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Alívio inadequado da dor em pacientes com osteoartrite de joelho primária

RESUMO

Antecedentes:

Apesar dos tratamentos muito difundidos para a osteoartrite (OA), dados sobre os padrões de tratamento, a adequação do alívio da dor e a qualidade de vida são limitados. O estudo multinacional prospectivo Survey of Osteoarthritis Real World Therapies (SORT) foi projetado para investigar esses aspectos.

Objetivos:

Analisar as características e os desfechos relatados pelo paciente do conjunto de dados português do Sort no início da observação.

Métodos:

Consideraram-se elegíveis os pacientes com 50 anos ou mais com OA de joelho primária que recebiam analgésicos orais ou tópicos. Os pacientes foram recrutados de sete centros de saúde de Portugal entre janeiro e dezembro de 2011. A dor e a função foram avaliadas pelo Brief Pain Inventory (BPI) e pelo WOMAC. A qualidade de vida foi avaliada com o 12-item Short Form Health Survey (SF-12). O alívio inadequado da dor (AID) foi definido como uma pontuação > 4/10 no item 5 do BPI.

Resultados:

Foram analisados 197 pacientes. A idade média foi de 67 anos e 78,2% eram do sexo feminino. A duração média da OA de joelho foi de 6,2 anos. O AID foi relatado por 51,3% dos pacientes. O sexo feminino (odds ratio ajustado - OR 2,15 [IC 95% 1,1-4,5]), o diabetes (OR = 3,1 [IC 95% 1,3-7,7]) e a depressão (OR 2,24 [IC 95% 1,2-4,3]) estiveram associados a um maior risco de AID. Os pacientes com AID relataram piores desfechos em todas as dimensões do Womac (p < 0,001) e em todos os oito domínios e nos dois componentes sumários do SF-12 (p < 0,001).

Conclusões:

Os resultados do presente estudo indicam que é necessário melhorar o manejo da dor na OA de joelho a fim de alcançar melhores desfechos em termos de alívio da dor, função e qualidade de vida.

Palavras-chave:
Osteoartrite de joelho; Alívio inadequado da dor; Qualidade de vida; Incapacidade; Desfechos relatados pelo paciente

ABSTRACT

Background:

Despite the widespread treatments for osteoarthritis (OA), data on treatment patterns, adequacy of pain relief, and quality of life are limited. The prospective multinational Survey of Osteoarthritis Real World Therapies (SORT) was designed to investigate these aspects.

Objectives:

To analyze the characteristics and the patient reported outcomes of the Portuguese dataset of SORT at the start of observation.

Methods:

Patients ≥50 years with primary knee OA who were receiving oral or topical analgesics were eligible. Patients were enrolled from seven healthcare centers in Portugal between January and December 2011. Pain and function were evaluated using the Brief Pain Inventory (BPI) and WOMAC. Quality of life was assessed using the 12-Item Short Form Health Survey (SF-12). Inadequate pain relief (IPR) was defined as a score >4/10 on item 5 of the BPI.

Results:

Overall, 197 patients were analyzed. The median age was 67.0 years and 78.2% were female. Mean duration of knee OA was 6.2 years. IPR was reported by 51.3% of patients. Female gender (adjusted odds ratio - OR 2.15 [95%CI 1.1, 4.5]), diabetes (OR 3.1 [95%CI 1.3, 7.7]) and depression (OR 2.24 [95%CI 1.2, 4.3]) were associated with higher risk of IPR. Patients with IPR reported worst outcomes in all dimensions of WOMAC (p < 0.001) and in all eight domains and summary components of SF-12 (p < 0.001).

Conclusions:

Our findings indicate that improvements are needed in the management of pain in knee OA in order to achieve better outcomes in terms of pain relief, function and quality of life.

Keywords:
Knee osteoarthritis; Inadequate pain relief; Quality of life; Disability; Patient reported outcomes

Introdução

A osteoartrite (OA) é uma doença altamente prevalente e debilitante que limita gravemente a saúde e o bem-estar, especialmente na população idosa.11 Berenbaum F. New horizons and perspectives in the treatment of osteoarthritis. Arthritis Res Ther. 2008;10(Suppl. 2):S1.,22 Heidari B. Knee osteoarthritis prevalence, risk factors, pathogenesis and features: part I. Caspian J Intern Med. 2011;2:205-12. A sobrecarga econômica da OA sobre os indivíduos, seus cuidadores e a sociedade é considerada bastante elevada. Nos países desenvolvidos, pode custar entre 1% e 2,5% do Produto Interno Bruto.33 Glyn-Jones S, Palmer AJ, Agricola R, Price AJ, Vincent TL, Weinans H, et al. Osteoarthritis. Lancet. 2015;386:376-87.

Aproximadamente 13% das mulheres e 10% dos homens com 60 anos ou mais têm OA de joelho sintomática. Essas proporções são susceptíveis de aumentar em decorrência do envelhecimento da população e da crescente taxa de obesidade na população em geral.44 Zhang Y, Jordan JM. Epidemiology of osteoarthritis. Clin Geriatr Med. 2010;26:355-69. Outros fatores estão associados a um maior risco de desenvolvimento e progressão da OA de joelho, como o sexo feminino, o trauma prévio ao joelho, a densidade óssea, a fraqueza muscular, a frouxidão ligamentar e as ocupações ou atividades fisicamente exigentes.22 Heidari B. Knee osteoarthritis prevalence, risk factors, pathogenesis and features: part I. Caspian J Intern Med. 2011;2:205-12.,55 Klussmann A, Gebhardt H, Liebers F, von Engelhardt LV, Dávid A, Bouillon B, et al. Individual and occupational risk factors for knee osteoarthritis - study protocol of a case control study. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:26.

