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Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por quimioluminescência, seguida de confirmação por imunofluorescência indireta

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente (CLIA) para os anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta (IFI) sobre Crithidia luciliae. MÉTODOS: O sistema de automação foi previamente aprovado com 81% de eficiência, 100% de sensibilidade e 82% de especificidade, por processo de validação intrínseca em 179 amostras consecutivas de 169 pacientes no início de 2011. A seguir, esses pacientes foram subdivididos em três grupos de acordo com os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA nas duas metodologias (reagentes, não reagentes e resultados discrepantes). RESULTADOS: Na análise dos dados: 1) 77% (129/169) dos exames haviam sido solicitados por médicos reumatologistas; 2) 57% (97/169) das amostras eram de pacientes lúpicos; 3) Os resultados de CLIA, reagentes e não reagentes, estavam bem definidos e padronizados; 4) A automação reduziu em 70% as passagens pela técnica manual com segurança e qualidade; 5) A alta prevalência de pacientes lúpicos e com nefrite entre os resultados de CLIA falso-positivos corrobora a hipótese de que o índice real de falsa positividade do CLIA seja menor que o encontrado inicialmente neste estudo.

Anti-dsDNA; Doenças autoimunes; Lúpus eritematoso sistêmico; Quimioluminescência; Imunofluorescência indireta


OBJECTIVE: The purpose of this study was to evaluate the performance of a chemiluminescent immunoassay (CLIA) to detect anti-dsDNA antibodies, using the indirect immunofluorescence test (IIF) on Crithidia luciliae as a reference. METHODS: The automation system demonstrated 81% efficiency, 100% sensitivity and 82% specificity according to the intrinsic validation process performed using 179 consecutive samples from 169 patients in the beginning of 2011. These patients were subsequently divided into 3 groups according to the co-reactivity of anti-dsDNA results using the 2 methods (reactive, non-reactive and discrepant results). RESULTS: Upon data analysis, 77% (129/169) of the tests were requested by rheumatologists, and 57% (97/169) of the samples were from lupus patients. Both the reactive and non-reactive results of the CLIA were well defined and standardised, and automation reduced the manual labor required by 70% in a safe and high-quality manner. Furthermore, the high prevalence of patients with lupus and nephritis among the CLIA false-positive results corroborates the hypothesis that the actual index of CLIA false positivity is lower than that initially found in this study.

Anti-dsDNA; Autoimmune diseases; Systemic lupus erythematosus; Chemiluminescence; Indirect immunofluorescence


ARTIGO ORIGINAL

Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por quimioluminescência, seguida de confirmação por imunofluorescência indireta

Maria Roseli Monteiro CalladoI,* * Autor para correspondência. E-mail: roselicallado@gmail.com (M.R.M. Callado). ; José Rubens Costa LimaII; Maria Nancy de Alencar BarrosoIII; Antonio Tiago Mota PinheiroIV; Moisés Francisco da Cruz NetoIV; Maria Arenilda de Lima AbreuIII; Walber Pinto VieiraV,VI

IFaculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IICélula de Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil

IIILaboratório de Patologia Clínica, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil

IVUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

VServiço de Reumatologia, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil

VIFaculdade de Medicina, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente (CLIA) para os anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta (IFI) sobre Crithidia luciliae.

MÉTODOS: O sistema de automação foi previamente aprovado com 81% de eficiência, 100% de sensibilidade e 82% de especificidade, por processo de validação intrínseca em 179 amostras consecutivas de 169 pacientes no início de 2011. A seguir, esses pacientes foram subdivididos em três grupos de acordo com os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA nas duas metodologias (reagentes, não reagentes e resultados discrepantes).

