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Prevalência e fatores associados à gravidez não planejada em uma capital do Nordeste Brasileiro

Resumo

Objetivos:

analisar a prevalência e fatores associados à gravidez não planejada em uma capital do Nordeste brasileiro.

Métodos:

estudo transversal aninhado à coorte de nascimento hospitalar com amostra probabilística de 5.110 puérperas. Fatores associados foram analisados utilizando-se modelo teórico hierarquizado em três níveis: distal (caracteristicas socioeconômicas e demográficas da mulher), intermediário(caracteristicas reprodutivas, hábitos maternos e IMC), e nível proximal (características do companheiro). Realizou-se análise de regressão multivariada de Poisson.

Resultados:

a prevalência de gravidez não planejada foi de 68,1% (IC95%= 66,8-69,4). A análise multivariada mostrou associação com cor/raça preta (RP=1,03; IC95%= 1,01-1,07), faixa etária da mãe até 19 anos (RP=1,09; IC95%= 1,06-1,12) e 20 a 24 anos (RP=1,04; IC95%= 1,01-1,07), não residir com o companheiro (RP=1,09; IC95%= 1,07-1,11), maior o número de pessoas no domicílio: 5 pessoas (RP= 1,10; IC95%= 1,08-1,13) e de 3 a 4 (RP=1,08; IC95%= 1,05-1,10), número de ≥4 filhos (RP=1,09; IC95%= 1,06-1,13) e 2 ou 3 filhos (RP=1,03; IC95%= 1,02-1,05), uso de álcool (RP=1,03; IC95%= 1,01-1,05), IMC pré-gestacional desnutrido (RP=1,03; IC95%= 1,01-1,06) e baixa escolaridade (5 a 8 anos) do companheiro (RP=1,03; IC95%= 1,01-1,07). O aborto prévio associou-se inversamente com gravidez planejada (RP=0,95; IC95%= 0,93-0,97).

Conclusões:

foi elevada a prevalência de gravidez não planejada, e esteve associada a características socioeconômicas e demográficas que refletem a combinação de complexas desigualdades que impactam mulheres e seus parceiros.

Palavras-chave:
Gravidez não planejada; Planejamento reprodutivo; Saúde reprodutiva; Desigualdades

Abstract

Objectives:

to analyze the prevalence and factors associated with unplanned pregnancy in a Brazilian capital in the Northeast.

Methods:

a cross-sectional study nested to a hospital birth cohort with a probable sample of 5,110 puerperal women. Associated factors were analyzed using a hierarchical theoretical model in three levels: distal (women’s socioeconomic and demographic characteristics), intermediate (reproductive characteristics, maternal habits and BMI), and proximal level (partner's characteristics). Multivariate Poisson regression analysis was performed.

Results:

the prevalence of unplanned pregnancy was 68.1% (CI95%=66.8-69.4). Multivariate analysis showed association with black skin color/race (PR=1.03; CI95%=1.01- 1.07), mother's age group up to 19 years old (PR=1.09; CI95%=1.06-1.12) and 20 to 24 years old (PR=1.04; CI95%=1.01-1.07), not living with partner (PR=1.09; CI95%=1.07- 1.11), highest number of people in the household: 5 people (PR= 1.10; CI95%=1.08-1.13) and 3 to 4 (PR=1.08; CI95%=1.05-1.10), number of ≥4 children (PR=1.09; CI95%=1.06- 1.13) and 2 or 3 children (PR=1.03; CI95%=1.02-1.05), alcohol consumption (PR=1.03; CI95%=1.01-1.05), malnourished pre-pregnancy BMI (PR=1.03; CI95%=1.01-1.06) and partner’s low schooling (5 to 8 years) (PR=1.03; CI95%=1.01-1.07). Prior abortion was inversely associated with planned pregnancy (PR=0.95; CI95%=0.93-0.97).

Conclusions:

the prevalence of unplanned pregnancy was high and was associated with socioeconomic and demographic characteristics that reflect on the combination of the complex inequalities that impact women and their partners

Key words:
Unplanned pregnancy; Reproductive planning; Reproductive health; Inequalitiess

Introdução

A gravidez não planejada, indesejada, imprevista ou não intencional por um ou ambos parceiros é um indicador chave de saúde pública e é o principal problema global de saúde reprodutiva, acarretando significativos problemas de ordem física, econômica, social e psicoemocional11 Wichmann, M. R. The influence of reproductive information quality on the probability of unplanned and unwanted pregnancies in Brazil. J Bras Econ Saúde. 2019; 11 (1): 3-9.

