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Análise da continuidade da assistência à saúde de adolescentes portadores de diabetes

Analysis of the continuity of health care provided to diabetic adolescents

Resumos

OBJETIVOS: analisar a continuidade assistencial de adolescentes diabéticos nos serviços de saúde em Recife, na perspectiva de pacientes e profissionais envolvidos no cuidado. MÉTODOS: estudo qualitativo-descritivo. Realizaram-se 27 entrevistas entre mães de adolescentes e profissionais de saúde dos diferentes níveis de complexidade. Os dados foram analisados através da técnica de análise narrativa de conteúdo. RESULTADOS: na continuidade da gestão, os informantes consideram coerentes os objetivos e o tratamento realizado entre profissionais dos serviços especializados, embora não mencionassem a utilização de planos de cuidados ou protocolos. Na continuidade da informação, alguns entrevistados referiram haver comunicação entre profissionais especialistas, porém, inexiste comunicação entre profissionais da atenção básica. Como principais barreiras para a transfe-rência de informações estão a grande demanda dos serviços e a demora na entrega dos resultados. Finalmente, na continuidade da relação, todas as mães mencionaram a importância e a existência do vínculo e da confiança entre os profissionais e usuários, identificando como responsáveis pela assistência ao adolescente os profissionais especia-listas. CONCLUSÕES: a continuidade assistencial é mais percebida nos serviços de média e alta complexidade. Esses achados podem estar relacionados à qualificação dos profissionais e melhor infra-estrutura dos serviços especializados, indicando a necessidade de ampliar os investimentos na atenção básica como coordenadora da assistência.

Continuidade da assistência ao paciente; Adolescente; Diabetes mellitus


OBJECTIVES: to analyze the continuity of care for diabetic adolescents in health services in Recife, from the perspective of patients and professionals involved with the care. METHODS: a descriptive qualitative study. 27 interviews were conducted with the mothers of adolescents and a variety of health professionals responsible for different levels of care. The data was reviewed through narrative content analysis. RESULTS: in terms of health care administration, the interviewees understood the goals and treatments of the specialized health care professionals involved, however they were not informed of general treatment plans or protocols. Concerning the information provided, some interviewees reported communicating directly with health care specialists; however, there was no communication with those responsible for primary care. The great demand for service and long wait times for the delivery of results are among the main barriers to the dissemination of information. Finally, concerning the relationship, all the mothers maintained that they trusted and shared an important bond with the health care professionals. CONCLUSIONS: the continuity of care is perceived to be greater in medium to highly complex health care services. These findings may be related to the qualifications of the professionals and better infrastructure of specialized services, indicating the necessity of increasing the investment in primary care and its coordination.

Continuity of patient care; Adolescent; Diabetes mellitus


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Análise da continuidade da assistência à saúde de adolescentes portadores de diabetes

Analysis of the continuity of health care provided to diabetic adolescents

Ederline Suelly Vanini de BritoI; Regina Célia de OliveiraII; Maria Rejane Ferreira da SilvaIII

IMestrado em Hebiatria. Faculdade de Odontologia. Universidade de Pernambuco. Av. General Newton Cavalcante, 1650. Camaragibe, PE, Brasil. CEP: 54753-020. E-mail: ederline_vanini@yahoo.com.br

IIFaculdade de Enfermagem. Universidade de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

IIICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães. Fundação Oswaldo Cruz. Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: analisar a continuidade assistencial de adolescentes diabéticos nos serviços de saúde em Recife, na perspectiva de pacientes e profissionais envolvidos no cuidado.

MÉTODOS: estudo qualitativo-descritivo. Realizaram-se 27 entrevistas entre mães de adolescentes e profissionais de saúde dos diferentes níveis de complexidade. Os dados foram analisados através da técnica de análise narrativa de conteúdo.

RESULTADOS: na continuidade da gestão, os informantes consideram coerentes os objetivos e o tratamento realizado entre profissionais dos serviços especializados, embora não mencionassem a utilização de planos de cuidados ou protocolos. Na continuidade da informação, alguns entrevistados referiram haver comunicação entre profissionais especialistas, porém, inexiste comunicação entre profissionais da atenção básica. Como principais barreiras para a transfe-rência de informações estão a grande demanda dos serviços e a demora na entrega dos resultados. Finalmente, na continuidade da relação, todas as mães mencionaram a importância e a existência do vínculo e da confiança entre os profissionais e usuários, identificando como responsáveis pela assistência ao adolescente os profissionais especia-listas.

CONCLUSÕES: a continuidade assistencial é mais percebida nos serviços de média e alta complexidade. Esses achados podem estar relacionados à qualificação dos profissionais e melhor infra-estrutura dos serviços especializados, indicando a necessidade de ampliar os investimentos na atenção básica como coordenadora da assistência.

Palavras-chave: Continuidade da assistência ao paciente, Adolescente, Diabetes mellitus

ABSTRACT

OBJECTIVES: to analyze the continuity of care for diabetic adolescents in health services in Recife, from the perspective of patients and professionals involved with the care.

METHODS: a descriptive qualitative study. 27 interviews were conducted with the mothers of adolescents and a variety of health professionals responsible for different levels of care. The data was reviewed through narrative content analysis.