RESULTADOS: Na análise dos dados: 1) 77% (129/169) dos exames haviam sido solicitados por médicos reumatologistas; 2) 57% (97/169) das amostras eram de pacientes lúpicos; 3) Os resultados de CLIA, reagentes e não reagentes, estavam bem definidos e padronizados; 4) A automação reduziu em 70% as passagens pela técnica manual com segurança e qualidade; 5) A alta prevalência de pacientes lúpicos e com nefrite entre os resultados de CLIA falso-positivos corrobora a hipótese de que o índice real de falsa positividade do CLIA seja menor que o encontrado inicialmente neste estudo.

Palavras-chave: Anti-dsDNA; Doenças autoimunes; Lúpus eritematoso sistêmico; Quimioluminescência; Imunofluorescência indireta

Introdução

A pesquisa dos autoanticorpos anti-DNA de dupla hélice (anti-dsDNA) é útil para o diagnóstico e seguimento do lúpus eritematoso sistêmico (LES),1 principalmente nos pacientes com nefrite lúpica.2 Ensaios automatizados vêm sendo propostos como uma alternativa mais rápida para triagem de anticorpos anti-dsDNA nos grandes laboratórios.3 Os exames pela técnica de radioimunoensaio são reconhecidos como métodos mais específicos, porém, são cada vez menos usados porque requerem o uso de material radioativo.4 Ensaios automatizados processam grandes volumes de amostras clínicas de maneira rápida e com menor custo que os métodos tradicionais.5,6

Implantar um exame sorológico em laboratório de patologia clínica requer um processo de validação intrínseca para avaliar o desempenho do teste quando comparado a um método de referência, pelos parâmetros de sensibilidade, especificidade e eficiência. Essas são características do novo teste e não da população na qual está sendo aplicado, portanto fornecem resultados consistentes, independentes da prevalência da doença.7 Esse novo método de processamento do exame em questão pode ser aprovado para substituição de técnicas (mudança de fornecedor de reagentes), melhorar a qualidade (adição à técnica em uso) e/ou diminuir os custos operacionais do laboratório. Essa rotina não necessita de aprovação de comitê de ética, pois a origem da amostra biológica não deve ser revelada.

A prevalência de resultados positivos do teste FAN Hep2 na comunidade do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) foi estudada no período de 2002 a 2006, em seis mil amostras, obtendo-se 84% de resultados negativos,8 justificando o interesse de realizar a triagem dos exames de autoimunidade por método automatizado que reduziria o tempo e as chances de erros humanos pelo interfaciamento do equipamento na liberação dos resultados negativos.

O objetivo deste estudo é analisar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta (IFI) sobre Crithidia luciliae. Após a aprovação de um protocolo interno do Laboratório de Patologia Clínica do HGF para validação intrínseca do sistema de automação na triagem de anticorpos antinucleares (FAN) e anti-DNA nativo (anti-dsDNA), foi elaborado um projeto para análise de prontuário da amostra clínica envolvida. Referido estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do HGF sob o número 060705/11. Os autores assinaram o termo de fiel depositário e declararam a inexistência de conflitos de interesse.

Material e métodos

Casuística

No período de fevereiro a março de 2011, as amostras sorológicas com solicitação de detecção de anticorpos anti-dsDNA encaminhadas para o laboratório do HGF foram examinadas no setor de imunofluorescência que, posteriormente, encaminhou o material para o setor de automação, registrando-se que os exames foram realizados de forma independente pelas duas equipes técnicas. Os resultados de Ififoram liberados em tempo hábil, sem prejuízo para os pacientes. A validação intrínseca do sistema de automação foi aprovada com 81% de eficiência (resultados concordantes com a IFI), 100% de sensibilidade e 82% de especificidade do método. As informações demográficas (sexo e idade), epidemiológicas e clínicas (justificativa da solicitação, diagnósticos, duração dos sintomas e resultados laboratoriais) dos pacientes (n = 169) envolvidos neste estudo foram obtidas no banco de dados do laboratório e nos prontuários, após aprovação do CEP.

As pesquisas de anticorpos anti-dsDNA, solicitadas em consultas posteriores, nos pacientes que apresentaram resultados discrepantes nas duas metodologias, no período de validação da CLIA, foram monitoradas por um ano (março/11 a março/12), sem interferência dos autores deste estudo.

