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Revisão sistemática da indução de autoanticorpos e lúpus eritematoso pelo infliximabe

Resumos

Nesta revisão sistemática abordamos a indução de autoanticorpos e lúpus eritematoso pelo infliximabe, analisando estudos que dosaram vários autoanticorpos antes e após o uso do infliximabe em diversas doenças (artrite reumatoide, espondilite anquilosante, artrite psoriásica e doença de Crohn). Nossa busca foi realizada em nove bases de dados (Pub-Med, ScienceDirect, Scopus, Web of Knowledge, Scirus, Cochrane, EMBASE, Scielo e LILACS). Foram encontradas 998 referências; 24 artigos foram separados na íntegra, dos quais 10 foram excluídos por não entrarem em nossos critérios de seleção. A escolha dos artigos foi realizada por dois revisores, e as divergências foram resolvidas por um terceiro revisor. Incluímos estudos de fase IV, com no mínimo três meses de duração. No total foram estudados 760 pacientes; o fator antinuclear, o anticorpo anti-DNA de dupla hélice e os antígenos extraídos pela salina foram os mais verificados. De todos os pacientes, apenas 10 (1,3%) apresentaram manifestações clínico-laboratoriais de lúpus induzido por infliximabe.

Infliximabe; Terapia biológica; Autoanticorpos


The present systematic review aims to discuss infliximab-induced autoantibodies and subsequent onset of systemic lupus erythematosus (SLE) through the analyses of primary reports measuring autoantibodies both before and after the administration of infliximab for the treatment of several diseases - e.g., rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis, psoriatic arthritis, and Crohn's disease. Our literature search was performed in nine databases - PubMed, Science Direct, Scopus, Web of Knowledge, Scirus, Cochrane, EMBASE, Scielo and LILACS, and the search query retrieved 998 primary reports, from which 24 articles were selected and further narrowed down to 14, based on our inclusion criteria. Two independent reviewers performed the article selection and a third reviewer solved discrepancies. Our inclusion criteria comprised primary reports of phase IV clinical trials with duration of at least three months. In total, 760 patients were evaluated and the most prevalent assays performed in the studies were anti-nuclear antibodies (ANA), anti-double stranded DNA antibodies (anti-dsDNA), and antibodies to saline-extracted antigens (ENA panel). Of all patients evaluated, 10 (1.3%) showed clinical signs and laboratorial evidence of infliximabinduced SLE.

Infliximab; Biologic therapy; Autoantibodies


ARTIGO DE REVISÃO

Revisão sistemática da indução de autoanticorpos e lúpus eritematoso pelo infliximabe* * Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

João Luiz Pereira VazI,II,** ** Autor para correspondência. E-mail: drjoaovaz@gmail.com (J.L.P. Vaz). ; Carlos Augusto Ferreira AndradeIII; Alessandra Cardoso PereiraI,IV; Maria de Fátima M. MartinsV; Roger Abramino LevyI

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIInsituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVUniversidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VInstituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Nesta revisão sistemática abordamos a indução de autoanticorpos e lúpus eritematoso pelo infliximabe, analisando estudos que dosaram vários autoanticorpos antes e após o uso do infliximabe em diversas doenças (artrite reumatoide, espondilite anquilosante, artrite psoriásica e doença de Crohn). Nossa busca foi realizada em nove bases de dados (Pub-Med, ScienceDirect, Scopus, Web of Knowledge, Scirus, Cochrane, EMBASE, Scielo e LILACS). Foram encontradas 998 referências; 24 artigos foram separados na íntegra, dos quais 10 foram excluídos por não entrarem em nossos critérios de seleção. A escolha dos artigos foi realizada por dois revisores, e as divergências foram resolvidas por um terceiro revisor. Incluímos estudos de fase IV, com no mínimo três meses de duração. No total foram estudados 760 pacientes; o fator antinuclear, o anticorpo anti-DNA de dupla hélice e os antígenos extraídos pela salina foram os mais verificados. De todos os pacientes, apenas 10 (1,3%) apresentaram manifestações clínico-laboratoriais de lúpus induzido por infliximabe.

Palavras-chave: Infliximabe; Terapia biológica; Autoanticorpos

Introdução

O advento da terapia biológica mudou o perfil do tratamento das doenças autoimunes. No entanto, apesar de mais de uma década de utilização dos agentes antifator de necrose tumoral (anti-TNF), ainda restam muitas dúvidas, e uma das mais importantes recai sobre a relação entre a indução de autoanticorpos e determinadas enfermidades como o lúpus induzido por drogas (LID). Neste trabalho, realizamos uma revisão sistemática sobre o papel do infliximabe como indutor de autoanticorpos, mostrando o que já se publicou a este respeito.

