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Fatores associados a intervenções obstétricas em maternidades públicas

Resumo

Objetivos:

identificar a prevalência e os fatores associados a intervenções obstétricas em parturientes atendidas em maternidades públicas.

Métodos:

estudo transversal, com 344 puérperas, de duas maternidades públicas, referência ao parto pelo Sistema Único de Saúde no município de Londrina, Paraná, Brasil, entre janeiro e junho de 2017. Constituíram fonte de dados os prontuários hospitalares. As seguintes intervenções obstétricas foram consideradas: uso de ocitocina, rotura artificial das membranas, parto instrumental e realização de episiotomia. Para análise dos fatores associados utilizou-se a regressão multivariada de Poisson, sendo significativo p<5%.

Resultados:

a prevalência de intervenção obstétrica foi de 55,5%, o número máximo de intervenções em uma mesma parturiente foi três. As intervenções mais frequentes foram o uso de ocitocina (50,0%) e a rotura artificial das membranas (29,7%). As variáveis doença materna associada (p=0,005) e mecônio intraparto (p=0,022) aumentaram, de maneira independente, o risco de intervenção obstétrica, enquanto que a dilatação igual ou superior a 5 cm na internação constituiu fator de proteção a esse desfecho (p= 0,030).

Conclusão:

a prevalência de intervenções obstétricas foi elevada. Na vigência de doença materna e de mecônio intraparto, especial atenção deve ser dedicada à parturiente, para que sejam evitadas intervenções desnecessárias, assim as maternidades precisam rever seus protocolos, buscando as boas práticas de atenção ao parto.

Palavras-chave:
Parto normal; Trabalho de parto; Medicalização; Saúde materno-infantil.

Abstract

Objectives:

to identify the prevalence and factors associated with obstetric interventions in parturients assisted in public maternity hospitals.

Methods:

a cross-sectional study with 344 puerperal women, from two public maternity hospitals, referring to childbirth by Sistema Único de Saúde (SUS) (Public Health Service System) in Londrina City, Paraná, Brazil, between January and June 2017. The medical records were the data source. The following obstetric interventions were considered: oxytocin use, artificial rupture of the membranes, instrumental childbirth and episiotomy. Multivariate Poisson regression was used to analyze associated factors, with p<5% being significant.

Results:

the prevalence of obstetric intervention was 55.5%, the maximum number of interventions in the same parturient woman was three. The most frequent interventions were the use of oxytocin (50.0%) and artificial rupture of membranes (29.7%). The variables associated on maternal disease (p=0.005) and intrapartum meconium (p=0.022) independently increased, the risk of obstetric intervention, while dilation was equal to or greater than 5 cm at admission, there was a protective factor against this outcome (p=0.030).

Conclusion:

the prevalence of obstetric interventions was high. In the case of maternal disease and intrapartum meconium, special attention should be given to the parturient woman, in order to avoid unnecessary interventions. Thus, the maternity hospitals need to review their protocols, seeking good practices in childbirth care.

Key words:
Natural childbirth; Labor; Medicalization; Maternal and child health.

Introdução

A assistência ao parto e nascimento tem sido marcada, em todo o mundo, pela adoção de práticas intervencionistas, com o emprego de medicações, aparatos tecnológicos e outros procedimentos para acelerar ou controlar o processo de parturição. Considerando que o parto é um evento fisiológico, esse modelo de atenção é caracterizado como tecnocrático e medicalizado.11 Vargens OMC, Silva ACV, Progianti JM. Contribuição de enfermeiras obstétricas para consolidação do parto humanizado em maternidades no Rio de Janeiro-Brasil. Esc Anna Nery. 2017; 21(1): e20170015.

No contexto das boas práticas relacionadas ao nascimento, espera-se que qualquer intervenção ao processo natural e espontâneo do trabalho de parto e parto deva ter justificativa plausível para tal,22 Monteshio LVC, Sgobero JCG, Oliveira RR, Serafim D, Mathias TAF. Prevalência da medicalização do trabalho de parto e parto na rede pública de saúde. Ciênc Cuid Saúde. 2016; 15 (4): 591-8. pois apesar do uso de tecnologia em saúde contribuir para a redução da morbi-mortalidade materna e neonatal, seu uso excessivo e/ou desnecessário leva a riscos à saúde das mulheres e seus recém-nascidos.33 Miller S, Abalos E, Chamillard M, Ciapponi A, Colaci D, Comandé D, Diaz V, Geller S, Hanson C, Langer A, Manuelli V, Millar K, Morhason-Bello I, Castro CP, Pileggi VN, Robinson N, Skaer M, Souza JP, Vogel JP, Althabe F. Beyond too little, too late and too much, too soon: a pathway towards evidence-based, respectful maternity care worldwide. Lancet. 2016; 288 (10056): 2176-92.

Ainda nesse contexto, recomendações para a assistência ao parto têm sido embasadas na assistência humanizada, com o objetivo de promover partos e nascimentos saudáveis, com a garantia de protagonismo da mulher e respeitando sua privacidade e autonomia.44 Leal MC, Pereira APE , Domingues RMSM, Filha MMT, Dias MAB, Pereira MN, Bastos MH, Gama SGN. Obstetric interventions during labour and birth in Brazilian low risk women. Cad Saúde Publica. 2014; 30 (Supl. 1): S1-S31. Contudo, essas recomendações têm se mostrado insuficientes, pois em alguns serviços o cenário permanece inalterado, com o uso de intervenções desnecessárias e sem evidências científicas. Pesquisa realizada no sul do Brasil identificou várias condutas prejudiciais ao trabalho de parto e algumas utilizadas de modo inadequado, tais como a prescrição de jejum, o uso de ocitocina, a amniotomia, a realização de episiotomia e o parto na posição litotômica.22 Monteshio LVC, Sgobero JCG, Oliveira RR, Serafim D, Mathias TAF. Prevalência da medicalização do trabalho de parto e parto na rede pública de saúde. Ciênc Cuid Saúde. 2016; 15 (4): 591-8.

