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Aspectos relevantes do diagnóstico e seguimento por imagem na gota

RESUMO

A gota é uma artrite caracterizada pela deposição de cristais de monourato sódico na membrana sinovial, na cartilagem articular e nos tecidos periarticulares que leva a um processo inflamatório.

Na maioria dos casos o diagnóstico é estabelecido por critérios clínicos e pela análise do líquido sinovial, em busca dos cristais de MSU. Porém, a gota pode se manifestar de maneiras atípicas e dificultar o diagnóstico. Nessas situações, os exames de imagem têm papel fundamental, auxiliam na confirmação diagnóstica ou ainda excluem outros diagnósticos diferenciais.

A radiografia convencional ainda é o método mais usado no acompanhamento desses pacientes, porém é um exame pouco sensível, por detectar somente alterações tardias.

Nos últimos anos, surgiram avanços nos métodos de imagem em relação à gota. O ultrassom se mostra um exame de grande acurácia no diagnóstico de gota, identifica depósitos de MSU na cartilagem articular e nos tecidos periarticulares e detecta e caracteriza tofos, tendinopatias e entesopatias por tofos.

A tomografia computadorizada é um ótimo exame para a detecção de erosões ósseas e avaliação do acometimento na coluna. A tomografia computadorizada de dupla-energia, um método novo, fornece informações sobre a composição química dos tecidos, permite a identificação dos depósitos de MSU com elevada acurácia.

A ressonância magnética pode ser útil na avalição dos tecidos profundos, não acessíveis ao ultrassom.

Além do diagnóstico, com o surgimento de drogas que visam reduzir a carga tofácea, os exames de imagem se tornam uma ferramenta útil no acompanhamento do tratamento dos pacientes com gota.

Palavras-chave:
Gota; Ultrassonografia; Ressonância magnética; Tomografia computadorizada de dupla energia

ABSTRACT

Gout is an inflammatory arthritis characterized by the deposition of monosodium urate crystals in the synovial membrane, articular cartilage and periarticular tissues leading to inflammation. Men are more commonly affected, mainly after the 5th decade of life. Its incidence has been growing with the population aging.In the majority of the cases, the diagnosis is made by clinical criteria and synovial fluid analysis, in search for monosodium urate crystals. Nonetheless, gout may sometimes have atypical presentations, complicating the diagnosis. In these situations, imaging methods have a fundamental role, aiding in the diagnostic confirmation or excluding other possible differential diagnosis.

Conventional radiographs are still the most commonly used method in gout patients’ evaluation; nevertheless, this is not a sensitive method, since it detect only late alterations.

In the last years, there have been several advances in imaging methods for gout patients. Ultrasound has shown a great accuracy in the diagnosis of gout, identifying monosodium urate deposits in the synovial membrane and articular cartilage, in detecting and characterizing tophi and in identifying tophaceous tendinopathy and enthesopathy. Ultrasound has also been able to show crystal deposition in patients with articular pain in the absence of a classical gout crisis.

Computed tomography is an excellent method for detecting bone erosions, being useful in spine involvement. Dual-energy CT is a new method able to provide information about the chemical composition of tissues, with high accuracy in the identification of monosodium urate deposits, even in the early stages of the disease and in cases of difficult characterization.

Magnetic resonance imaging is useful in the evaluation of deep tissues not accessible by ultrasound.

Besides the diagnosis, with the emergence of new drugs that aim to reduce tophaceous burden, imaging methods have become useful tools in monitoring the treatment of patients with gout.

Keywords:
Gout; Ultrasound; Magnetic resonance imaging; Dual-energy computed tomography

Introdução

Gota é uma artrite, caracterizada por períodos de hiperuricemia e deposição de cristais de monourato de sódio (MUS) na cartilagem articular, no osso subcondral, na membrana sinovial, na cápsula, nos tecidos periarticulares e em áreas de menor temperatura, tais como os tecidos superficiais das extremidades, que leva a reação inflamatória.11 Chen CK, Yeh LR, Pan HB, Yang CF, Lu Yc Resnick D. Intra-articular gouty tophi of the knee: CT and MR imaging in 12 patients. Skelet Radiol. 1999;28:75-80.,22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27. Fatores genéticos e dietéticos foram implicados no aumento da quantidade de MUS.22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27.

Ocorre em aproximadamente 0,2-0,35 por 100 habitantes na população em geral. A incidência é maior no fim da terceira e no início da quarta década de vida, predomina no sexo masculino e em cerca de 5% em mulheres, geralmente após a menopausa.22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27.,33 Malik A, Schumacher HR, Dinnella JE, Clayburne GM. Clinical diagnostic criteria for gout: comparison with the gold standard of synovial fluid crystal analysis. J Clin Rheumatol. 2009;15:22-4.

O diagnóstico normalmente é estabelecido pela avaliação clínica e laboratorial, o método padrão-ouro é a análise do líquido sinovial, porém, por ser uma técnica invasiva, a terapia pode ser iniciada com os critérios diagnósticos do Colégio Americano de Reumatologia (ACR).44 Monu JU, Pope TL. Gout: a clinical and radiologic review. Radiol Clin N Am. 2004;42:169-84.

