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Criptosporidiose em paciente com espondilite anquilosante usando adalimumabe

Resumos

A criptosporidiose é uma doença parasitária causada pelo protozoário Cryptosporidium sp. Observou-se um aumento no número de diagnósticos realizados nos últimos vinte anos, principalmente em pacientes que apresentam imunodeficiências como a síndrome da imunodeficiência humana adquirida e as imunodeficiências induzidas como em pacientes transplantados e nos que necessitam realizar hemodiálise frequentemente. Relata-se o caso de um jovem com espondilite anquilosante que, usando adalimumabe, apresentou diarreia devido à criptosporidiose.

espondilite anquilosante; adalimumabe; criptosporidiose


Cryptosporidiosis is a parasitic disease caused by a protozoan called Cryptosporidium sp. An increased number of diagnoses were made in the last 20 years, especially in patients with immunodeficiency like the acquired human immunodeficiency syndrome and induced immunodeficiency, such as in transplant patients and those who need frequent hemodialysis, has been observed. We report the case of a young patient with ankylosing spondylitis treated with adalimumab who developed chronic diarrhea secondary to cryptosporidiosis

ankylosing spondylitis; adalimumab; cryptosporidiosis


RELATO DE CASO

Criptosporidiose em paciente com espondilite anquilosante usando adalimumabe

Fernando Augusto Chiuchetta

Ex-residente de Reumatologia da UFPR, especialista em Reumatologia pela SBR e orientador de Reumatologia para residência de Ortopedia do Hospital XV - Curitiba, PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Fernando Augusto Chiuchetta Reumatologia para residência de ortopedia do Hospital da XV Rua Alberto Foloni, 1093 CEP: 80540-000. Curitiba, PR, Brasil E-mail: Fmch8@uol.com.br

RESUMO

A criptosporidiose é uma doença parasitária causada pelo protozoário Cryptosporidium sp. Observou-se um aumento no número de diagnósticos realizados nos últimos vinte anos, principalmente em pacientes que apresentam imunodeficiências como a síndrome da imunodeficiência humana adquirida e as imunodeficiências induzidas como em pacientes transplantados e nos que necessitam realizar hemodiálise frequentemente. Relata-se o caso de um jovem com espondilite anquilosante que, usando adalimumabe, apresentou diarreia devido à criptosporidiose.

Palavras-chave: espondilite anquilosante, adalimumabe, criptosporidiose.

INTRODUÇÃO

A criptosporidiose é uma doença parasitária causada pelo protozoário isolado por Tyzzer, em 1907, chamado Cryptosporidium sp. Desde a década de 1980, tornou-se importante no meio médico, com o aparecimento de diarreia crônica de difícil resolubilidade em pacientes com imunodeficiências, como a síndrome da imunodeficiência humana adquirida e também em imunodeficiências induzidas como em pacientes transplantados e nos que necessitam realizar hemodiálise frequentemente.1

Atualmente existem evidências consistentes de que os agentes biológicos dirigidos contra o fator de necrose tumoral (anti-TNF) representam uma boa opção terapêutica nos pacientes com intensa atividade de doença na espondilite anquilosante.2 Uma vez que os doentes tratados com agentes biológicos têm maior risco de infecções, as medidas adequadas para a prevenção, identificação rápida e tratamento dessas infecções graves devem ser aplicadas.

RELATO DE CASO

Paciente de 33 anos, sexo masculino, que apresentava espondilite anquilosante diagnosticada em 2002 (lombalgia inflamatória, HLA B 27 positivo e sacroiliite bilateral). Inicialmente, foi tratado com meloxican (15 mg/dia) e metotrexato (10 mg/semana) com melhora clínica. Em maio de 2007, houve reagudização da dor lombar, início de dor, edema em joelhos e dificuldade para caminhar. Necessitou de aumento com metotrexato para 20 mg/ semana, porém não obteve resposta clínica. Foram acrescentados sulfassalazina (2.000 mg/dia) e prednisona (10 mg/dia). Como a dor axial e a artrite periférica permaneciam com BASDAI de 7,0, foi indicado o uso de adalimumabe em setembro de 2007. A sulfassalazina foi suspensa. Houve melhora progressiva do quadro doloroso e consequentemente redução gradual da dose dos demais medicamentos. Em abril de 2008, o paciente estava usando adalimumabe (40 mg a cada 2 semanas), metotrexato (10 mg/semana), prednisona (5 mg/dia) e nimesulida (100 mg/ dia) com BASDAI de 2. Em maio de 2008, passou a apresentar diarreia líquida sem sangue, com seis episódios diários acompanhados de náuseas, astenia, febre e emagrecimento. Procurou gastroenterologista, que solicitou ecografia abdominal, a qual foi normal, o teste para HIV foi negativo. O protoparasitológico pelo método de Faust e Hofmann revelou presença de grande quantidade de leveduras, e pelo método de Ziehl Nielsen modificado, a presença de ooscistos de Cryptosporidium. Encaminhado para infectologia, iniciou tratamento para criptosporidiose com nitazoxanide 1.000 mg ao dia durante 14 dias com melhora da diarreia e negativação do exame de fezes. Foi suspenso uso de adalimumabe em razão de criptosporidiose e a um quadro de herpes zóster em tórax que o paciente desenvolveu um mês após o surto diarreico.

