Acessibilidade / Reportar erro

Bloqueio do receptor de leucotrieno CysLT1 em pacientes com fenômeno de Raynaud: evidência capilaroscópica do papel do leucotrieno

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a ação do medicamento inibidor do receptor de leucotrieno CysLT1 (montelucaste) nas alterações vasculares das mãos em pacientes com fenômeno de Raynaud. MÉTODOS: Foram selecionadas pacientes com fenômeno de Raynaud secundário à doença inflamatória do tecido conjuntivo, excluindo tabagismo, hipertensão arterial e diabetes mellitus. As pacientes mantiveram a medicação prévia e iniciaram o uso de montelucaste 10 mg/dia por 60 dias. Foi realizada capilaroscopia periungueal dos dedos das mãos antes do uso da medicação e após 30 e 60 dias. A análise estatística foi feita por meio de porcentagem, média, desvio-padrão e teste exato de Fisher, com intervalo de confiança de 95%. RESULTADOS: Foram estudadas cinco pacientes mulheres, brancas, com fenômeno de Raynaud secundário a doenças do tecido conjuntivo, das quais três apresentavam esclerodermia e duas apresentavam doença mista do tecido conjuntivo. A média de idade foi de 42,4 ± 12,4 anos, e a média de tempo de doença foi de 9,6 ± 4,8 anos. As pacientes estavam em uso de até 20 mg/dia de prednisona (pacientes com doença mista do tecido conjuntivo), nifedipina, pentoxifilina. As medicações foram mantidas. Após o uso de inibidor de receptor de leucotrieno por dois meses, o controle com capilaroscopia ungueal demonstrou diminuição do edema e da palidez e normalização do número, tamanho e distribuição dos capilares. CONCLUSÃO: O uso do montelucaste modificou as alterações capilares observadas na capilaroscopia periungueal de pacientes com fenômeno de Raynaud

doença de Raynaud; antagonistas de leucotrienos; terapêutica; leucotrienos


OBJECTIVE: To assess the effect of the leukotriene receptor inhibitor (montelukast) on vascular alterations in fingers of patients with Raynaud's phenomenon. METHODS: Patients with Raynaud's phenomenon of the hands secondary to inflammatory connective tissue disease were selected, and those with the following characteristics were excluded: smokers, arterial hypertension, and diabetes mellitus. All patients maintained their previous medications and started the use of montelukast, 10 mg/day, for 60 days. Naifold capillaroscopy of fingers was performed before the use of medication and after 30 and 60 days. Statistical analysis was performed with percentage, media, standard deviation, Fisher exact test, with 95% of confidence interval. RESULTS: The study assessed five Caucasian, female patients with Raynaud's phenomenon secondary to inflammatory connective tissue disease (three with scleroderma and two with mixed connective tissue disease), aged 42.4 ± 11.5 years, and with 9.6 ± 4.8 years of disease duration. Patients were on nifedipine and pentoxifylline, and those with mixed connective tissue disease were also on prednisone. The medications were maintained. After using montelukast for two months, nailfold capillaroscopy showed a reduction in edema and pallor, and normalization of capillary number, size, and distribution. CONCLUSION: The use of montelukast modified the capillary abnormalities observed on nailfold capillaroscopy of patients with Raynaud's phenomenon

Raynaud's disease; advanced treatment; leukotriene receptor antagonists; leukotrienes


ARTIGO ORIGINAL

Bloqueio do receptor de leucotrieno CysLT1 em pacientes com fenômeno de Raynaud - evidência capilaroscópica do papel do leucotrieno

Mario Newton Leitão de AzevedoI; Edda Maria T. BernardiniII; Elizabeth F. SallesII; Felipe HeinzmannIII; Frederico MarcondeIII; Tatiana MelloIII; Blanca Elena Rios GomesII

IProfessor-Associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

IIProfessora-Adjunta da Faculdade de Medicina da UFRJ

IIIMédico, Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - HUCFF/UFRJ

Correspondência para Correspondência para: Mario Newton Leitão de Azevedo Av. Lineu de Paula Machado, 850/604 - Lagoa CEP: 22470-040. Rio de Janeiro, RJ, Brasil Email: mnazevedo@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a ação do medicamento inibidor do receptor de leucotrieno CysLT1 (montelucaste) nas alterações vasculares das mãos em pacientes com fenômeno de Raynaud.