A importância do diagnóstico preciso e do tratamento da gota não deve ser subestimada, pois os pacientes necessitam de terapia ao longo da vida para reduzir as morbidades associadas com hiperuricemia. Devido aos múltiplos diagnósticos diferenciais, bem como às apresentações atípicas da gota, o estudo por imagem pode ser útil em várias fases da doença.55 Desai MA, Peterson JJ, Garner HW, Kransdorf MJ. Clinical utility of dual-energy CT for evaluation of tophaceous gout. Radiographics. 2011;31:1365-75.

Na última década, houve importante avanço nas técnicas de imagem, que auxiliam no diagnóstico não invasivo e no seguimento de tratamento da gota. Até onde vai nosso conhecimento, não há na literatura brasileira revisão recente sobre os aspetos de imagem da gota. Esta revisão pretende sumarizar os avanços recentes na literatura que envolvem os estudos de imagem, mostram aspectos relevantes para médicos de todas as especialidades quanto ao diagnóstico e seguimento por imagem, tendo em vista o aumento e a grande prevalência dessa doença.

Métodos

Pesquisa feita nas principais bases de dados (Medline, Lilacs, Cochrane Library e PubMed), com os termos gout, arthritis, tophaceus gout e urate. Limitamos a busca a artigos originais dos últimos cinco anos, porém foram incluídos na pesquisa artigos de revisão e relatos de caso com significativa relevância clínica.

Foram identificados mais de 700 artigos e resumos publicados sobre o tema proposto nesta revisão. A seleção foi baseada na importância clínica e foram excluídos os artigos que não mostravam relação com diagnóstico por imagem, o que resultou em 39 artigos.

Discussão

Existem quatro estágios clínicos possíveis em pacientes hiperuricêmicos: hiperuricemia assintomática, artrite gotosa aguda, gota intercrítica e gota tofácea crônica11 Chen CK, Yeh LR, Pan HB, Yang CF, Lu Yc Resnick D. Intra-articular gouty tophi of the knee: CT and MR imaging in 12 patients. Skelet Radiol. 1999;28:75-80.,22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27. (a sequência de tais eventos não é obrigatória e pacientes assintomáticos não recebem diagnóstico de gota). Em cada uma dessas fases podem ser usados estudos por imagem.

O quadro clínico típico de artrite gotosa aguda inclui monoartrite aguda dolorosa do 1º metatarso ou do joelho, com flogose local e tumefação associadas a níveis elevados de ácido úrico.

A hiperuricemia constitui um dos critérios clínicos usados no diagnóstico de gota, porém, embora esse seja o fator de risco predominante para a gota, níveis séricos elevados de ácido úrico nem sempre conduzem à deposição de cristais.66 Helito PVP, De Mello FM, Fuller R, Goldensteim-Schainberg C, Halpern ARS, Bordalo-Rodrigues M, et al. Tomografia computadorizada de coluna em uma população com gota. Tema Livre JPR. 2013. Os níveis de urato no soro acima de 6,8 mg/dL podem levar a precipitação e deposição de cristais de urato nas articulações e nos tecidos moles, mas quadros de gota aguda podem ocorrer mesmo em pacientes com níveis normais de urato no soro e nesses casos o diagnóstico clínico é mais difícil, pode ser auxiliado por de métodos por imagem. O estudo por imagem também pode ser usado em apresentações atípicas, como em casos que envolvem idades ou locais incomuns, com sintomas prolongados e menos intensos na época de apresentação.55 Desai MA, Peterson JJ, Garner HW, Kransdorf MJ. Clinical utility of dual-energy CT for evaluation of tophaceous gout. Radiographics. 2011;31:1365-75.,66 Helito PVP, De Mello FM, Fuller R, Goldensteim-Schainberg C, Halpern ARS, Bordalo-Rodrigues M, et al. Tomografia computadorizada de coluna em uma população com gota. Tema Livre JPR. 2013.

O período intercrítico é aquele após um episódio agudo de crise álgica de gota, em que o paciente mantém-se assintomático. O avanço das técnicas de imagem evidenciou que podem ser detectados nos pacientes no período intercrítico depósitos tofáceos em até 50% das articulações que já foram acometidas por episódios agudos.55 Desai MA, Peterson JJ, Garner HW, Kransdorf MJ. Clinical utility of dual-energy CT for evaluation of tophaceous gout. Radiographics. 2011;31:1365-75. Também já foi demonstrado que pacientes assintomáticos apresentavam depósitos de tofos na coluna detectados por tomografia computadorizada (TC).77 Dungan DH, Seeger LL, Grant EG. Case report 707: hemorrhagic Baker's cyst of the right calf. Skelet Radiol. 1992;21:52-55.

Sabendo-se que os pacientes, mesmo assintomáticos, já podem ter depósitos tofáceos muitas vezes não detectados clinicamente, surge o questionamento se é importante avaliar danos precoces articulares, ósseos e tendíneos ou até a carga tofácea, por exames por imagem na fase intercrítica. A avaliação por imagem nessa fase, até onde vai nosso conhecimento, ainda não é recomendada na literatura.

