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Acerca de lúpus, vitamina D e leucopenia

Resumo

Introdução

A regulação imune está entre os efeitos não calcêmicos da vitamina D. Assim, essa vitamina pode influenciar em doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES).

Objetivos

Estudar a prevalência da deficiência de vitamina D no LES e sua associação com o perfil clínico, sorológico e de tratamento, bem como com a atividade da doença.

Métodos

Mensuraram‐se os níveis séricos de OH‐vitamina D3 em 153 pacientes com LES e 85 controles. Os dados sobre o perfil clínico, sorológico e de tratamento de pacientes com lúpus foram obtidos por meio da revisão de prontuários. Simultaneamente à determinação da vitamina D, foi feito um hemograma e foi aplicado o Sledai (SLE disease activity índex [índice de atividade da doença no LES]).

Resultados

Os pacientes com LES tinham níveis mais baixos de vitamina D do que os controles (p = 0,03). Na análise univariada, a vitamina D sérica esteve associada à leucopenia (p = 0,02) e ao uso de ciclofosfamida (p = 0,007) e metotrexato (p = 0,03). Foi verificada uma correlação negativa com a dose de prednisona (p = 0,003). Não foi encontrada associação com a atividade da doença medida pelo Sledai (p = 0,88). Em um estudo de regressão múltipla, somente a leucopenia permaneceu como uma associação independente (B = 4,04; p = 0,02). Também foi encontrada correlação negativa do nível sérico de vitamina D com os granulócitos (p = 0,01), mas não com a contagem de linfócitos (p = 0,33).

Conclusão

Os pacientes com LES têm mais deficiência de vitamina D do que os controles. Essa deficiência não está associada com a atividade da doença, mas com a leucopenia (granulocitopenia).

Palavras-chave
Lúpus eritematoso sistêmico; Vitamina D; Leucopenia; Granulocitopenia

Resumo

Introdução

A regulação imune está entre os efeitos não calcêmicos da vitamina D. Assim, essa vitamina pode influenciar em doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES).

Objetivos

Estudar a prevalência da deficiência de vitamina D no LES e sua associação com o perfil clínico, sorológico e de tratamento, bem como com a atividade da doença.

Métodos

Mensuraram‐se os níveis séricos de OH‐vitamina D3 em 153 pacientes com LES e 85 controles. Os dados sobre o perfil clínico, sorológico e de tratamento de pacientes com lúpus foram obtidos por meio da revisão de prontuários. Simultaneamente à determinação da vitamina D, foi feito um hemograma e foi aplicado o Sledai (SLE disease activity índex [índice de atividade da doença no LES]).

Resultados

Os pacientes com LES tinham níveis mais baixos de vitamina D do que os controles (p = 0,03). Na análise univariada, a vitamina D sérica esteve associada à leucopenia (p = 0,02) e ao uso de ciclofosfamida (p = 0,007) e metotrexato (p = 0,03). Foi verificada uma correlação negativa com a dose de prednisona (p = 0,003). Não foi encontrada associação com a atividade da doença medida pelo Sledai (p = 0,88). Em um estudo de regressão múltipla, somente a leucopenia permaneceu como uma associação independente (B = 4,04; p = 0,02). Também foi encontrada correlação negativa do nível sérico de vitamina D com os granulócitos (p = 0,01), mas não com a contagem de linfócitos (p = 0,33).

Conclusão

Os pacientes com LES têm mais deficiência de vitamina D do que os controles. Essa deficiência não está associada com a atividade da doença, mas com a leucopenia (granulocitopenia).

