risk factors associated to better outcomes after treatment with nerve blocking.

Methods:

A prospective cohort study was performed. Inclusion criteria were clinical signs of adhesive capsulitis and disease changes on shoulder imaging exams. The short form of World Health Organization Quality of life and Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand questionnaires were administered at the beginning and end of treatment. A score of 55 points or more on the Constant index was used for discontinuation of treatment. We used the Wilcoxon test for paired samples. Multiple regression analysis of Poisson was carried out using exposure variables with p < 0.20 in the univariate analysis and the satisfactory quality of life and better functional capability as outcomes. The significance level was 5%.

Results:

43 patients were evaluated. For the comparison between medians values at the beginning and end of treatment (physical domain: 46.43-67.86; psychologic domain: 66.67-79.17; social domain: 66.67-75; environment domain: 62.5-68.75; DASH: 64.16-38.33), p was <0.05. Aging (physical/psychologic/DASH), higher educational level (physical/environment/DASH), less severity (only physical) and fewer nerve blocking (only psychologic) were these independent risk factors.

Conclusions:

Quality of life and functional capacity of the patients improve at the end of procedure. Older patients and higher education levels are the risk factors most associated to satisfactory quality of life and better functional capacity after treatment with nerve blocking.

Keywords:
Quality of life; Nerve block; Outcome assessment; Adhesive capsulitis; Shoulder

Introdução

A mensuração do desfecho é um componente essencial para definir a efetividade da prática clínica. Na comunidade ortopédica e reumatológica, tem havido um interesse crescente nas medidas de desfecho que capturam a perspectiva do paciente de sua própria condição clínica. Essas medidas incluem a análise da qualidade de vida (QV) e da capacidade funcional (CF), indicadores de saúde amplamente aceitos em intervenções de saúde.11 Nesvold IL, Reinertsen KV, Fossa SD, Dahl AA. The relation between arm/shoulder problems and quality of life in breast cancer survivors: a cross-sectional and longitudinal study. J Cancer Surviv. 2011;5:62-72.,22 Paananen M, Taimela S, Auvinen J, Tammelin T, Zitting P, Karppinen J. Impact of self-reported musculoskeletal pain on health-related quality of life among young adults. Pain Med. 2011;12:9-17.,33 Piitulainen K, Ylinen J, Kautiainen H, Häkkinen A. The relationship between functional disability and health-related quality of life in patients with a rotator cuff tear. Disabil Rehabil. 2012;34:2071-5.

A forma abreviada do questionário World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-BREF) é uma medida genérica, multidimensional e multicultural de QV. Pode ser usado em pacientes com transtornos psicológicos e físicos, bem como por indivíduos saudáveis.44 Fleck MPA, Louzada S, Marta X, Cachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQOL-BREF. J Public Health. 2000;34:178-83.,55 Fleck MP, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Cachamovich E, Vieira G, et al. Development of the Portuguese version of the OMS evaluation instrument of quality of life. Rev Bras Psiquiatr. 1999;21:21-8. Uma limitação desse questionário é que ele não aborda todas as questões relevantes à incapacidade na QV. Outro instrumento, o DASH, avalia a CF e reflete o impacto dos sintomas e da função física em pacientes com transtornos musculoesqueléticos crônicos de membros superiores.66 Aktekin LA, Eser F, Baskan BM, Sivas F, Malhan S, Öksüz E, et al. Disability of Arm, Shoulder and Hand Questionnaire in rheumatoid arthritis patients: relationship with disease activity, HAQ, SF-36. Rheumatol Int. 2011;31:823-6. Recomenda-se a inclusão de pelo menos um questionário genérico e um questionário específico em estudos que avaliam os distúrbios do ombro, uma vez que os questionários se complementam.77 Staples MP, Forbes A, Green S, Buchbinder R. Shoulder-specific disability measures showed acceptable construct validity and responsiveness. J Clin Epidemiol. 2010;63:163-70.,88 Beaton DE, Richards RR. Measuring function of the shoulder. J Bone Jt Surg. 1996;78:882-90.