Alguns anos são necessários para o tofo tornar-se aparente clinicamente após o primeiro ataque, raramente é identificado na época desse primeiro episódio.11 Chen CK, Yeh LR, Pan HB, Yang CF, Lu Yc Resnick D. Intra-articular gouty tophi of the knee: CT and MR imaging in 12 patients. Skelet Radiol. 1999;28:75-80. A gota tofácea crônica é caracterizada clinicamente pela presença de tofos, secundários ao acúmulo de ácido úrico, matriz proteica, células inflamatórias e células gigantes de corpo estranho nos tendões, ligamentos, nas cartilagens, bolsas, no tecido celular subcutâneo e nas regiões periarticulares.55 Desai MA, Peterson JJ, Garner HW, Kransdorf MJ. Clinical utility of dual-energy CT for evaluation of tophaceous gout. Radiographics. 2011;31:1365-75. Os tofos são mais frequentes nas superfícies extensoras das mãos, nos cotovelos, pés, joelhos, apêndices auriculares e na ponta do nariz.

Embora a gota tofácea crônica geralmente tenha um diagnóstico clínico simples, esse pode representar um desafio em alguns casos, quando associada a sintomas incomuns ou doença atípica. Manifestações clínicas atípicas são vistas com maior frequência em determinados segmentos da população, incluindo os idosos, pacientes que foram submetidos a transplante de órgãos e aqueles com tumor.66 Helito PVP, De Mello FM, Fuller R, Goldensteim-Schainberg C, Halpern ARS, Bordalo-Rodrigues M, et al. Tomografia computadorizada de coluna em uma população com gota. Tema Livre JPR. 2013.

Os nódulos de tofos também podem não ser típicos e têm diagnósticos diferenciais, como gânglios, cistos, bursite, hematoma, amiloidose, tromboflebite, sarcoidose, artrite psoriásica e por depósito de pirofosfato, neoplasias, tenossinovites, nódulos reumatoides e da osteoartrose e infecção.88 Abrahamsson SO. Gouty tenosynovitis simulating an infection. A case report. Acta Orthop Scand. 1987;58:282-3.,99 Perez-Ruiz F, Dalbeth N, Urresola A, De Miguel E, Schlesinger N. Gout. Imaging of gout: findings and utility. Arthritis Res Ther. 2009;11:232.

O estudo por imagem pode ser útil nessa fase para avaliar a gravidade da doença, a extensão da deposição MSU e a presença de inflamação crônica. Além disso, pode ser uma ferramenta útil para monitorar a resposta à terapia de redução do ácido úrico.1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5.

Acompanhamento e resposta ao tratamento

Vários métodos foram desenvolvidos e avaliados pela Outcomes Mesures in Rheumatology (Omeract) para quantificar os tofos nos pacientes com gota tofácea crônica, desde métodos mais simples, por exame físico, até meios mais sofisticados, com exames de imagem. Em pacientes com gota tofácea crônica, a quantificação de tofos e a documentação da regressão com o tratamento são medidas importantes de monitoramento, com o objetivo de evitar a destruição articular. Pacientes com níveis elevados de ácido úrico não têm necessariamente maiores massas de tofos do que pacientes com baixos níveis de ácido úrico.1111 de Ávila Fernandes E, Kubota ES, Sandim GB, Mitraud SA, Ferrari AJ, Fernandes AR. Ultrasound features of tophi in chronic tophaceous gout. Skeletal Radiol. 2011;40:309-15.,1212 Dalbeth N, Schauer C, Macdonald P, Perez-Ruiz F, Schumacher HR, Hamburger S, et al. Methods of tophus assessment in clinical trials of chronic gout: a systematic literature review and pictorial reference guide. Ann Rheum Dis. 2011;70:597-604.

Entre os métodos que usam o exame físico, os principais são contagem do número de tofos, medição por fita métrica, uso de um instrumento específico chamado medidor de Vernier e por fotografia digital.1313 Dalbeth N, Merriman T. Mechanisms of bone erosion in gout. A quantitative analysis using plain radiography and computed tomography. Ann Rheum Dis. 2009;68:1290-5.

A ultrassonografia (US) é uma boa ferramenta na avaliação de resposta ao tratamento, pois é disponível e apresenta boa sensibilidade. Tomografia computadorizada e ressonância magnética, apesar de menos disponíveis, fornecem algumas vantagens, como a possibilidade de armazenamento de dados para leitura posterior e visualização de tofos intra-articulares, mesmo na ausência de tofos subcutâneos.1414 Schumacher HR, Becker MA, Edwards NL. Magnetic resonance imaging in the quantitative assessment of gouty tophi. Int J Clin Pract. 2006;60:408-14.1616 Bloch C, Hermann G, Yu TF. A radiologic reevaluation of gout: a study of 2,000 patients. Am J Roentgenol. 1980;134:781-7.

A tomografia computadorizada de dupla energia (DTC) é uma boa ferramenta por demonstrar os depósitos de MSU mesmo em pacientes assintomáticos. Embora a capacidade de quantificar tofos dessa técnica seja uma ferramenta potencialmente útil para avaliar pequenas mudanças de carga do tofo e a técnica tenha um papel no monitoramento da resposta ao tratamento, devido ao custo e, embora baixa, à exposição à radiação, o principal papel no monitoramento ao tratamento fica limitado a ensaios clínicos de novos agentes terapêuticos, mais do que a prática clínica.1616 Bloch C, Hermann G, Yu TF. A radiologic reevaluation of gout: a study of 2,000 patients. Am J Roentgenol. 1980;134:781-7.

Métodos de imagem

Os métodos de imagem mais usados para a avaliação da gota são a radiografia simples (RX), a ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada de dupla energia (DTC), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM).