2 Monea E, Thomas A. Unintended Pregnancy and Taxpayer Spending. Perspect Sex Reprod Health. 2011; 43 (2): 88-93.

3 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.
-44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 que impactam negativamente mulheres, parceiros e filhos envolvidos, tanto nos ciclos de vida atual quanto futuro.22 Monea E, Thomas A. Unintended Pregnancy and Taxpayer Spending. Perspect Sex Reprod Health. 2011; 43 (2): 88-93.

Estimativas globais, regionais e sub-regionais da gravidez não planejada, mostram que houve redução dessas estimativas entre 1995 a 20083 e entre 1990-1994 a 2010-2014.44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 Porém, permanecem as piores estimativas nos países em desenvolvimento, especialmente no continente africano.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.,44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 Em alguns casos até cresceram como nas sub-regiões da América do Sul e Caribe.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.,44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 Somente em 2008, foram estimadas 208 milhões de gestações, 185 milhões delas ocorreram em países em desenvolvimento e 11,3 milhões na América do Sul, sendo 63,0% delas não planejadas.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50. Globalmente, 86 milhões foram não planejadas, das quais 33 milhões resultaram em nascimentos e 41 milhões em abortos realizados, sendo que a metade dos abortos ocorreram em situações inseguras e 98% destes realizados em países em desenvolvimento.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.,44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 Entre 2010 a 2014 houve cerca de 99,1 milhões de gestações não planejadas por ano, 23% delas resultaram em nascimentos não intencionais e 56% em abortos no período. Na América do Sul foram 72,0% das gestações não planejadas.44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89

A gravidez não planejada aumenta o risco de morbimortalidade materna e infantil. Mulheres com esse tipo de gestação tem maiores riscos de depressão, stress, suicídio, pior nutrição durante a gestação, instabilidade no relacionamento familiar, violência física e psicológica, retardo no início do pré-natal, maiores complicações obstétricas, aborto e morte relacionada ao aborto, principalmente sob condições inseguras e em países com restritivas leis de aborto.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.,55 Yazdkhasti M, Pourreza A, Pirak A, Abdi F. Unintended Pregnancy and Its Adverse Social and Economic Consequences on Health System: A Narrative Review Article. Iran J Public Health. 2015; 44 (1): 12-21.,66 Herd P, Higgins J, Sicinski K, Merkurieva I. The Implications of Unintended Pregnancies for Mental Health in Later Life. Am J Public Health. 2016; 106 (3): 421-9.,77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7. Crianças nascidas de gestações não planejadas têm piores indicadores perinatais e infantis, maiores riscos de morte infantil e até os cinco anos de idade, de problemas emocionais, cognitivos, depressão, ansiedade, maior evasão escolar, pior inserção no mercado de trabalho, envolvimento em delinquência social, comportamentos de risco como abuso de drogas lícitas e ilícitas.55 Yazdkhasti M, Pourreza A, Pirak A, Abdi F. Unintended Pregnancy and Its Adverse Social and Economic Consequences on Health System: A Narrative Review Article. Iran J Public Health. 2015; 44 (1): 12-21.,66 Herd P, Higgins J, Sicinski K, Merkurieva I. The Implications of Unintended Pregnancies for Mental Health in Later Life. Am J Public Health. 2016; 106 (3): 421-9. Já parceiros que enfrentam esse tipo de gravidez passam por maiores níveis de stress, sentimento de impotência e dificuldades financeiras no manejo da vida com a chegada do novo filho.77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.

Elevados percentuais de gravidez não planejada permanecem mesmo sob a disponibilidade de métodos contraceptivos, ou por falha dos métodos, ou por baixo acesso a métodos mais modernos, desvantagens socioeconômicas, por violência sexual ou coerção nas relações conjugais.44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89,55 Yazdkhasti M, Pourreza A, Pirak A, Abdi F. Unintended Pregnancy and Its Adverse Social and Economic Consequences on Health System: A Narrative Review Article. Iran J Public Health. 2015; 44 (1): 12-21.,88 Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (2): e00211216.,99 Macleod CI. Public reproductive health and ‘unintended’ pregnancies:introducing the construct ‘supportability’. J Public Health. 2015; 38 (3): 84-91. Em vários países, perfil comum de características maternas tem sido associado a gravidez não planejada, tais como: baixa escolaridade, menor renda, sem união conjugal, cor/raça preta ou parda, idade menor de 20 anos, maior número de filhos, hábitos e estilos de vida não saudáveis.77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.,99 Macleod CI. Public reproductive health and ‘unintended’ pregnancies:introducing the construct ‘supportability’. J Public Health. 2015; 38 (3): 84-91.

10 Foster DG, Raifman SE, Gipson JD, Rocca CH, Biggs MA. Effects of Carrying an Unwanted Pregnancy to Term on Women's Existing Children. J Pediatrics. 2019; 205 (2): 183-9.