MÉTODOS: Foram selecionadas pacientes com fenômeno de Raynaud secundário à doença inflamatória do tecido conjuntivo, excluindo tabagismo, hipertensão arterial e diabetes mellitus. As pacientes mantiveram a medicação prévia e iniciaram o uso de montelucaste 10 mg/dia por 60 dias. Foi realizada capilaroscopia periungueal dos dedos das mãos antes do uso da medicação e após 30 e 60 dias. A análise estatística foi feita por meio de porcentagem, média, desvio-padrão e teste exato de Fisher, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS: Foram estudadas cinco pacientes mulheres, brancas, com fenômeno de Raynaud secundário a doenças do tecido conjuntivo, das quais três apresentavam esclerodermia e duas apresentavam doença mista do tecido conjuntivo. A média de idade foi de 42,4 ± 12,4 anos, e a média de tempo de doença foi de 9,6 ± 4,8 anos. As pacientes estavam em uso de até 20 mg/dia de prednisona (pacientes com doença mista do tecido conjuntivo), nifedipina, pentoxifilina. As medicações foram mantidas. Após o uso de inibidor de receptor de leucotrieno por dois meses, o controle com capilaroscopia ungueal demonstrou diminuição do edema e da palidez e normalização do número, tamanho e distribuição dos capilares.

CONCLUSÃO: O uso do montelucaste modificou as alterações capilares observadas na capilaroscopia periungueal de pacientes com fenômeno de Raynaud.

Palavras-chave: doença de Raynaud, antagonistas de leucotrienos, terapêutica, leucotrienos.

INTRODUÇÃO

Em uma observação episódica sobre o uso de inibidor de receptor de leucotrieno CysLT1 (montelucaste) em uma paciente com asma brônquica secundária ao uso de aspirina e com fenômeno de Raynaud trifásico, observou-se o desaparecimento da doença respiratória e dos sinais e sintomas vasculares e a normalização dos achados capilaroscópicos do leito ungueal das mãos.1

No fenômeno de Raynaud sobressai a anormalidade de regulação vascular, em que se observa espasmo de microcirculação, edema e infiltração celular.2-4 Várias substâncias participam, direta ou indiretamente, do processo de vasoconstrição - os leucotrienos, com participação ativa, agem por meio de receptores e também aderindo às células endoteliais, e são potentes broncoconstritores e vasoconstritores.5

Estabeleceu-se, então, um projeto de pesquisa sobre o uso de montelucaste em pacientes com doença inflamatória do tecido conjuntivo e fenômeno de Raynaud de difícil controle, com exame de capilaroscopia antes e depois do uso da medicação. O objetivo do projeto foi avaliar se o uso de inibidor de leucotrieno, em pacientes com fenômeno de Raynaud, é capaz de modificar a característica anormal do campo capilaroscópico do leito ungueal.

O estudo foi realizado no Serviço de Reumatologia do Hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF-UFRJ, de forma aberta, observacional, não randomizada, prospectiva, em um grupo reduzido de pacientes com fenômeno de Raynaud trifásico e com doença inflamatória sistêmica de origem imunológica. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUCFF-UFRJ. Os pacientes fizeram uso de um comprimido de montelucaste (10 mg) por dia durante dois meses. Essa droga é utilizada no tratamento de asma brônquica e apresenta baixo índice de efeitos colaterais. Os pacientes foram instruídos acerca da medicação e orientados a procurar os pesquisadores, caso necessário. Todos assinaram termo de consentimento esclarecido e encontravam-se em uso de medicamentos para controle das doenças básicas, que não foram suspensos. O requisito essencial para participar da pesquisa era diagnóstico de doença inflamatória do tecido conjuntivo, tratamento por mais de um ano e fenômeno de Raynaud com crises repetidas, de difícil controle.