RESULTS: in terms of health care administration, the interviewees understood the goals and treatments of the specialized health care professionals involved, however they were not informed of general treatment plans or protocols. Concerning the information provided, some interviewees reported communicating directly with health care specialists; however, there was no communication with those responsible for primary care. The great demand for service and long wait times for the delivery of results are among the main barriers to the dissemination of information. Finally, concerning the relationship, all the mothers maintained that they trusted and shared an important bond with the health care professionals.

CONCLUSIONS: the continuity of care is perceived to be greater in medium to highly complex health care services. These findings may be related to the qualifications of the professionals and better infrastructure of specialized services, indicating the necessity of increasing the investment in primary care and its coordination.

Key words: Continuity of patient care, Adolescent, Diabetes mellitus

Introdução

Nas últimas décadas, países da América Latina introduziram reformas em seus sistemas de saúde que incluíam formação de Redes de Serviços de Saúde, propostas para proporcionar a ampliação do acesso, da continuidade assistencial (CA) e melhoria da eficiência da atenção à saúde da população.1,2

Na literatura se observa que a CA é um conceito de difícil elaboração e medida. Alguns autores3 o destacam como um conceito multidimensional, para o qual ainda não existe consenso.

A maioria das definições centra-se em elementos como a transferência de informação, a relação interpessoal e coordenação da atenção, buscando a conectividade entre as partes.4-6

Para que haja continuidade devem existir: cuidados individuais a uma pessoa e, assistência prestada ao longo do tempo. Os cuidados com um indivíduo diferenciam a continuidade de atributos como a integração de serviços e coordenação assistencial, que são muitas vezes utilizados indistintamente como continuidade. O cuidado ao longo do tempo é identificado como a dimensão longitudinal e cronológica da continuidade do cuidado.7

Na literatura, existem outras formas de classificação da CA. Porém, neste estudo adotou-se o conceito proposto por Reid et al.7 Para estes autores, a CA é "o grau de coerência e união das experiências na atenção percebida pelos usuários ao longo do tempo, de maneira que sejam coerentes com suas necessidades médicas e contexto pessoal". Assim, a CA resulta da coordenação da assistência, vista desde a perspectiva do paciente. Esses autores ainda classificam a CA em três categorias: a) a continuidade da gestão – se refere a coordenação da atenção, e com a provisão de diferentes tipos de assistência à saúde complementares entre si e sem duplicação; b) a continuidade da informação – se refere a disponibilidade das informações sobre o paciente, para que o profissional possa interpretar ocorrências anteriores; e, c) a continuidade da relação – implica em que o paciente conheça seu médico pelo nome e confie nele, visto que o profissional assume a responsabilidade do cuidado desse paciente ao longo do tempo.

Reid7 ainda estabelece dimensões para cada uma das três categorias da CA como mostra a Figura 1.


Na continuidade da gestão, definem-se duas dimensões: a) a consistência do cuidado ou coerência da atenção: percepção por parte do paciente de que existe coerência entre os objetivos e tratamentos realizados por diferentes serviços, assegurados a partir de planos e/ou protocolos; b) a fle-xibilidade nos planos de cuidado – permite mudanças necessárias nos planos de tratamento de acordo com a necessidade do paciente.

A continuidade da informação agrega duas dimensões: a) transferência e utilização da informação – percepção do usuário de que cada profissional tem acesso às informações sobre a atenção prestada com antecedência e a evolução da doença; b) conhecimento acumulado – percepção do paciente de que o profissional conhece seus valores, e prefe-rências, influenciando no planejamento do tratamento mais adequado.8

A continuidade da relação inclui: a) o vínculo entre o paciente e o serviço de saúde, que dependerá da duração e do tipo de cuidado envolvido (episódio agudo ou enfermidade crônica de longa duração). Quando existe forte vínculo se produz uma dependência entre médico e paciente, ou profissional responsável pela atenção, favorecendo o reconhecimento de problemas, diagnóstico mais preciso e melhor adesão ao tratamento. Outros benefícios são a confiança, o entendimento mútuo, a comunicação efetiva e a responsabilidade; b) estabilidade e consistência do profissional – atendimento pelos mesmos profissionais ainda que existam poucas possibilidades de estabelecer relações em longo prazo, como nos casos de patologias agudas, caracte-rizando-se pela responsabilidade e confiança entre os envolvidos.

Quando há interesse em avaliar todo o espectro da continuidade da assistência se levam em conta todas as suas dimensões, ou seja, a relação entre o paciente e os serviços ao longo do tempo, a transfe-rência de informação e a gestão da atenção. Alguns elementos da continuidade devem ser analisados desde a perspectiva de outros atores. Isto possibilita identificar aspectos onde sejam necessários a implantação ou a implementação adicional de medidas que melhorem a assistência.7,8 Por exemplo, na continuidade da gestão, analisar a adesão a protocolos específicos, o planejamento da alta e a atenção compartilhada por profissionais de distintos níveis; na continuidade da informação, obter evidências do conhecimento e utilização de informações por parte dos profissionais de diferentes serviços; e, na continuidade da relação, identificar elementos atribuídos por profissionais que influenciam o vínculo. Deste modo, a inclusão de opiniões de diferentes atores envolvidos na atenção à saúde permite a triangulação de informações, o que imprime consistência aos resultados, ao mesmo tempo em que permite identificar as lacunas e for-talezas ao longo da atenção à saúde.

