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Tratamento da tuberculose latente em pacientes com doenças reumáticas juvenis: uma revisão sistemática

RESUMO

Introdução:

Crianças e adolescentes com doenças reumáticas em terapia anti-TNF-α são grupo de risco para ativação da infecção latente por Mycobacterium tuberculosis (ILTB). Embora o tratamento da ILTB seja indicado nesse grupo, existem diferentes esquemas terapêuticos na literatura, sem um consenso definido.

Objetivos:

Revisar na literatura esquemas terapêuticos usados e indicados para o tratamento da ILTB nesses pacientes.

Métodos:

Revisão sistemática da literatura, nas bases de dados em saúde, selecionaram-se estudos que abordaram o tratamento da ILTB em pacientes reumáticos juvenis em uso de anti-TNF-α, de 1990 a 2015. Todos os desenhos de estudo foram considerados.

Resultados:

Foram identificados através das bases de dados eletrônicas 162 estudos e um foi encontrado por meio de busca manual do autor, total de 163. Foram excluídos os estudos que não atenderam aos critérios de inclusão referidos, incluídos um estudo de coorte retrospectiva e dois de estudos de coorte prospectivas. Os três estudos abordaram o tratamento com isoniazida (INH) por nove meses e um deles abordou também o tratamento com INH associado a rifampicina por três meses.

Conclusões:

Foi observado apenas um caso de ativação da ILTB; uma boa adesão ao tratamento e ausência de complicações durante o acompanhamento. Mais estudos são necessários para avaliar a resposta aos outros esquemas terapêuticos disponíveis, com melhor avaliação da tolerabilidade e maior amostra. Porém, os resultados mostraram que a terapia com INH por nove meses e a terapia com INH mais rifampicina por três meses têm baixo índice de ativação e complicações.

Palavras chaves:
Doenças reumáticas; Criança; Adolescente; Fatores biológicos; Tuberculose latente

ABSTRACT

Introduction:

Children and adolescents with rheumatic diseases receiving TNF blockers are at risk for the activation of latent Mycobacterium tuberculosis infection (LTBI). Although LTBI treatment is indicated in this group, there are different therapeutic regimens in the literature, without a definite consensus.

Objectives:

To review in the literature therapeutic schemes used and indicated for the treatment of LTBI in these patients.

Methods:

Systematic review of the literature, using health databases, selecting studies that addressed the treatment of LTBI in patients with juvenile rheumatic diseases using TNF blockers, from 1990 to 2015. All study designs were considered.

Results:

A total of 162 studies were identified through the electronic databases and one was found through a manual search by the author, totaling 163 articles. We excluded studies that did not meet the mentioned inclusion criteria, and included a retrospective cohort study and two prospective cohort studies. The three studies addressed treatment with isoniazid (INH) for 9 months and one of them also addressed INH treatment associated with rifampicin for 3 months.

Conclusions:

Only one case of LTBI activation was observed; there was good treatment adherence and absence of complications during follow-up. More studies are necessary to evaluate the response to the other available therapeutic regimens, with better tolerability assessment and a larger sample. However, the results showed that INH therapy for 9 months and INH therapy plus rifampicin for 3 months had a low rate of LTBI activation and complications.

Keywords:
Rheumatic diseases; Child; Adolescent; Biological factors; Latent tuberculosis

