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A doença do ponto de vista do paciente

EDITORIAL

A doença do ponto de vista do paciente

Jamil Natour

Professor Livre Docente da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Disciplina de Reumatologia Rua Botucatu, 740 Vila Clementino. São Paulo - SP CEP: 040230-900 E-mail: jnatour@unifesp.br

A cada consulta médica ressurge o desafio do diagnóstico. Os médicos travam uma batalha constante para definir um diagnóstico que explique as queixas que levaram o paciente ao consultório. Em situações de conflito de interesse, surge até a questão de sabermos se existe alguma doença. Com o avanço da tecnologia na área da saúde e as facilidades por ela proporcionadas, surgiram novas dificuldades na vida do médico no exercício diário de sua profissão. Se mais detalhes nos são apresentados com novas tecnologias, o seu significado é muitas vezes incerto, e de um modo geral o aumento da sensibilidade é acompanhado pela diminuição da especificidade de seus resultados. Esse fato é, sobretudo, verdadeiro no diagnóstico por imagem do aparelho locomotor. "Alterações" em pacientes assintomáticos e "normalidade" em pacientes sintomáticos são uma constância em nossa prática diária, mas as situações mais difíceis aparecem quando estamos diante de um paciente sintomático com uma "anormalidade" na imagem. O que poderia nos garantir uma relação entre os dois? Se existe uma baixa correlação clínico- radiológica, onde estaria a doença?

Cada vez mais estudos e guias de conduta estimulam o médico a não pedir exames em demasia. Do ponto de vista da economia da saúde, eles não são custo efetivo, e do ponto de vista do interesse do paciente, eles não resolvem seu problema e muitas vezes levam a mais exames e consultas desnecessários e à iatrogenia. Infelizmente, a maneira mais rápida de encerrar uma consulta sem deixar o paciente infeliz é solicitar um exame e dizer que o diagnóstico depende dele, acobertando uma anamnese e exame físico pobres.

Em um estudo publicado na Radiology em 2005,1 os pacientes com lombociatalgia aguda sem sinais de alerta (red flags) foram submetidos a exame de ressonância magnética na primeira consulta e randomicamente; metade dos exames foram mostrados ao médico- assistente e a outra metade não. Não houve diferença na evolução entre os dois grupos, o que demonstra que nesses casos este exame não deve ser pedido na primeira consulta. Apesar disso o que vemos em nossos pronto-socorros mais equipados é exatamente o contrário: os exames são feitos com uma facilidade que nos dá a impressão de que as solicitações têm por objetivo de amortizar o custo do equipamento e amenizar a insegurança do médico, não o interesse do paciente.

O estudo publicado nesta revista pelo Professor Feldman e sua equipe2 corrobora esta impressão de que andamos em um pântano cheio de ciladas.

Seria preditivo de doença um exame que é positivo em apenas 20% dos indivíduos com dor em ombro? Ou ainda, seria preditivo de doença um exame que pode estar alterado em 5% de indivíduos assintomáticos? Apesar da diferença estatística, estes números demonstram pouca diferença do ponto de vista clínico.

Neste cenário, os exames devem ser solicitados criteriosamente. Seus resultados apenas podem ser valorizados à luz de uma boa anamnese e exame físico. Não devemos tratar o exame e sim o paciente.

Sendo saúde o bem-estar físico, mental e social do individuo, alguém que procura o médico devido à dor no ombro está doente, mesmo que seu ultrassom esteja normal; enquanto alguém sem queixas não está doente, mesmo com alterações em seu ultrassom de ombro. Ainda poderíamos discutir sobre o indivíduo que tem dor no ombro e nunca procurou o médico ou reclamou do sintoma antes de ser questionado, mas continua trabalhando normalmente na indústria onde a equipe do Professor Feldman foi selecionar sua amostra, mas esta é uma outra história...

  • 1
    Modic MT, Obuchowski NA, Ross JS, Brant-Zawadzki MN, Grooff PN, Mazanec DJ et al Acute low back pain and radiculopathy: MR imaging findings and their prognostic role and effect on outcome. Radiology 2005;237(2):597-604.
  • 2
    Maeda EY, Helfenstein Jr M, Ascencio JEB, Feldman D. O ombro em uma linha de produção: estudo clínico e ultrassonográfico. Rev Bras Reumatol 2009;49(4):379-490.
  • Endereço para correspondência:
    Disciplina de Reumatologia
    Rua Botucatu, 740
    Vila Clementino. São Paulo - SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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