A European League Against Rheumatism (EULAR) recomenda que o diagnóstico clínico de OA de joelho deve ser baseado em três sintomas (dor no joelho persistente, rigidez matinal limitada e função reduzida) e três sinais (crepitação, movimento restrito e ampliação óssea). A presença de todos esses sinais e sintomas aumenta a probabilidade de OA de joelho radiográfica para 99%.66 Zhang W, Doherty M, Peat G, Bierma-Zeinstra MA, Arden NK, Bresnihan B, et al. EULAR evidence-based recommendations for the diagnosis of knee osteoarthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:483-9.

A dor é o sintoma mais comum na OA de joelho e é a principal causa de incapacidade decorrente dessa condição.22 Heidari B. Knee osteoarthritis prevalence, risk factors, pathogenesis and features: part I. Caspian J Intern Med. 2011;2:205-12. Esse sintoma também tem uma diversidade de implicações psicológicas e sociais.

O tratamento clínico da OA tem como objetivo aliviar a dor, manter ou melhorar a função articular e prevenir ou retardar a progressão da doença e suas consequências.77 Jordan KM, Arden NK, Doherty M, Bannwarth B, Bijlsma JW, Dieppe P, et al. EULAR Recommendations 2003: an evidence based approach to the management of knee osteoarthritis: Report of a Task Force of the Standing Committee for International Clinical Studies Including Therapeutic Trials (ESCISIT). Ann Rheum Dis. 2003;62:1145-55.,88 Oteo-Álvaro A, Marín M, Ruiz-Ibán M, Armada B, Rejas J. Treatment satisfaction after switching to another therapy in Spanish orthopaedic clinic outpatients with knee or hip osteoarthritis previously refractory to paracetamol. Clin Drug Investig. 2012;32:685-95. O manejo eficaz da dor depende de uma ampla gama de combinação de modalidades farmacológicas e não farmacológicas.99 Zhang W, Moskowitz RW, Nuki G, Abramson S, Altman RD, Arden N, et al. OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis, part II: OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthr Cartil. 2008;16:137-62. As abordagens e modalidades de tratamento farmacológicas incluem o paracetamol, os anti-inflamatórios, os opioides, os analgésicos tópicos e a injeção intra-articular de corticosteroides.1010 Hochberg MC, Altman RD, April KT, Benkhalti M, Guyatt G, McGowan J, et al. American College of Rheumatology 2012 recommendations for the use of nonpharmacologic and pharmacologic therapies in osteoarthritis of the hand: hip, and knee. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64:465-74.,1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88. No entanto, a variabilidade na eficácia do tratamento, bem como a sua tolerabilidade, muitas vezes requer tentativas com diferentes modalidades de tratamento para conseguir o controle adequado da dor. O tratamento deve ser individualizado de acordo com os sintomas do paciente, as preferências e o perfil de segurança do agente terapêutico.1212 Kennedy S, Michael M. Pharmacological treatment of osteoarthritis of the hip and knee. BCMJ. 2010;52:404-9. Apesar das suas graves consequências, a maior parte dos pacientes com OA de joelho pode ser tratada na comunidade e na atenção primária.77 Jordan KM, Arden NK, Doherty M, Bannwarth B, Bijlsma JW, Dieppe P, et al. EULAR Recommendations 2003: an evidence based approach to the management of knee osteoarthritis: Report of a Task Force of the Standing Committee for International Clinical Studies Including Therapeutic Trials (ESCISIT). Ann Rheum Dis. 2003;62:1145-55.,1313 Peat G, McCarney R, Croft P. Knee pain and osteoarthritis in older adults: a review of community burden and current use of primary health care. Ann Rheum Dis. 2001;60:91-7.

O Study of Osteoarthritis Real World Therapies (SORT) é um estudo prospectivo clínico de 12 meses feito em seis países europeus (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Países Baixos e Portugal);1414 Conaghan PG, Peloso PM, Everett SV, Rajagopalan S, Black CM, Mavros P, et al. Inadequate pain relief and large functional loss among patients with knee osteoarthritis: evidence from a prospective multinational longitudinal study of osteoarthritis real-world therapies. Rheumatology (Oxford). 2015;54:270-7. foi projetado para avaliar principalmente o impacto do alívio inadequado da dor (AID) nos desfechos relatados pelo paciente (DRP) entre indivíduos com osteoartrite de joelho (s) sintomática tratados com analgésicos orais ou tópicos.

O presente trabalho relata as características clínicas, os padrões de tratamento e o DRP do conjunto de dados português do estudo Sort no início da observação. O alívio adequado da dor com o uso de analgésicos é comparado com o subgrupo de pacientes com alívio inadequado da dor com relação a variáveis demográficas e clínicas de interesse, bem como várias dimensões de outros DRP, como a rigidez articular, a saúde geral e a qualidade de vida.