A continuidade da assistência se constitui em um aspecto central na atenção à saúde, particularmente quando se trata de doenças crônicas. Apesar disto, ainda é uma temática pouco estudada. Nos últimos 15 anos, na literatura nacional, não se identificou nenhum estudo especialmente relacionado a CA de adolescentes portadores de diabetes, através de levantamento realizado nas bases de dados Lilacs e Medline. Entretanto, diversos estudos internacionais vêm demonstrando o aumento da diabetes entre crianças, adolescentes e jovens.8-11

A prevalência da diabetes tem produzido impactos no setor saúde expressos nas internações por complicações evitáveis, e na alta letalidade hospitalar em situações de urgências. Isto decorre de várias condições que limitam o acesso e a CA dos pacientes diabéticos, o que exige posteriormente atenção específica de diversas especialidades, resultando em custos emocionais, sociais e econômicos elevados.11-13

Acompanhar a trajetória assistencial de portadores de diabetes possibilita conhecer a situação de integração entre níveis e fluxo de informações entre os serviços. Por tanto, a utilização dessa doença como condição traçadora é adequada e útil para avaliar a continuidade da assistência.7 Deste modo, as vivências e percepções no cuidado de portadores de doenças crônicas podem proporcionar informações importantes para a análise da CA, visto que a condução da assistência a saúde, de ditos pacientes, requer o envolvimento de equipes multidisciplinares nos três níveis de assistência por um longo período de tempo.

Este estudo teve como objetivo analisar a continuidade assistencial a adolescentes portadores de diabetes nos serviços de saúde no município de Recife.12,13

Métodos

Adotou-se uma abordagem qualitativa, descritiva-exploratória para prover evidências sobre a continuidade da assistência à saúde de adolescentes, a partir da ótica de diferentes atores envolvidos.

Selecionaram-se quatro unidades básicas de saúde (UBS) e três serviços especializados de refe-rência para adolescentes portadores de diabetes, segundo os seguintes critérios: prestar assistência a uma população definida e atender adolescentes portadores de diabetes. Em seguida, realizou-se a seleção dos adolescentes conforme os critérios: idade entre 10 e 18 anos; portadores de diabetes clinicamente compensados; admitidos na rede há no mínimo um ano, com necessidade de níveis de atenção mais complexos. Visando melhor compreensão acerca da temática em estudo, as entrevistas foram realizadas entre as mães dos adolescentes, totalizando 17 entrevistas. Foram entrevistados também dez profissionais: dois enfermeiros e dois médicos de unidades básicas de saúde; dois médicos, um enfermeiro e um assistente social da atenção especializada; e dois médicos da alta complexidade.

A formação de dois grupos de entrevistados foi definida tendo em vista que, apesar de teoricamente a CA ser considerada uma percepção desde a perspectiva do usuário, considerou-se a inclusão do grupo de profissionais como indispensável para obtenção e triangulação de informações que permitissem identificar brechas e potencialidades ao longo da trajetória assistencial do grupo em estudo. A amostra final foi definida por saturação das informações.

A pesquisa foi realizada no município de Recife, entre os meses de junho a outubro de 2010. Realizaram-se entrevistas individuais, semi-estruturadas, orientadas por roteiro temático específico para todas as categorias de informantes. Foram abordados temas relativos a reconstrução da trajetória assistencial e adequação da atenção, o acesso ao longo dos serviços, e a continuidade de gestão, relação e informação. As entrevistas foram realizadas por um único pesquisador nos domicílios dos adolescentes e nos locais de trabalho dos profissionais, e tiveram duração entre 30 a 70 minutos; foram gravadas e posteriormente transcritas textualmente pelo pesquisador, o que permitiu a identificação de repetições das temáticas do estudo.

Realizou-se análise de narrativa de conteúdo segundo Bardin,14 e com apoio do programa Atlas-ti 5.0. Foram feitas leituras repetidas e foram codificados elementos indicativos de núcleos de sentidos para a composição de categorias e subcategorias de análise. Os dados foram segmentados por temas e grupos de informantes. As categorias de análise foram consideradas de forma mista, a partir do marco teórico e das categorias que emergiram nas entrevistas.

Para garantir o anonimato e a confidencialidade atribuíram-se identificações fictícias aos entrevistados e letras maiúsculas as unidades de saúde. Aos trechos relatados pelas mães indicou-se MAD_REC, aos profissionais da atenção básica - PSI_REC e aos da atenção especializada - PSII_REC.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Amaury de Medeiros (CONEP: FR 359049).

Resultados

Participaram do estudo 27 indivíduos, dos quais 17 eram mães dos adolescentes portadores de diabetes e 10 eram profissionais envolvidos no cuidado destes usuários. Na exploração dos dados, narrativas sobre a continuidade da gestão praticamente inexistiram nos relatos dos profissionais e foram pouco observadas nos discursos das mães, com destaque apenas para a dimensão coerência da atenção. As categorias que emergiram com mais força foram a continuidade da informação e a continuidade da relação. No primeiro caso, ambos os grupos discorreram expressivamente sobre a dimensão transferência e utilização da informação. No segundo caso, apenas as mães emitiram suas opiniões sobre vínculo e estabilidade e consistência do profissional.