Com relação à resposta imune, após a estimulação antigênica, conforme o ambiente local de citocinas, os linfócitos T CD4+ naïve proliferam-se e diferenciam-se em diferentes subtipos efetores com características próprias (Th1, Th2, Th3, Treg, Th17), determinadas pelo perfil de citocinas produzidas e pelas propriedades funcionais. Dessa forma, as citocinas do perfil Th1 ou Th2 direcionam o desenvolvimento de sua respectiva via, inibindo a expressão do padrão oposto. Assim, uma vez polarizada a resposta imune para o padrão Th1, a via Th2 será inibida, e vice-versa.1 Como os agentes anti-TNF inibem a resposta Th1, poderia ocorrer um aumento no aparecimento de fenômenos de autoimunidade de perfil Th2, como no lúpus eritematoso sistêmico (LES). Entretanto, a ocorrência de LES tem sido relatada de forma esporádica, apesar de a produção de fatores antinucleares e autoanticorpos ser bem mais frequente.2-4 Cabe ressaltar a dificuldade de comprovação de LID por uma determinada medicação, pois para isso os sintomas devem melhorar com a interrupção do uso da mesma (dias a semanas após suspensão) e reaparecer ou reagravar a doença ao reiniciá-la. No entanto, na prática clínica é difícil procedermos dessa forma. Além disso, o medicamento deve estar sendo empregado pelo menos por um mês, mas talvez esses dados não se apliquem a agentes biológicos.5

Quando falamos em LID, devemos lembrar que os sintomas são um pouco diferentes daqueles apresentados no LES, sendo mais comuns as artralgias, as mialgias, a febre, o mal-estar e as serosites, e raras as lesões renais e alterações neurológicas. As manifestações cutâneas clássicas do LES como rash malar e lesões discoides são incomuns no LID, sendo as lesões inespecíficas (eritema nodoso e púrpura) mais frequentes neste caso. No entanto, no lúpus induzido pelos anti-TNF, sobretudo pelo infliximabe, podem ser observadas lesões clássicas como o rash malar e o lúpus discoide.6 Do ponto de vista laboratorial, encontramos comumente fator antinuclear (FAN) reator, leucopenia, trombocitopenia, anemia e anticorpo anti-histona. Esse último, na realidade, é inespecífico, pois pode também ser observado no LES.7 Os achados laboratoriais podem demorar alguns meses após a suspensão da medicação para desaparecer.8

Apesar de a terapia anti-TNF favorecer o aparecimento de autoanticorpos, as complicações autoimunes clínicas são excepcionais.9 Em relação à produção de autoanticorpos pelos agentes anti-TNF, alguns mecanismos são propostos: a) como

o anti-TNF reduz as proteínas de fase aguda e a fagocitose dos restos celulares apoptóticos, a persistência dos restos nucleares seria imunogênica e levaria à indução da síntese de autoanticorpos;10 e b) os anti-TNF poderiam induzir a apoptose das células produtoras de TNF e inibir o clearence desses restos celulares apoptóticos que, por sua vez, seriam imunogênicos e levariam à indução da síntese de autoanticorpos.11 Neste trabalho optamos por utilizar apenas o infliximabe, que é um agente anti-TNF quimérico, contendo, portanto, uma porção murina imunogênica - os outros agentes biológicos dessa classe são humanos, apresentando menor chance de induzir fenômenos de origem autoimune.

Métodos

Esta revisão sistemática foi realizada de acordo com a diretriz PRISMA (Preferred Reporting Itens for Systematic Reviews and Meta-Analyses).12