Métodos

Participantes e variáveis de interesse

Em Portugal, o estudo foi feito em sete centros de saúde de referência, o que reflete uma ampla distribuição geográfica. O conjunto de dados incluiu pacientes de ambos os sexos recrutados entre janeiro e dezembro de 2011. Os pacientes eram elegíveis se tivessem 50 anos ou mais e um diagnóstico clínico de OA primária de joelho (s) de acordo com o julgamento clínico do médico. Os pacientes tinham de estar em uso de analgésicos orais ou tópicos por um período não inferior a duas semanas. Os pacientes foram excluídos se tivessem outras formas de artrite, se tivessem sido submetidos à artroplastia subtotal ou total do joelho afetado, se tivessem dor crônica decorrente de outras causam que não a artrite ou qualquer outra condição que exigisse analgesia de longo prazo. Os pacientes também eram inelegíveis se tivessem recebido anteriormente fármacos antirreumáticos modificadores da doença ou terapia biológica ou se participassem de um ensaio clínico. Com esses critérios, incluíram-se 197 pacientes nesta análise transversal.

Os pacientes foram incluídos no estudo conforme compareciam às consultas agendadas. Durante a consulta, foram obtidas informações da anamnese do paciente, questionários autoadministrados e revisão de prontuários. Consideraram-se as variáveis a seguir para essa análise: sexo, idade, status profissional, altura e peso autorrelatados (o que possibilitou o cálculo do índice de massa corporal [IMC]), status de tabagismo e informações relacionadas com o diagnóstico (duração, número de joelhos afetados e outras articulações afetadas). As comorbidades de interesse incluíram: incapacidade (total ou parcial), artroplastia de quadril prévia, condições gastrointestinais, diabetes, hipertensão arterial, hiperlipidemia, doenças cardiovasculares, insuficiência renal e depressão. Também foi determinado o uso de analgésicos (por classe) para OA de joelho.

Desfechos relatados pelo paciente

Usaram-se os instrumentos a seguir para coletar os DRP:

  • O Brief Pain Inventory (BPI) é um instrumento validado que mede a intensidade da dor (quatro itens), com escores que vão de 0 (nenhuma dor) a 10 (pior dor que você possa imaginar), e a interferência da dor em diferentes aspectos da vida do paciente (sete itens), que variam de 0 (não interfere) a 10 (interfere totalmente).1515 Caraceni A, Cherny N, Fainsinger R, Kaasa S, Poulain P, Radbruch L, et al. Pain measurement tools and methods in clinical research in palliative care: recommendations of an Expert Working Group of the European Association of Palliative Care. J Pain Symptom Manage. 2002;23:239-55. Esse instrumento também questiona o paciente em relação à quantidade de alívio obtido com tratamentos ou medicamentos, a qualidade da sua dor com a escolha de palavras de uma lista de descritores verbais derivados do McGill Pain Questionnaire e a percepção da causa da dor do paciente.1616 Cleeland CS, Ryan KM. Pain assessment: global use of the Brief Pain Inventory. Ann Acad Med Singap. 1994;23:129-38. O paciente com AID foi definido como tendo uma pontuação > 4 no item 5 do BPI - “Classifique a sua dor assinalando com um círculo o número que melhor descreve a sua dor em média?” (0 = sem dor e 10 = a pior dor que se pode imaginar), o que indica uma dor moderada a grave. A robustez do número de corte 4 no BPI já foi examinada em outros estudos.1414 Conaghan PG, Peloso PM, Everett SV, Rajagopalan S, Black CM, Mavros P, et al. Inadequate pain relief and large functional loss among patients with knee osteoarthritis: evidence from a prospective multinational longitudinal study of osteoarthritis real-world therapies. Rheumatology (Oxford). 2015;54:270-7.

  • O Western Ontario and McMaster Universities (Womac) Osteoarthritis Index é um instrumento que mede a dor (dois itens), a rigidez (dois itens) e o desempenho nas atividades diárias (17 itens) em pacientes com osteoartrite de quadril e/ou joelho. A versão usada neste estudo (Womac, VA3.0) consistiu em 24 escalas visuais analógicas de 100 mm. As respostas variaram de nenhuma dor/rigidez/dificuldade (0) a dor/rigidez/dificuldade extrema (100).1616 Cleeland CS, Ryan KM. Pain assessment: global use of the Brief Pain Inventory. Ann Acad Med Singap. 1994;23:129-38.

    17 Bellamy N, Buchanan WW, Goldsmith CH, Campbell J, Stitt LW. Validation study of WOMAC: a health status instrument for measuring clinically important patient relevant outcomes to antirheumatic drug therapy in patients with osteoarthritis of the hip or knee. J Rheumatol. 1988;15:1833-40.
    -1818 Bellamy N. WOMAC osteoarthritis index. A user's guide. London, Ontario: Victoria Hospital; 1995.

  • O instrumento de status de saúde 12-item Short Form Health Survey (SF-12) (v. 2.0) mede a qualidade de vida em relação a oito domínios da saúde funcional e bem-estar, bem como os componentes sumário físico (PCS) e mental (MCS).1919 Ware JJ, Kosinski M, Keller SD. A 12-Item Short-Form Health Survey: construction of scales and preliminary tests of reliability and validity. Med Care. 1996;34:220-33. As questões são referentes à semana anterior e os escores vão de 0 a 100. Valores mais altos indicam melhor qualidade de vida/saúde geral.1818 Bellamy N. WOMAC osteoarthritis index. A user's guide. London, Ontario: Victoria Hospital; 1995.