Investigação laboratorial

Ensaio de quimioluminescência (CLIA): LIAISON_dsDNA (DiaSorin, Saluggia, Itália) é um imunoensaio de CLIA que utiliza partículas magnéticas revestidas com um oligonucleotídeo sintético de dsDNA, o qual assegura a ausência de contaminação com histonas e outras proteínas nucleares. Um anticorpo monoclonal, marcado com um derivado do isoluminol, é usado como anticorpo conjugado para detectar IgG anti-dsDNA.5 Todos os procedimentos do ensaio foram realizados automaticamente, em amostra primária no Sistema LIAISON®. O padrão de reatividade foi definido pelo fabricante como não reagente (< 20 UI/mL), zona cinza (20-25 UI/mL) e reagente (> 25 UI/mL).

Ensaio de imunofluorescência indireta (IFI): Os exames foram realizados por método disponível comercialmente (Euroimmun, Lubeck, Alemanha), seguindo as recomendações técnicas do fabricante. Os soros foram diluídos 1/10 em solução salina tamponada com fosfatos e incubados sobre lâminas com o substrato antigênico (Crithidia luciliae), onde os anticorpos anti-dsDNA presentes ligam-se ao cinetoplasto, sendo revelados por uma antigamaglobulina específica marcada com isotiocianato de fluoresceína. Em cada rotina de testes foram realizados controles internos positivos e negativos. A coloração celular foi examinada em microscópio de fluorescência, modelo Nikon YS2H, sob o aumento de 400 vezes. Os soros com resultados positivos na triagem 1/10 foram apresentados em títulos semiquantitativos.

Análise estatística

Os dados foram compilados em planilha Excel® da Microsoft. Foram realizados os testes de sensibilidade, especificidade e eficiência para validação de um teste sorológico, usando a pesquisa de anticorpos anti-dsDNA por Ificomo teste de referência.

Resultados

A avaliação intrínseca foi realizada com 179 amostras sorológicas analisadas pelas duas técnicas. O ensaio quimioluminescente foi positivo em 41 (23%) amostras, negativo em 132 (74%) e indeterminado (zona cinza) em seis soros (3%). Os seis soros indeterminados foram agrupados aos positivos para a avaliação de sensibilidade, especificidade e eficiência do método em relação à IFI. A comparação entre as duas metodologias revelou: 15 amostras (8,4%) positivas nas duas técnicas, 132 (73,7%) duplamente negativas, 32 (17,9%) com resultados falso-positivos e nenhum resultado falso-negativo na CLIA, revelando sensibilidade de 100%, especificidade de 82% e uma eficiência da CLIA de 81%. Após essa análise, o laboratório implantou a triagem dos anticorpos anti-dsDNA por automação, na qual os resultados positivos passaram a ser reavaliados para confirmação em IFI. Nesse novo processo de triagem, a fase manual foi reduzida em 74% (132/179) do esforço total de bancada, limitando a necessidade para um exame manual em cada quatro testes anteriormente realizados pelo método de IFI.

A amostra clínica da avaliação intrínseca (179 amostras sorológicas) entre os métodos CLIA e Ifienvolvia 169 pacientes, com oito soros duplicados e um triplicado. Os resultados de CLIA das amostras múltiplas foram negativos em sete pacientes com soros duplos, discrepante em um paciente (32 e 13,8 UI/mL) e positivo no paciente com três solicitações de pesquisa de anticorpos anti-dsDNA no período de dois meses (154,6, 46 e 37,5 UI/mL); todos esses soros foram negativos pelo método de IFI. Uma análise desses resultados será apresentada posteriormente.