Bancos de dados e estratégias de pesquisa

A busca foi realizada em nove bases de dados (PubMed, ScienceDirect, Scopus, Web of Knowledge, Scirus, Cochrane, EMBASE, SciELO e LILACS), incluindo a chamada literatura cinza (Scirus). Não foram feitas restrições de idiomas. Foram avaliados todos os artigos encontrados até janeiro de 2012. Elaborou-se com o auxílio de uma bibliotecária com experiência em revisões sistemáticas a seguinte estratégia de pesquisa na base PubMed : #2 Search infliximab; #4 Search ("autoantibodies"[MeSH Terms]) OR "autoimmune diseases"[MeSH Terms]) OR "autoimmunity"[MeSH Terms]08:21:05359160; #7 Search ("arthritis, psoriatic/drug therapy"[MeSH Terms]) OR "psoriasis/drug therapy"[MeSH Terms]) OR "spondylitis, ankylosing/drug therapy"[MeSH Terms]) OR "crohn disease/drug therapy"[MeSH Terms]) OR "proctocolitis/drug therapy"[MeSH Terms]) AND "arthritis, rheumatoid/drug therapy"[MeSH Terms]08:24:33805. Nas outras bases de dados foram utilizadas estratégias equivalentes.

O banco de dados da busca eletrônica foi criado com o auxílio do programa Webendnote. Citações duplicadas foram excluídas. Títulos e resumos relevantes foram selecionados por dois revisores (Vaz JLP, Pereira AC), e as divergências foram resolvidas por um consenso ou por um terceiro revisor (Andrade CAF), quando necessário.

Critérios de seleção e extração de dados

Foram selecionados apenas artigos referentes a ensaios clínicos e estudos de coortes com dosagem de autoanticorpos antes e depois do uso do infliximabe, sendo excluídos os relatos de caso e artigos de revisão. Foram aceitos somente estudos com duração mínima de três meses, tendo sido o infliximabe o primeiro agente biológico usado e os pacientes deveriam ser adultos maiores de 18 anos. Excluímos artigos nos quais houvesse pacientes com diagnóstico de mais de uma doença autoimune. Dentre as doenças, selecionamos a artrite reumatoide (AR), a espondilite anquilosante (EA), a artrite psoriásica (AP), a psoríase, a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Essas doenças foram escolhidas porqueo infliximabe, em adultos, pode ser usado em qualquer uma dessas enfermidades.

Optamos por comparar somente a variabilidade dos autoanticorpos (antes e após uso do infliximabe), independentemente das titulações. Foram aceitos estudos com os seguintes autoanticorpos/métodos: FAN por imunofluorescência indireta em células HEp-2 (independente do corte); anticardiolipina (aCL) pelo método ELISA; anti-DNA de dupla hélice ou nativo (anti-DNAn) por imunofluorescência indireta utilizando como substrato Crithidia lucilae e outros autoanticorpos [antígenos extraídos pela salina (anti-ENA total), anti-histona, anti-DNA de hélice simples (anti-DNAss), anti-Ro, anti-La, anti-Sm, antirribonucleoproteína (anti-RNP), antitopoisomerase (anti-SCL70), antimitocôndria, antitireoide, anticitoplasma dos neutrófilos (ANCA), antinucleossomo, antifilagrina, antimicrossomal fígado-rim (anti-LKM) e antiadrenal]. Foram excluídos desta avaliação os artigos que verificaram somente o fator reumatoide e o antipeptídio citrulinado cíclico (ACPA).

Resultados

Foram encontrados 998 artigos, sendo selecionados inicialmente 79 resumos e, posteriormente, 24 artigos na íntegra. A exclusão dos 919 resumos se deu porque, apesar de terem sido recuperados pela busca eletrônica, não preenchiam os critério de inclusão (fig. 1). Em que pese as meticulosas buscas de referências cruzadas nos artigos selecionados, não foi obtido nenhum artigo adicional. Foram estudados 760 pacientes no total, sendo avaliados artigos dos seguintes países: Bélgica, Canadá, França, Israel, Itália e Suécia (tabela 1).


Em quase todos os estudos escolhidos nesta revisão sistemática foi avaliado o FAN (tabela 1). O total de pacientes com avaliação do FAN foi de 695, dos quais 199 (28,6%) apresentavam FAN reator antes do uso de infliximabe. Após o uso da medicação (em média após seis meses, pois somente um estudo teve duração máxima de três meses), o total de pacientes com FAN reator era de 469 (67,5%), isto é, houve uma variação de 38,9% de pacientes reatores antes e após o infliximabe (tabela 2).

Quanto ao anti-DNAds, dois estudos não o avaliaram separadamente (tabela 1). Dessa forma, o total de casos avaliados foi de 669. No início, antes do infliximabe, somente oito (1,2%) pacientes eram reatores. Após o tratamento, 117 (17,5%) casos foram reatores, com uma variação de 16,2% (tabela 2).