Além disso, cada paciente avaliou o seu nível de satisfação com os analgésicos prescritos e se levaram em consideração duas perspectivas: 1) alívio da dor e dos sintomas causados pela artrite do joelho; 2) efeitos colaterais (ou seja, dor de estômago). Usou-se uma escala de Likert de cinco pontos nas duas avaliações, com cinco respostas possíveis: muito insatisfeito, insatisfeito, pouco insatisfeito, satisfeito e muito satisfeito. Cada paciente também classificou a sua resposta global aos analgésicos com uma escala de Likert de cinco pontos (sem resposta, resposta ruim, resposta regular, resposta boa, resposta excelente). Essas avaliações se referem aos últimos sete dias.

Por fim, avaliou-se a impressão do médico da resposta global do paciente aos analgésicos prescritos com uma escala de Likert de cinco pontos com os mesmos descritores da escala administrada ao paciente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de cada local e os participantes foram informados sobre a natureza do estudo antes de assinar um termo de consentimento informado.

Análise estatística

Esta análise incluiu todos os pacientes recrutados em Portugal de acordo com os critérios de elegibilidade do estudo Sort. Calcularam-se estatísticas sumárias para variáveis contínuas e categóricas. Usaram-se os testes de qui-quadrado e exato de Fisher para comparar os subgrupos AID versus não AID em relação às variáveis categóricas. Usou-se o teste de Mann-Whitney-Wilcoxon para comparar os dois grupos em relação às variáveis numéricas, incluindo as pontuações no BPI, Womac e SF-12. Aplicou-se um modelo de regressão logística multivariada para identificar quais características dos pacientes estiveram mais associadas ao AID. As variáveis foram selecionadas de acordo com sua significância estatística na análise bivariada e de acordo com o seu interesse para a pesquisa (incluindo aquelas teoricamente associadas ao AID). As variáveis estudadas foram: idade, sexo feminino, IMC, duração da OA de joelho, diagnóstico clínico em ambos os joelhos, comorbidades de interesse (doença cardiovascular, diabetes, depressão, hiperlipidemia, hipertensão arterial) e número de diferentes classes de medicação.

Os testes estatísticos foram bicaudais, usaram um nível de significância de 5%. Todas as análises foram feitas com o programa SAS® 9.3 (SAS Institute, Cary, NC, EUA).

Resultados

Características gerais da amostra

No geral, a idade média foi de 67 (DP 8,6) anos e a maior parte dos pacientes era do sexo feminino (78,2%). Apenas 17,8% dos pacientes tinham um trabalho remunerado no momento da avaliação -tabela 1. A duração média da OA de joelho foi de cerca de seis anos. Ambos os joelhos foram afetados em 72,1% dos pacientes e 50,3% também tinham sua coluna vertebral afetada. A hipertensão arterial (64%) e a hiperlipidemia (58,4%) foram as comorbidades mais comuns.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas da amostra, gerais e discriminadas de acordo com o status de alívio da dor no joelho

Adequação do alívio da dor

No geral, 101/197 (51,3% [IC 95% 44,1%, 58,4%]) dos pacientes relataram AID - tabela 1. As mulheres eram mais propensas a relatar AID do que não AID (p < 0,05). A incapacidade, a depressão e o diabetes foram mais frequentes entre os pacientes com AID do que entre os não AID (p < 0,05). Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os dois subgrupos em relação à média de idade (67 anos), média de duração da OA de joelho e outras características sociodemográficas e clínicas.

Uso de analgésicos

O número médio de diferentes classes de medicamentos usados pelos pacientes AID e não AID foi similar (1,76 [DP 0,78] versus 1,70 [DP 0,63]; p = 0,866). Os analgésicos mais usados foram os anti-inflamatórios não esteroides (Aine), seguidos por terapias alternativas (incluindo a glucosamina, a condroitina e o hialuronato) - figura 1. Não houve diferença estatisticamente significativa no uso desses medicamentos entre os grupos AID e não AID. Embora não estatisticamente significativa, foi observada maior prescrição de medicamentos com opioides a pacientes com AID (18,8% versus 10,4%; p = 0,110).

Figura 1
Analgésicos prescritos, discriminados de acordo com o status de alívio da dor no joelho.*As terapias alternativas incluem a glucosamina, a condroitina e o hialuronato.Aine, anti-inflamatórios não esteroides; AID, alívio inadequado da dor.Usou-se o teste exato de Fisher para as comparações.

A análise multivariada mostrou que o sexo feminino (odds ratio ajustado - OR 2,15 [IC 95% 1,1-4,5]), o diabetes (OR ajustado 3,1 [IC 95% 1,3-7,7]) e a depressão (OR ajustado 2,24 [IC 95% 1,2-4,3]) estiveram associados a um maior risco de AID (tabela 2).

Tabela 2
Análise de regressão logística multivariada que avalia o OR ajustado do alívio inadequado da dor (AID)

Outros desfechos relacionados com a saúde

A intensidade e a interferência da dor (BPI) foram maiores entre os pacientes com AID (p < 0,001) -tabela 3. Da mesma maneira, os pacientes com AID relataram piores desfechos nas três dimensões do Womac (dor, rigidez e função física) do que os pacientes não AID (p < 0,001).