Radiografia simples

Claude Boch et al.22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27. (1980) classificaram as alterações radiológicas em precoces, intermediárias e tardias. As alterações radiográficas são mais frequentes nos pés, em especial na primeira articulação metatarsofalângica.22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27.,1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5. Na apresentação inicial de gota, não há sinais radiográficos específicos, apenas aumento de volume e densidade de partes moles. A RX é incapaz de avaliar as primeiras alterações dos tecidos moles, tais como derrame, erosões iniciais, hipertrofia sinovial, hipervascularização ou tofos pequenos. Já a RM que evidencia essas alterações não possibilita sempre a diferenciação exata entre a gota e alguns dos seus diferenciais.

A RX é um método rápido e geralmente o primeiro usado na investigação da gota. Apresenta baixa sensibilidade para o diagnóstico, pode haver um intervalo de 6 a 12 anos para que as alterações radiológicas estejam presentes.22 Smith EUR, Díaz-Torné C, Perez-Ruiz F, March LM. Epidemiology of gout: an update. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:811-27. Rettenbacher et al., em 2008, encontraram uma sensibilidade de 31% a 55% e uma especificidade de 93% para a RX, no diagnóstico de gota.1717 Rettenbacher T, Ennemoser S, Weirich H, Ulmer H, Hartig F, Klotz W, et al. Diagnostic imaging of gout: comparison of high-resolution US versus conventional X-ray. Eur Radiol. 2008;18:621-30.

Na gota tofácea crônica os sinais radiográficos incluem a visualização de tofos como massas de tecidos moles ou intraósseas, que podem ou não apresentar calcificações e a presença de uma artropatia não desmineralizante, com erosões que apresentam margens que podem ser escleróticas ou salientes. A reação de Martel (fig. 1) consiste numa borda óssea saliente e protrusa separada do tofo e inclinada sobre esse.1818 Martel W. The overhanging margin of bone: a roentgenologic manifestation of gout. Radiology. 1968;91:755-756.,1919 Thiele RG, Schlesinger N. Diagnosis of gout by ultrasound. Rheumatology (Oxford). 2007;46:1116-21. O espaço articular é geralmente preservado ao RX.1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5.

Figura 1
A, radiografia anteroposterior dos pés de um paciente com gota que mostra aumento do volume e da densidade de partes moles junto à 1aarticulação MTF (seta). Nota-se também erosão óssea na metáfise distal do 1º metatarso. B, detalhe da imagem anterior que mostra a cabeça do 1º metatarso esquerdo, evidencia erosão óssea marcada com asterisco (*) com bordas elevadas e reação de Martel (seta). C, imagem ultrassonográfica com corte longitudinal do pé ao nível da articulação metatarsofalângica do 1º pododáctilo que mostra a cortical óssea da cabeça do 1º metatarso (seta maior), o espaço articular metatarso falângico do hálux (ESP), a cartilagem da cabeça do 1º metatarso (*) e fina camada hiperecoica que recobre a cartilagem de revestimento (seta menor), caracteriza o sinal do duplo contorno. D, detalhe da imagem anterior que mostra a superfície óssea (seta) da cabeça do 1º metatarso, a cartilagem articular (*) e a fina camada hiperecoica (seta menor), caracteriza o sinal do duplo contorno. P, proximal; D, distal; TS, tecido subcutâneo; ESP, falângico do hálux; TE, tendão extensor do hálux.

Segundo Bloch,1616 Bloch C, Hermann G, Yu TF. A radiologic reevaluation of gout: a study of 2,000 patients. Am J Roentgenol. 1980;134:781-7. a RX é um método de pouca utilidade na avaliação do tratamento, primeiramente pela sua baixa sensibilidade na detecção da doença em fases precoces e por se basear na presença de achados tardios, como aumento de partes moles, erosões corticais e lesões líticas.

Ultrassonografia

A alta resolução da US permite identificar as diversas formas de apresentação da gota e sua relação com os diferentes tecidos, ajuda no diagnóstico precoce e não invasivo, na decisão terapêutica e no controle do tratamento. Além disso, mostra-se um método de grande utilidade na avaliação da extensão e mensuração das lesões e envolvimento de estruturas adjacentes com baixa variabilidade interobservadores, preenche as características necessárias para avaliação da resposta terapêutica. Para confirmação histopatológica de gota, a US mostra-se útil para guiar um punção ou biópsia.1919 Thiele RG, Schlesinger N. Diagnosis of gout by ultrasound. Rheumatology (Oxford). 2007;46:1116-21.,2020 Pineda C. Joint and tendon subclinical involvement suggestive of gouty arthritis in asymptomatic hyperuricemia: an ultrasound controlled study. Arthritis Res Ther. 2011;13:R4.

A US detecta as alterações precoces nos tecidos moles na gota e pode ser usada principalmente quando os achados clínicos e laboratoriais e os estudos radiográficos forem negativos ou inconclusivos. Outras vantagens consistem em ser um método não invasivo, a facilidade de repetir o exame, a capacidade de diferenciar lesões sólidas das císticas, o baixo custo, o contato com o paciente, a ausência de radiação ionizante, a aquisição de imagens multiplanares e de alta resolução, a avaliação dinâmica da articulação e dos tendões e a eficácia na orientação de procedimentos invasivos.99 Perez-Ruiz F, Dalbeth N, Urresola A, De Miguel E, Schlesinger N. Gout. Imaging of gout: findings and utility. Arthritis Res Ther. 2009;11:232.,1919 Thiele RG, Schlesinger N. Diagnosis of gout by ultrasound. Rheumatology (Oxford). 2007;46:1116-21.,2121 Balbir-Gurman A, Nahir AM, Braun-Moscovici Y, Soudack M. Sonographic features of a tophaceous nodule. Isr Med Assoc J. 2005;7:746-7.

