Acessibilidade / Reportar erro

Redução na força muscular e capacidade funcional em pacientes fisicamente inativos com lúpus eritematoso sistêmico de início juvenil, apesar de doença muito leve

RESUMO

Objetivo:

Comparar a força muscular (ou seja, a força muscular dos membros superiores e inferiores) e a capacidade funcional de pacientes fisicamente inativos com lúpus eritematoso sistêmico de início juvenil (LESJ) com controles saudáveis (CTRL).

Métodos:

Estudo transversal cuja amostra foi composta por 19 pacientes com LESJ (entre 9 e 18 anos) e 15 CTRL pareados por idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e nível de atividade física (avaliada através do uso de acelerômetros). A força dos membros superiores e inferiores foi avaliada pelo teste de uma repetição máxima (1-RM). A força isométrica foi avaliada através do uso de um dinamômetro. A capacidade funcional foi avaliada pelo Timed-stands test (TST) e Timed-up-and-go test (TUG).

Resultados:

Quando comparados com os CTRL, os pacientes com LESJ apresentaram menor força em 1-RM no Leg press e supino (p = 0,026 e p = 0,008, respectivamente) e uma tendência a menor força de preensão manual (p = 0,052). Os pacientes com LESJ apresentaram menores escores no TST (p = 0,036) e uma tendência a maior pontuação no TUG (p = 0,070), quando comparados com o grupo CTRL.

Conclusão

Pacientes com LESJ, fisicamente inativos, com doença muito leve mostraram redução na força muscular e capacidade funcional quando comparados com controles saudáveis pareados por níveis de atividade física. Esses achados sugerem que pacientes com LESJ podem apresentar mais efeitos deletérios por manter um estilo de vida fisicamente inativo do que controles saudáveis. Além disso, alguns efeitos “residuais” subclínicos da doença ou do tratamento farmacológico parecem afetar pacientes com LESJ, mesmo com uma doença bem controlada.

Palavras-chave:
Força muscular; Capacidade funcional; Doença reumática; Nível de atividade física

ABSTRACT

Objective:

To compare muscle strength (i.e. lower- and upper-body strength) and function between physically inactive childhood-onset systemic lupus erythematosus patients (C-SLE) and healthy controls (CTRL).

Methods:

This was a cross-sectional study and the sample consisted of 19 C-SLE (age between 9 and 18 years) and 15 CTRL matched by age, sex, body mass index (BMI), and physical activity levels (assessed by accelerometry). Lower- and upper-body strength was assessed by the one-repetition-maximum (1-RM) test. Isometric strength was assessed through a handgrip dynamometer. Muscle function was evaluated by the timed-stands test (TST) and the timed-up-and-go test (TUG).

Results:

When compared with CTRL, C-SLE showed lower leg-press and bench-press 1-RM (p = 0.026 and p = 0.008, respectively), and a tendency toward lower handgrip strength (p = 0.052). C-SLE showed lower TST scores (p = 0.036) and a tendency toward higher TUG scores (p = 0.070) when compared with CTRL.

Conclusion:

Physically inactive C-SLE patients with very mild disease showed reduced muscle strength and functionality when compared with healthy controls matched by physical activity levels. These findings suggest C-SLE patients may greatly suffer from a physically inactive lifestyle than healthy controls do. Moreover, some sub-clinical “residual” effect of the disease or its pharmacological treatment seems to affect C-SLE patients even with a well-controlled disease.

Keywords:
Muscle function; Strength; Rheumatic disease; Physical activity level

Introdução

O lúpus eritematoso sistêmico de início juvenil (LESJ) é uma doença autoimune caracterizada por hiperatividade nos linfócitos B e T e formação e deposição de anticorpos por todo o corpo, o que resulta em inflamação sistêmica crônica e envolvimento de vários órgãos (p. ex., pele, rim, músculos, sistema cardiovascular etc.).11 Guerra SG, Vyse TJ, Cunninghame Graham DS. The genetics of lupus: a functional perspective. Arthritis Res Ther. 2012;14:211.

2 Chai HC, Phipps ME, Chua KH. Genetic risk factors of systemic lupus erythematosus in the Malaysian population: a minireview. Clin Dev Immunol. 2012;2012:963730.