Introdução

Apesar de a incidência global da tuberculose (TB) ter diminuído 18% em relação ao ano 2000, quando foram traçadas as Metas de Desenvolvimento do Milênio, a TB é a quinta causa de mortes no mundo, quando se incluem mortes por TB em pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). No entanto, a possibilidade de cura é alta quando ocorrem o diagnóstico e o tratamento precoces.11 World Health Organization. Global Health Observatory data repository. Available at: http://apps.who.int/gho/data/node.main.GHECOD [accessed 22.11.15].
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Estima-se que 9,6 milhões de pessoas tiveram a doença em 2014, um milhão de crianças, embora 37% dos casos não tenham sido diagnosticados ou notificados. Além disso, a TB foi responsável pelo óbito de 1,5 milhão de pessoas em 2014, 140.000 crianças.22 World Health Organization. Global tuberculosis report 2015. Available at: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1 [accessed 22.11.15].
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No Brasil, foram cumpridas as metas de reduzir pela metade a incidência, prevalência e mortalidade por TB em 2015 comparada com 1990, traçadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).11 World Health Organization. Global Health Observatory data repository. Available at: http://apps.who.int/gho/data/node.main.GHECOD [accessed 22.11.15].
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No entanto, o país permanece no grupo dos 22 países com maiores índices da doença. O Brasil apresenta incidência de TB de 33,833 Sistema de Informação de Agravos e Notificação. Série histórica da coeficiente de incidência da tuberculose. SINAN/SES 2015. Available at: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/setembro/24/taxa-incid--ncia-tuberculose-1999-2014-base-JUN-2015.pdf [accessed 22.11.15].
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e mortalidade de 2,6 por 100.000 pessoas.44 Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. Série Histórica do Coeficiente de Mortalidade de Tuberculose. Brasil, Regiões e Unidades Federadas de residência por ano de diagnóstico. MS/SVS/DASIS. Available at: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/setembro/24/taxa-mortalidade-tuberculose-1999-2014-base-JUN-2015.pdf [accessed 22.11.15].
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,55 Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Situação epidemiológica da tuberculose nos estados partes e associados do Mercosul 2009 a 2013 - Brasília: MS; 2015. Available at: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/outubro/07/tuberculose-mercosul-6out15-web.pdf [accessed 22.11.15].
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Na Bahia, a incidência de TB foi de 30,5 casos novos por 100.000 habitantes e a mortalidade 2,1 por 100.000 habitantes em 2014. São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia são os três estados com maior número de casos no país e juntos foram responsáveis por 44,5% dos novos casos em 2013.66 Diretoria de Vigilância Epidemiológica/SESAB, Boletim epidemiológico Jan/2015. DIVEP 2015. Available at: http://www.suvisa.ba.gov.br/sites/default/files/BOLETIM%202014%20editado.pdf [accessed 22.11.15].
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A OMS define infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) como estado de persistente resposta imune à estimulação por antígenos do M. tuberculosis sem evidências de manifestações clínicas da TB ativa. Estima-se que um terço da população mundial é infectado por essa bactéria. No Brasil, a incidência é de 46 por 100.000 pessoas. Apesar da ausência de sintomas, há risco de esses pacientes desenvolverem a TB doença, principalmente nos dois primeiros anos após a infecção primária. A ativação ocorre em 5-10% dos casos.77 Ernst JD. The immunological life cycle of tuberculosis. Nat Rev Immunol. 2012;12:581-91.

Os fatores de risco para o desenvolvimento da TB ativa incluem: infecção por HIV, contatos com caso de TB pulmonar, terapia com bloqueadores do fator de necrose tumoral (TNF), diálise, transplante de órgãos ou transfusão sanguínea e silicose.88 World Health Organization. Guidelines on the management of latent tuberculosis infection; 2015. Available at: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/136471/1/9789241548908_eng.pdf?ua=1&ua=1 [accessed 22.11.15].
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A avaliação de contatos com casos de TB doença é de relevante importância para o rastreamento da ILTB. O Ministério da Saúde considera contato toda pessoa que convive no mesmo ambiente que o caso-índice, no momento do diagnóstico da TB, a avaliação do grau de exposição do contato deve ser individualizada, considerarem-se a forma da doença, o ambiente e o tempo de exposição. Contatos menores de cinco anos, pessoas com HIV-AIDS e portadores de condições de alto risco devem ser considerados prioritários no processo de avaliação de contatos e tratamento de ILTB.99 Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil - Brasília: MS; 2011.