Continuidade da gestão

Ao se avaliar a continuidade da gestão (CG) identificou-se nos discursos das informantes a percepção de que seus filhos recebem cuidados consistentes. A maioria afirmou não haver dificuldades para o seguimento de seus filhos na passagem da média para a alta complexidade, e identificou coerência entre os objetivos e o tratamento realizado pelos profissionais. A maioria identificou relação de colaboração entre distintos profissionais da média (MC) e alta complexidade (AC).

"Eu percebo que há um entendimento muito grande entre doutora Rosa (MMC) e doutora Hortência (MAC). Para eu pegar a insulina lantus, minha filha precisa ser acompanhada pelas duas, porque só lá no Hospital A que eles fornecem. É como se fosse uma completando o atendimento da outra. Sei que minha filha está segura nas mãos delas." (MAD 09_ REC)

Apesar de não ter sido identificado pelas informantes a existência de planos de tratamento ou protocolos de cuidados entre os profissionais de saúde, elas consideram que há sequência das intervenções realizadas ao longo do tempo. Avaliaram que a utilização dos formulários de encami-nhamento, ou ainda a utilização do prontuário médico possibilitam a assistência continuada, oportuna e adequada dos adolescentes.

Quanto à acessibilidade entre os níveis, algumas informantes mencionaram que, quando houve necessidade, procuraram os serviços. No entanto, para isso foi preciso obter um agendamento prévio. Apesar de conseguir a consulta através de agendamento, na opinião de uma das entrevistadas, o tempo de espera é longo.

"Eu levo meu filho lá para o Centro A quando já faz algum tempo que ele foi visto. Mas, a doutora Hortência é muito procurada, ela atende tanto adolescente como adulto. A gente precisa marcar antes, senão não consegue. Agora assim... Seria bom que a gente não precisasse esperar tanto, às vezes demora muito para conseguir a consulta." (MAD 03_REC)

Continuidade da informação

Em relação a continuidade das informações (CI), as opiniões de ambas as categorias, foram semelhantes. E, revelaram inexistência de comunicação escrita e por telefone em ambos os sentidos dos diferentes níveis de atenção. Entretanto, segundo relatos, às vezes a comunicação era feita através do usuário. Havia melhora na comunicação quando as intervenções eram de diferentes profissionais de um mesmo serviço de saúde, ou entre os serviços especializados.

Continuidade da informação na perspectiva das mães

Evidenciaram-se apenas menções relativas a transferência e utilização da informação. Segundo as mães, os principais mecanismos de transferência de informações eram os prontuários, laudos e fichas de encaminhamentos. Quanto ao acúmulo de informação, não emergiram informações nos relatos.

Entre as mães, a maioria considerou que havia comunicação entre os profissionais. Uma delas destacou que o encaminhamento do filho era feito por laudo e quando havia necessidade, em caso de mudança no tratamento ou de internação os profissionais se comunicavam por telefone.

"Sempre que eu venho para doutora daqui do Centro A (Centro de Média Complexidade - CMC), eu trago um laudo da outra doutora. Sempre que precisa, se vai precisar ela liga e conversa, quando ele tá internado doutora Rosa (MMC) fala com a outra que tá acompa-nhando ele, se houver necessidade ou alguma coisa que a gente vai ver, alguma mudança de precisar de insulina, elas se comunicam." (MAD12_ REC).

Algumas entrevistadas consideraram que havia comunicação entre os profissionais através do prontuário. O compartilhamento dessas informações ocorria quando as consultas eram realizadas por diferentes profissionais de um mesmo serviço, visto que todos eles tinham acesso a este documento.

"Assim, depende quando eu levo para o médico do Centro A (CMC) ele pega o prontuário e sabe da história do meu filho, ele pergunta uma coisa e outra, mas o que a outra médica fez, a medicação que ele tá usando, tem tudo ali." (MAD 01_REC)

Quando era necessário que as consultas fossem realizadas em outros serviços, o instrumento utilizado para a transferência das informações era o formulário de encaminhamento, onde estavam registradas as informações sobre o estado do paciente e resultados de exames. E foram conside-radas pelas mães completas e suficientes.

"Toda vez que eu tenho que ir lá no Hospital A buscar a insulina e para consultar com doutora Hortência (MAC) levo um encaminhamento da doutora Rosa (MMC), aí ela vê os resultados dos exames, das taxas, se precisar manda fazer outros exames e pronto. Eu não preciso dizer nada, está tudo ali!" (MAD 07_REC)

Por outro lado, elas informaram que quando a assistência era prestada por profissionais de outros serviços, apesar de serem de mesmo nível de complexidade, nem sempre as informações eram compartilhadas. Assim, o próprio usuário ou responsáveis se responsabilizavam pela transferência das informações.