3 Rahman A, Isenberg DA. Systemic lupus erythematosus. N Engl J Med. 2008;358:929-39.
-44 Mavrogeni S, Servos G, Smerla R, Markousis-Mavrogenis G, Grigoriadou G, Kolovou G, et al. Cardiovascular involvement in pediatric systemic autoimmune diseases: the emerging role of noninvasive cardiovascular imaging. Inflamm Allergy Drug Targets. 2015;13:371-81. O LESJ tem uma prevalência de 3 a 24 casos por 100 mil habitantes55 Malattia C, Martini A. Paediatric-onset systemic lupus erythematosus. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2013;27:351-62. e tem sido associado a uma doença mais grave do que o LES adulto.66 Brunner HI, Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MD, Silverman ED. Difference in disease features between childhood-onset and adult-onset systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2008;58:556-62.

A doença em si (ou seja, sua inflamação sistêmica) e seu tratamento farmacológico (ou seja, uso prolongado de corticoides) podem contribuir para uma infinidade de manifestações clínicas (p. ex., distúrbios musculoesqueléticos, disfunção física e fadiga),77 Hersh A, von Scheven E, Yelin E. Adult outcomes of childhood-onset rheumatic diseases. Nat Rev Rheumatol. 2011;7:290-5.

8 Munoz LE, Janko C, Schulze C, Schorn C, Sarter K, Schett G, et al. Autoimmunity and chronic inflammation - two clearance-related steps in the etiopathogenesis of SLE. Autoimmun Rev. 2010;10:38-42.
-99 Laxer RM. Long-term toxicity of immune suppression in juvenile rheumatic diseases. Rheumatology (Oxford). 1999;38:743-6. o que pode, por fim, predispor o paciente a um estilo de vida sedentário. O estilo de vida sedentário pode, por sua vez, pode afetar negativamente a capacidade física, capacidade funcional e qualidade de vida, resultando em um circulo vicioso onde os pacientes se tornam mais inativos fisicamente e apresentam piores desfechos clínicos.1010 Gualano B, Sa Pinto AL, Perondi B, Leite Prado DM, Omori C, Almeida RT, et al. Evidence for prescribing exercise as treatment in pediatric rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2010;9:569-73. Alguns estudos têm mostrado que as populações reumatologia pediátricas não atingem níveis suficientes de atividade física em comparação com crianças e adolescentes saudáveis.1111 Henderson CJ, Lovell DJ, Specker BL, Campaigne BN. Physical activity in children with juvenile rheumatoid arthritis: quantification and evaluation. Arthritis Care Res. 1995;8:114-9.

12 Maggio AB, Hofer MF, Martin XE, Marchand LM, Beghetti M, Farpour-Lambert NJ. Reduced physical activity level and cardiorespiratory fitness in children with chronic diseases. Eur J Pediatr. 2010;169:1187-93.
-1313 Kashikar-Zuck S, Flowers SR, Verkamp E, Ting TV, Lynch-Jordan AM, Graham TB, et al. Actigraphy-based physical activity monitoring in adolescents with juvenile primary fibromyalgia syndrome. J Pain. 2010;11:885-93. No entanto, embora seja plausível supor que um comportamento sedentário possa afetar a capacidade física dessa população, isso ainda precisa ser confirmado.

O objetivo deste estudo foi comparar a força muscular (ou seja, a força muscular dos membros superiores e inferiores) e a capacidade funcional entre pacientes fisicamente inativos com LESJ e controles saudáveis (CTRL). A hipótese é que pacientes fisicamente inativos com baixa atividade da doença e baixo dano cumulativo apresentarão força muscular e capacidade funcional similares quando comparados com controles saudáveis pareados por nível de atividade física.