Alguns estudos que comparam a sensibilidade e a especificidade da US com a RX demostraram que a US é mais sensível e precoce do que a RX, pois as alterações ultrassonográficas estão presentes em fases anteriores aos sinais típicos da RX.1717 Rettenbacher T, Ennemoser S, Weirich H, Ulmer H, Hartig F, Klotz W, et al. Diagnostic imaging of gout: comparison of high-resolution US versus conventional X-ray. Eur Radiol. 2008;18:621-30.,1919 Thiele RG, Schlesinger N. Diagnosis of gout by ultrasound. Rheumatology (Oxford). 2007;46:1116-21.,2222 Thiele RG, Schlesinger N. Ultrasound detects more erosions ingout than conventional radiography. Ann Rheum Dis. 2010;69(Suppl. 3):612.

Um aspecto ultrassonográfico que é característico para o diagnóstico de gota é o “sinal do duplo contorno” (fig. 1), caracterizado pela presença de uma camada hiperecoica linear irregular sobre a margem superficial da cartilagem hialina anecoica e paralela ao córtex ósseo, sem sombra acústica posterior. Esse sinal foi visto em 92% dos pacientes com gota confirmada por biópsia e em nenhum dos controles em estudo de Thiele em 2007.1919 Thiele RG, Schlesinger N. Diagnosis of gout by ultrasound. Rheumatology (Oxford). 2007;46:1116-21.

Porém, pacientes com hiperuricemia assintomática podem apresentar o sinal do duplo contorno, observado no estudo de Pineda et al. em 25% das articulações metacarpofalângicas.2020 Pineda C. Joint and tendon subclinical involvement suggestive of gouty arthritis in asymptomatic hyperuricemia: an ultrasound controlled study. Arthritis Res Ther. 2011;13:R4. Além disso, com a redução dos níveis de ácido úrico, esse sinal tende a desaparecer em até sete meses.2222 Thiele RG, Schlesinger N. Ultrasound detects more erosions ingout than conventional radiography. Ann Rheum Dis. 2010;69(Suppl. 3):612.

Rettenbacher et al.,1717 Rettenbacher T, Ennemoser S, Weirich H, Ulmer H, Hartig F, Klotz W, et al. Diagnostic imaging of gout: comparison of high-resolution US versus conventional X-ray. Eur Radiol. 2008;18:621-30. em 2008, encontraram sensibilidade e especificidade de respectivamente 80% e 75% para os focos brilhantes hiperecoicos nos tecidos sinoviais (microtofos) e 79% e 95% para as áreas hiperecoicas no diagnóstico de gota. Considerando a presença de qualquer dos dois achados, o ultrassom apresentou sensibilidade de 96% e especificidade de 73%. A especificidade não é maior porque focos puntiformes hiperecoicos, que podem representar microtofos, também podem ser observados em casos de artrose, condrocalcinose e atrite reumatoide.2323 Lai KL, Chiu YM. Role of ultrasonography in diagnosing gouty arthritis. J Med Ultrasound. 2011;19:7e13.

Quando os focos brilhantes hiperecoicos são vistos em combinação com o sinal do duplo contorno, a especificidade chega a 100%, porém com redução considerável da sensibilidade.2424 Wright SA, Filippucci E, McVeigh C, Grey A, McCarron M, Grassi W, et al. High-resolution ultrasonography of the first metatarsal phalangeal joint in gout: a controlled study. Ann Rheum Dis. 2007;66:859-64.

Em casos nos quais se faz necessário o estudo por imagem, o conhecimento das características ultrassonográficas do tofo é importante para se diferenciarem nódulos tofáceos de nodulações de outras etiologias (fig. 2). A US usa critérios que ajudam na diferenciação entre nodulações causadas por neoplasias, processos inflamatórios e infecciosos. Nalbant,1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5. em 2003, ao comparar nódulos de tofos e nódulos reumatoides, demonstrou que 80% dos tofos eram heterogêneos, e desses 75% hiperecoicos, e apenas 15% de heterogeneidade e hiperecogenicidade foram observados nos nódulos reumatoides. O nódulo reumatoide é mais homogêneo e pode apresentar área central hipoecoica, bem definida, devido a necrose. Como os nódulos reumatoides raramente calcificam, isso também ajuda a diferenciá-los de tofos, que podem calcificar.

Figura 2
MTT (5º metatarso). A e B, imagem ultrassonográfica. Cortes longitudinal (A) e transversal (B) de nódulo amorfo, hiperecogênico, localizado nas partes moles adjacentes à articulação metatarsocuboide. As estruturas profundas ao nódulo estão indefinidas pela atenuação do feixe acústico. P, proximal; D, distal.