11 Barton K, Redshaw M, Quigley MA, Carson C. Unplanned pregnancy and subsequent psychological distress in partnered women: a cross-sectional study of the role of relationship quality and wider social support. BMC Pregnancy Childbirth. 2017; 17: 44.

12 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16.

13 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16.
-1414 Rowe H, Holton S, Kirkman M, Bayly C, Jordan L, McNamee K,McBain J, Sinnott V, Fisher. Prevalence and distribution of unintended pregnancy: the Understanding Fertility Management in Australia National Survey. Int J Sex Health. 2014; 26: 100-12. No Brasil, poucos estudos de base populacional foram realizados demonstrando fatores associados à gravidez não planejada.88 Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (2): e00211216.,1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16. Também, não foram desenvolvidos ainda estudos que revelem a influência conjunta das características socioeconômicas e demográficas da mulher e do companheiro no planejamento da atual gravidez em modelo teórico com dados de específicos contextos do país. Principalmente, entre as regiões mais empobrecidas do país como o nordeste brasileiro. Entre as cidades desta região, é mais elevada prevalência de gestações não planejadas e sua ocorrência depende ainda mais das condições materiais de vida e acesso às ações e serviços saúde locais.

Logo, este artigo analisou a prevalência e fatores associados à gravidez não planejada em uma capital do Nordeste brasileiro.

Métodos

Trata-se de estudo transversal aninhado à coorte de nascimento hospitalar no município de São Luís, Maranhão (MA), Brasil. Esta coorte integra o projeto “Fatores etiológicos do nascimento pré-termo e consequências dos fatores perinatais na saúde da criança: coorte de nascimento em duas cidades brasileiras” Brisa, realizada em São Luís-Maranhão e Ribeirão Preto - São Paulo. Nesta investigação foram incluídos somente os dados de São Luís, que no ano do censo demográfico 2010 do IBGE tinha 1.014.837 habitantes.1515 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro; 2011.

Esta coorte foi realizada em 2010, incluiu nascimentos hospitalares ocorridos em serviços públicos e privados, que realizassem mais de cem partos por ano. O tamanho da amostra foi calculado com base no número de nascimentos hospitalares ocorridos em 2008, o qual representou 98% de todos os nascimentos na cidade, possibilitando amostra representativa da população. Para todos os nascimentos foi elaborada listagem diária por ordem de ocorrência do parto. A escolha da puérpera foi sistemática a cada três mulheres, com início casual sorteado em cada maternidade. O número inicial sorteado foi somado ao intervalo amostral, resultando em amostra total de 5.451 nascimentos. Ocorreu perda de 4,6% decorrente da recusa da mãe e alta precoce. Após a exclusão dos partos gemelares, a amostra final foi de 5.110 nascimentos. Maiores informações sobre as características gerais e amostrais relacionadas a essa pesquisa podem ser obtidas em Silva et al.1616 Silva AAM, Batista RFL, Simões VMF, Thomaz EBAF, Ribeiro CCC, Lamy Filho F, Lamy ZC, Alves MTSSB, Loureiro FHF, Cardoso VC, Bettiol H, Barbieri MA. Changes in perinatal health in two birth cohorts (1997/1998 and 2010) in São Luís, Maranhão State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015; 31: 1437-50.

Considerou-se como variável dependente a gravidez não planejada (sim ou não) em resposta à pergunta: “a gravidez atual foi planejada?”. Esse tipo de gravidez foi considerada quando não houve decisão consciente da mulher ou casal. As categorias indesejadas e inoportunas foram agregadas à gravidez não planejada. Como covariáveis foram selecionadas: as variáveis demográficas - raça/cor da pele (branca, preta e parda), idade (em anos: ≤19, 20 a 24, 25 a 29 e 30 a 48 anos), idade do companheiro (em anos: ≤19, 20 a 24, 25 a 29 e ≥30 anos), residir com companheiro (sim/não); as variáveis socioeconômicas -escolaridade (em anos de estudo: 0 a 4,9 a 11e ≥12 anos), classe econômica (A/B, C ou D/E), a qual foi definida segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP),1717 ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critério de Classificação Econômica Brasil. [acesso 12 abr 2018]. Disponível em: http://www.abep.org
http://www.abep.org...
renda familiar em salários mínimos (<1, de 1 a 3, >3 a 5 e >5) residir com companheiro (sim/não) e residir com filhos (sim/não); variáveis da saúde reprodutiva da mulher -aborto prévio (sim/não); número de filhos (≤3, ≥4 filhos), parto prematuro prévio (sim/não), natimorto prévio (sim/não); variáveis comportamentais –Tabagismo e uso de álcool, (sim/não); Índice de Massa Corpórea (IMC) pré-gestacional (desnutrida <18,5, eutrófica: 18,5 a 24,9, sobrepeso: 25 a 29,9 e obesidade: ≥30).