A maior parte dos estudos em pacientes com capsulite adesiva aborda os sintomas da doença. Esses estudos analisam os resultados do tratamento com escalas de dor, força e escalas de amplitude de movimento. O uso desses métodos clínicos convencionais pode levar a uma avaliação incompleta da saúde.99 De Carli A, Vadalà A, Perugia D, Frate L, Iorio C, Fabbri M, et al. Shoulder adhesive capsulitis: manipulation and arthroscopic arthrolysis or intra-articular steroid injections. Int Orthop. 2012;36:101-6. No entanto, uma análise desses desfechos (QV e CF) pode fornecer informações complementares e ajudar a caracterizar a percepção de vida dos indivíduos afetados em diferentes dimensões, uma vez que nada é conhecido sobre o uso simultâneo do WHOQOL-BREF e do DASH nessa doença, apesar da correlação que há entre os instrumentos.1010 Fernandes MR. Correlation between functional disability and quality of life in patients with adhesive capsulitis. Acta Ortop Bras. 2015;23:81-4. O tratamento da capsulite adesiva é desafiador, uma vez que a maior parte dos pacientes tem resposta parcial, evolução crônica e limitação funcional. A reabilitação física e medidas para tratar a dor e a inflamação/adesão são insuficientes, sugerem que há um componente psicossocial relevante. Os objetivos deste estudo foram avaliar a QV e a CF dos pacientes com capsulite adesiva no início e no fim do procedimento e identificar os fatores de risco associados à qualidade de vida satisfatória e à melhor capacidade funcional após o tratamento com bloqueio de nervo.

Material e métodos

Participantes

Fez-se um estudo de coorte prospectiva com pacientes com capsulite adesiva. Selecionaram-se os participantes durante consultas de rotina em uma clínica especializada de agosto/2010 a fevereiro/2012.

Incluíram-se pacientes adultos e idosos com capsulite adesiva que tivessem dor constante e prolongada com duração superior a quatro semanas, limitação da amplitude de movimento ativa e passiva dos ombros, elevação anterior a 130°, rotação externa a 50° e rotação interna até L5.1111 Zuckerman JD, Rokito A. Frozen shoulder: a consensus definition. J Shoulder Elbow Surg. 2011;20:322-5.

Os critérios de inclusão foram sinais clínicos de capsulite adesiva, presença de osteopenia por desuso nas radiografias de ombro (incidência AP verdadeira, axilar e escapular) e redução no volume da cápsula articular associada à obliteração do recesso axilar na ressonância magnética do ombro realizada nos últimos 30 dias.

Excluíram-se os pacientes que tivessem ou relatassem esses dados: idade inferior a 24 anos, doenças concomitantes como laceração completa do manguito rotador, instabilidade, artrose glenoumeral e luxação bloqueada do ombro; sequelas motoras de acidente vascular encefálico (hemiplegia ou hemiparesia), história de cirurgia de mama nos últimos três meses; quimioterapia ou radioterapia; capsulite adesiva com envolvimento bilateral, cirurgia prévia no ombro afetado; diagnóstico de diabetes descompensada ou hemoglobina glicosilada superior a 7% nos 30 dias anteriores; ou infiltração subacromial ou bloqueio do nervo supraescapular (SSNB) nos 15 dias anteriores ao recrutamento.

Ferramentas de avaliação

Os pacientes incluídos no estudo preencheram os instrumentos WHOQOL-BREF e DASH no início e no fim do tratamento, em ambiente privado, sem a presença de ninguém. Os questionários foram autoaplicados e os pacientes gastaram uma média de 15 minutos por instrumento. Imediatamente após a inclusão do paciente no estudo, iniciou-se o tratamento semanal da capsulite adesiva com SSNB.

Fez-se a avaliação final quando a pontuação de Constant-Murley fosse maior ou igual a 55 pontos. Esse método clínico avalia a dor (15 pontos), as atividades de vida diária (20 pontos), a mobilidade articular ativa (40 pontos) e a força do ombro (25 pontos).1212 Constant CR, Murley AHG. A clinical method of functional assessment of the shoulder. Clin Orthop Relat Res. 1987;214:160-4. Esse parâmetro foi usado para decidir se o bloqueio de nervo deveria ou não ser continuado e foi aplicado no início de cada consulta semanal do paciente.