A presença de calcificações com sombra acústica posterior e irregularidade da cortical óssea subjacente aos nódulos também favorece o diagnóstico de tofo. Não há correlação entre o tempo de doença e a presença de calcificações nos tofos. Os tofos são hiperecoicos em 96,3% dos casos e hipoecoicos em 3,7%.1212 Dalbeth N, Schauer C, Macdonald P, Perez-Ruiz F, Schumacher HR, Hamburger S, et al. Methods of tophus assessment in clinical trials of chronic gout: a systematic literature review and pictorial reference guide. Ann Rheum Dis. 2011;70:597-604. A hiperecogenicidade observada nos tofos representa depósitos de uratos ou calcificações. As partículas hiperecoicas pequenas ou os focos brilhantes medem menos de 1 mm de tamanho, representam microtofos sinoviais.1717 Rettenbacher T, Ennemoser S, Weirich H, Ulmer H, Hartig F, Klotz W, et al. Diagnostic imaging of gout: comparison of high-resolution US versus conventional X-ray. Eur Radiol. 2008;18:621-30. O aglomerado de microtofos hiperecoicos formam o tofo, portanto hiperecogenicidade e heterogeneidade são fortes indicadores de tofo.

O halo hipoecoico periférico ao tofo é uma faixa hipoecoica vista parcial ou totalmente em torno do tofo e pode corresponder a processo inflamatório, fibrose ou edema. É observado em grande partes dos tofos e pode ser mais um marcador de nódulo tofáceo.1212 Dalbeth N, Schauer C, Macdonald P, Perez-Ruiz F, Schumacher HR, Hamburger S, et al. Methods of tophus assessment in clinical trials of chronic gout: a systematic literature review and pictorial reference guide. Ann Rheum Dis. 2011;70:597-604.

As características ultrassonográficas dos tofos em relação aos tendões podem auxiliar na explicação dos quadros clínicos com restrições de movimento dos pacientes com gota tofácea crônica e seu conhecimento pode evitar procedimentos invasivos como biópsias. Foi proposta uma classificação da relação do tofo com o tendão na gota tofácea crônica em cinco tipos,2525 Fernandes EA, Sandim GB, Mitraud SAV, Kubota ES, Ferrari AJL, Fernandes ARC. Sonographic description and classification of tendinous involvement in relation to tophi in chronic tophaceous gout. Insights Imaging. 2010;1:143-8. a partir de sua localização: tendão envolvido por tofos, nenhuma relação entre tofo e tendão, tofos no local de inserção do tendão (entesopatia), compressão extrínseca e tofo dentro do tendão.

A entesopatia secundária a tofos é um dado recente na literatura e, embora descrito em apenas 7% dos casos de gota tofácea crônica, deve ser lembrado nos diagnósticos diferenciais, a depender do contexto clínico. O diagnóstico diferencial das entesopatias é amplo e inclui doença de depósito de pirofosfato de cálcio, doença degenerativa, acromegalia, hiperparatireoidismo, hipoparatireoidismo e artrite reumatoide, entre outros. O tofo intratendíneo tende a evoluir para ruptura do tendão2626 Lagoutaris ED, Adams HB, DiDomenico LA, Rothenberg RJ. Longitudinal tears of both peroneal tendons associated with tophaceous gouty infiltration. A case report. J Foot Ankle Surg. 2005;44:222-4. e o diagnóstico ultrassonográfico precoce pode auxiliar o médico na instituição de tratamento eficaz, evitar danos que, se não tratados clinicamente, poderão evoluir para tratamento cirúrgico. No interior do tendão, os tofos podem apresentar microdepósitos demonstrados por pontos brilhantes, ovoides e hiperecoicos. Tofos intratendíneos crônicos podem aparecer como bandas hiperecoicas, ocasionalmente com sombra acústica posterior.2727 Grassi W, Meenagh G, Pascual E, Filippucci E. Crystal clear-sonographic assessment of gout and calcium pyrophosphate deposition disease. Semin Arthritis Rheum. 2006;36:197-202.

A US permite mostrar as alterações no processo inflamatório da gota. A avaliação da gota pela US com Doppler colorido demonstra aumento de fluxo na fase aguda da crise de podagra, que se normaliza parcialmente em sete dias. O Doppler colorido mostra-se geralmente sem fluxo quando fora das crises de podagra,1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5. porém tem sido observado na prática clínica do autor que áreas periarticulares dolorosas em pacientes com diagnóstico conhecido de gota podem apresentar presença de tofos hiperecoicos e fluxo ao Doppler, mesmo sem sinais de crise clássica, o que explica quadros clínicos atípicos de artralgia por gota, porém esse achado necessita de estudos adicionais para ser usado (fig. 3).

Figura 3
A, imagem ultrassonográfica no plano longitudinal no 1º metacarpo. Paciente com quadro de dor sem evidências de crise gotosa. Nota-se presença de erosões ósseas (//) e tofos (T) junto às erosões. B, o estudo com Doppler colorido evidencia aumento da vascularização nos tofos. Cortical óssea (setas).

Erosões ósseas são definidas como descontinuidades da cortical observadas em dois planos perpendiculares. É um achado tardio e apresenta baixa sensibilidade no diagnóstico de gota tofácea, entretanto são levemente mais bem detectadas à US do que ao estudo radiográfico (24% contra 20% dos casos).1717 Rettenbacher T, Ennemoser S, Weirich H, Ulmer H, Hartig F, Klotz W, et al. Diagnostic imaging of gout: comparison of high-resolution US versus conventional X-ray. Eur Radiol. 2008;18:621-30.