"(...) aí quando eu volto para médica que faz o acompa-nhamento dele no Centro A. Ela nunca comenta a consulta... Como foi. Eu acho que eles não se comunicam. Eu é que falo como foi lá." (MAD 04_REC)

A falta de comunicação ocorria mais frequentemente quando se referia a transferência de informações entre os profissionais da atenção básica (AB) e os especialistas. Segundo alguns informantes, a comunicação era praticamente inexistente entre esses níveis. Em geral as informações sobre os procedimentos realizados nos serviços especia-lizados eram transferidas ao profissional da AB através da mãe.

"Quando eu levo minha menina para doutora Amélia (MAB), aí ela me pergunta como foi à consulta com a doutora Jasmim (MMC), se o grau da minha filha aumentou, como é que ela está... Eu digo para ela como foi lá. Mas é só isso, porque a oftalmologista não me entrega nada." (MAD 11_REC)

Houve quem afirmasse que o médico da AB desconhecia a condução do tratamento na AE e que não se estabelecia nenhuma comunicação entre os profissionais envolvidos no cuidado. Também se evidenciou a observação da entrevistada, de que a melhoria na assistência prestada na AB diminuiria a demanda nos hospitais.

"A comunicação poderia ser melhor. Entre eles, principalmente entre os médicos do posto. Poderia melhorar para poder a demanda nos hospitais ser menor. A médica lá do posto não sabe o que o que acontece com meu filho quando eu venho para o Centro A. A médica de lá, nem qualquer outra de outro serviço que eu procure, manda nada para a do posto!" (MAD 01_REC)

Continuidade da informação na perspectiva de profissionais de saúde

Um grupo de profissionais reforçou as opiniões das mães sobre a transferência de informações entre os serviços. A maioria considerou difícil a comunicação e a transferência das informações entre os diferentes níveis assistenciais. Ambos os grupos de profissionais (AB e AE) referiram a falta da refe-rência e contra-referência. Apesar do que, cada qual afirmou que há esforço para detalhar informações no formulário de encaminhamento, e que a comunicação se limitava apenas a este procedimento.

"É... A gente não tem comunicação direta. A gente enca-minha em aberto, então é muito complicado. A gente tenta colocar no encaminhamento aquela nossa visão, naquele momento. Pede ao paciente para que leve sua receita, para que pelo menos eles (médicos especialistas) tenham ciência do que está sendo usado, qual é a dosagem recomendada, o seu livro de monitorização de glicose, os exames mais recentes e tenta detalhar dentro do laudo. Mas, é só até aí. Não há mais nenhum tipo de comunicação." (PSI 06_REC)

Um dos PSI considerou que apesar dos esforços dos profissionais dos diferentes níveis para esta-belecer uma comunicação satisfatória, havia várias barreiras para a transferência de informações. As principais eram a grande demanda nos serviços de saúde, a falta de tempo para se detalharem as informações a serem enviadas e demora na entrega dos resultados de exames.

"É muito difícil manter a comunicação entre os profissionais do que acontece com o paciente. Não temos tempo para escrever na ficha de encaminhamento tudo direitinho. Outra coisa, às vezes é um resultado de exame que não chega. Então, não vou mandar o paciente para a consulta ao especialista só porque o resultado do exame não chegou? Eu acho que há um esforço por parte dos profissionais da atenção básica e da especializada. Mas, estamos ocupados demais com outras coisas, é uma demanda muito grande. Temos muitas atribuições. E nesse caso, o que fica prejudicada é a comunicação. E eu digo assim, não é só no caso dos adolescentes diabéticos. É com qualquer paciente." (PSI 02_REC)

Não obstante, segundo alguns dos PSI, o fluxo de informação podia ser considerado mais pro-blemático quando se tratava da contra-referência. Eles afirmaram que o formulário de contra-referência não era preenchido, ou era preenchido parcialmente. Desse modo, quando o usuário retornava a unidade básica, não havia informações sobre as condutas tomadas entre os profissionais especializados, o que dificultava o seguimento da assistência entre os profissionais da AB.

"Eu estou cansada de mandar um encaminhamento para o especialista. E, quando meu paciente volta aqui ao posto, eu pergunto a mãe: o médico não lhe deu nada para trazer para mim? E, como sempre a resposta é: não doutora, ele passou um exame. Mas, não mandou nada para entregar a senhora." (PSI 03_REC)

"Quando eu preciso de uma consulta com o especialista, eu faço o encaminhamento do adolescente, colocando as principais informações. Se tiver algum resultado de exame eu também coloco e a minha hipótese diagnóstica. Mas, às vezes eu recebo também alguma coisa do profissional que atendeu esse meu adolescente, o exame que ele solicitou, a medicação que ele prescreveu. Mas, não é sempre. Nossa comunicação é essa. Ela é muito frágil." (PSI 01_REC)

Corroborando os depoimentos das mães, alguns dos profissionais revelaram que em determinadas circunstâncias o usuário era o responsável pela transferência das informações. Isto evidencia falha no circuito de transferência de informação entre os profissionais envolvidos na assistência.

"Quando encaminho o paciente para o serviço especia-lizado, mando as informações certinhas, no campo de referência. Mas, quando o paciente volta, às vezes ele volta com o receituário e com o que o médico solicitou. Mas, isso é uma raridade. Geralmente o paciente é quem nos diz o que aconteceu lá. Porém, vai depender do grau de instrução dele". (PSI 02_REC)

Por outro lado, emergiu no discurso de alguns PSII, a falha dos encaminhamentos realizados pelos PSI. Eles disseram que as informações transferidas de um nível a outro eram insuficientes para a continuidade do cuidado.