Quanto ao anti-DNAss, apenas dois estudos pesquisaram este anticorpo. Vermeire et al.,26 encontraram o anti-DNAss em cerca de 14% (17 em um total de 125) dos doentes após uso do infliximabe por 12 meses. Comby et al.16 mostraram que após seis meses de uso de infliximabe houve um aumento de 12% no número de pacientes com altos títulos de anti-DNAss.

Os estudos que avaliaram o anti-ENA total (tabela 1) não apresentaram nenhum caso antes ou após o tratamento (tabela 2). Nos quatro estudos (tabela 1) que analisaram os anti-ENA separadamente, encontraram o total de 208 casos, tendo o anti-Ro variado de quatro (1,9%) para cinco (2,4%) casos, antes e após o infliximabe, respectivamente. Quanto ao anti-RNP havia somente um (0,6%) caso antes do infliximabe e 12 (7,3%) casos após a medicação, variando em 6,7% (n = 165). Antes da medicação havia dois (1,2%) casos com anti-La reator, e após a medicação esse número aumentou somente para três casos (1,8%), variando em 0,6% (n = 165). Apenas um (0,7%) caso era reator contra o anti-Sm (n = 139), permanecendo assim após o tratamento.

Seis estudos (tabela 1) avaliaram o aCL em um total de 222 pacientes. Antes do tratamento, 21 (9,5%) casos eram reatores, porém ao final do tratamento 49 (22%) dos casos reagiram, tendo uma variação de 12,5% (tabela 2). Não houve nenhum caso de anti-β2GP1 antes do uso do infliximabe (n = 74, em dois estudos), mas após o uso da medicação a variação foi de 6,5% (sete casos) (tabela 2).

Quanto ao anti-histona, foi avaliado por seis estudos (tabela 1), num total de 388 casos. Antes do biológico, 48 (12%) casos eram reatores, mas após a medicação 116 (30%) casos foram reatores, numa variação de 18% (tabela 2). No estudo de Vermeire et al.,26 nenhum paciente apresentava o anticorpo anti-histona antes. Após o uso de infliximabe por 24 meses, 1,6% dos casos (dois em um total de 125) aumentaram seus títulos e desenvolveram lúpus induzido pelo infliximabe (LII) (além da presença do anticorpo anti-histona, também houve elevação dos títulos do FAN e do anti-DNAds). Em 2004, Alanore et al.13 avaliaram separadamente os isotipos IgM e IgG, mostrando que, após o uso da medicação, o isotipo IgM aumentou significativamente após 6 semanas, mas sem significado clínico.

O anticorpo antinucleossomo foi avaliado por dois estudos (tabela 1), com um total de 147 casos, nos quais 9 (6,1%) eram reatores antes da medicação e 22 (26%) foram reatores após o uso do infliximabe (tabela 2), mas sem significado clínico.

O anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) foi avaliado em três estudos (n = 108) (tabela 1). Antes do infliximabe, não houve casos de ANCA reator, tendo uma variação de 6,5% (sete casos) após o biológico (tabela 2). Em nenhum caso houve correlação com vasculite. Eriksson et al. 19 avaliaram separadamente o anti-proteinase 3 e o antimieloperoxidase, mas não houve reatividade em nenhum caso antes ou após o uso do infliximabe.

Quatro estudos avaliaram ainda outros autoanticorpos, a saber: antimitocôndria, antimúsculo liso, antifilagrina, anti-LKM, antiperoxidade tireoidiana, antitireoglobulina e antiadrenal. Em nenhum dos estudos houve variação significativa desses anticorpos.

Dos 760 casos avaliados em todos os estudos, somente houve relato de 10 (1,3%) pacientes com provável LII (tabela 3).

Discussão

Esta revisão sistemática mostra informações sobre a indução de autoanticorpos e lúpus eritematoso pelo infliximabe. A maior dificuldade encontrada em correlacionar os autoanticorpos é a falta de uma padronização, uma vez que cada estudo usou métodos diferentes. Quando o método usado era o mesmo, os kits dos autoanticorpos ou o corte do FAN eram diferentes, impedindo uma comparação fidedigna.