As características demográficas e epidemiológicas desta casuística estão demonstradas na tabela 1. Os pacientes foram classificados pelos diagnósticos firmados em prontuário; 1/3 da casuística (55 pacientes) foi referido como pacientes sob investigação diagnóstica, mediante suspeitas clínicas, com as solicitações dos exames justificadas pela presença de diversos sinais ou sintomas (ex: artralgias, artrites, insuficiência renal, anemia hemolítica, púrpura, Raynaud e parestesias etc.) relacionados ou presentes na doença lúpica.

Os pacientes foram subdivididos em três grupos definidos na tabela 2, de acordo com os resultados encontrados na pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA pelas duas metodologias. Os soros do Grupo I pertenciam a 15 pacientes lúpicos (12 com diagnóstico anterior de nefrite lúpica; um com serosite; outro com LES há sete meses, apresentando provas de atividade inflamatória positivas, linfopenia e consumo das frações C3 e C4 do complemento; e o último paciente, portador de ARJ, em tratamento há dois anos, apresentou nesta reavaliação laboratorial os exames de FAN e anti-dsDNA positivos, nove meses antes de preencher os critérios para o diagnóstico de LES). Os resultados da triagem do anticorpo anti-dsDNA na técnica de CLIA nos 15 soros permaneceram no intervalo entre 240 UI/mL e 32,6 UI/mL, com média de 167 UI/mL, mediana de 198 UI/mL e moda de 240 UI/mL; e os títulos na Ifivariaram de 1/640 a 1/20; onze soros apresentaram leituras maiores que 125 UI/mL na CLIA e título na Ifide 1/320 ou 1/640; os valores encontrados nos quatro soros restantes (63, 39, 36 e 32,6 UI/ mL) revelaram títulos de 1/320, 1/20, 1/160 e 1/320, respectivamente.

As informações relevantes registradas nos prontuários de cada paciente do Grupo II (quadro clínico e alterações laboratoriais, com as justificativas para solicitação dos exames de anti-dsDNA) podem ser vistas na tabela 3, onde se evidencia que 87% (26/30) dos casos rotulados como falsopositivos na CLIA eram portadores de LES e 65% (17/26) desses pacientes tinham diagnóstico anterior de nefrite lúpica, com descrição de sinais e/ou sintomas de atividade da doença na evolução médica em 50% (13 casos); alterações laboratoriais isoladas, compatíveis com doença em atividade estavam presentes em 23% (6/26) dos pacientes (casos 5, 8, 11, 19, 25 e 29).

Os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA pela CLIA, no Grupo II (tabela 4), ficou no intervalo de 184-20 UI/mL, com média de 59 UI/mL e mediana 45 UI/mL; quatro soros (casos 1 a 4) foram positivos com valores cinco vezes maiores do que o ponto de corte indicado pelo fabricante. Os soros classificados como zona cinza representaram 3,5% (6/169) da casuística estudada.

A situação clínica de cada paciente do Grupo II (tabela 4) foi pareada com o histórico da presença dos autoanticorpos e a evolução da detecção dos anticorpos anti-dsDNA nos soros desde o início da doença. Os resultados de FAN estavam disponíveis e eram positivos em 97% (29/30) dos pacientes. Anticorpos anti-Sm foram detectados em 38% (10/26) dos pacientes com LES deste grupo. A reatividade pregressa ao dsDNA (anti-dsDNA por IFI) ocorreu em 50% (13/26) dos pacientes com lúpus, porém, esta informação não estava disponível em dois pacientes provenientes de outros serviços (casos 25 e 26); os quatro pacientes em investigação diagnóstica estavam realizando os exames pela primeira vez (casos 1, 4, 12 e 21).

Avaliações posteriores dos anticorpos anti-dsDNA foram solicitadas em 77% (23/30) dos pacientes no prazo máximo de um ano; dentre os sete pacientes restantes, três não eram portadores de LES (casos 1,12 e 21), três eram lúpicos em remissão clínica e laboratorial (3,10 e 18) e o caso número 5, com remissão clínica, apresentava hematúria por ocasião da validação intrínseca.

