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A verdadeira riqueza do homem

EDITORIAL

A verdadeira riqueza do homem

Bertoldo Kruse Grande de Arruda

Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco e do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP)

Na visão de analistas sociais, em virtude de vivermos na nova civilização tecnológica, cuja configuração mais visível é denominada globalização, e em face dos progressos que vêm ocorrendo no âmbito da medicina, da biologia, da embriologia, da informática e da farmacologia, para citar os campos mais promissores, o século XXI será provavelmente o "século da vida". Todavia, vivemos num ambiente de incertezas e aceleradas transformações, que exige a disposição de aprender a reflexionar, a duvidar, a saber questionar e a adaptar-se com a maior rapidez possível, num ambiente em que a criatividade e a inovação assumem papel relevante, mormente quando relacionadas com a vida e com os problemas sociais. Implica reconhecer que o caráter estável do conhecimento inexiste e nos desafia a construir uma moldura normativa abrangente, que tenha apoio nos três pilares apontados no informe mundial de 2005 da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), como sustentáculos de uma autêntica sociedade do conhecimento: maior valorização dos conhecimentos existentes; enfoque mais participativo ao acesso ao conhecimento; melhor integração das políticas de conhecimento.

Daí a importância de visualizar a educação como uma construção contínua da pessoa, dos seus saberes e aptidões, de sua capacidade de discernir e de agir. Tendo sempre presente que o processo saúde/doença não pode ser analisado fora de uma moldura social, circunstância que obriga uma adequada aproximação com os saberes da saúde coletiva e no Sistema Único de Saúde (SUS) é onde os profissionais de saúde estarão, prioritariamente, desempenhando suas funções e poderão contribuir para que esse sistema corresponda ao conceito abrangente de saúde, como expressão da qualidade de vida. Indiscutivelmente, o mundo em que vivemos está passando por uma grande crise e reclama um humanismo compatível com a tecnociência contemporânea. Para isso é preciso cultivar valores que nos levem a ouvir os apelos mais profundos do coração humano, que contemplem várias dimensões da nossa existência, tais como a fé, o amor, a espiritualidade, a esperança e a solidariedade.

A I Conferência Fernando Figueira ocorreu no ano 2000, marcando a abertura ao ano letivo do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), com o propósito fundamental de revalorizar o pensamento humanístico, de incentivar a inquietação criadora e proporcionar momentos de renovação científico cultural, a fim de situar o Instituto à altura dos novos desafios, auxiliando a eleger as rotas para escapar das ciladas das inovações. Assim, objetivava-se promover, concreta e corretamente, o encontro do saber científico com a realidade dos que sofrem, com vistas à redução das desigualdades sociais. Os eventos prosseguiram nos anos seguintes e a terceira Conferência deste ano realizada no dia 03 de setembro, cumprindo a agenda do cinquentenário do IMIP, enfocou o tema "Causas da aceleração do declínio da desnutrição infantil no Nordeste do Brasil (1986-1996-2006)", sendo conferencista o professor Carlos Augusto Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Inegavelmente, as comemorações dos 50 anos do IMIP revelam uma instituição que está comprometida com a tarefa de reconfigurar o desenvolvimento humano, inserindo o campo da saúde no contexto de novos paradigmas, novos valores éticos, novas esperanças e novos compromissos, com plena consciência de que os princípios do SUS devem ser efetivamente implantados. Daí a realização de eventos, a exemplo das Conferências Fernando Figueira, em torno de temáticas que comportam abordagens diversas, sob diferentes enfoques, na perspectiva da necessidade de um constante reflexionar para originar ideias e uma produção científica cujos resultados possam gerar riquezas para o país. Igualmente outras iniciativas científico culturais têm sido implementadas ao longo desses anos, como a criação da pioneira "Revista do IMIP" continuada, após 14 anos de publicação ininterrupta, pela Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil desde 2001. Esta, inserida na área da saúde materna e da criança, tornouse um veículo de referência para o Brasil e para outros países da América Latina, estando indexada em 11 bases bibliográficas internacionais. Isso demonstra a maturidade do IMIP para visualizar, inclusive na sua prática, a contribuição que possa produzir conhecimento novo, implicando não menosprezar o passado e as memórias resultantes dele, nem o futuro e suas infinitas possibilidades, e induz acreditar no conhecimento como meio de transformação social, tornando-se sensível às necessidades dos menos favorecidos.

Portanto, requer não olvidar a análise histórica de experiências similares, quer nacionais, quer estrangeiras, na crença da afirmativa do filósofo Nietzsche de que "as maiores ideias são os maiores eventos". Outros sim, vale considerar atualmente a velocidade com a qual o tempo e as atividades que o preenchem, correm e não mais caminham; e que o espaço não deve ser visto simplesmente como o palco onde acontecem as ações humanas, igualmente como uma construção humana, sem predomínio individual e sim coletivo, sendo parte indispensável das relações sociais e incorporando significados que se modificam ao longo do tempo. Essa, a nosso ver, é a tarefa mais desafiadora nesses novos tempos - reconfigurar o desenvolvimento humano. E registra Roberto Rodrigues (Sorte e felicidade. Folha de São Paulo de 28/08/2010, p.B14) um fato auspicioso: "A ONU já vem discutindo o índice de valores humanos (IVH) em que, com base em educação, saúde e trabalho, são avaliadas as expectativas, os sonhos, as aspirações e as percepções da sociedade, orientando até possíveis políticas públicas. Isso já é mais do que o índice de desenvolvimento humano (IDH), que marca somente educação, saúde e longevidade". Por certo, essa iniciativa suscita recordar uma das mais belas e significativas lições de Fernando Figueira: "A verdadeira riqueza do homem é o bem que ele faz aos seus semelhantes".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010
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