Em nossa busca, incluímos somente estudos de fase IV, de 2003 a 2006 (estudos de anos anteriores foram excluídos por não preencherem os parâmetros usados nesta revisão sistemática) (fig. 1). Viana et al.,27 em 2010, realizaram um estudo em pacientes com artrite psoriásica mostrando que a terapia anti-TNF induziu alterações no FAN em 1/3 dos doentes (n = 23), e a maioria dos autoanticorpos avaliados (anti-DNAn, an-ti-Ro, anti-La, aCL, anti-histona e fator reumatoide) não reagiu após a terapia biológica. O estudo foi muito bem-conduzido, mas não pudemos incluí-lo nesta revisão pois os biológicos foram avaliados em conjunto (infliximabe, adalimumabe e etanercepte), não sendo relatados os resultados somente dos pacientes que usaram infliximabe (fig. 1), apesar de serem a maioria (19 dos 23 pacientes). O estudo mais recente visto em nossa busca foi o de Hoffmann et al.,28 de 2011, a respeito do uso de infliximabe em psoríase. No entanto, ele também não pode ser incluído nesta revisão, pois alguns doentes já haviam utilizado outros medicamentos biológicos antes do infliximabe (fig. 1), mas não foram separados do grupo total, assim não pudemos usar os dados em nossos cálculos.

A fim de calcularmos o percentual de autoanticorpos encontrados, para os estudos que dosaram diversas vezes os anticorpos ao longo de cada visita, utilizamos, por exemplo, como resultado final o período no qual os anticorpos foram mais reatores, ou então, no caso de perda de pacientes, utilizamos o período em que havia mais pacientes.

Escolhemos estudos de ao menos três meses de duração, pois há relatos de este ser o tempo mínimo para a indução de autoanticorpos pelo infliximabe.18,22 No entanto, Nancey et al.24 mostraram que já houve indução persistente de FAN e anti-DNAds mesmo após a segunda infusão do medicamento.

Nesta revisão sistemática verificamos que os autoanticorpos mais comumente avaliados nos estudos foram o FAN, o anti-DNAds, o anti-ENA total e o anti-histona. Na realidade, vários estudos preferiram avaliar o anti-ENA total e, caso fosse reator em algum doente, os autoanticorpos seriam avaliados separadamente. Porém, como observamos em nosso estudo que nenhum paciente reagiu com o anti-ENA (n = 351) (tabela 2), o número de pacientes que dosaram esses autoanticorpos extraíveis pela salina foi menor do que os outros autoanticorpos.

O autoanticorpo relacionado com a síndrome do anticorpo antifosfolipideo (aCL) foi descrito em 222 pacientes, mas não houve significado clínico (nenhum doente apresentou episódio trombótico). Não houve nenhum caso de anti-β2GP1 antes do uso do infliximabe (n = 74, em dois estudos), mas após o uso da medicação a variação foi de 6,5% (sete casos) (tabela 2), também sem eventos trombóticos. No estudo de Bobbio-Palaviccini et al.,29 foi demonstrado um aumento significativo do anti-β2GP1 após o uso do infliximabe por 1-2 anos, o que não aconteceu com os outros agentes anti-TNF testados (etanercepte e adalimumabe). No entanto, também não houve relação com manifestações clínicas.

Quanto ao desenvolvimento de doenças autoimunes, mesmo para os estudos que tiveram aumento significativo de FAN e outros autoanticorpos comparando-se antes e após o infliximabe, não houve indução de nenhuma enfermidade, exceto aqueles 10 casos de LII. Nesses pacientes, os anticorpos mais comumente encontrados foram o FAN, o anti-DNAds e o anti-histona, conforme tem sido demonstrado pelos diversos relatos da literatura.30-32 Os achados clínicos mais comuns foram artralgia e mialgia, de acordo com vários relatos de caso desse tema. Somente um doente apresentou serosite.

Não houve relação da indução de autoanticorpos com a doença de base, pois nesta revisão os estudos avaliaram pacientes com diversas doenças autoimunes e inflamatórias (AR, EA, AP, Chron), gerando vários autoanticorpos, independente da doença em questão. Porém, o não desenvolvimento de outras doenças sugere que se trata somente de um epifenômeno e, na maioria das vezes, esses autoanticorpos não devem ser patogênicos. Talvez se usássemos metodologias que avaliam anticorpos mais patogênicos, como o caso do uso de aparelhos multiplex, o resultado poderia ser bem diferente. Isto é, acreditamos que somente encontraríamos autoanticorpos em poucos casos.

Recebido em 20 de abril de 2012

Aceito em 14 de agosto de 2012

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    Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • **
    Autor para correspondência. E-mail:
    drjoaovaz@gmail.com (J.L.P. Vaz).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Abr 2012
    • Aceito
      14 Ago 2012
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