Keywords
Systemic lupus erythematosus; Vitamin D; Leukopenia; Granulocytopenia

Introdução

A vitamina D tem propriedades imunomoduladoras.11 Mathieu C, Adorini L. The coming of age of 1,25-dihydroxyvitamin D3 analogs as immunomodulatory agents. Trends Mol Med. 2002;8:174-9. A principal fonte de vitamina para os seres humanos é a conversão do 7-desidrocolesterol em pré-vitamina D3 na pele, o que ocorre quando há exposição à radiação ultravioleta.22 Conron M, Young C, Beynon HL. Calcium metabolism in sarcoidosis and its clinical implications. Rheumatology. 2000;39:707-13. Uma pequena parte é proveniente da dieta, principalmente de frutos do mar.1717 Huisman AM, White KP, Algra A, Harth M, Vieth R, Jacobs JW, et al. Vitamin D levels in women with systemic lupus erythematosus and fibromyalgia. J Rheumatol. 2001;28:2535-9. A vitamina D3 deve primeiro passar por uma hidroxilação no fígado, que resulta em 25-OH vitamina D3 ou calcidiol,22 Conron M, Young C, Beynon HL. Calcium metabolism in sarcoidosis and its clinical implications. Rheumatology. 2000;39:707-13. que é a forma circulante da vitamina, a atualmente usada para a mensuração sérica. A forma mais ativa da vitamina D é a 1,25 (OH)2 vitamina D, sintetizada no rim.22 Conron M, Young C, Beynon HL. Calcium metabolism in sarcoidosis and its clinical implications. Rheumatology. 2000;39:707-13. Sabe-se que essa vitamina desempenha um papel inibidor das células dendríticas, CD4, CD8, linfócitos B e da produção de citocinas, como o IFN-γ, a IL-2, a IL-6 e o TNF-α, e aumenta o número de linfócitos T reguladores e a síntese de outras citocinas, como a IL-4, a IL-10 e o TGF β.11 Mathieu C, Adorini L. The coming of age of 1,25-dihydroxyvitamin D3 analogs as immunomodulatory agents. Trends Mol Med. 2002;8:174-9.,33 Antico A, Tampoia M, Tozzoli R, Bizzaro N. Can supplementation with vitamin D reduce the risk or modify the course of autoimmune diseases? A systematic review of the literature. Autoimmun Rev. 2012;12:127-36.,44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84. Assim, é concebível que os níveis séricos de vitamina D exerçam influência sobre doenças autoimunes, como o lúpus. No entanto, os estudos existentes nessa área são contraditórios. Birmingham et al.55 Birmingham DJ, Hebert LA, Song H, Noonan WT, Rovin BH, Nagaraja HN, et al. Evidence that abnormally large seasonal declines in vitamin D status may trigger SLE flare in non-African–Americans. Lupus. 2012;21:855-64. relataram que os pacientes com exacerbação da doença aguda têm níveis mais baixos de vitamina D, mas não foi possível estabelecer uma relação de causa-efeito. Outros autores observaram que a deficiência de vitamina D tem sido associada a um aumento da atividade da doença,66 Petri M, Bello KJ, Fang H, Magder LS. Vitamin D in SLE: modest association with disease activity and urine protein/creatinine ratio. Arthritis Rheum. 2013;65:1865-71.

7 Mok CC, Birmingham DJ, Leung HW, Hebert LA, Song H, Rovin BH. Vitamin D levels in Chinese patients with systemic lupus erythematosus: relationship with disease activity, vascular risk factors and atherosclerosis. Rheumatology. 2012;51:644-52.
-88 Hamza RT, Awwad KS, Ali MK, Hamed AI. Reduced serum concentrations of 25-hydroxy vitamin D in Egyptian patients with systemic lupus erythematosus: relation to disease activity. Med Sci Monit. 2011;17:711-8. enquanto outros citam o contrário.44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84.,99 Souto MID, Coelho A, Guo C, Mendonça LMC, Argolo S, Papi JAS, et al. Vitamin D insufficiency in Brazilian patients with SLE: prevalence, associated factors, and relationship with activity. Lupus. 2011;20:1019-26.,1010 Ruiz-Irastorza G, Egurbide MV, Olivares N, Martinez-Berriotxoa A, Aguirre C. Vitamin D deficiency in systemic lupus erythematosus: prevalence, predictors and clinical consequences. Rheumatology. 2008;47:920-3. Algumas manifestações clínicas têm sido associadas aos níveis de vitamina D, como a leucopenia44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84. de envolvimento renal,44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84. a fotossensibilidade e a presença de anti-DNA de cadeia dupla.77 Mok CC, Birmingham DJ, Leung HW, Hebert LA, Song H, Rovin BH. Vitamin D levels in Chinese patients with systemic lupus erythematosus: relationship with disease activity, vascular risk factors and atherosclerosis. Rheumatology. 2012;51:644-52.