Assim, um rastreio e diagnóstico adequados são muito importantes para evitar a ativação da ILTB. Os métodos diagnósticos mais usados incluem a Prova Tuberculínica (PT), Ensaios de Liberação de Interferon-Gama (IGRAs, do inglês interferon-gamma release assays)1010 Sociedade Brasileira de Reumatologia. Preliminary guidelines of the Brazilian Society of Rheumatology for evaluation and treatment of tuberculosis latent infection in patients with rheumatoid arthritis, in face of unavailability of the tuberculin skin test. Rev Bras Reumatol. 2015;55:390-3. e a radiografia de tórax.1111 Marques CDL, Duarte ALBP, Cavalcanti FS, Carvalho EMF, Gomes YM. Abordagem diagnóstica da tuberculose latente na artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2007;47:424-30. A PT é o método mais usado, embora o resultado positivo também possa acontecer devido a doença ativa ou infecção pregressa resolvida.1212 Costa AF, Lazari CS, Leite OHM. Tuberculose latente: rastreamento, métodos diagnósticos e tratamento. Rev Paul Reumatol. 2014;13:11-6.,1313 Goh L, Jewell T, Laversuch C, Samanta A. Análise sistemática da influência do antifator de necrose tumoral [anti-TNF] sobre as taxas de infecção em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53:501-15.

Considerando que o risco de desenvolvimento de TB ativa é maior em pessoas com a resposta imunológica deprimida por doenças ou tratamento imunossupressor, pacientes com doenças inflamatórias/autoimunes em uso de medicação imunossupressora precisam passar pelo rastreamento de ILTB.1313 Goh L, Jewell T, Laversuch C, Samanta A. Análise sistemática da influência do antifator de necrose tumoral [anti-TNF] sobre as taxas de infecção em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53:501-15. Desses fármacos, destacam-se os antifator de necrose tumoral (anti-TNF-α). O TNF-α é uma citocina essencial para a ativação macrofágica, recrutamento de leucócitos para o local da infecção e formação do granuloma e está em maior concentração em órgãos acometidos por doenças reumáticas. Os fármacos anti-TNF-α inibem essa citocina e, consequentemente, inibem os seus efeitos inflamatórios. Essa ação desses medicamentos é muito importante no tratamento das doenças reumáticas. No entanto, a inibição de vias inflamatórias mediadas pelo TNF-α pode deixar os usuários suscetíveis a infecções.1212 Costa AF, Lazari CS, Leite OHM. Tuberculose latente: rastreamento, métodos diagnósticos e tratamento. Rev Paul Reumatol. 2014;13:11-6.,1313 Goh L, Jewell T, Laversuch C, Samanta A. Análise sistemática da influência do antifator de necrose tumoral [anti-TNF] sobre as taxas de infecção em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53:501-15.

O Registro Brasileiro de Monitoração de Terapias Biológicas em Doenças Reumáticas - BiobadaBrasil, em seu relatório de 2014, mostrou que os maiores efeitos adversos encontrados em pacientes reumáticos em terapias biológicas foram infecções e infestações. Nos 2.464 pacientes em uso de biológicos e controles, ocorreram 19 casos de TB, apenas um caso foi de paciente do grupo controle (pacientes com artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil ou espondilite anquilosante, sem o uso se biológicos). A análise do relatório também mostra que a incidência de TB foi de 101/100.000 pacientes-ano, maior do que na população brasileira, que é 37,2 casos/100.000 indivíduos-ano.1414 Titton DC, Ranzolin A, Hayata AL, Duarte A, Brenol C, Pinheiro GC, et al. Relatório do Biobada Brasil de 30/06/2014. Available at: biobadaser.ser.es/biobadamerica/Brasil [accessed 22.11.15].
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Além disso, já se sabe que a frequência de TB é maior em pacientes reumáticos do que a população em geral e esse risco aumenta com o uso de anti-TNF-α.1313 Goh L, Jewell T, Laversuch C, Samanta A. Análise sistemática da influência do antifator de necrose tumoral [anti-TNF] sobre as taxas de infecção em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53:501-15.,1515 Titton DC. Registro Brasileiro de Monetarização de Terapias Biológicas em Doenças Reumáticas - BiobadaBrasil. Rev Paul Reumatol. 2014;13:17-20.