Tabela 3
Escores do Brief Pain Inventory, Womac, avaliação global do paciente e do médico quanto à resposta ao tratamento, discriminado de acordo com o status de alívio da dor no joelho

Aproximadamente 64% dos pacientes não AID estavam satisfeitos ou muito satisfeitos com os efeitos dos analgésicos prescritos no alívio da dor e dos sintomas causados pela OA de joelho. Por outro lado, 63,4% dos pacientes com AID estavam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com os efeitos dos analgésicos. Uma maior proporção de pacientes com AID relatou uma resposta regular ou ruim aos analgésicos prescritos em comparação com os pacientes não AID (79,2% versus 55,2%, respectivamente; p < 0,05). Os médicos relataram que a resposta do paciente aos analgésicos foi regular ou ruim em 84,2% dos pacientes com AID, em oposição a 55,2% dos pacientes do grupo não AID (p < 0,05).

Uma maior proporção de pacientes do subgrupo AID relatou estado geral de saúde regular ou ruim na pontuação geral do SF-12 em comparação com pacientes não AID (87,1% versus 72,9%, respectivamente, p < 0,001).

A distribuição das respostas em cada um dos domínios de saúde do SF-12 é apresentada na figura 2. Os pacientes com AID tiveram piores desfechos em todos os oito domínios de saúde e nos dois componentes sumários do SF-12 em comparação com pacientes não AID (p < 0,001).

Figura 2
Média dos escores em cada domínio do SF-12, discriminada de acordo com o status de alívio da dor no joelho. AID: alívio inadequado da dor. Não AID (n = 101) e AID (n = 96), salvo indicação em contrário. As diferenças foram estatisticamente significativas em todas as comparações (teste de Mann-Whitney-Wilcoxon; p < 0,001).

Discussão

Verificou-se que mais de metade dos pacientes portugueses tinha dor moderada ou grave, apesar do uso de analgésicos. Esse achado sugere que as estratégias adotadas nos centros de saúde para o controle da dor da OA de joelho são insuficientes para a maior parte dos pacientes.

Atualmente, o tratamento clínico da OA é sintomático e visa a aliviar a dor e a rigidez e a manter ou melhorar a função articular. Além disso, o tratamento da OA visa a reduzir a incapacidade física e melhorar a qualidade de vida relacionada com a saúde.99 Zhang W, Moskowitz RW, Nuki G, Abramson S, Altman RD, Arden N, et al. OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis, part II: OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthr Cartil. 2008;16:137-62. Para os pacientes com OA de joelho, a importância do alívio da dor e da melhoria funcional foi evidente nos resultados de um experimento de escolha discreta recentemente descrito que avaliou as preferências do paciente no que diz respeito aos benefícios relacionados com os Aine.2020 Hauber AB, Arden NK, Mohamed AF, Johnson FR, Peloso PM, Watson DJ, et al. A discrete-choice experiment of United Kingdom patients’ willingness to risk adverse events for improved function and pain control in osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2013;21:289-97. Contudo, o tratamento da OA de joelho sintomática impõe desafios importantes aos profissionais de saúde. Para ser eficaz, o tratamento da OA conta com o uso apropriado de uma série de tratamentos não farmacológicos, farmacológicos e cirúrgicos. Embora as intervenções farmacológicas mais comumente usadas para a OA de joelho forneçam melhoria clinicamente significativa da dor,2121 Bannuru RR, Schmid CH, Kent DM, Vaysbrot EE, Wong JB, McAlindon TE. Comparative effectiveness of pharmacologic interventions for knee osteoarthritis: a systematic review and network meta-analysis. Ann Intern Med. 2015;162:46-54. a literatura sobre a OA evidencia que para uma proporção substancial de pacientes a monoterapia com analgésicos não fornece alívio adequado ou completo dos sintomas articulares. Muitos pacientes com OA continuam a sentir dor importante enquanto em uso de paracetamol ou Aine (não específico ou específico da COX-2).2222 Geba GP, Weaver AL, Polis AB, Dixon ME, Schnitzer TJ, Vioxx A. Efficacy of rofecoxib, celecoxib, and acetaminophen in osteoarthritis of the knee: a randomized trial. JAMA. 2002;287:64-71.

23 Pincus T, Swearingen C, Cummins P, Callahan LF. Preference for nonsteroidal antiinflammatory drugs versus acetaminophen and concomitant use of both types of drugs in patients with osteoarthritis. J Rheumatol. 2000;27:1020-7.
-2424 Silverstein FE, Faich G, Goldstein JL, Simon LS, Pincus T, Whelton A, et al. Gastrointestinal toxicity with celecoxib vs nonsteroidal anti-inflammatory drugs for osteoarthritis and rheumatoid arthritis: the CLASS study: A randomized controlled trial. Celecoxib Long-term Arthritis Safety Study. JAMA. 2000;284:1247-55. Vários fatores subjacentes ao subtratamento da dor têm sido sugeridos. Esses podem incluir a falta de atendimento médico profissional, a não introdução de terapias não farmacológicas (como a perda de peso e o exercício físico) no plano de tratamento e o excesso de confiança na monoterapia.2525 Altman R. Pain relief in osteoarthritis: the rationale for combination therapy. J Rheumatol. 2004;31:5-7.