Os pacientes foram avaliados por capilaroscopia periungueal dos dedos das mãos para a caracterização das alterações capilares encontradas no fenômeno de Raynaud. Os exames foram realizados por dois observadores, com intervalos de 30 dias. Os critérios de melhora pela capilaroscopia foram: diminuição das alterações da forma e da função capilar por meio da avaliação da diminuição da vasoespasticidade reconhecida pela alteração dos ramos capilares; aumento do número de alças por campo estudado; e regressão de edema, forma, coloração do campo, distribuição e tamanho dos capilares.3

Foram incluídas no estudo, de acordo com a ordem de chegada para a consulta médica, pacientes do gênero feminino com fenômeno de Raynaud de difícil controle, independente da doença básica, do tempo de doença e dos medicamentos em uso. Foram excluídas as pacientes tabagistas, com hipertensão arterial e diabetes mellitus. Com relação à terapia, manteve-se a prescrição médica em uso. As pacientes foram encaminhadas para realização de capilarioscopia periungueal, com os cuidados necessários, e novos exames foram marcados para 30 e 60 dias. Iniciou-se o uso de inibidor de montelucaste, 10 mg/dia, além da medicação já em uso. O tempo total de uso da medicação foi de 60 dias, devido à observação inicial do uso do inibidor do receptor de leucotrieno e da melhora na paciente com asma e síndrome vascular. Os resultados foram avaliados levando-se em conta somente a modificação da morfologia dos capilares ao exame capilaroscópico após o uso do inibidor de ação de leucotrieno, e não sendo considerados a evolução clínica, o diagnóstico, o tempo de doença, as medicações em uso e os exames laboratoriais. A análise estatística foi realizada por meio do cálculo da média, desvio-padrão, porcentagem e do teste exato de Fisher. Considerou-se intervalo de confiança de 95%, e significância estatística quando P < 0,05.

O exame capilaroscópico foi realizado por dois pesquisadores em aparelho de capilaroscopia periungueal, Wild M3C, em temperatura ambiente de 25 ºC. Foram avaliadas cinco pacientes, brancas, com média de idade de 42,4 ± 12,4 anos, tempo de doença 9,6 ± 4,8 anos, com fenômeno de Raynaud secundário a esclerodermia sistêmica3 e doença mista do tecido conjuntivo.2 As pacientes faziam uso de medicação vasodilatadora e anti-inflamatória com doses de prednisona de até 20 mg/dia (pacientes com doença mista do tecido conjuntivo), nifedipina até 30 mg/dia e pentoxifilina até 1.200 mg/dia. Nenhuma paciente fazia uso de aspirina ou de medicamento anticoagulante. Todas as pacientes fizeram uso de um comprimido diário de montelucaste durante 60 dias.

DISCUSSÃO

Para a avaliação capilaroscópica do fenômeno de Raynaud, é de extrema importância a caracterização da espasticidade dos capilares por meio de parâmetros como palidez e edema do campo, forma, número e distribuição dos capilares. Sobressai a presença de edema, provocado pelo extravasamento líquido do leito periungueal, que, associado ao espasmo capilar, provoca palidez. No grupo estudado encontra-se um dado importante: significativa presença de palidez do campo capilaroscópico, demonstrando que, apesar da diversidade de doenças, esse parâmetro é quase uma constante, observado em cerca de 80% da amostra. A morfologia capilar está alterada, mas sem diferenças significativas com relação a forma, número, tamanho e distribuição dos vasos, e secundária à dinâmica do processo fisiopatogênico. Com relação aos ramos, observam-se anormalidades mais pronunciadas no tocante à forma e à coloração coloração do ramo aferente. Na amostra estudada, essas alterações capilaroscópicas caracterizam uma alteração funcional dos vasos sanguíneos.

A anormalidade vascular é uma característica dentre os vários processos envolvidos para o desenvolvimento do fenômeno de Raynaud, com alterações na estrutura e na função vascular. Essas alterações provocam lesões capilares e ativam os mastócitos, por meio de macrófagos e células T que, em conjunto com a heparina, comprometem as células endoteliais, causando proliferação do endotélio, edema e instabilidade vascular.2,6 Em mais de 50% dos soros das pacientes com esclerodermia e fenômeno de Raynaud foi encontrada atividade citotóxica endotelial circulante. Um dos principais fatores para o desenvolvimento desse processo é a presença de leucotrieno LTB4 ligado à proteína de baixo peso molecular.7 Dentre as ações patogênicas dos leucotrienos, ressalta-se a potente ação vasoconstritora e broncoconstritora, com estimulação da citotoxicidade endotelial e efeito mitogênico.8