Dessa forma, o presente artigo objetiva revisar na literatura os esquemas terapêuticos usados para o tratamento da tuberculose latente em pacientes pediátricos com doenças reumáticas e identificar o esquema terapêutico mais apropriado para esses pacientes.

Metodologia

Busca na literatura

Trata-se de uma revisão sistemática. As fontes de informação usadas para a pesquisa da literatura foram as bases de dados em saúde Medline (Pubmed) (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), Scopus (Elsevier) (www.scopus.com), The Cochrane Library (www.cochranelibrary.com), Web of Science (ISI) (webofknowledge.com), Lilacs (Bireme) (www.bireme.br), Scielo (www.scielo.org) e Portal Capes (www.periodicos.capes.gov.br).

As palavras-chave em português são Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), assim como os termos correspondentes em inglês (tabela 1). Os análogos em língua inglesa foram selecionados no MeSH. A busca foi feita em dezembro de 2015.

Tabela 1
Palavras-chave usadas na busca de artigos

No Medline (Pubmed), as palavras-chave e termos análogos na língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operadores booleanos “AND” e “OR” do seguinte modo: ([Latent tuberculosis] [All fields]) AND (Rheumatic diseases [All fields]) AND ([Children] [All fields] OR ([Adolescents] [All fields]). As pesquisas combinadas foram feitas com sustenido (#) antes de cada número do conjunto na consulta.

Na base de dados The Cochrane Library, as palavras-chave, os termos análogos e os termos muito usados da língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operadores booleanos “AND” e “OR” do seguinte modo: ([Latent tuberculosis] [Search all text]) AND ([Rheumatic diseases] [Search all text]) AND ([Children] [Search all text]) OR ([Adolescents] [Search all text]). As pesquisas combinadas foram feitas com sustenido (#) antes de cada número do conjunto na consulta.

Na base de dados da Lilacs, as palavras-chave, os termos análogos e os termos muito usados na língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operadores booleanos “AND” e “OR” da seguinte forma: ([Latent tuberculosis] [Words]) e ([Rheumatic diseases] [Words]) e ([Children] [Words]) ou ([Adolescents] [Words]). Nas configurações da busca, foi selecionado o idioma inglês como interface language.

A busca avançada no Portal Capes, como existem apenas dois campos a serem preenchidos para busca, a pesquisa foi feita do seguinte modo: ([Latent tuberculosis] (qualquer/contém]) e ([Rheumatic diseases] [qualquer/contém]). Para refinar a busca, a data de publicação determinada foi dos últimos 20 anos, no tópico “tipo de material” foram selecionados artigos e o idioma eleito foi o inglês.

No site da Scielo, as palavras-chave, os termos análogos na língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operadores booleanos “AND” e “OR” do seguinte modo: ([Latent tuberculosis] [todos os índices] e [(Rheumatic diseases] [todos os índices]) e ([Children] [todos os índices]) ou ([Adolescents] [todos os índices]).

No site de busca da Web of Science, as palavras-chave, os termos análogos e os termos muito usados da língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operadores booleanos “AND” e “OR” e o rótulo de campo “TS”, que representa tópico, e encontrou todos os registros que contivessem os termos de pesquisa nos campos do título, resumo ou nas palavras-chave do autor. A busca foi feita do seguinte modo: ([TS = Latent tuberculosis)] e ([TS = Rheumatic diseases]) e ([TS = children ou adolescents]). As pesquisas combinadas foram feitas com sustenido (#) antes de cada número do conjunto na consulta. Como havia nesse site a possibilidade de refinar a busca, foram pesquisados estudos entre 1990 e 2015 e o idioma selecionado foi o inglês, uma vez que só havia opção de idioma inglês e coreano.