Técnica de SSNB

Os SSNB foram feitos por apenas um médico treinado via acesso posterior, de acordo com a técnica Dangoisse,1313 Fernandes MR, Barbosa MA, Sousa ALL, Ramos GC. Bloqueio do nervo supraescapular: procedimento importante na prática clínica. Parte II. Rev Bras Reumatol. 2012;52:616-22. em regime ambulatorial, sem a ajuda de um estimulador de nervo periférico nem de técnicas de imagem. Usaram-se 8 mL de cloridrato de bupivacaína a 0,5% com bitartrato de epinefrina 1:200.000, sem a associação de corticoides.

Coleta de dados

Trataram-se as variáveis de exposição de acordo com categorias predeterminadas: idade em anos no momento do recrutamento; gênero masculino/feminino); escolaridade (maior ou igual a oito anos de escolaridade formal); estado civil (solteiro/casado); dor no momento do recrutamento (leve ou moderada/grave),1212 Constant CR, Murley AHG. A clinical method of functional assessment of the shoulder. Clin Orthop Relat Res. 1987;214:160-4. classificação da doença (primária/secundária),1414 Zuckerman JD, Cuomo F, Rokito S. Definition and classification of frozen shoulder: a consensus approach. J Shoulder Elbow Surg. 1994;3:S72. gravidade da doença no momento do recrutamento (não grave/grave),1414 Zuckerman JD, Cuomo F, Rokito S. Definition and classification of frozen shoulder: a consensus approach. J Shoulder Elbow Surg. 1994;3:S72. duração da doença (menor ou igual a três/superior a três meses), quantidade de bloqueios de nervo (inferior a três/maior ou igual a três). Consideraram-se também outras variáveis: lado do ombro afetado (direito/esquerdo), dominância (destro/sinistro); e sono (não afetado/afetado).1212 Constant CR, Murley AHG. A clinical method of functional assessment of the shoulder. Clin Orthop Relat Res. 1987;214:160-4.

Desfechos

As variáveis de desfecho foram a QV e a CF. Usaram-se para avaliação os dois instrumentos mencionados acima, o WHOQOL-BREF e o DASH. O WHOQOL-BREF inclui 26 questões gerais de QV e é composto pelos domínios físico, psicológico, relacionamento social e ambiente. O escore final para cada domínio pode variar de 0 a 100, em que 0 corresponde ao pior estado geral de saúde e 100 ao melhor estado de saúde.44 Fleck MPA, Louzada S, Marta X, Cachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQOL-BREF. J Public Health. 2000;34:178-83. O DASH é um instrumento com boa consistência interna que usa 30 questões para avaliar a CF dos pacientes com transtornos de membro superior. Quanto maior a pontuação, maior a incapacidade funcional.66 Aktekin LA, Eser F, Baskan BM, Sivas F, Malhan S, Öksüz E, et al. Disability of Arm, Shoulder and Hand Questionnaire in rheumatoid arthritis patients: relationship with disease activity, HAQ, SF-36. Rheumatol Int. 2011;31:823-6.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Dr. Henrique Santillo/GO em 23/06/2010 sob o número 0014.0.177.000-10.

Análise estatística

Os dados foram inseridos em uma planilha do Microsoft Office Excel e analisados com os programas Statistical Package of Social Sciences (IBM - SPSS 20.0) e Stata 12.0. Usou-se o coeficiente de confiabilidade de Cronbach para avaliar a consistência interna dos instrumentos.

Apresentaram-se as variáveis de exposição e outras variáveis como números absolutos e frequências. Calcularam-se as pontuações dos domínios DASH e WHOQOL-BREF de cada paciente tanto no início quanto ao final do tratamento. As pontuações DASH e os escores em cada um dos domínios do WHOQOL-BREF foram transformados em uma escala de zero a 100.

Em razão da sua distribuição não normal, calcularam-se as medianas, os intervalos interquartis e os valores mínimos e máximos dos escores do DASH e domínios do WHOQOL-BREF. Para comparar a distribuição dos escores (medianas) no início e ao final do tratamento, foi utilizado o teste de Wilcoxon para amostras pareadas. Construíram-se gráficos Boxplot para os escores do DASH e domínios do WHOQOL-BREF usando as medianas e os intervalos interquartis.

Para identificar as variáveis associadas a uma qualidade de vida satisfatória e a uma melhor capacidade funcional, realizou-se uma análise univariada utilizando o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, conforme apropriado.