As dimensões do tofo gotoso assumem importância na avaliação da resposta ao tratamento, portanto, para ter utilidade prática, o método usado para esse propósito deve ter boa reprodutibilidade. Perez-Ruiz et al. mostraram que a US é capaz de detectar todos os tofos periarticulares identificados pela RM.1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5.,2828 Perez-Ruiz F, Martim I, Canteli B. Ultrasonographic measurement of tophi as an outcome measure for chronic gout. J Rheumatol. 2007;34:9. A Omeract, após esses estudos, considera o US como possível método útil na mensuração dos tofos gotosos, porém ensaios clínicos precisam ser conduzidos para validar o método.

Tomografia computadorizada (TC)

A TC permite a visualização dos tofos tanto no tecido celular subcutâneo quanto intra-articulares. Esse método também auxilia na identificação de erosões ósseas, é mais sensível do que a RX e a RM para esse fim. Uma análise sistemática mostrou que a TC detecta a presença de tofos intraósseos em 81% das articulações que apresentam erosões e em 100% dos casos quando a erosão é maior do que 7,5 mm.2929 Dalbeth N, Collis J, Gregory K, Clark B, Robinson E, McQueen FM. Tophaceous joint disease strongly predicts hand function in patients with gout. Rheumatology. 2007;46:1804-7.

A TC também pode evidenciar depósitos de MSU no interior dos tofos, por ter uma atenuação próxima a 160 UH, comparativamente a depósitos de cálcio, que têm atenuação maior, em volta de 450 UH3030 Dalbeth N, Clark B, Gregory K, Gamble GD, Doyle A, McQueen FM. Computed tomography measurement of tophus volume: comparison with physical measurement. Arthritis Rheumatol. 2007;57:461-5. (Image 15), pode auxiliar na diferenciação com outros tipo de nódulos de partes moles. Pode ser usada como um método de imagem complementar na avaliação de danos em estruturas profundas, quando exames que não usam radiação ionizante não conseguirem confirmá-los. Em casos de acometimento de estruturas profundas, como a coluna vertebral, pode eventualmente complementar um estudo de RM e demonstrar massas de tofos com compressões de estruturas nervosas.

Apesar de poder ser útil, a TC não é preconizada como método de escolha na avaliação da gota nas estruturas superficiais, pela dose de radiação ionizante usada.

Tomografia computadorizada de dupla energia (DTC)

A DTC é um método que fornece informações sobre a composição química dos tecidos e permite sua diferenciação. Por meio dela é possível distinguir os cristais de MSU da gota, do osso ou da calcificação distrófica.66 Helito PVP, De Mello FM, Fuller R, Goldensteim-Schainberg C, Halpern ARS, Bordalo-Rodrigues M, et al. Tomografia computadorizada de coluna em uma população com gota. Tema Livre JPR. 2013. Alguns estudos que examinaram a deposição de cristais articulares e periarticulares com DTC mostraram altas sensibilidade e especificidade. As variações nos dados obtidos podem ser devidas as articulações distintas avaliadas, protocolos e estágios diferentes de doença analisados.3030 Dalbeth N, Clark B, Gregory K, Gamble GD, Doyle A, McQueen FM. Computed tomography measurement of tophus volume: comparison with physical measurement. Arthritis Rheumatol. 2007;57:461-5.3434 Gruber M, Bodner G, Rath E, Supp G, Weber M, Schueller-Weidekamm C. Dual-energy computed tomography compared with ultrasound in the diagnosis of gout. Rheumatology (Oxford). 2014;53:173-9.

Nos estágios iniciais da doença, quando os depósitos de MSU são microscópicos e intra-articulares, e não em tofos macroscópicos, a DTC pode não ser capaz de detectá-los, pois apresenta uma limitação de tamanho geralmente de 2 mm, não é capaz de distinguir depósitos inferiores a esse limite.3535 Glazebrook KN, Kakar S, Ida CM, Laurini JA, Moder KG, Leng S. False-negative dual-energy computed tomography in a patient with acute gout. J Clin Rheumatol. 2012;18:138-141. Além das limitações relacionadas ao tamanho dos depósitos, a DTC é susceptível a alguns artefatos, principalmente relacionados a dispositivos metálicos, calos, unhas e áreas de espessamento cutâneo, como no calcanhar.

A maioria dos estudos não explorou a acurácia diagnóstica do DTC na primeira apresentação de artrite gotosa. Dos dados limitados existentes, no primeiro episódio de artrite gotosa a sensibilidade diagnóstica é baixa, em torno de 50%.3636 Manger B, Lell M, Wacker J. Detection of periarticular urate deposits with dual energy CT in patients with acute gouty arthritis. Ann Rheum Dis. 2012;71:470-2. Estudo com 21 pacientes que comparou a acurácia diagnóstica do US e DTC em casos com suspeita de gota observou sensibilidade semelhante aos dois métodos, com resultados falso negativos na DTC acuradamente detectados à US.1616 Bloch C, Hermann G, Yu TF. A radiologic reevaluation of gout: a study of 2,000 patients. Am J Roentgenol. 1980;134:781-7.