No presente estudo, a grande maioria dos pacientes fazia uso de Aine, independentemente do status de alívio da dor no joelho relatado. Essa proporção concorda com o estudo de coorte multinacional longitudinal prospectivo Sort.1414 Conaghan PG, Peloso PM, Everett SV, Rajagopalan S, Black CM, Mavros P, et al. Inadequate pain relief and large functional loss among patients with knee osteoarthritis: evidence from a prospective multinational longitudinal study of osteoarthritis real-world therapies. Rheumatology (Oxford). 2015;54:270-7. Esse achado também corrobora os achados de outros estudos que relataram altos índices de uso de Aine. Uma pesquisa telefônica feita em 2003 com 1.149 pacientes com OA no Reino Unido mostrou que 50% estavam em uso de Aine, enquanto apenas 15% tomavam paracetamol.2626 TNS/arthritis care survey. Available from: www.arthritiscare.org.uk/OANation.
www.arthritiscare.org.uk/OANation...
Embora o uso de Aine seja maior entre os pacientes não AID do que em pacientes com dor moderada a grave, as diferenças observadas no presente estudo não foram estatisticamente significativas.

A American Academy of Orthopedic Surgeons (AAOS) recomenda veementemente o uso de Aine (oral ou tópico) ou tramadol em pacientes com OA de joelho sintomática. O endosso dos Aine baseou-se em evidências de alta qualidade resultantes de vários estudos que compararam os analgésicos seletivos, não seletivos ou tópicos em relação ao placebo. Além disso, a recomendação quanto ao paracetamol foi rebaixada de “moderada” para “inconclusiva”, na comparação com a diretriz anterior publicada pela AAOS em 2008.2727 Jevsevar DS, Brown GA, Jones DL, Matzkin EG, Manner PA, Mooar P, et al. The American Academy of Orthopaedic Surgeons evidence-based guideline on treatment of osteoarthritis of the knee, 2nd edition. J Bone Joint Surg Am. 2013;95:1885-6.

Por outro lado, os Aine orais (tanto não seletivos quanto seletivos da COX-2) são condicionalmente recomendados pelas diretrizes da OARSI de 2013 para o tratamento da OA de joelho, particularmente em indivíduos sem comorbidades ou indivíduos com OA multiarticular com risco moderado de comorbidades.1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88. Quanto ao uso de paracetamol, as diretrizes da OARSI diferem da AAOS, mas coincidem com as diretrizes do ACR de 2012, que recomendam o seu uso para pacientes sem comorbidades relevantes.1010 Hochberg MC, Altman RD, April KT, Benkhalti M, Guyatt G, McGowan J, et al. American College of Rheumatology 2012 recommendations for the use of nonpharmacologic and pharmacologic therapies in osteoarthritis of the hand: hip, and knee. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64:465-74.,1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88.

Uma proporção considerável de participantes (44%) estava em uso de terapias alternativas, que incluíam a glucosamina, a condroitina e o hialuronato. As evidências em relação aos benefícios da glucosamina e da condrotoina na OA de joelho e quadril são controversas. Embora alguns estudos tenham mostrado efeitos positivos desses agentes, outros trabalhos não mostraram benefícios.99 Zhang W, Moskowitz RW, Nuki G, Abramson S, Altman RD, Arden N, et al. OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis, part II: OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthr Cartil. 2008;16:137-62.,2828 Block JA, Oegema TR, Sandy JD, Plaas A. The effects of oral glucosamine on joint health: is a change in research approach needed?. Osteoarthr Cartil. 2010;18:5-11. A AAOS é contra o uso da glucosamina e da condroitina e o ACR é contra o uso da condroitina e condicionalmente contra a glucosamina.1010 Hochberg MC, Altman RD, April KT, Benkhalti M, Guyatt G, McGowan J, et al. American College of Rheumatology 2012 recommendations for the use of nonpharmacologic and pharmacologic therapies in osteoarthritis of the hand: hip, and knee. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64:465-74.,2727 Jevsevar DS, Brown GA, Jones DL, Matzkin EG, Manner PA, Mooar P, et al. The American Academy of Orthopaedic Surgeons evidence-based guideline on treatment of osteoarthritis of the knee, 2nd edition. J Bone Joint Surg Am. 2013;95:1885-6. A Oarsi é mais específica ao avaliar esses tratamentos separadamente quanto ao alívio sintomático e a modificação da doença. A recomendação é “incerta” em relação à eficácia sintomática de ambos os tratamentos, mas o seu uso como agente modificador da doença é considerado “não apropriado”.1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88. Em relação ao ácido hialurônico, a AAOS é contra o seu uso na OA de joelho, cita uma ausência de eficácia, enquanto a Oarsi fornece uma recomendação “incerta”.1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88.,2727 Jevsevar DS, Brown GA, Jones DL, Matzkin EG, Manner PA, Mooar P, et al. The American Academy of Orthopaedic Surgeons evidence-based guideline on treatment of osteoarthritis of the knee, 2nd edition. J Bone Joint Surg Am. 2013;95:1885-6.

No presente estudo, o uso de opioides foi maior entre os pacientes que relataram AID, embora esse achado não tenha sido estatisticamente significativo. Os opioides fracos têm sido cada vez mais usados para o tratamento da dor refratária em pacientes com OA de quadril ou joelho. Diversos estudos forneceram evidências quanto à eficácia e segurança em curto prazo dos opioides na dor crônica da OA.99 Zhang W, Moskowitz RW, Nuki G, Abramson S, Altman RD, Arden N, et al. OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis, part II: OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthr Cartil. 2008;16:137-62. Uma metanálise de uma grande amostra de pacientes com OA apresentou um tamanho de efeito moderado na redução da intensidade da dor. No entanto, observou-se uma grande heterogeneidade entre os estudos. Os benefícios associados ao uso de opioides estão limitados pela elevada incidência de efeitos colaterais, como náuseas, constipação e tonturas. Com base no conjunto de evidências disponíveis e na experiência dos especialistas, as diretrizes atuais da Oarsi fornecem uma recomendação “incerta” para o uso de opioides na OA de joelho.1111 McAlindon TE, Bannuru RR, Sullivan MC, Arden NK, Berenbaum F, Bierma-Zeinstra SM, et al. OARSI guidelines for the non-surgical management of knee osteoarthritis. Osteoarthr Cartil. 2014;22:363-88.