Todas as variáveis de desfecho foram dicotomizadas. Inicialmente, calculou-se a mediana das questões de cada paciente para dicotomizar os valores em cada domínio do WHOQOL-BREF em satisfatória e insatisfatória. Se a mediana de um paciente era maior ou igual a quatro, sua QV era considerada satisfatória. Para dicotomizar os escores do DASH, calculou-se a mediana de cada paciente nas questões. Se a mediana fosse menor que três, o paciente era considerado como tendo uma CF melhor.

Todas as variáveis de exposição que tiveram um valor de p < 0,20 foram incluídas no modelo de regressão multivariada de Poisson com ajuste robusto. Estimaram-se as razões de taxas de incidência (IRR) utilizando os respectivos intervalos de confiança de 95% e níveis de significância.

Para todas as análises estatísticas, o nível de significância foi fixado em 5%.

Resultados

Participaram do estudo 47 pacientes. Não foi possível calcular os escores de qualidade de vida e capacidade funcional de quatro pacientes no fim do tratamento, que foram então excluídos do estudo. Assim, a amostra final foi composta por 43 pacientes.

A média de idade foi de 54,7 anos, de 40 a 75, e 23 (53,5%) dos participantes eram do sexo feminino. A maioria (60,5%) tinha mais de oito anos de escolaridade formal. A forma secundária da doença ocorreu em 65,1% dos casos, com hipotireoidismo e diabetes mellitus em 11,6% e 4,7% dos casos, respectivamente (tabela 1).

Tabela 1
Dados clínicos e sociodemográficos da população estudada (n = 43)

Avaliou-se a consistência interna do DASH e WHOQOL-BREF no início e no fim do tratamento. No WHOQOL-BREF, calculou-se o alfa de Cronbach para os domínios, as questões e cada domínio individualmente, como mostrado na tabela 2. Os valores dos coeficientes alfa de Cronbach obtidos para as questões e para os domínios mostraram consistência interna satisfatória para o WHOQOL-BREF e o DASH. Quando avaliados individualmente, o domínio relacionamentos sociais apresentou os valores mais baixos.

Tabela 2
Coeficiente α de Cronbach do WHOQOL-BREF e DASH (n = 43)

A tabela 3 mostra as medianas, os intervalos interquartis e valores mínimos e máximos do DASH e domínios do WHOQOL-BREF no início e no fim do tratamento. A qualidade de vida melhorou em todos os domínios WHOQOL-BREF após o tratamento quando comparado com a avaliação pré-SSNB. Houve também um aumento significativo na capacidade funcional do ombro afetado, medida com o DASH (p < 0,001).

Tabela 3
Mediana, valores mínimo e máximo e intervalo interquartil dos escores do DASH e WHOQOL-BREF no início e no fim do tratamento em pacientes com capsulite adesiva (n = 43)

Depois da dicotomização dos desfechos, a análise univariada identificou variáveis de exposição associadas a uma QV satisfatória em cada domínio do WHOQOL-BREF e a uma melhor CF no DASH. Somente o domínio social não obteve variáveis para inclusão no modelo de regressão multivariada de Poisson (tabela 4).

Tabela 4
Análise univariada de fatores de risco associados aos domínios do WHOQOL-BREF e DASH (n = 43)

Pacientes mais idosos estiveram independentemente associados à QV satisfatória nos domínios físico e psicológico do WHOQOL-BREF. A maior escolaridade foi preditor de escores mais elevados nos domínios físico e ambiental. As questões de domínio físico 3, 10, 17 e 18 foram as que mais contribuíram para a alta QV entre as pessoas com mais de 50 anos, enquanto as perguntas 3, 4 e 18 foram as que mais contribuíram para os que tinham mais de oito anos de escolaridade. Esses dois fatores também favoreceram a CF aumentada no ombro afetado, conforme medido pelo DASH. Uma menor quantidade de bloqueios nervosos contribuiu para melhores escores de QV apenas no domínio psicológico e um diagnóstico de capsulite adesiva não grave resultou em escores mais elevados apenas no domínio físico do WHOQOL-BREF (tabela 5).

Tabela 5
Análise de regressão multivariada de Poisson dos fatores de risco para os domínios do WHOQOL-BREF e DASH (n = 43)

Discussão

A compreensão da QV dos pacientes com capsulite adesiva ainda é limitada, embora a doença seja relativamente comum. O presente estudo mostrou uma melhor qualidade de vida e capacidade funcional desses pacientes após o tratamento com SSNB. A idade acima de 50 anos e o ensino superior foram os principais fatores associados à QV satisfatória e melhor CF.