"Às vezes o paciente vem da atenção básica com o enca-minhamento desse jeito: ao endocrinologista, nada mais. Então, eu tenho que começar do zero, porque que informações eu tenho para me orientar? Nenhuma." (PSII 08_REC)

Outro PSII considerou que havia poucas informações contidas nos encaminhamentos e que este instrumento, importante para orientar o especialista e apoiar a condução da assistência, tornou-se um simples mecanismo de transferência do paciente entre níveis.

"Eu estou cansada de receber paciente aqui com encami-nhamento da atenção básica com o mínimo de informações. O encaminhamento perde o sentido. Ele não é só para transferir o paciente de um nível a outro. Ele é também para nortear o profissional da especializada. E a partir do que foi identificado pelo médico da AB prosseguir. Quando a mãe ou o responsável que vem acompanhando o adolescente é mais esclarecido eu pergunto o que houve. Mas, às vezes eu tenho que investigar o que aconteceu. Ou seja, em minha opinião, nós não estabelecemos uma comunicação eficaz." (PSII 07_REC)

Continuidade da relação (CR)

Procurou-se identificar a existência de vínculos, estabilidade e consistência na relação entre usuários e profissionais. Todas as entrevistadas identificaram um médico como responsável pela assistência ao adolescente nos diferentes níveis de atenção. Todas, juntamente com seus filhos, sabiam os nomes destes médicos e, na maioria dos casos, confiavam em sua capacidade profissional. Entretanto, nenhuma considerou como o médico habitual o profissional da AB. Todas elas identificaram e referiram confiar nos médicos da média e da alta complexidade.

"Porque ela é como se fosse digamos assim uma madrinha, uma pessoa que você pode chegar e "olhe meu filho está assim" e ela vai saber como cuidar e vai saber o que dizer para você fazer em casa. Então é essa confiança, é essa junção, esse companheirismo que temos entre o médico, paciente e mãe de paciente. No meu caso, meu filho ainda é menor de idade, e tem essa boa integração! Eu gosto muito do profissional que cuida do meu filho, a doutora Rosa (MMC)." (MAD 11_REC)

"Sempre meu filho é atendido pelo mesmo médico. Faz tempo que essa médica o acompanha. Foi desde que ele estava internado. Então encontramos a ela que atende muito bem, que sempre que eu tenho alguma dúvida ela vai e esclarece e passa bastante confiança. Então, a gente resolveu ficar com ela (MMC)." (MAD 09_REC)

Quanto à estabilidade e consistência da relação, a maioria relatou que não tinha dificuldades para conseguir a marcação de consultas com os mesmos profissionais dos diferentes níveis de complexidade, exceto uma delas.

"Eu sempre sou atendida pelos mesmos profissionais. Quando meu filho precisa ser consultado, eu vou lá para marcar a consulta. Então, eu peço para a pessoa que faz a marcação: Eu quero marcar uma consulta para meu filho com doutora fulana. Então, ela vê a agenda e marca." (MAD 03_REC)

"Não tenho problemas. Porque sempre no Centro A é para mesma médica. E para o outro do Hospital A também. Eu nunca tive problema." (MAD 02_REC)

"Até os 14 anos, quando meu filho precisava de outro médico fora do Centro B, eu conseguia com mais facilidade. Mas, agora ele tem 17 anos, às vezes quando eu tenho que levá-lo para o Hospital B eu tenho dificuldades de marcar para o mesmo médico. Agora eu não sei por que isso acontece." (MAD 16_REC)

Também houve destaque para alguns elementos que fortaleciam vínculos e confiança com os profissionais. Entre esses elementos foi ressaltada a clareza na transmissão das informações, o interesse do profissional em que houvesse compreensão e a escuta atenciosa.

"Eles são bastante claros (MAC), são diretos e claros. Mesmo que você não entenda nada de diabetes, eles te explicam de outra forma para que você saia de lá entendendo tudo o que veio procurar. As informações são suficientes para você se sentir seguro. Eu acho que isso é que faz a gente sentir confiança. Eu acho que é muito importante para gente confiar mais ainda no profissional." (MAD 05_REC)

Outro elemento mencionado para o fortalecimento de vínculo e confiança foi a realização de encontros entre cuidadoras e especialistas que ofereciam acompanhamento. Para elas, os encontros permitiam que dúvidas fossem esclarecidas e expe-riências fossem compartilhadas entre mães que vivenciavam situações semelhantes.

"Uma coisa muito boa que acontece são as reuniões administradas, no Centro A, uma vez no mês, entre as mães e os profissionais. Esses encontros são bons justamente porque eles entendem nossa necessidade de se encontrar para dividir nossas experiências, falar sobre a doença, tirar as dúvidas. Então, é realmente muito recíproco." (MAD 06_REC)

O vínculo e a confiança foram evidenciados também através de outros elementos, como por exemplo, especialidade, infra-estrutura e vínculos de trabalho mais estáveis. As entrevistadas reconheciam nos especialistas maior competência para prestação de cuidados aos adolescentes. Elas confiavam mais nesses profissionais por disporem de uma infra-estrutura mais resolutiva. Por outro lado, conside-raram a alta rotatividade como uma das causas para a pouca confiança e fragilidade da relação com os profissionais da AB.