DISCUSSÃO

O Cryptosporidium parvum (C parvum) é um protozoário da ordem apicomplexa, ordem eucoccidia e família cryptosporidiidae. Tem como forma infectante oocistos que são eliminados nas fezes do hospedeiro.3 Outros patógenos apicomplexo sincluem o parasita plasmodium (malária) e o toxoplasma (toxoplasmose). O Cryptosporidium é um parasita não específico, ou seja, desenvolve-se satisfatoriamente em vários tipos de hospedeiros, como bovinos, suínos, aves, ratos e também o homem. Apresenta um ciclo monoxêmico, necessitando de somente um hospedeiro para viver.4 A transmissão da doença ocorre, com maior frequência, por água contaminada com oocistos, podendo ser por meio da ingestão da água como fonte hídrica ou em piscinas, parques e banheiras. Outro meio de transmissão importante da criptosporidiose é pela relação sexual, tanto heterossexual quanto homossexual. Esse meio se torna viável por se tratar de uma protozoonose de propagação fecal-oral. Meios de transmissão mais raros, mas não menos importantes, são alimentos como carnes cruas, vegetais crus e mal lavados e leite não pasteurizado; e também por via aérea, responsável pela criptosporidiose do tipo respiratória.3 A gravidade dessa enterite é variável, podendo evoluir de uma forma relativamente oligossintomática, com algumas evacuações semipastosas ao dia, até uma forma tipicamente coleriforme, caracterizada por diarreia aquosa grave (1 a 20 litros por dia), de padrão não piossanguinolento, acompanhada de dores abdominais intensas, emagrecimento acentuado, anorexia e mal-estar. Náuseas, vômitos, síndrome mal absortiva, febre e mialgia também podem estar presentes. Cerca de 10% a 15% dos pacientes podem apresentar quadros de colangite ou colecistite associados. Raramente o Cryptosporidium pode causar pneumonite intersticial semelhante à pneumocistose.5 O período de incubação da criptosporidiose é de 2 a 14 dias.

O diagnóstico deve ser feito pela análise de pelo menos três amostras de fezes ou por identificação do parasita em biópsia intestinal. Várias técnicas de diagnóstico são descritas, como técnicas de concentração, coloração e análise microscópicas, métodos imunológicos e técnicas moleculares. A análise por PCR (polymerase chain reaction) é um método que vem sendo aprimorado com o desvendamento dos genes do C parvum; possui uma alta especificidade e pode detectar pequenas quantidades de parasitas em fezes de humanos e bovinos ou em biópsias de tecidos fixados em parafina. Dentre as colorações, para análises microscópicas, as mais recomendadas são o método de Ziehl-Neelsen modificado (ZNm) e o método do tricômico alcool-ácido-resistente (AFT-acid-fast-trichromic). Apesar de o AFT ter um custo menor, o método ZNm ainda continua a ser o mais indicado, apresentando sensibilidade e especificidade de 100% para C. parvum.6 Uma centena de drogas já foram testadas e usadas no tratamento da criptosporidiose desde a década de 1980, porém sem resposta satisfatória no que concerne ao efeito curativo, tanto clínica quanto parasitológica.7 Existem relatos não sistemáticos de resposta clínica e diminuição de carga parasitária com o uso de macrolídeos (azitromicina, espiramicina e roxitromicina) e paromomicina.8 Em um recente estudo de pacientes com diarreia causada pelo Cryptosporidium, nitazoxanide reduziu significativamente a duração da diarreia e outros sintomas gastrointestinais quando comparada com placebo.9 Os antiespasmódicos, antidiarreicos e antieméticos podem ser prescritos de um modo geral, sugerindo-se ainda hidratação vigorosa, por via oral ou parenteral, quando necessário. O uso de nutrição enteral ou parenteral pode ser indicado nos casos mais graves, geralmente acompanhados de desnutrição importante.

As infecções graves são uma preocupação importante em pacientes com doenças reumáticas e estão entre as mais importantes causas de um aumento da mortalidade em artrite reumatoide e outras doenças reumáticas inflamatórias. A própria doença subjacente, seu grau de atividade, o grau de incapacidade, bem como a presença de comorbidades são fatores de risco independentes em adição ao uso de tratamento com imunossupressor. O TNF desempenha um papel crucial na defesa do organismo contra a invasão bacteriana e viral, nomeadamente pelo recrutamento de neutrófilos, eosinófilos, macrófagos e para os sítios de infecção.10 Todos esses fatores estão estreitamente ligados uns aos outros. Em uma recente meta-análise de nove ensaios clínicos randomizados de infliximabe ou adalimumabe na artrite reumatoide, encontrou-se um risco aumentado de infecções graves nos pacientes sob tratamento, em comparação com placebo.11 Vários relatos de casos descreveram uma associação entre anti-TNF e o desenvolvimento de infecções oportunistas, como por exemplo histoplasmose, listeriose, coccidioidomicose, candidíase, pneumocistose e aspergilose. No entanto, essas infecções são raras.12 Listing et al. compararam as taxas de infecções em doentes tratados com agentes biológicos com as taxas em doentes que receberam tratamento convencional. Em comparação com o grupo-controle, a incidência de infecções graves foi de 2,7 a 2,8 vezes superior nos doentes que receberam agentes biológicos, bem como a incidência de eventos adversos em geral foi de 3,3 a 4,1 vezes superior.13 Este relato de caso alerta para a possibilidade de uma infecção (criptosporidiose) em vigência do uso de terapia biológica, no caso o adalimumabe, que é uma situação raríssima, mas de grande importância clínica.

Recebido em 01/07/2009

Aprovado, após revisão, em 20/04/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

Hospital XV - Curitiba, PR, Brazil

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Fernando Augusto Chiuchetta
    Reumatologia para residência de ortopedia do Hospital da XV
    Rua Alberto Foloni, 1093
    CEP: 80540-000. Curitiba, PR, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2009
    • Aceito
      20 Abr 2010
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