O presente estudo confirmou os achados de Baums et al., que encontraram que o domínio físico da QV de pacientes com capsulite adesiva estava comprometido antes da liberação cirúrgica.1515 Baums MH, Spahn G, Nozaki M, Steckel H, Schultz W, Klinger HM. Functional outcome and general health status in patients after arthroscopic release in adhesive capsulitis. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2007;15:638-44. Esse resultado faz sentido porque, além da dor crônica, os pacientes com capsulite adesiva frequentemente experimentam alterações nos padrões de sono e na capacidade de fazer atividades diárias.1616 Hand C, Clipsham K, Rees JL, Carr AJ. Long-term outcome of frozen shoulder. J Shoulder Elbow Surg. 2008;17:231-6. Os resultados do presente estudo confirmaram que as pontuações em todos os domínios da QV aumentaram significativamente após o tratamento. A menor diferença nos escores no início e no fim do tratamento foi no domínio social, conforme também relatado por Lorbach et al.1717 Lorbach O, Kieb M, Scherf C, Seil R, Kohn D, Pape D. Good results after fluoroscopic-guided intra-articular injections in the treatment of adhesive capsulitis of the shoulder. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2010;18:1435-41. Isso sugere que a capsulite adesiva não afeta muito as relações interpessoais. Os escores DASH apresentaram incapacidade significativa no momento do recrutamento e um aumento na CF no período do estudo no ombro afetado pela capsulite adesiva, o que corrobora os resultados de Hsieh et al.1818 Hsieh LF, Hsu WC, Lin YJ, Chang HL, Chen CC, Huang V. Addition of intra-articular hyaluronate injection to physical therapy program produces no extra benefits in patients with adhesive capsulitis of the shoulder: a randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil. 2012;93:957-64. e Buchbinder et al.1919 Buchbinder R, Hoving JL, Green S, Hall S, Forbes A, Nash P. Short course prednisolone for adhesive capsulitis (frozen shoulder or stiff painful shoulder): a randomised, double blind, placebo controlled trial. Ann Rheum Dis. 2004;63:1460-9.

A relação entre a idade e a QV tem sido relativamente controversa. Um ano após um acidente de trânsito e em casos de câncer de testículo, respectivamente, Khati et al.2020 Khati I, Hours M, Charnay P, Chossegros L, Tardy H, Nhac-Vu H, et al. Quality of life one year after a road accident: results from the adult ESPARR cohort. J Trauma Acute Care Surg. 2013;74:301-11. e Fleer et al.2121 Fleer J, Hoekstra HJ, Sleijfer DT, Tuinman MA, Klip EC, Hoekstra-Weebers JEHM. Quality of life of testicular cancer survivors and the relationship with sociodemographics, cancer-related variables, and life events. Support Care Cancer. 2006;14:251-9. encontraram que os indivíduos mais jovens apresentaram maiores escores de QV, enquanto estudos com pacientes com transtornos mentais e doenças orais encontraram maiores escores de QV entre os idosos.2222 Fontanive V, Abegg C, Tsakos G, Oliveira M. The association between clinical oral health and general quality of life: a population-based study of individuals aged 50-74 in Southern Brazil. Community Dent Oral Epidemiol. 2013;41:154-62.,2323 Kuehner C, Buerger C. Determinants of subjective quality of life in depressed patients: the role of self-esteem, response styles, and social support. J Affect Disord. 2005;86:205-13. Esses resultados sugerem que a variabilidade na associação entre a idade e a QV provavelmente depende do tipo de problema de saúde e das diferenças de sensibilidade cultural da ferramenta de avaliação da QV.2424 Lin SC, Kakigi C. Additive effect of age-related macular degeneration and glaucoma on quality of life. Clin Exp Ophthalmol. 2016;44:365-6.