O polimorfismo do gene receptor da vitamina D tem sido associado à susceptibilidade ao LES em pacientes de origem asiática, polonesa e egípcia.1111 Xiong J, He Z, Zeng X, Zhang Y, Hu Z. Association of vitamin D receptor gene polymorphisms with systemic lupus erythematosus: a meta-analysis. Clin Exp Rheumatol. 2014;32:174-81.

12 Emerah AA, El-Shal AS. Role of vitamin D receptor gene polymorphisms and serum 25-hydroxyvitamin D level in Egyptian female patients with systemic lupus erythematosus. Mol Biol Rep. 2013;40:6151-62.
-1313 Mostowska A, Lianeri M, Wudarski M, Olesińska M, Jagodziński PP. Vitamin D receptor gene BsmI, FokI, ApaI and TaqI polymorphisms and the risk of systemic lupus erythematosus. Mol Biol Rep. 2013;40:803-10. Em indivíduos brasileiros essa associação não pôde ser demonstrada, embora pareça ter influenciado o surgimento de manifestações cutâneas e articulares e a presença de anti-DNA de cadeia dupla.1414 Silva JA, Fernandes KM, Pancotto JAT, Fragoso TS, Donadi EA, Crovella S, et al. Vitamin D receptor (VDR) gene polymorphisms and susceptibility to systemic lupus erythematosus clinical manifestation. Lupus. 2013;22:1110-7.

Alguns fatores contribuem para uma maior prevalência de deficiência de vitamina D em pacientes com LES do que na população em geral. A fotoproteção, feita como parte do tratamento da doença, pode bloquear a síntese de colecalciferol induzida pela radiação UVB na pele.1515 Herzinger T, Plewig G, Röcken M. Use of sunscreens to protect against ultraviolet-induced lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2004;50:3045-6. Os antimaláricos, fármacos amplamente usados nessa doença, são descritos por alguns autores como associados à deficiência de vitamina D em decorrência de seu efeito fotoprotetor.1616 Skare T, Ribeiro CF, Souza FH, Haendchen L, Jordão JM. Antimalarial cutaneous side effects: a study in 209 users. Cutan Ocul Toxicol. 2011;30:45-9. Outros acreditam que esse medicamento dificulte a produção de di-hidroxivitamina D, que inibe a enzima alfa-hidroxilase responsável pela transformação de mono-hidroxivitamina em di-hidroxivitamina D.1717 Huisman AM, White KP, Algra A, Harth M, Vieth R, Jacobs JW, et al. Vitamin D levels in women with systemic lupus erythematosus and fibromyalgia. J Rheumatol. 2001;28:2535-9. Essa ação pode aumentar os níveis de mono-hidroxivitamina D3 circulante, em detrimento da forma ativa di-hidroxivitamina.1717 Huisman AM, White KP, Algra A, Harth M, Vieth R, Jacobs JW, et al. Vitamin D levels in women with systemic lupus erythematosus and fibromyalgia. J Rheumatol. 2001;28:2535-9.

O presente estudo teve como objetivo determinar se os níveis de vitamina D em uma população do sul do Brasil com LES estão associados com a atividade da doença, perfil clínico e sorológico e com os medicamentos usados para o tratamento.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local e todos os participantes assinaram um termo de consentimento informado. Foram convidados a participar 153 pacientes com pelo menos quatro dos critérios de classificação para LES modificado do American College of Rheumatology (ACR)1818 Tutuncu ZN, Kalunian KC. The definition and classification of systemic lupus erythematosus. In: Wallace D, Hahn BH, editors. Dubois' lupus erythematosus. Philadelphia: Lippincot, Willians & Wilkins; 2007. p. 16–20. de 1997, durante seis meses, de acordo com a ordem de consulta na clínica e vontade de participar do estudo. Foram excluídos pacientes em uso de anticonvulsivantes com creatinina sérica superior a 1,3 mg/dL e grávidas. Nenhum dos pacientes incluídos tinha feito reposição de vitamina D no ano anterior e nenhum fazia uso de mais de 600 UI de vitamina D3/dia, que é feito rotineiramente no serviço para todos os usuários de glicocorticoides. Foram coletados dados demográficos, clínicos e sorológicos por meio da revisão de prontuários. Os dados clínicos foram considerados um modo cumulativo e definidos de acordo com os critérios de classificação da ACR de 1997 para o LES.1818 Tutuncu ZN, Kalunian KC. The definition and classification of systemic lupus erythematosus. In: Wallace D, Hahn BH, editors. Dubois' lupus erythematosus. Philadelphia: Lippincot, Willians & Wilkins; 2007. p. 16–20. A atividade da doença foi calculada pelo Sledai (SLE disease activity índex [índice de atividade da doença no LES]).1919 Bombardier C, Gladman DD, Urowitz MB, Caron D, Chang CH, Austin A. Derivation of the Sledai: a disease activity index for lupus patients. Arthritis Rheum. 1992;35:630-40. Além disso, os dados relacionados com os níveis de creatinina e o hemograma foram coletados simultaneamente com a dosagem da vitamina D; os medicamentos considerados em uso foram aqueles que estavam sendo usados no momento da determinação da vitamina D.

