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Leucopenia grave em paciente com artrite reumatoide tratada com combinação de metotrexato e leflunomida Estudo conduzido no Serviço de Clínica Médica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil.

Resumos

Apresentamos o caso de uma paciente com artrite reumatoide tratada por dois anos com associação de metotrexato e leflunomida. A paciente foi internada com leucopenia grave quatro semanas após acrescentar ao esquema medicamentoso as drogas clopidogrel, isosorbida, sinvastatina, AAS e omeprazol.

Artrite reumatóide; Metotrexato; Leucopenia; Polimedicação


A rheumatoid arthritis patient was treated for two years with methotrexate and leflunomide combination therapy. The evolution was uneventful until she had clopidogrel, simvastatin, isosorbide, aspirin and omeprazole added to medication due to acute myocardial infarction. Four weeks after this, she was hospitalized with severe leukopenia.

Arthritis, rheumatoid; Methotrexate; Leukopenia; Polypharmacy


Introdução

O metotrexato (MTX) é considerado mundialmente a droga básica na maioria dos esquemas terapêuticos da artrite reumatoide.11. Cronstein B. Methotrexate - the anchor drug - an introduction. Clin Exp Rheumatol. 2010;(Suppl. 61):S1-S2.Entretanto, seu uso como monoterapia ou associado apenas a corticoides em baixa dosagem com frequência não é suficiente para indução de remissão ou de níveis aceitáveis de atividade da doença. Por isso, diversas associações terapêuticas têm sido testadas com a finalidade de aumentar a eficiência do MTX. Dentre essas, a associação com a leflunomida (LEF) revelou-se a mais eficaz, com efeitos sinérgicos demonstrados em vários estudos.22. Singer O, Gibofsky A. Methotrexate versus leflunomide in rheumatoid arthritis: what is new in 2011? Curr Opin Rheumatol 2011;23:288-292. Entretanto, a possibilidade de toxicidade cumulativa das duas drogas é sempre motivo de preocupação para quem prescreve esta combinação terapêutica.

Relato do caso

Em janeiro de 2011, uma paciente de 68 anos de idade foi internada no Serviço de Clínica Médica do HSPE com quadro de dispneia aos esforços, fadiga, inapetência, diarreia, tosse, febre e calafrios. A paciente apresentava regular estado geral, sendo sua internação justificada pelos resultados do hemograma colhido no Serviço de Emergência:

Hemoglobina (HB): 10 mg/dL, (HTC: 31,2, VCM: 92,3, CHCM: 32,0, RDW: 16,5)

Leucócitos: 980/ mm3 (500 neutrófilos, 300 linfócitos, 80 eosinófilos e 100 monócitos).

Plaquetas: 182.000/mm3.

Entre os antecedentes patológicos, a paciente relatou sofrer de artrite reumatoide há seis anos, com comprometimento principal das articulações interfalangianas proximais, metacarpo falangianas e punhos. Em janeiro de 2008 iniciou tratamento com metotrexato na dose de 15 mg semanais, com suplementação de ácido fólico na dose de 5 mg tomados dois dias após a tomada do MTX. Em janeiro de 2010 persistia com sinovite nas articulações mencionadas, necessitando de 10 mg diários de prednisona para controlar os sintomas dolorosos. Naquela ocasião foi iniciada a associação com leflunomida, 20 mg/dia, com redução da dose do metotrexato para 10 mg semanais, sendo mantido o esquema de reposição de ácido fólico.

Com este esquema terapêutico obteve boa resposta clínica, com remissão das sinovites e melhora progressiva das dores articulares. Não referiu efeitos colaterais significativos durante o ano de 2010.

O registro de um atendimento ambulatorial em outubro de 2010 descrevia a paciente como praticamente livre de sintomas e sem sinovites. O hemograma visto nessa consulta teve os seguintes resultados:

HB 10,8 mg/dL - Leucócitos: 4.850/mm3 (3500 neutrófilos, 200 eosinófilos, 700 linfócitos e 450 monócitos). Plaquetas: 290.000/mm3. As enzimas hepáticas apresentaram valores dentro da normalidade.

Em dezembro de 2010 foi internada na Unidade Coronariana do HSPE com dor precordial típica, sendo confirmado diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM). A partir desse evento passou a receber, além da medicação para artrite reumatoide, as drogas clopidogrel, AAS, isossorbida, sinvastatina e omeprazol de forma contínua, tendo mantido este esquema terapêutico até sua nova internação, relatada acima, quatro semanas após.

Evolução

Na enfermaria recebeu cobertura antibiótica segundo protocolo para pacientes com leucopenia febril. Considerando-se a possibilidade de mielotoxicidade, o MTX e a LEF foram suspensos, a prednisona aumentada para 20 mg /dia e iniciado acido folínico na dose de 15 mg/dia.

Com este esquema a paciente apresentou rápida melhora das condições clínicas. Um hemograma colhido três dias após o início da reposição com ácido folínico apresentou o seguinte resultado:

HB: 8,7 mg/dL (HTC:28, VCM 81) Leucócitos: 3.130 (2.200 neutrófilos, 200 eosinófilos, 430 linfócitos, 300 monócitos), plaquetas: 202.000 - VHS: 80.