A escolha das variáveis ocorreu baseada na literatura e para a análise dos fatores associados a gravidez não planejada foi utilizado modelo teórico hierarquizado em tres níveis: Bloco Distal, Intermediário e Proximal. O modelo teórico e as variáveis que foram incluídas em cada bloco foram descritas na Figura 1. O modelo teórico foi construído considerando a influência das variáveis no bloco seguinte.

Inicialmente, foram estimadas as frequências absolutas e percentuais.Verificou-se diferenças estatisticamente significantes na prevalência de gravidez não planejada segundo as covariáveis quando α<0,05. Em seguida realizou modelagem hierarquizada por meio de regressão de Poisson com variância robusta, a qual permitiu estimar Razão de Prevalência (RP) e Intervalos de Confiança à 95% (IC95%). A modelagem iniciou-se com as variáveis do primeiro nível (distal). Foram conservadas no modelo as variáveis com p-valor≤0,10 no nível imediatamente anterior. Variáveis do nível proximal foram ajustadas para variáveis dos níveis intermediário e distal. A análise dos dados foi realizada no software Stata®, versão 13.0.

A pesquisa foi realizada após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa(CEP) do Hospital Universitário da UFMA por meio do parecer consubstanciado nº 223/2009 e registro no CEP 350/08 e processo 4771/2008-30. Após esclarecimentos de riscos e benefícios da pesquisa, as gestantes foram convidadas a assinar o Termo de Consentimento Livre e esclarecido.

Resultados

Entre as 5.110 puérperas a prevalência de gravidez não planejada foi de 68,1% (IC 95%: 66,8-69,4). A maioria (32,0%) eram jovens de 20 a 24 anos, de cor/raça parda (69%), pertencia à classe C (53,8%), com 9 a 11 anos de estudo (58,0%), residiam com o companheiro (80,5%) e tinham renda familiar mensal de até 3 salários mínimos (57,8%). A aglomeração no domicílio de 3 a 4 pessoas foi de 43,7%. A maioria (56,2%) referiu a escolaridade do companheiro de 9 a 11 anos de estudo com idade de mais de 30 anos (63,2%). Dentre as que não planejaram a gravidez, 78,3% estavam na faixa de menor de 19 anos de idade, 73,9% referiram raça/cor preta, 84,1% não moravam com o companheiro, 74,0% possuíam 5 a 8 anos de estudo, 70,7% possuíam renda familiar de menos de 1 salário mínimo, 72,6% pertenciam à classe econômica D e E, 75,7% referiram número de pessoas no domicilio de mais de cinco pessoas, 78,2% possuíam companheiro com idade até de 19 anos e 74,0% escolaridade de 5 a 8 anos (Tabela 1).

Entre as características gestacionais, 49,8% das mulheres tiveram um filho, 14,8% tiveram parto prematuro prévio, 3,6% tiveram natimorto prévio, 21,7% tiveram aborto prévio. Quanto aos hábitos de vida, 9,6% fumavam e 14,6% usavam álcool. O IMC prévio das mulheres mostrou que 45,7% eram eutróficas e 32,3% obesas. Das que não planejaram a gravidez, 75,0% tinham o hábito do fumo, 76,0% referiram uso de álcool, 78,0% possuíam 4 ou mais filhos, 61,7% tiveram aborto prévio, 66,1% tiveram parto prévio com feto natimorto, 74,2% parto prematuro prévio e 74% foram classificadas com IMC pré-gestacional desnutrido (Tabela 2).

A análise multivariada hierarquizada mostrou associação da gravidez não planejada com cor/raça preta (RP=1,03; IC95%=1,01-1,07), faixa etária da mãe até 19 anos (RP=1,09; IC95%=1,06-1,12) e 20 a 24 anos (RP=1,04; IC95%=1,01-1,07), não residir com o companheiro (RP=1,09; IC95%=1,07-1,11). Quanto maior o número de pessoas no domicílio, maior associação, mais de 5 pessoas (RP=1,10; IC95%=1,08-1,13) e de 3 a 4 (RP=1,08; IC95%=1,05-1,10), em nível distal. A classe econômica por índice de bens, a renda e a idade do companheiro não se associaram. Em nível intermediário, ≥4 filhos (RP=1,09; IC95%=1,06-1,13), 2 ou 3 filhos (RP=1,03; IC95%=1,02-1,05). O aborto prévio associou-se inversamente à gravidez não planejada. Não se associaram com o desfecho: hábito do fumo, parto prematuro prévio, natimorto prévio. Em nível proximal, apenas a escolaridade do companheiro de 5 a 8 anosestive associada (RP=1,03; IC95%= 1,01-1,07) (Tabela 3).