No grupo controle foram incluídos 85 indivíduos que diziam ser saudáveis e pertenciam à mesma área geográfica, pareados por idade e sexo.

A vitamina D (25-OH vitamina D3) sérica foi analisada por quimioluminescência pelo kit comercial Liaisom (DiaSorin Inc., Stillwater, MN, EUA) de análise da 25-OH vitamina D. Valores ≥ 30 mg/dL foram considerados normais; medidas entre 20 e 29 mg/dL foram consideradas como insuficiência de vitamina e valores abaixo de 20 mg/dL como deficiência.

Os dados foram coletados em tabelas de frequência e contingência. O estudo da distribuição dos dados foi feito pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A tendência central foi expressa como a mediana e intervalo interquartil (IIQ) para dados não paramétricos e média e desvio padrão para dados paramétricos. Os estudos de associação entre os níveis de vitamina D e as variáveis clínicas, sorológicas e demográficas foram feitos pelo teste exato de Fisher e teste de qui-quadrado quando os dados eram nominais e com o teste t não pareado quando eram nominais. Os estudos de correlação entre os valores do Sledai, idade, dose de prednisona, contagem de granulócitos e linfócitos do hemograma com os valores de níveis séricos de vitamina D foram feitos com os testes de correlação de Pearson e de Spearman. Todas as variáveis com p < 0,1 na análise univariada foram estudados ainda por meio da regressão linear múltipla para avaliar a sua independência. Os cálculos foram feitos com a ajuda do software Medcalc, versão 12.1.3.0; a significância foi estabelecida como 5%.

Resultados

Descrição da amostra estudada

Na amostra de 153 pacientes com LES, 11/153 (7,1%) eram homens e 142/153 (92,8%) eram mulheres, entre 19 e 65 anos (média de 42, IIQ = 31-49) e duração da doença de seis a 244 meses (mediana de 36; IIQ = 12-72). Os valores de Sledai variaram de 0 a 20 (mediana 0, IIQ = 0-2). Aproximadamente 43/126 (34,1%) eram tabagistas. O perfil clínico, sorológico e de tratamento dos pacientes é apresentado na tabela 1.

Tabela 1
Perfil clínico, sorológico e de tratamento de 153 pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

Nessa amostra, os níveis séricos de vitamina D variaram de 4 a 57,2 (média 22,5 ± 9,2). Em 29/153 (18,9%) pacientes os valores eram normais; em 59/153 (38,5%) eram insuficientes; e em 65/153 (42,4%) eram deficientes. Em 125/153 (81,6%) pacientes os valores eram abaixo da faixa normal.

Os 85 controles incluídos tinham idade média de 41,8 ± 16,4 anos; 9/85 eram homens e 76/85 mulheres. Eles foram pareados por idade (p = 0,49) e sexo (p = 0,36) com os pacientes. A comparação dos níveis séricos de vitamina D entre os pacientes com LES e controles pode ser vista na figura 1.

Figura 1
Níveis séricos de vitamina D em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (valor médio de 22,4 ± 9,16 mg/dL) e controles (valor médio de 25,6 ± 10,2 mg/dL). com p = 0,03.