A DTC pode ser usada para avaliar a gota, independentemente dos níveis séricos de ácido úrico, pode confirmar a doença em pacientes com níveis séricos normais de ácido úrico ou excluir em pacientes com hiperuricemia. A carga geral ou o volume de deposição de ácido úrico pode ser calculada nas lesões individuais, articulações ou em toda a área digitalizada. Uma potencial desvantagem da DTC poderia ser a exposição do paciente a radiação ionizante, porém a dose usada é menor do que a dose anual recebida naturalmente e bem menor do que os valores que poderiam induzir malignidade.2222 Thiele RG, Schlesinger N. Ultrasound detects more erosions ingout than conventional radiography. Ann Rheum Dis. 2010;69(Suppl. 3):612. Devido ao custo e, embora baixa, à exposição à radiação, seu principal papel, o monitoramento do tratamento fica limitado a ensaios clínicos de novos agentes terapêuticos, mais do que à prática clínica.1616 Bloch C, Hermann G, Yu TF. A radiologic reevaluation of gout: a study of 2,000 patients. Am J Roentgenol. 1980;134:781-7.

Ressonância magnética

A RM não é usada rotineiramente para avaliação da gota tofácea. Pode ser usada para reconhecer a causa de limitações de movimento, as disfunções motoras ou dolorosas secundárias a alterações em estruturas profundas ou que estejam recobertas por osso, quando o acesso à US não é adequado (fig. 4).

Figura 4
Imagens de RM do pé no eixo longo (A) e no eixo curto (B) que mostram derrame articular (seta) na 5ª articulação metatarsofalângica, associada a padrão de edema ósseo medular na cabeça e metáfise distal do 5º metatarso (*), além de densificação dos planos adiposos adjacentes (cabeça de seta).

A RM também é útil para avaliação do diagnóstico diferencial de massas dos tecidos moles nas extremidades.3131 Glazebrook KN, Guimaraes LS, Murthy NS. Identification of intraarticular and periarticular uric acid crystals with dual-energy CT: initial evaluation. Radiology. 2011;261:516-24. O tofo à RM geralmente apresenta-se como massa de partes moles justa-articular, causa erosões periarticulares e espessamento sinovial. A aparência dos tofos na RM é variável. Na sequência ponderada em T2 varia de baixo até alto sinal, com padrão homogêneo ou não, a depender do grau de hidratação e calcificação. A aparência mais comum em uma sequência T2 é um sinal baixo a intermediário, heterogêneo. Sua aparência T1 é mais consistente, geralmente apresenta sinal baixo a intermediário. O padrão de realce também é variável. Outra característica é o realce que circunda o tofo, provavelmente relacionado ao tecido de granulação adjacente (fig. 5).3737 Khoo JN, Tan SC. MR imaging of tophaceous gout revisited. Singap Med J. 2011;52:840.

Figura 5
Cortes sagitais de RM ponderados em T1 (A), T2 (B), axial T2 (C) e sagital após contraste (D) do pé que mostram material heterogêneo com isossinal em T1, hipersinal heterogêneo em T2, com realce heterogêneo após a injeção IV do contraste paramagnético, na face dorsal do pé (setas).

A RM também fornece informações sobre a morfologia dos tofos, que pode variar desde pequenas massas nodulares mal definidas depositadas em planos anatômicos a até apresentar um aspecto permeativo.3838 McQueen FM, Doyle A, Dalbeth N. Imaging in gout – what can we learn from MRI, CT, DECT, and US? Arthritis Res Ther. 2011;13:246.

Perez-Ruiz et al. avaliaram a medição dos tofos comparativamente entre US e RM, incluindo a mudança no tamanho do tofo e sua associação com as concentrações séricas de urato no decorrer de 12 meses. Os diâmetros avaliados na RM nesse estudo foram maiores do que diâmetros do US e isso pode estar relacionado com uma melhor imagem da RM do componente de tecido mole do tofo, que pode conter regiões de inflamação e hipervascularização.1010 Nalbant S, Corominas H, Hsu B, Chen LX, Schumacher HR, Kitumnuaypong T. Ultrasonography for assessment of subcutaneous nodules. J Rheumatol. 2003;30:1191-5.

Estudos recentes demonstraram que a RM pode detectar precocemente erosões articulares que não são radiograficamente aparentes.3939 Carter JD, Kedar RP, Anderson SR. An analysis of MRI and ultrasound imaging in patients with gout who have normal plain radiographs. Rheumatology (Oxford). 2009;48:1442-6. Diante de um quadro agudo de atrite gotosa, edema periarticular, sinovite e derrame articular são comuns, bem como o alto sinal da medula óssea e de tecidos moles periarticulares, mas essas alterações podem ser vistas em qualquer artropatia inflamatória, são inespecíficas. A RM não apresenta papel relevante para auxílio diagnóstico inicial da gota. Por essas razões não se sugere o uso rotineiro da RM para o diagnóstico da fase inicial de gota em casos de apresentação clínica típica ou atípica.

Conclusão

Os métodos de imagem podem ser úteis para auxílio diagnóstico e seguimento do tratamento dos pacientes com gota, em especial o uso da ultrassonografia, que é uma ferramenta disponível, não invasiva e com bons resultados. O potencial do diagnóstico ultrassonográfico fez crescer o seu interesse entre os médicos.

  • Estudo desenvolvido no Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira (HSPE-FMO), São Paulo, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2014
  • Aceito
    31 Mar 2016
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