Discussão

Os resultados desse estudo apontaram elevada prevalência de gravidez não planejada entre puérperas que participaram desse estudo transversal aninhado à coorte de nascimento hospitalar. Evidenciou-se um conjunto de características associadas a esse desfecho, tais como cor/raça preta, faixa etária mais jovem da mãe, não residir com o companheiro, maior o número de pessoas no domicílio, maior número de filhos prévios, uso de álcool, IMC pré-gestacional na categoria desnutrido e escolaridade de 5 a 8 anos do companheiro. Semelhante as pesquisas realizadas em outros países e regiões do Brasil, esses achados indicaram que a ocorrência da gravidez não planejada é reflexo da combinação de complexas desigualdades socioeconômicas e de saúde que impactam mulheres e seus parceiros. Porém, observou-se que a prevalência e os fatores associados ao desfecho investigado na Capital em estudo mostram que esse fenômeno se apresenta de forma ainda mais intensa e associado as condições de vida e acesso à saúde nesse estado. Logo, oferece importantes subsídios para o desenho de intervenções de saúde pública reprodutiva e de assistência clínica às mulheres e parceiros em idade fértil.

Figura 1
Modelo teórico hierarquizado.
Tabela 1
Características socioeconômicas e demográficas das puérperas segundo a condição de planejamento da gravidez. São Luís - MA, Brasil, 2010.
Tabela 2
Características reprodutivas, hábitos de vida e IMC pré-gestacional das puérperas segundo a condição de planejamento da gravidez. São Luís, MA Brasil. 2010.
Tabela 3
Análise multivariada hierarquizada de fatores associados à gravidez não planejada de puérperas. São Luís - MA, Brasil, 2010.

Gestações não planejadas são amplamente reconhecidas como causa e consequência de desigualdades socioeconômicas e de saúde e são usadas como indicador no monitoramento do impacto e efetividade de programas de planejamento familiar. Nos EUA, os custos econômicos de gestações imprevistas são estimados entre 9,6 a 12,6 bilhões U$$ anuais, com custo médio de 9 mil U$$ por mulher. Ações para reduzir a prevalência dessas gestações poderiam produzir economias de cerca de 5,6 bilhões ao ano.22 Monea E, Thomas A. Unintended Pregnancy and Taxpayer Spending. Perspect Sex Reprod Health. 2011; 43 (2): 88-93.

No mundo, não são frequentes os estudos sobre o status de planejamento da gestação entre mulheres que a conduziram até o nascimento como no presente estudo. Contudo, em projeções e pesquisas em que a pergunta sobre o status do planejamento da gravidez foi realizada em diferentes momentos da vida das mulheres têm sido observadas redução da prevalência e taxa de gestações não planejadas em vários países. Porém, ainda permanecem elevadas, principalmente em países em desenvolvimento. Entre 1990-1994 (59,0%; IC90%= 55-64) a 2010-2014 (69,0%; IC90%= 64-76) a América Latina foi a única região na qual a prevalência de nascimento decorrentes de gestações não intencionais aumentou substancialmente,44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 e Caribe e a América do Sul foram as sub-regiões do mundo que apresentaram os menores declínios dessa taxa por 1000 mulheres entre 15-44 anos, permanecendo nesse mesmo período com a primeira e quarta maior taxa, respectivamente. Quando analisadas de modo agregada entre 1995 e 2008, América Latina e Caribe permaneceram com as maiores prevalências e taxas de gestação não planejadas do mundo.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50.

Diferentes pesquisas encontraram prevalência semelhante à observada nesta análise. No Brasil, inquérito realizado entre 2011-2012, identificou 55,4% de gravidez não planejada.88 Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (2): e00211216. No município de Rio Grande, no Rio Grande do Sul 65%,1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16. um estudo multicêntrico no Equador 62,7%,1818 Goicolea I, San Sebastian M. Unintended pregnancy in the amazon basin of Ecuador: a multilevel analysis. Int J Equity Health. 2010; 9: 14. uma coorte de gestantes com HIV+ na África do Sul (72%).77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7. Porém, a prevalência do nosso estudo foi mais elevada do que a estimada em alguns estados americanos (39,7%) e em inquérito realizado na Austrália (23,8%; IC95%= 22,0-25,6),1414 Rowe H, Holton S, Kirkman M, Bayly C, Jordan L, McNamee K,McBain J, Sinnott V, Fisher. Prevalence and distribution of unintended pregnancy: the Understanding Fertility Management in Australia National Survey. Int J Sex Health. 2014; 26: 100-12. Nigéria (27,7%; IC95%= 26,1-29,3),1919 Sedgh G, Bankole B. Unwanted Pregnancy and Associated Factors Among Nigerian Women. Int Family Plann Perspect. 2006; 32 (4): 175-84. Grã-Bretanha (16,2%; IC95%= 13,1-19,9),1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16. França (33,3%), Espanha (40%)1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16. e EUA (16,0%; IC95%= 9,0-25,0).1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16.