Descobriu-se que a inadequação no alívio da dor foi mais frequente entre as mulheres. Além disso, a análise de regressão mostrou que as mulheres estão associadas a um risco aumentado de experimentar alívio inadequado da dor com analgésicos. As mulheres são mais gravemente afetadas pela OA de joelho, relatam mais dor e incapacidade do que os homens. A etiologia da OA de joelho em mulheres é multifatorial e inclui: diferenças anatômicas em comparação com os homens, trauma anterior, questões genéticas e problemas hormonais. As mulheres têm maior incidência de lesões do ligamento cruzado anterior e essas lesões levam à osteoartrite futura independentemente do sexo. Além disso, as mulheres pós-menopáusicas, em decorrência da diminuição no estrogênio, têm um risco aumentado de desenvolvimento de OA.2929 Sharon L. Knee osteoarthritis in women. Curr Rev Musculoskelet Med. 2013;6:182-7.

A análise de regressão também mostrou que o diabetes e a depressão foram as comorbidades mais associadas ao AID, um achado que corrobora os resultados gerais do estudo Sort.1414 Conaghan PG, Peloso PM, Everett SV, Rajagopalan S, Black CM, Mavros P, et al. Inadequate pain relief and large functional loss among patients with knee osteoarthritis: evidence from a prospective multinational longitudinal study of osteoarthritis real-world therapies. Rheumatology (Oxford). 2015;54:270-7.

É importante observar que a hiperlipidemia está associada a um menor risco de AID no modelo de regressão, um achado que é consistente com o resultado da análise bivariada. Não foi encontrada explicação clara para esse resultado, além da existência de um fator de confusão ou em razão do acaso. Ainda assim, mais pesquisas devem examinar mais atentamente as ligações entre essas duas variáveis.

A análise feita no presente estudo mostrou que os pacientes que relataram AID tiveram dor mais grave e maior interferência da dor nas atividades diárias. Ademais, além da dor, esses pacientes tiveram piores desfechos nas dimensões Rigidez e Função Física do Womac do que os pacientes não AID. A incapacidade é uma das principais consequências da OA de membro inferior.3030 Yelin E, Lubeck D, Holman H, Epstein W. The impact of rheumatoid arthritis and osteoarthritis: the activities of patients with rheumatoid arthritis and osteoarthritis compared to controls. J Rheumatol. 1987;14:710-7. Jordan et al. mostraram que a gravidade da dor no joelho se correlaciona com a incapacidade autorrelatada na comunidade.3131 Jordan J, Luta G, Renner J, Dragomir A, Hochberg M, Fryer J. Knee pain and knee osteoarthritis severity in self-reported task specific disability: the Johnston County Osteoarthritis Project. J Rheumatol. 1997;24:1344-9. Outros autores também relataram essa correlação em pacientes com OA de joelho atendidos na atenção primária3232 van Baar ME, Dekker J, Lemmens JA, Oostendorp RA, Bijlsma JW. Pain and disability in patients with osteoarthritis of hip or knee: the relationship with articular, kinesiological, and psychological characteristics. J Rheumatol. 1998;25:125-33. e em consultórios de reumatologia.3333 Creamer P, Lethbridge-Cejku M, Hochberg MC. Factors associated with functional impairment in symptomatic knee osteoarthritis. Rheumatology. 2000;39:490-6. Não está claro o mecanismo pelo qual a dor contribui para a incapacidade. Alguns autores sugerem que a dor pode levar à ausência de atividade física, resultar em um ciclo de dor, inatividade e perda de massa muscular. Fatores psicológicos, como a ansiedade, podem intensificar esse ciclo negativo.3434 Dekker J, Tola P, Aufdemkampe G, Winckers M. Negative affect, pain and disability in osteoarthritis patients: the mediating role of muscle weakness. Behav Res Ther. 1993;31:203-6. Curiosamente, os resultados do presente estudo mostraram que a depressão e a incapacidade foram mais frequentes em pacientes com AID.