"Veja bem, eu prefiro sair cedo de casa, pegar ônibus cheio. Mas, trazer meu filho para doutora daqui (MMC), porque eu confio nela. Sei que ela sabe o que está fazendo ela é endocrinologista. (...) Outra coisa, lá no posto perto da minha casa, agora não sei te dizer, já faz muito tempo que eu não vou lá. Mas, mudava muito de médico. Mudava sempre de médico. Uma vez que eu voltei para consulta para mostrar os exames que o doutor tinha passado, quando eu cheguei... Cadê ele? Aí disseram que ele tinha saído. Isso era direto!" (MAD 09_REC)

Algumas entrevistadas expressaram a falta de confiança nos serviços e nos profissionais da AB. Para elas, além da falta de segurança demonstrada pelos profissionais em assistir aos adolescentes, os serviços não ofereciam condições que possibilitassem o acompanhamento adequado.

"(...) Se acontecesse alguma coisa e eu precisasse levar meu filho para a médica do posto e se ela passasse algum remédio por lá, eu não faria, eu ia preferir esperar e procurar a médica do centro A que já conhece meu filho." (MAD 08 _REC)

Discussão

Poucos estudos nacionais que avaliassem a CA foram encontrados, particularmente no que se refere a grupos de adolescentes diabéticos que requerem a assistência de múltiplos profissionais de diferentes níveis de complexidade.

Nesse sentido, este estudo vem contribuir com o conhecimento de aspectos relevantes da CA e de suas dimensões, na medida em que, a partir da percepção de usuários e de profissionais, evidencia fortalezas e debilidades da CA oferecida aos adolescentes portadores de diabetes nos diferentes níveis de complexidade do município de Recife.

A coerência da atenção e a flexibilidade entre os níveis assistenciais são as dimensões consideradas na continuidade da gestão. Segundo as informações, observou-se que há coerência entre os objetivos do tratamento proposto. A relação de proximidade entre os profissionais da MC e AC é a condição que melhor favorece o acesso e trânsito entre esses níveis de assistência. Esse achado revela a pouca participação dos profissionais da AB no acompanhamento dos adolescentes diabéticos.

A continuidade da informação foi à categoria melhor observada pelas entrevistadas e uma parte de seus depoimentos foi corroborada pelos profissionais de saúde.

No discurso das mulheres e no dos profissionais da AB o estudo destacou a percepção de que o comparti-lhamento das informações, particularmente quando se tratava da contra-referência, não ocorria. Em geral era feita pelo próprio usuário ou seu responsável. Segundo os informantes, a comunicação era melhor em um mesmo nível assistencial e entre média e a alta complexidade. Em geral os mecanismos de comunicação utilizados eram o telefone, os laudos, e os encaminhamentos da média para alta complexidade.

Os profissionais da AE referiram a baixa utilização ou nenhuma informação no instrumento de referenciamento de usuários. Estes achados também foram observados em outros estudos.15-18 Os profissionais atribuíram como limitação à contra-referência, falta de tempo e demora na entrega dos resultados dos exames. Resultados também identificados por Costa.16 Para se garantir a CA é necessário que haja o funcionamento dos serviços em rede. E, para que haja um bom funcionamento da rede é fundamental a institucionalização do sistema de referência e contra-referência. Nesse sentido, todos os níveis assistenciais desempenham um papel importante, devendo se comprometer em melhorar a qualidade dos registros.

Assim como encontrado na literatura internacional,19-21 observou-se no discurso dos entrevistados a importância da estabilidade da relação e do vínculo. As entrevistadas valorizavam esses aspectos, uma vez que possibilitavam o estabelecimento de relações baseada na confiança e em uma comunicação franca entre profissionais e usuários. Além disso, consideravam importante que as consultas fossem realizadas pelos mesmos profissionais ao longo da trajetória assistencial. Este resultado foi semelhante ao encontrado por Gusmão et al.21 cujo objetivo foi analisar a CA de pacientes portadores de DPOC nos serviços de saúde da Catalunha.

A relação de confiança e vínculo foram condições majoritariamente observadas entre profissionais da atenção especializada e adolescentes. Na opinião de Zanetti et al.,22 o tratamento de diabetes em jovens exige um acompanhamento seguro e contínuo por parte dos pais, jovens e profissionais em todos os níveis de atenção. É possível que este resultado esteja relacionado à pouca credibilidade mencionada pelas mães dada aos profissionais da AB, em consequência da falta de preparo específico, segurança na condução do caso e falta de condições de trabalho.

A alta rotatividade entre os profissionais da AB também foi identificada como um elemento que favorece a falta de confiança e vínculo. Filho et al.,23 em estudo realizado no município de São Paulo sobre os fatores associados a continuidade na atenção a saúde, demonstraram que o PSF está cumprindo um importante papel na responsabilização e vinculação dos pacientes a seus médicos. Mas, consideraram que há um longo caminho a ser percorrido, que implica na redução da rotatividade de profissionais e melhoria do acolhimento nas UBS.