Em relação as observadas na Capital fonte dos dados em estudo, tais diferenças nas prevalências se devem a fatores socioeconômicos, comportamentais e de saúde individuais e contextuais. Serviços de contracepção e aborto que são facilmente disponíveis, melhor estruturados e financeiramente subsidiados pelos governos de países desenvolvidos, podem ter reduzido a taxa e a prevalência de gestações não intencionais nesses locais. Estudo indica que no grupo de países onde o aborto é totalmente proibido por lei ou permitido apenas para salvar vida da mulher, 48% (IC90%= 45-54) das gestações imprevistas terminaram em aborto em 2010-2014. Esta proporção foi substancialmente maior, 69% (IC95%=62-74), em países onde o aborto é permitido a pedido.44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 Programas de planejamento familiar aumentaram a prevalência do uso de contraceptivos em países independente do seu estágio de desenvolvimento. A proporção de mulheres casadas que usam método contraceptivo (moderno ou tradicional) nos países em desenvolvimento aumentou 8% (54% para 62%), entre 1990 e 2014 (com a maior parte do aumento ocorrendo na primeira década deste período de 25 anos de estudo). Além disso, entre as usuárias de método anticoncepcional, aumentou a proporção das que usam métodos modernos em vez de métodos tradicionais.44 Bearak J, Popinchalk A, Alkema L, Sedgh G. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. 2018; Lancet Global Health. 6: e380–89 No entanto, o declínio na taxa de gravidez indesejada em regiões em desenvolvimento ainda estar distante do desejado e do observado em países desenvolvidos, em parte devido ao desigual a acesso e uso de contraceptivos, especialmente os modernos. Estimativas mundiais indicam que se todas as mulheres não usuárias e todas aquelas que usam métodos tradicionais começassem usar métodos modernos, cerca 54 milhões de gestações não planejadas seriam evitadas anualmente, incluindo 22 milhões de nascimentos não intencionais e 25 milhões de abortos.33 Singh S, Sedgh G, Hussain R. Unintended Pregnancy: Worldwide Levels, Trends, and Outcomes. Stud Fam Plann. 2010; 41 (4): 241-50. A alta prevalência verificada nesta pesquisa é preocupante, já que se trata de município com marcadas desigualdades socioeconômicas e onde a mortalidade materna ainda é elevada, apresentando 107,15 óbitos por mil nascidos vivos no ano de 2013,2222 Coelho EAC, Andrade MLS, Vitoriano LVT, Souza JJ, Silva DO, Gusmão MEN, Nascimento ER, Almeida MS. Associação entre gravidez não planejada e o contexto socioeconômico de mulheres em área da Estratégia Saúde da Família. Acta Paul Enferm. 2012; 25 (3): 415-22. e a gravidez não planejada tende a expor mulher à várias situações de risco obstétrico.

Nossos achados são consistentes com outros estudos que indicaram que as gestações não planejadas são mais elevadas e têm mais chances de ocorrer entre mulheres adolescentes e mais jovens, com maior número de filhos prévios, solteiras, de pior posição socioeconômica e com comportamentos deletérios à saúde, tais como uso de álcool.77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.,1414 Rowe H, Holton S, Kirkman M, Bayly C, Jordan L, McNamee K,McBain J, Sinnott V, Fisher. Prevalence and distribution of unintended pregnancy: the Understanding Fertility Management in Australia National Survey. Int J Sex Health. 2014; 26: 100-12.,1919 Sedgh G, Bankole B. Unwanted Pregnancy and Associated Factors Among Nigerian Women. Int Family Plann Perspect. 2006; 32 (4): 175-84. Contudo, este estudo adicionou ao debate o fato desses determinantes se estruturarem em modelo teórico hierarquizado, incorporando a influência de variáveis paternas na ocorrência do desfecho. Os resultados indicaram em cada nível à disposição das variáveis associadas. Em nível proximal, mulheres de cor/raça preta, adolescente e mais jovens, que não residem com o companheiro, apresentaram maior número de pessoas residindo no domicílio. Em nível intermediário, as que faziam uso de álcool, possuíam maior número de filhos, status de desnutrição antes da gravidez. Em nível proximal, apenas a baixa escolaridade do companheiro aumentou a chance de não planejar a gravidez. Não influenciaram o planejamento da gravidez a idade do parceiro. Todavia, no nível intermediário o aborto prévio aumentou a chance de planejar a gestação atual. Por um lado, é possível que o aborto prévio favoreça a consciência de mulheres sobre a necessidade do controle da fertilidade e planejamento sexual futuro. Esse achado foi semelhante ao observado no Sul do Brasil.88 Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (2): e00211216. Por outro, é possível que mulheres que ainda não abortaram estejam em gestações iniciais não planejadas, enquanto as que abortaram persistem sem controle das suas altas fecundidade, porém em menor volume. Indicando forte associação com características contextuais com a manutenção da gestação imprevista. Estudos realizados em outros país apontam associação da gestação atual não planejada com 3 a 5 abortos prévios.77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.