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Passar por menos de três bloqueios nervosos esteve associado a uma maior pontuação no domínio psicológico, possivelmente porque procedimentos invasivos sucessivos têm o potencial de aumentar a ansiedade do paciente. Também é possível que as pessoas com melhores desfechos psicológicos precisassem de menos intervenção porque estavam mais satisfeitos com sua condição. É indispensável mencionar que o status psicológico e o perfil do ser humano são um importante fator de melhoria.2828 Van Wijk A, Lindeboom JA, Jongh A, Tuk JG, Hoogstraten J. Pain related to mandibular block injections and its relationship with anxiety and previous experiences with dental anesthetics. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2012;114:S114-9. A menor gravidade dos pacientes com capsulite adesiva resultou em maiores pontuações no domínio físico do WHOQOL-BREF, provavelmente porque a menor limitação dos movimentos do ombro facilitou a capacidade de realizar atividades diárias, bem como a capacidade de trabalho e a satisfação com o sono.1616 Hand C, Clipsham K, Rees JL, Carr AJ. Long-term outcome of frozen shoulder. J Shoulder Elbow Surg. 2008;17:231-6.

À medida que a idade cronológica aumenta, as pessoas se tornam menos ativas e gradualmente menos capazes de fazer atividades cotidianas.2929 Gelfman R, Beebe TJ, Amadio PC, Larson DR, Basford JR. Correlates of upper extremity disability in medical transcriptionists. J Occup Rehabil. 2010;20:340-8.,3030 Giron P. Time trends in self-rated health and disability in older Spanish people: differences by gender and age. Iran J Public Health. 2016;45:289-96. Entretanto, uma avaliação objetiva da CF nem sempre coincide com a percepção do indivíduo sobre a sua incapacidade, medida pelo DASH. Neste estudo, os pacientes mais velhos relataram melhor CF do ombro do que os pacientes mais jovens, talvez porque tinham mais recursos disponíveis para se adaptar ou aceitar as limitações impostas pela doença. A associação entre a baixa escolaridade e a CF mais baixa poderia ser explicada pela maneira inadequada de lidar com a sua incapacidade.3131 Van Eijsden-Besseling MD, Van den Bergh KA, Staal JB, De Bie RA, Van den Heuvel WJ. The course of nonspecific work-related upper limb disorders and the influence of demographic factors, psychologic factors, and physical fitness on clinical status and disability. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91:862-7.

Entre as limitações do estudo, a amostra de conveniência pode não ser verdadeiramente representativa de todos os pacientes com capsulite adesiva e pode ter sido insuficiente para detectar todas as associações. Fatores de risco como comorbidades e outras modalidades terapêuticas não foram analisados neste estudo. Por outro lado, todos os pacientes deste estudo receberam uma avaliação clínica completa pelo mesmo cirurgião ortopédico e a capsulite adesiva foi confirmada por exames de imagem (radiografia e ressonância magnética). Um dos pontos fortes do estudo é o seu desenho prospectivo e o uso das ferramentas de avaliação da QV e CF traduzidas e validadas para o português, o que possibilita comparações com diferentes culturas.

Este estudo forneceu evidências de uma associação entre características sociodemográficas e a melhoria na qualidade de vida e capacidade funcional em pacientes com capsulite adesiva. Esses resultados podem contribuir para uma visão mais ampla da saúde desses pacientes e pode ser útil para os profissionais que atendem indivíduos que recebem o mesmo tipo de tratamento usado nesta pesquisa.

Existe uma associação entre os dados sociodemográficos e a melhoria dos desfechos estudados. Essa informação pode ser útil para os profissionais que usam os SSNB no tratamento dessa doença, que precisam prestar atenção nessas variáveis para obter melhores resultados clínicos. A avaliação subjetiva dos construtos QV e CF expande o conhecimento do profissional além de perspectivas meramente clínicas, compreende-se como os pacientes pensam, sentem e agem na presença da capsulite adesiva. O cuidado desses pacientes com a apreciação da sua subjetividade e seus fatores relacionados ganha novas nuances, uma vez que o médico que os atende deve reconhecer que diferentes indivíduos não dão importância às mesmas coisas e que, portanto, devem abordá-los de maneira individualizada. Recomenda-se um estudo populacional com técnicas de amostragem probabilística para abordar todas as variáveis da presente pesquisa.

Conclusão

A QV e a CF dos pacientes com capsulite adesiva melhoram pós-procedimento de SSNB. A idade mais avançada e a maior escolaridade são os principais fatores de risco associados a uma qualidade de vida satisfatória e a um aumento na capacidade funcional do ombro após o tratamento com bloqueio de nervo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2016
  • Aceito
    11 Abr 2017
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