Na base de dados da Scopus (Elsevier), as palavras-chave, os termos análogos e os termos muito usados na língua inglesa foram cruzados na pesquisa avançada com os operados booleanos “AND” e “OR”, do seguinte modo: ([Latent tuberculosis] [Article title/Abstract/Keywords]) e ([Rheumatic diseases] [Article title/Abstract/Keywords]) e ([Children] [Article title/Abstract/Keywords] ou ([Adolescents] [Article title/Abstract/Keywords]). As pesquisas combinadas foram feitas com sustenido (#) antes de cada número do conjunto na consulta. Foram pesquisados estudos entre 1990 e 2015.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos os estudos que abordaram o tratamento da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis em crianças e adolescentes entre um e 18 anos portadores de doenças reumáticas, no período de publicação de 25 anos (1990 a 2015), e estudos publicados em inglês e português. Foram considerados relevantes todos os desenhos de estudo.

Foram excluídos os estudos que não atenderam aos critérios de inclusão previamente estabelecidos.

Métodos de análise

Inicialmente, todos os resultados encontrados, exceto os duplicados, foram analisados através da leitura do título e resumo, a fim de selecionar os possíveis artigos que seriam inclusos no estudo.

Após essa seleção prévia dos estudos, com base em análise do título e do resumo, uma leitura completa deles foi feita e só após isso os estudos foram definitivamente incluídos na revisão sistemática, se atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos. Nesse momento de leitura integral dos estudos para definir elegibilidade, houve também uma busca manual própria do autor às referências bibliográficas desses estudos, para a identificação de artigos que não foram encontrados nas buscas às bases de dados, mas que podiam encontrar-se presentes nas referências bibliográficas.

À medida que os artigos presentes nas referências não foram identificados nos resultados deste estudo, eles foram selecionados para leitura global a fim de definir se seriam ou não incluídos no estudo.

Na tabela 2 encontram-se os autores, títulos, ano de publicação, base de dados, inclusão ou justificativa de exclusão de todos os estudos selecionados para leitura integral. Além disso, contém o artigo selecionado por busca manual do autor.

Tabela 2
Estudos selecionados para a leitura integral

Resultados

Foram identificados inicialmente, através das bases de dados eletrônicas, 162 estudos (Medline 20, Scopus 15, The Cochrane Library cinco, Web of Science cinco, Lilacs 0, Scielo 0 e Portal Capes 117) e um foi identificado a partir da busca manual pelo próprio autor, total de 163 estudos. Foram excluídos 136 estudos por serem publicações de artigos idênticos, ou seja, a mesma publicação em diferentes bases de dados, e por não atenderem aos objetivos e/ou aos critérios de inclusão da revisão sistemática, a partir de leitura do título e do resumo.

Os 27 artigos que não foram excluídos na triagem baseada na leitura de títulos e resumos foram avaliados de forma completa para definir se preenchiam aos critérios de elegibilidade. Desses, três foram incluídos neste estudo. A figura 1 mostra o fluxograma que representa a seleção e elegibilidade dos estudos. A tabela 3 indica os artigos incluídos no estudo e destaca autor, ano de publicação, desenho do estudo, tamanho da amostra, faixa etária e tratamento para ILTB usado.

Figura 1
Fluxo de identificação e elegibilidade dos artigos da revisão sistemática.