Vitamina D na população com lúpus eritematoso sistêmico de acordo com variáveis demográficas, clínicas, sorológicas e de tratamento

Os valores dos níveis séricos de vitamina D de acordo com as variáveis estudadas são apresentados na tabela 2.

Tabela 2
Comparação entre os níveis séricos de vitamina D de acordo com variáveis clínicas, demográficas, sorológicas e de tratamento

A correlação entre os níveis de vitamina D e a dose de prednisona apresentou um valor negativo, com ρ = −0,23 (IC 95% = −0,38 a −0,07; p = 0,003). Foi observada uma tendência de correlação com a idade do paciente, com ρ = 0,07 (IC 95% = −0,08 a 0,23, p = 0,360). Não foi encontrada correlação entre os níveis de vitamina D e o Sledai (ρ = −0,01, IC 95% = 0,15 a −0,17; p = 0,88).

Quando as variáveis com p < 0,1 na análise univariada foram estudadas por meio da regressão linear múltipla (prednisona, ciclofosfamida, metotrexato, leucopenia, anti-Sm e anticoagulante lúpico), apenas a leucopenia manteve-se como uma variável independente (B = 4,04; p = 0,02).

Estudo da leucopenia e níveis séricos de vitamina D

O estudo dos níveis de vitamina D e a contagem de leucócitos não apresentaram correlação entre a contagem de linfócitos e os níveis séricos de vitamina D (ρ = 0,07; IC 95% = −0,07 a 0,22; p = 0,33). O estudo da associação com a contagem de granulócitos está na figura 2.

Figura 2
Estudos de correlação entre os níveis séricos de vitamina D e a contagem de granulócitos (ρ = −0,19; IC 95% = −0,19 a −0,33; p = 0,01).

Discussão

O resultado do presente estudo confirma os achados de outros autores, que mostram que baixos níveis de vitamina D são mais comuns em pacientes com lúpus do que na população normal da mesma área geográfica. Esse fato é esperado, uma vez que esses pacientes são aconselhados a evitar a luz solar, a principal fonte de sua síntese. Autoanticorpos contra a vitamina D têm sido descritos no LES, embora eles não pareçam afetar os níveis de vitamina D circulante.44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84. Também não foi possível identificar qualquer diferença em relação ao uso de antimaláricos, o que ratifica os achados de Fragoso et al.2020 Fragoso TS, Dantas AT, Marques CD, Rocha Junior LF, Melo JH, Costa AJ, et al. 25-Hydroxyivitamin D3 levels in patients with systemic lupus erythematosus and its association with clinical parameters and laboratory tests. Rev Bras Reumatol. 2012;52:60-5. Assim, o uso desse medicamento não pode ser implicado na deficiência de vitamina D.

Nesta pesquisa, não foi encontrada correlação entre os níveis de vitamina D com a atividade da doença medida pelo Sledai, mas foi confirmada uma associação interessante entre a vitamina D e a leucopenia. Bogaczewicz et al.44 Bogaczewicz J, Sysa-Jedrzejowska A, Arkuszewska C, Zabek J, Kontny E, McCauliffe DP, et al. Vitamin D status in systemic lupus erythematosus patients and its association with selected clinical and laboratory parameters. Lupus. 2012;21:477-84. descobriram que um menor nível de vitamina D esteve associado à leucopenia em 49 pacientes com LES. O mesmo achado foi observado por Baldini et al. em 76 mulheres com síndrome de Sjögren primária.2121 Baldini C, Delle Sedie A, Luciano N, Pepe P, Ferro F, Talarico R, et al. Vitamin D in early primary Sjögren's syndrome: does it play a role in influencing disease phenotypes?. Rheumatol Int. 2014;34:1159-64. A importância desse achado é realçada quando se observa que as infecções são a principal causa de morte em pacientes com LES.2222 Danza A, Ruiz-Irastorza G. Infection risk in systemic lupus erythematosus patients: susceptibility factors and preventive strategies. Lupus. 2013;22:1286-94. As infecções bacterianas são as mais frequentes, seguidas pelas infecções virais e fúngicas.2222 Danza A, Ruiz-Irastorza G. Infection risk in systemic lupus erythematosus patients: susceptibility factors and preventive strategies. Lupus. 2013;22:1286-94.