Embora alguns autores4,16 assinalem que a AB é a porta de entrada do sistema de saúde e o local responsável pela organização do cuidado ao longo do tempo, nenhuma das entrevistadas reporta ao profissional da AB o papel de coordenador do cuidado e o responsável pela assistência do adolescente. Todas as mães identificaram o especialista como o responsável pela atenção dos seus filhos. Resultado semelhante foi encontrado por Waibel et al.24 em estudo realizado na Catalunha para avaliar a CA. Nesse estudo, os usuários também identificaram o especialista como principal responsável por sua atenção, em contraste com o papel outorgado ao médico de cabeceira como gestor e coordenador do caso.

Parte dos informantes afirmou que alguns dos profissionais da AB demonstraram insegurança no acompanhamento do adolescente diabéticos. Este aspecto mereceu a atenção de diversos autores e é discutido extensamente em outros estudos,24-26 nos quais se atribui essa possível insegurança a formação pautada na fragmentação do conhecimento. Nesse particular, Facchini et al.27 alerta quanto à formação do médico convertida num pobre aglomerado de inúmeros recortes especializados.

Esses resultados levam a reflexão sobre a qualidade e capacidade resolutiva dos serviços de saúde, do primeiro nível de atenção, oferecidos a população. Qualquer discussão em relação ao papel da rede básica remete necessariamente a compreensão de como ela poderá contribuir para melhorar o desempenho da assistência especializada. Uma maior resolutividade da atenção prestada nas UBS poderá reduzir a demanda de consultas aos serviços especializados e exames, especialmente os de maior complexidade, reservando os recursos públicos para garantir os procedimentos realmente necessários. Atualmente, parte dos encaminhamentos feitos por médicos da AB a AE não esgotaram todos os recursos assistenciais disponíveis na unidade básica.26

Identificaram-se vários fatores que fortaleciam o vínculo e a confiança dos usuários nos profissionais. Entre eles, foram apontados a clareza na transmissão de informações, o interesse dos profissionais por seus pacientes, encontros entre os profissionais, usuários e cuidadores, e uma boa infra-estrutura para o atendimento.

Estudos como os de Reid et al.7 e Zanetti et al.22 também encontraram resultados semelhantes, indicando que receber a informação clara e precisa é um ponto importante para garantir a CA. Por sua vez, Ayres e França Jr28 sugerem que a organização do espaço dos serviços de saúde e a participação grupal são um forte elemento para garantir a atenção necessária a este público, pois promovem a emancipação e a autonomia do adolescente. Entretanto, Zanetti et al.22 em estudo semelhante encontraram resultado contrário no que se refere a participação de mães nos grupos de educação em diabetes. Nesse estudo, a maioria afirmou não participar dos encontros, porque tinham dificuldades em falar sobre o problema, desconheciam a existência de grupos, considerava os encontros pouco resolutivos, e por fim, por sentir-se mal após algumas participações.

Essa contradição permite sugerir que se deve dar especial atenção e cuidado à formação e manejo de grupos. A inadequada condução pode desestimular a participação das pessoas que tem como responsabilidade manter o cuidado intra-domiciliar de pacientes, sobretudo, crianças e adolescentes.

Considerações finais

As entrevistadas percebem e avaliam positivamente a continuidade da assistência prestada aos seus filhos entre os níveis de média e alta complexidade. Demonstram preocupação com a qualidade do cuidado prestado, com a coerência da informação e com a infra-estrutura para o atendimento.

A continuidade assistencial foi observada, na relação existente entre os serviços de saúde de média e alta complexidade. É possível que a relação entre estes níveis decorra da existência de uma melhor infra-estrutura, o que possibilita o acolhimento, a facilidade de marcar consultas, e particularmente, o fortalecimento de vínculo e confiança entre cuidadores, pacientes e os profissionais.

Pode também ser consequência da qualificação especializada dos profissionais e da melhor apare-lhagem nesses níveis assistenciais. Isto pode indicar a necessidade de ampliar os investimentos na AB e reforçar a política de apoio matricial aos profissionais deste nível de atenção, de modo a assegurar uma assistência segura e de qualidade.

Apesar da maioria dos entrevistados identificar alguns mecanismos que possibilitam a comunicação e a referência e contra-referência entre níveis assistenciais, observou-se que ainda são utilizados de maneira inadequada, e em alguns casos subutilizados. Isso revela a necessidade de reforçar a utilização desses e de outros instrumentos capazes de proporcionar o intercâmbio de informações do paciente e viabilizar a CA, fortalecendo as redes.

Finalmente, foi possível detectar também a insa-tisfação dos profissionais entre si e entre serviços. Os profissionais do primeiro nível de atenção queixam-se de não ter informações do acompa-nhamento do adolescente. Em contrapartida, os especialistas queixam-se de que o instrumento de encami-nhamento chega com pouca ou nenhuma informação do paciente. Em geral, a transferência de informações é feita pelo próprio usuário. Este achado pode sugerir que há elementos importantes na organização do processo de trabalho que necessitam de maior atenção por parte dos gerentes de serviços.

Recebido em 22 de novembro de 2011

Versão final apresentada em 6 de setembro de 2012

Aprovado em 28 de setembro de 2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2011
  • Aceito
    28 Set 2012
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