Vários estudos1010 Foster DG, Raifman SE, Gipson JD, Rocca CH, Biggs MA. Effects of Carrying an Unwanted Pregnancy to Term on Women's Existing Children. J Pediatrics. 2019; 205 (2): 183-9.,1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16.,2121 Goodman M, Onwumere O, Milam L, Peipert JF. Reducing health disparities by removing cost, access, and knowledge barriers. Am J Obstet Gynecol. 2017; 216: 382.e1-5. confirmam o achado de que mulheres pretas tem maiores chances de gravidez não intencional, fato que sugere desigualdade de acesso dessas mulheres no pleno exercício do direito reprodutivo. A escolaridade materna não se associou, assim como em estudo realizado no Rio Grande do Sul1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16. e na Bahia.2222 Coelho EAC, Andrade MLS, Vitoriano LVT, Souza JJ, Silva DO, Gusmão MEN, Nascimento ER, Almeida MS. Associação entre gravidez não planejada e o contexto socioeconômico de mulheres em área da Estratégia Saúde da Família. Acta Paul Enferm. 2012; 25 (3): 415-22. Porém, outros estudos encontraram associação positiva com baixa escolaridade materna.77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.,1111 Barton K, Redshaw M, Quigley MA, Carson C. Unplanned pregnancy and subsequent psychological distress in partnered women: a cross-sectional study of the role of relationship quality and wider social support. BMC Pregnancy Childbirth. 2017; 17: 44.,1414 Rowe H, Holton S, Kirkman M, Bayly C, Jordan L, McNamee K,McBain J, Sinnott V, Fisher. Prevalence and distribution of unintended pregnancy: the Understanding Fertility Management in Australia National Survey. Int J Sex Health. 2014; 26: 100-12.,1919 Sedgh G, Bankole B. Unwanted Pregnancy and Associated Factors Among Nigerian Women. Int Family Plann Perspect. 2006; 32 (4): 175-84.

Mulheres que iniciam a maternidade na adolescência tendem a ter maior número de filhos durante a vida reprodutiva, sendo em sua maioria, a primeira gestação não planejada. As que possuem menor idade tem mais chance de uma gravidez não planejada por dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos e por falta de educação sexual, principalmente na adolescência. Há, portanto, necessidade de implantar ações diferenciadas e efetivas de planejamento reprodutivo para este grupo, já que no Brasil, as ações estão centradas mais na mulher adulta.

Observou-se que mulheres que não residem com o companheiro tem mais chance de gravidez não planejada, sugerindo a necessidadede estrutura familiar como condição para planejamento da gravidez.1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16. Estudo prévio verificou que eventualidade nas relações sexuais que ocorrem normalmente em relacionamentos instáveis, levam ao não uso de métodos contraceptivos e consequentemente à gravidez não planejada.1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16. Em relação ao domicílio, quanto maior o número de pessoas, maior a chance de gravidez não planejada, resultado em conformidade com estudo do sul do Brasil,1212 Prietsch SOM, Gonzalez-Chica DA, Cesar JÁ, Mendoza- Sassi RA. Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1906-16. o que sugere que desigualdades estruturais, socioculturais, pobreza e a falta de planejamento para definição do tamanho das famílias justificaria as gestações continuarem não sendo planejadas. O IMC pré-gestacional na categoria desnutrida aumentou a chance de ocorrência de gravidez não planejada, já evidenciada em outro estudo.88 Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (2): e00211216. Também o uso de álcool está bem definido na literatura como fator de maior vulnerabilidade para gravidez não planejada. Estudos demonstram77 Adeniyi OV, Ajayi, AI, Moyaki MG, Goon DT, Avramovic G, Lambert J. High rate of unplanned pregnancy in thecontext of integrated family planning and HIV care services in South Africa. 2018; 18: 140-7.,2323 Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry. 2019; 41 (2): 131-7. que mulheres que não planejam a gravidez consomem mais álcool que as que planejam. Esse conjunto de associações são preocupantes, pois mulheres que tem mais filhos frequentam mais os serviços de saúde, oferecendo maiores oportunidades para que os profissionais forneçam orientações sobre contracepção, modificação de comportamentos deletérios à saúde e alimentação segura, o que pode indicar a fragilidade assistencial contraceptiva ofertada as mulheres avaliadas.