A vitamina D tem um potente efeito sobre a diferenciação de células da linhagem mieloide que favorece a diferenciação de monócitos.2323 Bunce CM, Brown G, Hewison M. Vitamin D and hematopoiesis. Trends Endocrinol Metab. 1997;8:245-51. As culturas de células da medula óssea na presença dessa vitamina resultam em um drástico aumento dos monócitos e macrófagos de 12% nos controles para 68% em culturas tratadas.2424 McCarthy DM, San Miguel JF, Freake HC, Green PM, Zola H, Catovsky D, et al. 1,25-Dihydroxyvitamin D3 inhibits proliferation of human promyelocytic leukaemia (HL60) cells and induces monocyte-macrophage differentiation in HL60 and normal human bone marrow cells. Leuk Res. 1983;7:51-5. Além disso, a vitamina D suprime a diferenciação de neutrófilos.2424 McCarthy DM, San Miguel JF, Freake HC, Green PM, Zola H, Catovsky D, et al. 1,25-Dihydroxyvitamin D3 inhibits proliferation of human promyelocytic leukaemia (HL60) cells and induces monocyte-macrophage differentiation in HL60 and normal human bone marrow cells. Leuk Res. 1983;7:51-5. Em um estudo da diferenciação induzida pela vitamina D em culturas de células hepáticas fetais normais, foi observada uma promoção recíproca da maturação de células da linhagem dos monócitos e uma supressão da maturação de células restritas ao desenvolvimento de neutrófilos. Quando tratadas com (OH)2 vitamina D, essas culturas produziram 10 vezes o número de monócitos do que as culturas controle correspondentes. Isso se refletiu em as culturas controle conterem cinco vezes a quantidade de neutrófilos em relação às culturas tratadas.2525 Barton AE, Bunce CM, Stockley RA, Harrisson P, Brown G. l,25-Dihydroxyvitamin D, promotes monocytopoiesis and suppresses granulocytopoiesis in cultures of normal human myeloid blast cclls. J Leukoc Biol. 1994;56:124-32. Encontrou-se na presente pesquisa uma associação negativa entre os níveis de vitamina D e a contagem de granulócitos periférica, o que ratifica esses estudos. No entanto, não foi encontrada associação entre o nível sérico dessa vitamina e a contagem de linfócitos. É importante lembrar que a contagem de linfócitos em pacientes com LES pode ser alterada por outros fatores interferentes, como a presença de autoanticorpos linfocitotóxicos. Esses autoanticorpos aparecem em 36 a 90% dos pacientes com lúpus e estão associados a uma baixa contagem de leucócitos e a uma maior atividade da doença.2626 Hepburn AL, Narat S, Mason JC. Management of peripheral blood cytopenias in systemic lupus erythematosus. Rheumatology. 2010;49:2243-54.,2727 Magalhães MB, da Silva LM, Voltarelli JC, Donadi EA, Louzada-Junior P. Lymphocytotoxic antibodies in systemic lupus erythematosus are associated with disease activity irrespective of the presence of neuropsychiatric manifestations. Scand J Rheumatol. 2007;36:442-7. A expressão de superfície reduzida das proteínas reguladoras do complemento, como o CD55 e o CD59, também tem sido implicada na patogênese da linfopenia lúpica, já que essa deficiência irá transformar as células susceptíveis à lise mediada pelo complemento.2828 Garcia-Valladares I, Atisha-Fregoso Y, Richaud-Patin Y, Jakez-Ocampo J, Soto-Vega E, Elías-López D, et al. Diminished expression of complement regulatory proteins (CD55 and CD59) in lymphocytes from systemic lupus eyrthematosus patients with lymphopenia. Lupus. 2006;15:600-5.

Em resumo, o presente estudo mostrou que os níveis séricos de vitamina D são menores nos pacientes com lúpus do que nos controles. Não foi encontrada relação entre esse nível sérico de vitamina com a atividade da doença, mas foi estabelecida uma relação negativa com a quantidade de leucócitos. São necessários mais estudos a fim de esclarecer a importância da deficiência dessa vitamina na prevalência de infecções nesses pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    7 Out 2014
  • Aceito
    24 Jun 2015
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