Pacientes e métodos

Desenho do estudo e pacientes

Estudo transversal feito em São Paulo, Brasil (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). A amostra foi composta por 19 pacientes com LESJ (entre 9 e 18 anos) e 15 controles saudáveis (CTRL) pareados por idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e nível de atividade física (avaliada através do uso de acelerômetros). A capacidade aeróbia, a qualidade de vida relacionada com a saúde e os dados de nível de atividade física de parte da amostra foram descritos em outro trabalho.1414 Pinto AJ, Miyake CNH, Benatti FB, Silva CA, Sallum AME, Borba E, et al. Reduced aerobic capacity and quality of life in physically inactive patients with systemic lupus erythematosus with mild/inactive disease. Arthritis Care Res (Hoboken). 2016; doi: 10.1002/acr.22905.
https://doi.org/10.1002/acr.22905...
A atividade da doença foi determinada por meio dos escores no Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index 2000 (SLEDAI)1515 Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MB. Systemic lupus erythematosus disease activity index 2000. J Rheumatol. 2002;29:288-91. e o dano cumulativo pelo escore do Systemic Lupus International Collaborating Clinics/ACR Damage Index (SLICC).1616 Gladman D, Ginzler E, Goldsmith C, Fortin P, Liang M, Urowitz M, et al. The development and initial validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumatology damage index for systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1996;39:363-9. Todos os pacientes atenderam aos critérios revisados do American College of Rheumatology para o diagnóstico de LESJ.1717 Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1997;40:1725. Os indivíduos saudáveis, recrutados através de divulgação na Universidade de São Paulo, não tinham quaisquer doenças crônicas e não participavam de programas de exercícios.

Os critérios de exclusão foram os seguintes: (1) pacientes fisicamente ativos (de acordo com recomendações gerais de atividade física);1818 WHO. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010 [Accessed in2015]. Available in: http://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/.
http://www.who.int/dietphysicalactivity/...
(2) doenças cardiovasculares e musculoesqueléticas; (3) comprometimento renal e pulmonar; (4) neuropatia periférica, (5) doença reumática secundária (p. ex., síndrome de Sjögren, fibromialgia, síndrome antifosfolípede).

O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq) aprovou o estudo e todos os responsáveis legais forneceram um consentimento por escrito.

Avaliação do nível de atividade física

A atividade física foi medida objetivamente com acelerômetros Actigraph GT3X® (ActiGraph, Pensacola, Florida). Todos os participantes foram instruídos a usar o acelerômetro durante todo o dia enquanto acordado, exceto durante o banho ou a natação, durante sete dias consecutivos. Todos os participantes acumularam pelo menos dez horas de gravações de atividade válidas por dia, durante pelo menos cinco dias. Os dados foram exportados do dispositivo em epochs de 15-s epochs para crianças e adolescentes com o software Actilife 6 (ActiGraph, Pensacola, Florida). Os pontos de corte de Everson foram utilizados para definir o tempo gasto em: atividades sedentárias (< 100 counts/min), atividade física de intensidade leve (≥ 101 a < 2.295 counts/min) e AFMV (atividade física moderada a vigorosa) (≥ 2.296 counts/min).1919 Evenson KR, Catellier DJ, Gill K, Ondrak KS, McMurray RG. Calibration of two objective measures of physical activity for children. J Sports Sci. 2008;26:1557-65. As diretrizes de atividade física recomendam um mínimo de 60 min/dia de AFMV para crianças e adolescentes.1818 WHO. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010 [Accessed in2015]. Available in: http://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/.
http://www.who.int/dietphysicalactivity/...
Assim, os participantes foram considerados fisicamente ativos se atendessem a essa recomendação.

Força muscular e capacidade funcional

Os participantes fizeram duas sessões preliminares, separadas por pelo menos 72 horas, para se familiarizar com os principais testes. Esses consistiram em testes de uma repetição máxima (1-RM) para determinar a força muscular dos membros superiores e inferiores, por meio dos exercícios de supino e leg press, respectivamente. Antes do teste de 1-RM, foram realizados dois aquecimentos leves, separados por intervalos de 2 minutos. Posteriormente, os participantes fizeram testes de 1-RM para cada exercício em até 5 tentativas separadas por intervalos de 3 min.2020 Brown LE, Weir JP. ASEP Procedures Recommendation I: Accurate Assessment Of Muscular Strength And Power. JEPonline2001. p. 1-21. Os testes de 1-RM foram conduzidos por dois pesquisadores experientes e foi fornecido estímulo verbal durante as sessões de teste.