Para a intervenção na via dos leucotrienos encontram-se em uso, atualmente, os antagonistas de receptores celulares de leucotrienos, que são eficientes para o bloqueio da constrição brônquica induzida especificamente pelos leucotrienos, e diminuem, após 48 horas, o número de basófilos e linfócitos no lavado broncoalveolar, assim como a concentração de histamina, mas sem ação sobre eosinófilos e macrófagos.9,10 Com base nessas evidências, levantou-se a hipótese de que esse tipo de substância poderia influenciar beneficamente sobre o processo de instabilidade vascular encontrado no fenômeno de Raynaud.

Os resultados do monitoramento capilaroscópico (Tabela 1) demonstraram que o uso do inibidor de receptor de leucotrieno foi significativamente eficiente na diminuição da palidez do campo observado, o que pode ser explicado por melhor fluxo capilar, diminuição da espasticidade e redução do edema. Observou-se também a normalização significativa de número, tamanho e distribuição dos capilares no leito ungueal sem, no entanto, influenciar significativamente na forma. O início das melhoras ocorreu antes de 30 dias de uso da medicação em estudo. No tocante às doenças básicas, não se evidenciou diferença entre as mesmas, nem o desenvolvimento de efeitos colaterais.

Em conclusão, o uso de inibidor de receptor de leucotrieno foi capaz de modificar as características capilaroscópicas do leito ungueal de pacientes com fenômeno de Raynaud, e esse achado caracteriza a participação desse prostanoide na fisiopatogenia da síndrome. Por outro lado, como pode haver presença de fenômeno de Raynaud em outros órgãos, existe a possibilidade da melhoria clínica de forma sistêmica, havendo necessidade, porém, de estudos futuros direcionados e randomizados.

Recebido em 22/02/2011.

Aprovado, após revisão, em 02/11/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses.

Comitê de Ética: HUCFF-UFRJ, nº 032/99.

Serviço de Reumatologia do Hospital Clementino Fraga Filho e Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF/UFRJ.

  • 1
    Azevedo MNL, Bernardini E, Tuma MF. Inibidor do receptor de leucotrieno sobre as alças capilares no fenômeno de Raynaud - Avaliação capilaroscópica. Rev Bras Reumatol 2000;40(Supl 1):S39.
  • 2
    Kahaleh MB. Vascular disease in scleroderma. Endothelial T lymphocyte-fibroblast interactions. Rheum Dis Clin North Am 1990;16(1):53-7.
  • 3
    Claman HN. Mast cells and fibrosis. The relevance to scleroderma. Rheum Dis Clin North Am 1990;16(1):141-8.
  • 4
    Contatore FP, Corrado A, Covelli M, Lapadula G. Morphologic study of microcirculation in connective tissue disease. Ann Ital Med Int 2000;15(4):273-81.
  • 5
    Drazen JM. Pharmacology of leukotriene receptor antagonists and 5-lipoxygenase inhibitors in management of asthma. Pharmacotherapy 1997;17(1 Pt 2):22S-30S.
  • 6
    Kallenberg CG. Early detection of connective tissue disease in patients with Raynaud's phenomenon. Rheum Dis Clin North Am 1990;16(1):11-30.
  • 7
    Henderson WR Jr. The role of leukotrienes in inflammation. Ann Intern Med 1994;121(9):684-97.
  • 8
    Sampson AP. The leukotrienes: mediators of chronic inflammation in asthma. Clin Exp Allergy 1996;26(9):995-1004.
  • 9
    Sampson AP, Holgate ST. Modifiers of leukotrienes in treatment of asthma. London: Marin Dunitz; 1999, p.34-49.
  • 10
    Kalliner M. Mast cells mediators and asthma. In: Herzog H. Perruchoud progress in respiration research asthma and bronchial hyperreactivity S. Karger, Brussels, Switerzland; 1985, p.72-81.
  • Correspondência para:

    Mario Newton Leitão de Azevedo
    Av. Lineu de Paula Machado, 850/604 - Lagoa
    CEP: 22470-040. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2011
    • Aceito
      02 Nov 2011
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br