Dois pacientes (casos 2 e 17) foram estudados por soros múltiplos; o caso 2, com tripla avaliação positiva na CLIA (154,6, 46 e 37,5 UI/mL) é portador de LES e nefrite há quatro anos e no início da doença (2007) apresentou um resultado positivo para os anticorpos anti-dsDNA por ELISA (80 U), não confirmado em Ifiem três pesquisas realizadas no período de 2009 a 2010; porém, após um mês do quadro convulsivo o exame por Ififoi positivo; e o caso 17, com resultados discrepantes na CLIA (32 e 13,8 UI/mL), recebeu o diagnóstico de LES e nefrite há dois meses, permanecendo com a pesquisa para anticorpos anti-dsDNA por CLIA e Ifinegativos após seis meses.

Dez pacientes tornaram-se reagentes pela Ifiapós um ano da primeira avaliação (casos 2, 9, 23 e 26 até três meses; caso 29 após cinco meses; casos 14 e 15 após nove meses; e os casos 7, 20 e 22 no intervalo de 12 meses).

O restante da casuística (Grupo III) era constituída por 58% (56/97) do total de pacientes com LES, 95% (52/55) do total de pacientes em investigação de doenças autoimunes e pela maioria, 94% (16/17) dos pacientes acometidos com outras doenças autoimunes. Sete amostras duplicadas na avaliação intrínseca, pertencentes a cinco pacientes com LES, um sob investigação diagnóstica e outro com doença reumatoide permaneceram neste grupo. Os resultados de CLIA no Grupo III revelaram valores no intervalo de 19 a 0,5 UI/ mL (figura 1), com média de 5,5 UI/mL, mediana de 4 UI/mL e moda de 0,5 UI/mL.


A história prévia de reatividade ao dsDNA por Ifiem todos os pacientes com LES envolvidos no estudo (n = 97) foi pesquisada no prontuário e/ou nos arquivos do laboratório (tabela 5), constatando-se que 48% (47/97) desta casuística eram reagentes, com cinco pacientes do Grupo I (positivo nas duas metodologias) realizando a pesquisa de anticorpos anti-dsDNA pela primeira vez. A atividade clínica através do Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index (SLEDAI) não estava disponível em todos os prontuários no período da solicitação do exame o que impediu o estudo de evolução clínica (períodos de atividade ou remissão da doença) relacionada com a presença de anticorpos anti-dsDNA.

Discussão

Atualmente, as técnicas mais comumente usadas para a detecção de anticorpos anti-dsDNA são os ensaios imunoenzimáticos e a IFI, sendo esta última mais específica, detectando anticorpos de moderada e alta afinidade que se relacionam com atividade do LES.9 Os ensaios de ELISA, apesar de serem quantitativos, reprodutíveis e automatizados apresentam menor precisão em termos de desempenho clínico, porque detectam autoanticorpos anti-dsDNA de baixa avidez, que geralmente apresentam pouca relevância clínica e podem estar presentes em outras doenças do tecido conjuntivo, doenças inflamatórias ou infecciosas e em indivíduos normais.10 Nos últimos anos, uma nova geração de ELISA para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA foi introduzida no mercado. Estes novos reagentes caracterizam-se por uma maior purificação dos antígenos, tornando-se mais seletivos, com uma melhor capacidade de detectar anticorpos de avidez intermediária e alta.5 O método CLIA avaliado neste estudo está inserido neste grupo.