A força isométrica foi avaliada por meio de um dinamômetro de preensão manual (Takei A5001 Hand Grip Dynamometer, Takei Scientific Instruments Co., Ltd., Tokyo, Japan). O protocolo consistiu em três contrações isométricas máximas de 5 segundos intercaladas com períodos de recuperação de 60 segundos. O teste foi realizado na mão dominante do participante.2121 Lohmann TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988. p. 177.

A capacidade funcional foi avaliada pelo Timed-stands test (TST) e Timed-up-and-go test (TUG). O TST avalia a quantidade máxima de vezes que um indivíduo consegue se levantar de uma cadeira sem braços convencional em 30 segundos;2222 Newcomer KL, Krug HE, Mahowald ML. Validity and reliability of the timed-stands test for patients with rheumatoid arthritis and other chronic diseases. J Rheumatol. 1993;20:21-7. o TUG avalia o tempo necessário para que o indivíduo se levante de uma cadeira sem braços convencional, caminhe sobre uma linha de 3 metros desenhada no solo, vire-se, retorne até a cadeira e sente-se novamente.2323 Podsiadlo D, Richardson S. The timed up & go: a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39:142-8.

Análise estatística

A normalidade dos dados foi avaliada com o teste W de Shapiro-Wilk. Amostras independentes foram comparadas com o teste t não pareado para as variáveis com distribuição normal ou o teste U de Mann-Whitney para as variáveis sem distribuição normal. A análise dos dados foi feita por meio do SPSS (17.0) para Windows. O nível de significância adotado para a rejeição da hipótese nula foi p ≤ 0,05. Os dados são apresentados como a média ± desvio padrão (DP); também foi calculado o intervalo de confiança de 95% (IC) da diferença.

Resultados

A tabela 1 mostra os dados demográficos, os dados referentes ao tratamento clínico atual, à atividade da doença e ao dano cumulativo em pacientes com LESJ e CTRL. Os grupos foram semelhantes em relação a idade, sexo, IMC e níveis de atividade física (p > 0,05).

Tabela 1
Dados demográficos, dados clínicos e de tratamento atuais em pacientes com LESJ e CTRL

Força muscular e capacidade funcional

Os dados de força muscular e capacidade funcional são apresentados na tabela 2. Quando comparados com os CTRL, os pacientes com LESJ apresentaram menor desempenho no teste de 1-RM no leg press e supino (p = 0,026 e p = 0,008, respectivamente) e uma tendência a menor força de preensão manual (p = 0,052).

Tabela 2
Força muscular e capacidade funcional nos grupos LESJ e CTRL

Além disso, os pacientes do LESJ apresentaram menores escores no TST (p = 0,036) e uma tendência a maior pontuação no TUG (p = 0,070) quando comparados com os CTRL.

Discussão

A principal conclusão deste estudo foi que os pacientes com LESJ, fisicamente inativos, com doença muito leve e bem controlada apresentaram menor força muscular e capacidade funcional quando comparados com controles saudáveis pareados por nível de atividade física.

Os sintomas e manifestações clínicas relacionados à doença podem predispor o paciente reumatológico pediátrico a um estilo de vida fisicamente inativo.1010 Gualano B, Sa Pinto AL, Perondi B, Leite Prado DM, Omori C, Almeida RT, et al. Evidence for prescribing exercise as treatment in pediatric rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2010;9:569-73.,2424 Takken T, van der Net J, Kuis W, Helders PJ. Physical activity and health related physical fitness in children with juvenile idiopathic arthritis. Ann Rheum Dis. 2003;62:885-9.,2525 Klepper SE. Exercise in pediatric rheumatic diseases. Curr Opin Rheumatol. 2008;20:619-24. A inatividade física na infância pode se seguir até a idade adulta e a senescência e tem sido associada a um maior risco de desenvolver doenças crônicas (p. ex., obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão) e de mortalidade por todas as causas.2626 Hardy LL, Dobbins TA, Denney-Wilson EA, Okely AD, Booth ML. Sedentariness, small-screen recreation, and fitness in youth. Am J Prev Med. 2009;36:120-5.