Tabela 3
Características dos estudos incluídos

Características dos estudos

Kilic et al.,1616 Kilic O, Kasapcopur O, Camcioglu Y, Cokugras H, Arisoy N, Akcakaya N. Is it safe to use anti-TNF-α agents for tuberculosis in children suffering with chronic rheumatic disease. Reumatol Int. 2012;32:2675-9. em um estudo de coorte retrospectiva, acompanharam 144 pacientes com doenças reumáticas em uso de anti-TNF-α (etanercepte, infliximabe e adalimumabe). A cada seis meses, os pacientes eram avaliados para o desenvolvimento de TB com história, exame físico, PT, radiografia de tórax e, quando necessário, exame de escarro/aspirado gástrico matinal e tomografia de tórax. Foi considerado positivo PT ≥ 10 mm. Na avaliação anterior à terapia anti-TNF-α, 21 pacientes foram detectados com ILTB e foram tratados com INH (isoniazida) a 10 mg/kg/dia (máximo, 300 mg/dia) por nove meses com início um mês antes da terapia anti-TNF-α. Não foi detectada TB doença nesses pacientes depois de nove meses. Durante o acompanhamento, sete crianças tiveram PT positiva e receberam tratamento para ILTB com INH a 10 mg/kg/dia (máximo, 300 mg/dia) por nove meses durante a terapia com anti-TNF-α. Uma paciente de 13 anos com artrite idiopática juvenil e uveíte secundária desenvolveu IGRA positivo durante o tratamento com INH. Tratamento anti-TB foi iniciado e, após 18 meses, os sinais relacionados à TB desapareceram.

Calzada-Hernández et al.,1717 Calzada-Hernández J, Anton-López J, Bou-Torrent R, Iglesias-Jiménez E, Ricart-Campos S, Martín de Carpi J, et al. Tuberculosis in pediatric patients treated with anti-TNFα drugs: a cohort study. Pediatr Reumatol. 2015;13:54. em um estudo de coorte prospectiva, observaram 221 crianças e adolescentes com doenças reumáticas em uso de anti-TNF-α. Antes do tratamento, os pacientes fizeram PT ou teste QuantiFERON Gold-In Tube ® (QTF-G) e radiografia de tórax, PT ≥5 mm foi considerado positivo. Durante o tratamento, os pacientes eram avaliados a cada seis meses com história e exame físico. PT/QTF-G e radiografia eram feitos apenas quando necessário. ILTB foi diagnosticada em três pacientes com artrite idiopática juvenil. Elas receberam tratamento para ILTB e, depois, o tratamento anti-TNF-α foi reintroduzido. Em uma paciente foi feito o tratamento com INH por nove meses e em duas o tratamento consistiu em INH e rifampicina por três meses. Houve adesão ao tratamento nos três casos, ausência de problemas relacionados à tolerância e de evidências de ativação da TB. Também não houve alterações nos níveis das enzimas hepáticas aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT).

Ayaz et al.,1818 Ayaz NA, Demirkaya E, Bilginer Y, Özçelik U, Çobanoğlu N, Kiper N, et al. Preventing tuberculosis in children receiving anti-TNF treatment. Clin Rheumatol. 2010;29:389-92. em estudo de coorte prospectiva, acompanharam 36 pacientes diagnosticados com artrite idiopática juvenil em uso de etanercepte. Todas as crianças e parentes foram rastreados para ILTB e TB ativa anteriormente à terapia com etanercepte. O rastreio consistiu de história, exame físico, PT, radiografia de tórax. As crianças eram reavaliadas a cada três meses. Sete pacientes tiveram PT > 10 mm e foram tratados com dose completa de INH por 4-8 semanas mais nove meses após o início da terapia com anti-TNF-α. Não houve ativação de TB nesses pacientes nem outras complicações durante o acompanhamento.

Discussão

Na literatura, é possível identificar diferentes esquemas terapêuticos para o tratamento da ILTB. O Ministério da Saúde recomenda INH na dose de 5 mg/kg a 10 mg/kg de peso até a dose máxima de 300 mg/dia por um período mínimo de seis meses. No entanto, há quatro opções recomendadas pela OMS: INH por seis ou nove meses; rifampentina por três meses semanalmente mais INH; INH por 3-4 meses mais rifampicina; 3-4 meses de rifampicina.88 World Health Organization. Guidelines on the management of latent tuberculosis infection; 2015. Available at: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/136471/1/9789241548908_eng.pdf?ua=1&ua=1 [accessed 22.11.15].
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Devido à maior suscetibilidade da população de risco desenvolver a doença ativa, o tratamento correto é muito importante. No caso de recém-nascidos coabitantes de caso índice bacilífero, os recém-nascidos não devem ser vacinados ao nascer. A INH é administrada por um período de três meses, após o qual é feita a PT. A quimioprofilaxia é mantida por mais três meses se PT ≥ 5 mm. Caso contrário, interrompe-se o uso da INH e vacina-se com BCG.99 Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil - Brasília: MS; 2011.