O desempenho do ensaio CLIA-LIAISON nesta avaliação intrínseca foi satisfatório, apresentando 100% de sensibilidade, 82% de especificidade e 81% de eficiência na comparação com a IFI. Este mesmo reagente de CLIA foi testado pelo Grupo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade Italiana de Medicina Laboratorial5 em uma avaliação extrínseca,7 com uma amostra clínica de 52 pacientes com LES, 28 doentes com outras doenças do tecido conjuntivo, 36 portadores de hepatite pelo vírus C (HCV) e 24 pacientes com outras doenças virais agudas. Os autores encontraram 84,6% de sensibilidade, 82,9% de especificidade e 83,6% de eficiência do método, resultados semelhantes aos obtidos no presente estudo. A diferença de sensibilidade pode ser atribuída à amostra clínica examinada. O trabalho em foco permitiu analisar o desempenho do teste de automação para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, segundo a realidade vivenciada pela população local, onde a maioria (57%) dos pacientes que realizam este exame são portadores de LES. A pesquisa italiana envolveu pacientes com HVC, que, eventualmente, apresentam o teste de CLIA positivo para anticorpos anti-dsDNA.5

O desempenho do teste CLIA para afirmar uma reação negativa foi adequado neste estudo, com as medidas de tendência central no Grupo III convergentes em valores inferiores a três vezes o valor máximo de negatividade sugerido pelo fabricante (até 19 UI/mL). A baixa frequência (3,5%) de resultados em zona cinza permitiu uma clara definição de positividade do método. A identificação dos pacientes que constituíram o Grupo III demonstra a especificidade para o anti-dsDNA utilizado no ensaio; dos 45 soros reagentes em CLIA, 91% (41/45) eram de pacientes lúpicos.

A disponibilização da amostra clínica permitiu ainda uma análise qualitativa do tipo de paciente que realiza o exame de anticorpo anti-dsDNA no hospital, identificando-se um perfil clínico e epidemiológico semelhante ao encontrado na patologia lúpica onde este autoanticorpo é prevalente.11 A grande maioria dos pacientes era do sexo feminino, na faixa etária dos adultos jovens (20-39 anos), com o Serviço de Reumatologia sendo responsável por mais de 70% das solicitações dos exames. A baixa prevalência de crianças e adolescentes é justificada pelo foco do hospital no atendimento terciário de adultos.

Após a instituição da triagem por automação na pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, as amostras positivas e com resultados em zona cinza na CLIA são testadas por IFI, usando a Crithidia luciliae como substrato. A implantação desta rotina gerou a otimização de tempo e de pessoal operacional de laboratório,6 reduzindo em mais de 70% a necessidade de técnica manual antes da liberação de resultados e diminuiu também a chance de erros de procedimentos e aleatórios que comprometem a qualidade e fidelidade dos exames liberados. A possibilidade de redução dos custos será analisada posteriormente, em outro estudo.

Ensaios internacionais recomendam o uso de reagentes automatizados para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA,3,12-15 porém, o método de excelência na prática clínica e laboratorial para a pesquisa deste autoanticorpo permanece sendo a IFI.12,16

Considerando que o painel de métodos laboratoriais para a detecção dos anticorpos anti-dsDNA é continuamente crescente, ensaios tradicionalmente utilizados na rotina de trabalho ainda estão longe de ser padronizados e amplamente aceitos. Os médicos devem estar cientes que os índices de concordância entre laboratórios, a interpretação dos resultados e a precisão do diagnóstico são dependentes da variabilidade analítica e da população de pacientes analisados.17 No presente estudo, as condições técnicas do laboratório e o encaminhamento das amostras sorológicas dos pacientes foram mantidos na rotina normal de trabalho da instituição.

Este trabalho demonstrou que a triagem dos autoanticorpos anti-dsDNA por CLIA é um método seguro (100% de sensibilidade) e rápido, que melhora a qualidade dos exames ofertados aos pacientes. Entre seus achados, observou-se também que a maioria dos resultados de CLIA rotulados como falso-positivos pertencia a pacientes lúpicos em atividade clínica e/ou laboratorial de doença, alguns dos quais vieram a se confirmar meses depois como positivos por IFI.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 28 de maio de 2012

Aprovado em 23 de abril de 2013

Trabalho realizado no Serviço de Reumatologia e Patologia Clínica do Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil.

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    Autor para correspondência. E-mail:
    roselicallado@gmail.com (M.R.M. Callado).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Maio 2012
    • Aceito
      23 Abr 2013
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