27 de Rezende LF, Rodrigues Lopes M, Rey-Lopez JP, Matsudo VK, Luiz Odo C. Sedentary behavior and health outcomes: an overview of systematic reviews. PloS One. 2014;9:e105620.
-2828 Tremblay MS, LeBlanc AG, Kho ME, Saunders TJ, Larouche R, Colley RC, et al. Systematic review of sedentary behaviour and health indicators in school-aged children and youth. Int J Behav Nutr Phys Act. 2011;8:98. Além disso, a inatividade física pode resultar em fraqueza e disfunção muscular e levar à pior qualidade de vida.1010 Gualano B, Sa Pinto AL, Perondi B, Leite Prado DM, Omori C, Almeida RT, et al. Evidence for prescribing exercise as treatment in pediatric rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2010;9:569-73.,2626 Hardy LL, Dobbins TA, Denney-Wilson EA, Okely AD, Booth ML. Sedentariness, small-screen recreation, and fitness in youth. Am J Prev Med. 2009;36:120-5. Neste estudo, esperava-se que os pacientes com LESJ com doença muito leve (ou seja, baixo dano cumulativo e baixa atividade da doença) mostrariam níveis similares de força muscular e capacidade funcional quando comparados com controles pareados por inatividade física. Contudo, com base nos resultados encontrados, pode-se supor que o nível insuficiente de atividade física pode impor um “custo” maior a pacientes com LESJ do que a controles saudáveis em relação à fraqueza e à disfunção muscular.

Não está claro por que a força muscular e a capacidade funcional diferem entre pacientes fisicamente inativos com LESJ com doença bem controlada e controles saudáveis. Para evitar quaisquer sintomas relacionados a doença que potencialmente pudessem ser responsáveis por diferenças na capacidade física, foram selecionados apenas os pacientes com baixa atividade da doença (média no SLEDAI = 2), baixo dano cumulativo (média no SLICC = 0,4) e livres de envolvimento musculoesquelético. No entanto, observaram-se diferenças notáveis na força muscular e na capacidade funcional. Isso sugere que outros fatores podem ter afetado negativamente os pacientes com LESJ. O tratamento farmacológico é um fator que potencialmente pode explicar esses achados. A corticoterapia em longo prazo, por exemplo, tem sido associada a uma série de efeitos adversos em populações pediátricas (p. ex., supressão no crescimento, ganho de peso, perda de massa óssea, miopatia, complicações oculares),66 Brunner HI, Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MD, Silverman ED. Difference in disease features between childhood-onset and adult-onset systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2008;58:556-62.,77 Hersh A, von Scheven E, Yelin E. Adult outcomes of childhood-onset rheumatic diseases. Nat Rev Rheumatol. 2011;7:290-5.,99 Laxer RM. Long-term toxicity of immune suppression in juvenile rheumatic diseases. Rheumatology (Oxford). 1999;38:743-6.,2929 Kasturi S, Sammaritano LR. Corticosteroids in Lupus. Rheum Dis Clin North Am. 2016;42:47-62. o que pode explicar, pelo menos parcialmente, a redução na capacidade física experimentada pelos pacientes com LESJ. Além disso, estudos têm mostrado que os pacientes com LESJ podem ter atrofia seletiva das fibras musculares do tipo II, prejuízo no acoplamento excitação-contração e lesões na microcirculação,3030 Oxenhandler R, Hart MN, Bickel J, Scearce D, Durham J, Irvin W. Pathologic features of muscle in systemic lupus erythematosus: a biopsy series with comparative clinical and immunopathologic observations. Hum Pathol. 1982;13:745-57.,3131 Finol HJ, Montagnani S, Marquez A, Montes de Oca I, Muller B. Ultrastructural pathology of skeletal muscle in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 1990;17:210-9. o que poderia afetar diretamente a força muscular e a capacidade funcional desses pacientes. A influência da morfologia muscular anormal na disfunção muscular no LESJ ainda não está clara, uma vez que não foi possível medir a massa muscular nem quaisquer outros parâmetros fisiológicos musculares neste estudo.

Populações adultas com LES parecem ter redução na capacidade física (ou seja, condicionamento aeróbio, força muscular e capacidade funcional), além de maior fadiga e incapacidade física quando comparados com controles saudáveis.3232 Stockton KA, Kandiah DA, Paratz JD, Bennell KL. Fatigue, muscle strength and vitamin D status in women with systemic lupus erythematosus compared with healthy controls. Lupus. 2012;21:271-8.