Com uma evolução favorável e constante, a paciente recebeu alta hospitalar após 10 dias, sem antibióticos, mantidas apenas as medicações da cardiologia, além de ácido folínico 15 mg/d e prednisona 5 mg/d.

No último retorno ambulatorial, em maio de 2011, estava assintomática, com os seguintes dados laboratoriais:

ALT: 12 U/L; AST 13 U/L;

Hemoglobina: 12,6 m g/dL VCM 88,3 fL; Leucócitos: 8.700/mm3(neutrófilos 6.700, eosinófilos 300, linfócitos 1.200, monócitos 500), plaquetas: 398.000

Discussão

Embora não se conheçam todos os mecanismos pelos quais o MTX exerce sua atividade anti-inflamatória na artrite reumatoide, sua ação farmacológica principal é o bloqueio da enzima folato redutase, interferindo com a síntese de nucleotídios pela via das purinas.

A leflunomida (LEF) inibe a síntese de nucleotídios pela via da pirimidina, sendo possível uma ação sinérgica com o MTX na redução da atividade de células imunocompetentes.

O uso concomitante de LEF e MTX proporciona benefícios adicionais, em comparação com cada um desses agentes em monoterapia.22. Singer O, Gibofsky A. Methotrexate versus leflunomide in rheumatoid arthritis: what is new in 2011? Curr Opin Rheumatol 2011;23:288-292.

No entanto, a associação do MTX com a LEF é considerada arriscada, pela possibilidade de somatória das toxicidades hepática, pulmonar e medular de ambas as drogas, sendo formalmente contraindicada nos EUA. Já no Brasil, na Austrália e em Nova Zelândia diversos centros reumatológicos aceitam essa associação, considerada segura quanto à possibilidade de toxicidade hepática,33. Alves JANR, Fialho SCMS, Morato EF, Castro GRW, Zimmermann AF, Ribeiro GG, et al. Toxicidade hepática é rara em pacientes com artrite reumatoide usando terapia combinada de leflunomida e metotrexato. Rev Bras Reumatol. 2011;51:138-144. o que a levou a ser aceita como um degrau a mais na pirâmide terapêutica da AR.44. Savage RL. Leflunomide in combination therapy for rheumatoid arthritis. Drug Saf. 2010;33:523-526.

No caso da paciente apresentada, a combinação LEF-MTX mostrou um bom resultado no controle da doença reumatoide, proporcionando uma evolução sem problemas até que um novo evento clínico (IAM) levou-a a receber uma série adicional de fármacos, de uso corriqueiro na situação clínica relatada, mas que provavelmente interagiram na gênese da mielotoxicidade com leucopenia. Entre os medicamentos com interação positiva com o MTX encontramos, na prescrição da paciente, o AAS55. Jacomini LCL, Silva NA. Risks of drug nutrient interaction for the elderly in long-term care institutions. Rev Bras Reumatol. 2011;51:161-174. e o omeprazol, que podem aumentar a permanência e a disponibilidade do MTX no plasma.66. Santucci R, Leveque D, Kemmel V, Lutz P, Gérout AC, NGuyen A, et al. Severe intoxication with methotrexate possibly associated with concomitant use of proton pump inhibitors. Anticancer Res. 2010;30:963-966.,77. Bagatini F, Blatt CR, Maliska G, Trepash GV, Pereira IA, Zimmermann AF, et al. Potenciais interações medicamentosas em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2011;51:20-39.

  • Estudo conduzido no Serviço de Clínica Médica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Cronstein B. Methotrexate - the anchor drug - an introduction. Clin Exp Rheumatol. 2010;(Suppl. 61):S1-S2.
  • 2
    Singer O, Gibofsky A. Methotrexate versus leflunomide in rheumatoid arthritis: what is new in 2011? Curr Opin Rheumatol 2011;23:288-292.
  • 3
    Alves JANR, Fialho SCMS, Morato EF, Castro GRW, Zimmermann AF, Ribeiro GG, et al. Toxicidade hepática é rara em pacientes com artrite reumatoide usando terapia combinada de leflunomida e metotrexato. Rev Bras Reumatol. 2011;51:138-144.
  • 4
    Savage RL. Leflunomide in combination therapy for rheumatoid arthritis. Drug Saf. 2010;33:523-526.
  • 5
    Jacomini LCL, Silva NA. Risks of drug nutrient interaction for the elderly in long-term care institutions. Rev Bras Reumatol. 2011;51:161-174.
  • 6
    Santucci R, Leveque D, Kemmel V, Lutz P, Gérout AC, NGuyen A, et al. Severe intoxication with methotrexate possibly associated with concomitant use of proton pump inhibitors. Anticancer Res. 2010;30:963-966.
  • 7
    Bagatini F, Blatt CR, Maliska G, Trepash GV, Pereira IA, Zimmermann AF, et al. Potenciais interações medicamentosas em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2011;51:20-39.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2011
  • Aceito
    14 Maio 2013
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