Para crianças contactantes de casos bacilíferos, é indicado o tratamento quando PT igual ou superior a 5 mm em crianças não vacinadas com BCG, crianças vacinadas há mais de dois anos ou em qualquer condição imunossupressora. Também é indicado quando PT igual ou superior a 10 mm em crianças vacinadas com BCG há menos de dois anos. Crianças que adquiriram ILTB até os cinco anos são consideradas prioridades no tratamento de ILTB.99 Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil - Brasília: MS; 2011.

No entanto, o número de estudos incluídos na revisão mostra a escassez de trabalhos que avaliem o tratamento da ILTB em crianças com doenças reumáticas. A presença dessas crianças no grupo de risco, bem como a mortalidade da doença, torna importante a feitura de estudos que comparem as diferentes terapias disponíveis. Percebe-se que, devido a isso, não é clara a melhor terapia para esses pacientes.

Apenas o estudo de Kilic et al.1616 Kilic O, Kasapcopur O, Camcioglu Y, Cokugras H, Arisoy N, Akcakaya N. Is it safe to use anti-TNF-α agents for tuberculosis in children suffering with chronic rheumatic disease. Reumatol Int. 2012;32:2675-9. mostrou um caso de ativação da TB. A baixa incidência de TB doença nesses pacientes acontece provavelmente devido ao acompanhamento e ao rastreamento contínuo a que essas crianças são submetidas durante o tratamento da doença crônica.

Por outro lado, apenas um estudo mostrou dados relacionados à alteração nas enzimas hepáticas durante o tratamento. Embora não seja frequente e seja reversível, a hepatotoxicidade induzida por INH em crianças com ILTB é descrita na literatura.1919 Chang SH, Nahid P, Eitzman SR. Hepatotoxicity in children receiving isoniazid therapy for latent tuberculosis infection. J Pediatr Infect Dis. 2014;3:221-7. No entanto, o comportamento do perfil hepático em crianças com doenças reumáticas no uso desse medicamento não é descrito. Por se tratar de um grupo de crianças com doenças crônicas sistêmicas em uso de outros medicamentos, informações acerca da tolerabilidade podem ser valiosas na prática clínica.

A boa adesão ao tratamento nos três estudos também pode ter acontecido devido ao acompanhamento médico pelos quais esses pacientes crônicos precisam passar. Silva et al.2020 Silva AP, Hill P, Belo MT, Rabelo SG, Menzies D, Trajman A. Non-completion of latent tuberculous infection treatment among children in Rio de Janeiro State, Brazil. Int J Tuberc Lung Dis. 2016;20:479-86. mostraram que, em crianças sem comorbidades, 8,9% não retornaram para a leitura do PT e 12,65% não aderiram ao tratamento.

Dos esquemas terapêuticos recomendados pela OMS, não foi observada abordagem de: INH por seis meses; rifampicina por três meses semanalmente mais INH; 3-4 meses de rifampicina. A abordagem desses esquemas seria importante para a comparação.

Dessa forma, o melhor esquema terapêutico para o tratamento da ILTB em pacientes pediátricos com doenças reumáticas ainda não pode ser determinado. Mais estudos são necessários para avaliar a resposta aos outros esquemas terapêuticos disponíveis, com melhor avaliação da tolerabilidade e maior número amostral.

Por fim, os resultados dos estudos evidenciaram que a terapia com INH por 6-9 meses e a terapia com INH mais rifampicina por três meses podem ter baixo índice de ativação. No entanto, a duração é controversa, o que ressalta a necessidade de novos estudos.1212 Costa AF, Lazari CS, Leite OHM. Tuberculose latente: rastreamento, métodos diagnósticos e tratamento. Rev Paul Reumatol. 2014;13:11-6.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    2 Jul 2016
  • Aceito
    24 Nov 2016
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