33 Tench C, Bentley D, Vleck V, McCurdie I, White P, D’Cruz D. Aerobic fitness, fatigue, and physical disability in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2002;29:474-81.
-3434 Keyser RE, Rus V, Cade WT, Kalappa N, Flores RH, Handwerger BS. Evidence for aerobic insufficiency in women with systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2003;49:16-22. Ao nosso conhecimento, apenas um estudo demonstrou menor capacidade aeróbia, maior fadiga e pior qualidade de vida em uma coorte de pacientes com LESJ,3535 Houghton KM, Tucker LB, Potts JE, McKenzie DC. Fitness, fatigue, disease activity, and quality of life in pediatric lupus. Arthritis Rheum. 2008;59:537-45. embora o nível de atividade física dos pacientes não tenha sido bem controlado nesta pesquisa. A partir dos resultados do presente estudo, é possível inferir que a inatividade física pode contribuir para o agravamento dos déficits nas capacidades de força e funcional observados em pacientes com LESJ em maior medida do que nos controles saudáveis. Novos estudos que envolvam apenas pacientes fisicamente ativos e controles podem fornecer novas perspectivas sobre o impacto de uma gama mais ampla de níveis de atividade física sobre a força e a capacidade funcional e possibilitar testar se o aumento na atividade física pode superar a disfunção muscular no LESJ.

O aumento nos níveis de atividade física por meio de programas de exercícios provou ser eficaz em reduzir os sintomas relacionados com a doença e melhorar a capacidade física em várias populações de pacientes reumatológicos.1010 Gualano B, Sa Pinto AL, Perondi B, Leite Prado DM, Omori C, Almeida RT, et al. Evidence for prescribing exercise as treatment in pediatric rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2010;9:569-73.,2525 Klepper SE. Exercise in pediatric rheumatic diseases. Curr Opin Rheumatol. 2008;20:619-24.,3636 Prado DM, Benatti FB, de Sa-Pinto AL, Hayashi AP, Gualano B, Pereira RM, et al. Exercise training in childhood-onset systemic lupus erythematosus: a controlled randomized trial. Arthritis Res Ther. 2013;15:R46.

37 Perandini LA, Sales-de-Oliveira D, Mello S, Camara NO, Benatti FB, Lima FR, et al. Inflammatory cytokine kinetics to single bouts of acute moderate and intense aerobic exercise in women with active and inactive systemic lupus erythematosus. Exerc Immunol Rev. 2015;21:174-85.
-3838 Omori CH, Silva CA, Sallum AM, Rodrigues Pereira RM, Luciade Sa Pinto A, Roschel H, et al. Exercise training in juvenile dermatomyositis. Arthritis Care Res. 2012;64:1186-94. Ao nosso conhecimento, no entanto, foi feito apenas um relato de caso e um único ensaio clínico randomizado para testar a eficácia do treinamento aeróbico em pacientes com LESJ.3636 Prado DM, Benatti FB, de Sa-Pinto AL, Hayashi AP, Gualano B, Pereira RM, et al. Exercise training in childhood-onset systemic lupus erythematosus: a controlled randomized trial. Arthritis Res Ther. 2013;15:R46.,3939 Prado DM, Gualano B, Pinto AL, Sallum AM, Perondi MB, Roschel H, et al. Exercise in a child with systemic lupus erythematosus and antiphospholipid syndrome. Med Sci Sports Exer. 2011;43:2221-3. Ambos os trabalhos mostraram resultados positivos em relação à melhora na capacidade física, nos sintomas da doença e na qualidade de vida. Claramente são necessários mais estudos para investigar a eficácia e a segurança de intervenções mais complexas no LESJ (p. ex., atividades estruturadas e não estruturadas para melhorar tanto a capacidade aeróbia quanto a força muscular, atividades físicas lúdicas voltadas para as crianças, programas focados em reduzir o comportamento sedentário, esportes individuais e coletivos).