Evidenciou-se associação de gravidez não planejada com a escolaridade do companheiro na faixa de 5 a 8 anos de estudo. Ao investigar a paternidade entre jovens, estudo em Pelotas-RS encontrou resultado semelhante, sendo maior na faixa de 0 a 4 anos de estudo.2424 Gigante DP. Maternidade e paternidade na coorte de nascimentos de 1982 a 2004-5, Pelotas, RS. Rev Saúde Pública. 2008; 42 (supl. 2): 42-50. Esta associação sugere que mulheres podem ter mais dificuldades de negociar com os seus parceiros o uso de métodos contraceptivos, ou potencializar as dificuldades das mulheres de acessar e usar métodos e informações sobre saúde reprodutiva. Apesar desses resultados convém indicar algumas das suas limitações. Estudos transversais aferem simultaneamente fatores de risco, de proteção e o desfecho. Logo isso pode fragilizar a compreensão da direção de algumas associações. Entretanto, o uso do modelo teórico nessa análise indica a direção da associação esperada. A natural ambivalência durante a gestação e após o parto com o desejo da gestação, e os sentimentos e reações com a presença do recémnascido podem ter alterado a classificação de gravidez, e atenuado ou aumentado a prevalência da condição de gravidez não planejada. A estimativa do desfecho foi obtida por meio de questão dicotômica. A gravidez não planejada é em termos conceituais e práticos um constructo complexo. Não há único termo que capture as nuances do que ela significa.1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16. Já há o reconhecimento de que métodos mais avançados e adequados permitem melhor capturar e refinar a complexidade do status de planejamento da gravidez, tais como trata o status do planejamento como continuum e usar medidas multi-item para sua classificação.1313 Wellings K, Jones KG, Mercer CH, Tanton C, Clifton S, Datta J,Copas AJ, Erens B, Gibson LJ, Macdowall W, Sonnenberg P, Phelps A, Johnson AM. The prevalence of unplanned pregnancy and associated factors in Britain: findings from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). Lancet. 2013; 382: 1807-16. A base de dados utilizada nesta pesquisa não incluía informações sobre comportamentos sexuais e local urbano-rural de moradia, o que em parte limitou o controle por esses fatores nas análises realizadas. Porém, essas limitações não reduzem a relevância dos achados, pois ao contrário da maioria das pesquisas que são baseadas em estudos retrospectivos, em que a informação sobre o planejamento da gravidez é obtida em período bem posterior a gravidez e nascimento, os dados nessa pesquisa foram obtidos em puérperas participantes de uma coorte de nascimento de estudo de base populacional. Além disso, foi utilizado modelo teórico para definir a estrutura de relação entre as covariáveis e o desfecho de estudo, incorporando-se na análise a influência simultânea das características maternas e paternas. A ausência de modelo teórico para análise dessas relações tem sido uma das limitações mais importante apontadas.99 Macleod CI. Public reproductive health and ‘unintended’ pregnancies:introducing the construct ‘supportability’. J Public Health. 2015; 38 (3): 84-91.

Este estudo identificou que a gravidez não planejada ainda é substancialmente elevada e esteve associada a características socioeconômicas, demográficas e comportamentais que refletem a combinação de complexas desigualdades que impactam mulheres e seus parceiros. Demonstra que populações de puérperas mais vulneráveis, mais jovens, residentes em domicílios mais precários, com famílias mais extensas são as mais acometidas por gestações não planejadas. Sugerindo que a superação dessas desigualdades representa importante forma de reduzir a prevalência do desfecho em estudo.

Desse modo, serviços de saúde sexual e reprodutiva são necessários para ajudar mulheres e seus parceiros a evitar a gravidez imprevista, e assegurar desfechos mais saudáveis para aquelas que vivenciaram essas gestações até o nascimento dos seus filhos. Os resultados indicaram necessidade de melhorar a qualidade do planejamento reprodutivo, por meio da integralidade das ações na rede de saúde, garantia de acesso a informações e métodos contraceptivos modernos, estimular a adesão a comportamentos mais saudáveis à saúde, fortalecer a agência das mulheres sobre o controle de sua fertilidade, implementação de adequada assistência na atenção primária para homens, mulheres e adolescentes, a fim de favorecer o pleno exercício dos direitos reprodutivos e sexuais e reduzir nos vários ciclos de vida os riscos e danos associados as gestações imprevistas que afetam mulheres, parceiros e filhos.

Agradecimentos

Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Código do financiamento 001, Brasil) e a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Aceito
    19 Fev 2021
  • Preprint postado em
    24 Nov 2020
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