Os participantes que relataram AID tiveram escores significativamente piores em todos os domínios físicos e mentais do SF-12, em comparação com pacientes não AID. A qualidade de vida é um construto complexo que inclui várias dimensões diferentes, entre elas os aspectos físico, emocional e social. O corpo de evidências substancia menores escores de qualidade de vida (QV) em pacientes com OA de joelho em comparação com indivíduos saudáveis pareados por idade.3535 Farr IJ, Miller LE, Block JE. Quality of life in patients with knee osteoarthritis: a commentary on nonsurgical and surgical treatments. Open Orthop J. 2013;13:619-23. Desmeules et al. observaram que 197 participantes com OA de joelho recém-agendados para cirurgia de artroplastia total de joelho tinham pontuação significativamente menor em todos os oito domínios e nos componentes sumário mental e físico do SF-36 do que a média.3636 Desmeules F, Dionne CE, Belzile E, Bourbonnais R, Frémont P. Waiting for total knee replacement surgery: factors associated with pain, stiffness, function and quality of life. BMC Musculoskelet Disord. 2009;10:52. Um estudo com idosos coreanos também mostrou que a dor no joelho esteve correlacionada com uma redução substancial na qualidade de vida e aspecto físico.3737 Kim IJ, Kim HA, Seo YI, Jung YO, Song YW, Jeong JY, et al. Prevalence of Knee Pain and Its Influence on Quality of Life and Physical Function in the Korean Elderly Population: A Community Based Cross-Sectional Study. J Korean Med Sci. 2011;26:1140-6. Outros autores relataram achados semelhantes.3838 Alkan BM, Fidan F, Tosun A, Ardıçoğlu O. Quality of life and self-reported disability in patients with knee osteoarthritis. Mod Rheumatol. 2014;24:166-71.,3939 Salaffi F, Carotti M, Stancati A, Grassi W. Health-related quality of life in older adults with symptomatic hip and knee osteoarthritis: a comparison with matched healthy controls. Aging Clin Exp Res. 2005;17:255-63.

Os resultados do presente estudo sugerem que os pacientes com AID estavam menos satisfeitos com os efeitos dos analgésicos prescritos do que os pacientes não AID. O grau de satisfação do paciente com o tratamento é um desfecho comumente usado para avaliar o sucesso do tratamento. Esse resultado pode ser um indicador adequado da qualidade dos cuidados prestados em aspectos distintos do tratamento, como a sua eficácia e tolerabilidade. Isso é particularmente importante em pacientes com doenças crônicas como a OA, em que os tratamentos são frequentemente alterados em decorrência da falta de eficácia ou efeitos adversos.88 Oteo-Álvaro A, Marín M, Ruiz-Ibán M, Armada B, Rejas J. Treatment satisfaction after switching to another therapy in Spanish orthopaedic clinic outpatients with knee or hip osteoarthritis previously refractory to paracetamol. Clin Drug Investig. 2012;32:685-95.

Pontos fortes e limitações

Os pontos fortes deste estudo são que ele analisa dados do mundo real, fornece uma imagem realista e valiosa da população portuguesa com OA de joelho e os padrões de tratamento nas condições de prática clínica normal.

Além disso, usaram-se escalas confiáveis e validadas para avaliar os sintomas da OA de joelho, particularmente a dor. O BPI é amplamente usado para medir o nível de dor em várias doenças crônicas e é recomendado pelo painel de consenso - Initiative on Methods, Measurement, and Pain Assessment in Clinical Trials (Immpact).4040 Turk DC, Dworkin RH, Allen RR, Bellamy N, Brandenburg N, Carr DB, et al. Core outcome domains for chronic pain clinical trials: IMMPACT recommendations. Pain. 2003;106:337-45. Esse instrumento é validado para a população portuguesa e estudos recentes mostraram um forte apoio à sua confiabilidade e validade.4141 Azevedo LF, Pereira AC, Dias C, Agualusa L, Lemos L, Romão J, et al. Tradução, adaptação cultural e estudo multicêntrico de validação de instrumentos para rastreio e avaliação do impacto da dor crónica. Dor. 2007;16:6-37.,4242 Ferreira-Valente MA, Pais Ribeiro JL, Jensen MP. Further validation of a Portuguese version of the brief pain inventory interference scale. Clín Salud. 2012;23:89-96. O Womac foi desenvolvido para medir a incapacidade em pacientes com OA de membro inferior1717 Bellamy N, Buchanan WW, Goldsmith CH, Campbell J, Stitt LW. Validation study of WOMAC: a health status instrument for measuring clinically important patient relevant outcomes to antirheumatic drug therapy in patients with osteoarthritis of the hip or knee. J Rheumatol. 1988;15:1833-40. e tem sido amplamente usado em vários ensaios clínicos que avaliam a dor na OA de joelho.

O presente estudo tem uma série de limitações. Usou-se uma amostra relativamente pequena e não foram usados métodos de amostragem probabilísticos. Além disso, não foi usada qualquer estratificação geográfica da amostra. Portanto, deve-se ter cautela ao generalizar os resultados para a população em geral com OA de joelho. No entanto, em contraste com as características dos participantes do presente estudo com a literatura, observa-se alguma sobreposição na distribuição de condições de gênero, idade e comorbidades.

Conclusão

O presente trabalho constitui uma análise preliminar da amostra portuguesa incluída no estudo multinacional prospectivo Sort. Apesar do uso de analgésicos, mais da metade dos pacientes relatou dor moderada a grave no joelho. Esses pacientes também relataram piores desfechos em relação a outros sintomas da OA de joelho, saúde geral e qualidade de vida do que os pacientes sem dor ou com dor leve no joelho. Os resultados do presente estudo sugerem que há espaço para melhorias no manejo da dor no joelho decorrente da OA em Portugal. Mais pesquisas do estudo Sort que envolvam uma avaliação longitudinal da amostra fornecerão uma imagem mais clara do curso dos cuidados clínicos e desfechos na OA de joelho.

  • Financiamento
    O estudo Sort foi financiado pela Merck, Sharp & Dome.

Agradecimentos

A todos os pesquisadores do SORT e a Luís Veloso por sua contribuição fundamental para este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    8 Set 2016
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