Em conclusão, os pacientes com LESJ, fisicamente inativos, com doença muito leve apresentaram redução na força muscular e capacidade funcional quando comparados à controles saudáveis pareados por nível de atividade física. Esses achados sugerem que os pacientes com LESJ podem sofrer apresentar mais efeitos deletérios por manter um estilo de vida fisicamente inativo do que os controles saudáveis. Além disso, alguns efeitos subclínicos “residuais” da doença ou de seu tratamento farmacológico parecem afetar os pacientes com LESJ, mesmo com uma doença bem controlada.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro (Fapesp 2013/13.126-2).

REFERENCES

  • 1
    Guerra SG, Vyse TJ, Cunninghame Graham DS. The genetics of lupus: a functional perspective. Arthritis Res Ther. 2012;14:211.
  • 2
    Chai HC, Phipps ME, Chua KH. Genetic risk factors of systemic lupus erythematosus in the Malaysian population: a minireview. Clin Dev Immunol. 2012;2012:963730.
  • 3
    Rahman A, Isenberg DA. Systemic lupus erythematosus. N Engl J Med. 2008;358:929-39.
  • 4
    Mavrogeni S, Servos G, Smerla R, Markousis-Mavrogenis G, Grigoriadou G, Kolovou G, et al. Cardiovascular involvement in pediatric systemic autoimmune diseases: the emerging role of noninvasive cardiovascular imaging. Inflamm Allergy Drug Targets. 2015;13:371-81.
  • 5
    Malattia C, Martini A. Paediatric-onset systemic lupus erythematosus. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2013;27:351-62.
  • 6
    Brunner HI, Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MD, Silverman ED. Difference in disease features between childhood-onset and adult-onset systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2008;58:556-62.
  • 7
    Hersh A, von Scheven E, Yelin E. Adult outcomes of childhood-onset rheumatic diseases. Nat Rev Rheumatol. 2011;7:290-5.
  • 8
    Munoz LE, Janko C, Schulze C, Schorn C, Sarter K, Schett G, et al. Autoimmunity and chronic inflammation - two clearance-related steps in the etiopathogenesis of SLE. Autoimmun Rev. 2010;10:38-42.
  • 9
    Laxer RM. Long-term toxicity of immune suppression in juvenile rheumatic diseases. Rheumatology (Oxford). 1999;38:743-6.
  • 10
    Gualano B, Sa Pinto AL, Perondi B, Leite Prado DM, Omori C, Almeida RT, et al. Evidence for prescribing exercise as treatment in pediatric rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2010;9:569-73.
  • 11
    Henderson CJ, Lovell DJ, Specker BL, Campaigne BN. Physical activity in children with juvenile rheumatoid arthritis: quantification and evaluation. Arthritis Care Res. 1995;8:114-9.
  • 12
    Maggio AB, Hofer MF, Martin XE, Marchand LM, Beghetti M, Farpour-Lambert NJ. Reduced physical activity level and cardiorespiratory fitness in children with chronic diseases. Eur J Pediatr. 2010;169:1187-93.
  • 13
    Kashikar-Zuck S, Flowers SR, Verkamp E, Ting TV, Lynch-Jordan AM, Graham TB, et al. Actigraphy-based physical activity monitoring in adolescents with juvenile primary fibromyalgia syndrome. J Pain. 2010;11:885-93.
  • 14
    Pinto AJ, Miyake CNH, Benatti FB, Silva CA, Sallum AME, Borba E, et al. Reduced aerobic capacity and quality of life in physically inactive patients with systemic lupus erythematosus with mild/inactive disease. Arthritis Care Res (Hoboken). 2016; doi: 10.1002/acr.22905.
    » https://doi.org/10.1002/acr.22905
  • 15
    Gladman DD, Ibanez D, Urowitz MB. Systemic lupus erythematosus disease activity index 2000. J Rheumatol. 2002;29:288-91.
  • 16
    Gladman D, Ginzler E, Goldsmith C, Fortin P, Liang M, Urowitz M, et al. The development and initial validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumatology damage index for systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1996;39:363-9.
  • 17
    Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1997;40:1725.
  • 18
    WHO. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010 [Accessed in2015]. Available in: http://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/
    » http://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/
  • 19
    Evenson KR, Catellier DJ, Gill K, Ondrak KS, McMurray RG. Calibration of two objective measures of physical activity for children. J Sports Sci. 2008;26:1557-65.
  • 20
    Brown LE, Weir JP. ASEP Procedures Recommendation I: Accurate Assessment Of Muscular Strength And Power. JEPonline2001. p. 1-21.
  • 21
    Lohmann TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988. p. 177.
  • 22
    Newcomer KL, Krug HE, Mahowald ML. Validity and reliability of the timed-stands test for patients with rheumatoid arthritis and other chronic diseases. J Rheumatol. 1993;20:21-7.
  • 23
    Podsiadlo D, Richardson S. The timed up & go: a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39:142-8.
  • 24
    Takken T, van der Net J, Kuis W, Helders PJ. Physical activity and health related physical fitness in children with juvenile idiopathic arthritis. Ann Rheum Dis. 2003;62:885-9.
  • 25
    Klepper SE. Exercise in pediatric rheumatic diseases. Curr Opin Rheumatol. 2008;20:619-24.
  • 26
    Hardy LL, Dobbins TA, Denney-Wilson EA, Okely AD, Booth ML. Sedentariness, small-screen recreation, and fitness in youth. Am J Prev Med. 2009;36:120-5.
  • 27
    de Rezende LF, Rodrigues Lopes M, Rey-Lopez JP, Matsudo VK, Luiz Odo C. Sedentary behavior and health outcomes: an overview of systematic reviews. PloS One. 2014;9:e105620.
  • 28
    Tremblay MS, LeBlanc AG, Kho ME, Saunders TJ, Larouche R, Colley RC, et al. Systematic review of sedentary behaviour and health indicators in school-aged children and youth. Int J Behav Nutr Phys Act. 2011;8:98.
  • 29
    Kasturi S, Sammaritano LR. Corticosteroids in Lupus. Rheum Dis Clin North Am. 2016;42:47-62.
  • 30
    Oxenhandler R, Hart MN, Bickel J, Scearce D, Durham J, Irvin W. Pathologic features of muscle in systemic lupus erythematosus: a biopsy series with comparative clinical and immunopathologic observations. Hum Pathol. 1982;13:745-57.
  • 31
    Finol HJ, Montagnani S, Marquez A, Montes de Oca I, Muller B. Ultrastructural pathology of skeletal muscle in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 1990;17:210-9.
  • 32
    Stockton KA, Kandiah DA, Paratz JD, Bennell KL. Fatigue, muscle strength and vitamin D status in women with systemic lupus erythematosus compared with healthy controls. Lupus. 2012;21:271-8.
  • 33
    Tench C, Bentley D, Vleck V, McCurdie I, White P, D’Cruz D. Aerobic fitness, fatigue, and physical disability in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2002;29:474-81.
  • 34
    Keyser RE, Rus V, Cade WT, Kalappa N, Flores RH, Handwerger BS. Evidence for aerobic insufficiency in women with systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2003;49:16-22.
  • 35
    Houghton KM, Tucker LB, Potts JE, McKenzie DC. Fitness, fatigue, disease activity, and quality of life in pediatric lupus. Arthritis Rheum. 2008;59:537-45.
  • 36
    Prado DM, Benatti FB, de Sa-Pinto AL, Hayashi AP, Gualano B, Pereira RM, et al. Exercise training in childhood-onset systemic lupus erythematosus: a controlled randomized trial. Arthritis Res Ther. 2013;15:R46.
  • 37
    Perandini LA, Sales-de-Oliveira D, Mello S, Camara NO, Benatti FB, Lima FR, et al. Inflammatory cytokine kinetics to single bouts of acute moderate and intense aerobic exercise in women with active and inactive systemic lupus erythematosus. Exerc Immunol Rev. 2015;21:174-85.
  • 38
    Omori CH, Silva CA, Sallum AM, Rodrigues Pereira RM, Luciade Sa Pinto A, Roschel H, et al. Exercise training in juvenile dermatomyositis. Arthritis Care Res. 2012;64:1186-94.
  • 39
    Prado DM, Gualano B, Pinto AL, Sallum AM, Perondi MB, Roschel H, et al. Exercise in a child with systemic lupus erythematosus and antiphospholipid syndrome. Med Sci Sports Exer. 2011;43:2221-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2016
  • Aceito
    12 Abr 2016
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br