Destaca-se que apesar da diminuição das intervenções ao longo dos anos, devido a ações de educação em saúde, a situação mantém-se longe da ideal. Assim, outros estudos são necessários para identificação de novos fatores envolvidos com sua implementação, de forma a continuar mudando o cenário constituído por intervenções rotineiras e desnecessárias, sem o consentimento materno e sem a ponderação do profissional sobre os reais benefícios e consequências para o binômio mãe e filho, de forma a contribuir com a superação do paradigma tecnicista. Considerando-se a importância de os serviços de saúde avaliarem a atenção obstétrica desenvolvida, propõe-se este estudo, que tem por objetivo identificar a prevalência e os fatores associados às intervenções obstétricas em parturientes atendidas em maternidades públicas.

Métodos

Estudo transversal, realizado em duas maternidades públicas de referência para partos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Londrina, Paraná, Brasil. Em conjunto, essas maternidades foram responsáveis por 78,3% dos partos normais e por 47,6% do total de partos ocorridos neste município, no ano de 2017.55 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Informações em Saúde. Nascimento por residência da mãe/Tipo de parto/Município. Brasília, DF; 2017. Este estudo integra amplo projeto de pesquisa intitulado: Avaliação da atenção ao parto normal em maternidades públicas de um município da região sul do Brasil.

A coleta de dados foi realizada entre janeiro e junho de 2017, por meio de instrumento elaborado especificamente para esse estudo, preenchido a partir dos registros constantes nos prontuários hospitalares das parturientes participantes.

Foram consideradas como elegíveis para o estudo as mulheres que tiveram parto vaginal intra-hospitalar. Os critérios de exclusão foram: condição clínica desfavorável, decorrente de complicação grave da gestação e/ou parto, que impossibilitasse a puérpera de participar da entrevista.

Considerando margem de erro da pesquisa de 5%, nível de confiança de 95% e 2470 partos normais ocorridos em 2015 nas duas maternidades do estudo, calculou-se o tamanho da amostra uma população finita, a partir da seguinte equação: n=N.n0/N+n0, onde n0=1/E02, sendo E0 o erro amostral tolerável, o que resultou em 344 participantes.

A partir do início da coleta de dados, as mulheres foram selecionadas de forma consecutiva pelas entrevistadoras, graduandas em enfermagem e previamente capacitadas, com visitas em dias alternados às maternidades, até obter o número amostrado.

Foram incluídas no estudo as seguintes variáveis: sociodemográficas: faixa etária em anos (10-19, 20-34, 35 ou mais), escolaridade em anos de aprovação escolar (< 8, > 8), situação conjugal (com companheiro, sem companheiro) e atividade remunerada (sim, não); obstétricas pregressas: paridade (primigesta, multigesta), aborto anterior (sim, não) e cesárea anterior (sim, não); pré-natais: realização de pré-natal (sim, não), número de consultas pré-natais (<6, > 6); relacionadas ao pré-parto e parto: dilatação cervical em centímetros (< 5, > 5), dinâmica uterina (sim, não), estado das membranas (íntegras, rotas), doença associada (sim, não) e mecônio intraparto (sim, não) e sobre o recém-nascido: idade gesta-cional ao nascer em semanas (< 37, > 37) e peso em gramas (>2500, < 2500).

A variável desfecho foi intervenção obstétrica realizada durante o trabalho de parto e parto, definida neste estudo como a utilização de pelo menos uma das práticas a seguir: uso de ocitocina; rotura artificial das membranas; parto instrumental (fórceps ou vácuo extrator) e realização de episiotomia.

As análises foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22.0. Inicialmente realizou-se descrição das características das participantes. Para avaliar possíveis fatores associados às intervenções obstétricas, utilizou-se a Regressão de Poisson com a Razão de Prevalências (RP) como medida de associação do modelo. Inicialmente, procedeu-se a análise bivariada entre as variáveis independentes (sociode-mográficas, obstétricas, do pré-natal, internação e do recém-nascido) e a dependente (intervenção obstétrica). Aquelas que apresentaram p<0,20 permaneceram na análise multivariada. Para compor o modelo final o nível de significância adotado foi p<0,05. Para todas as análises foi estabelecida uma categoria de referência, considerada a de menor risco para a ocorrência do desfecho.

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n°. 57408616.0.0000.5231 e foram respeitadas as exigências formais das normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Todas as entrevistadas e responsáveis, em caso de participantes com idade inferior a 18 anos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Foram convidadas a participar do estudo 356 mulheres, mas 12 se recusaram a participar e, assim, completou-se a amostra prevista de 344 participantes. Destas, 171 tiveram intervenção obstétrica, prevalência de 55,5%, sendo três o número máximo de intervenções em uma mesma mulher. Do total de 248 intervenções realizadas, o uso da ocitocina e a rotura artificial das membranas foram as mais frequentes, com taxas de 50,0% e 29,7% respectivamente; com menor frequência foi realizada episiotomia (7,8%) e parto instrumental, por fórceps ou vácuo extrator (0,6%).

A maioria das participantes tinha idade entre 20 e 34 anos (72,6%) e oito ou mais anos de escolaridade (82,6%); tinha companheiro (90,7%) e não exercia atividade remunerada (63,1%); no que se refere às características obstétricas, a maioria era multigesta (75,6%). Quase a totalidade referiu ter feito pré-natal (98,2%) e os nascimentos foram a termo (96,2%). Na internação, a maioria apresentou dilatação cervical menor que 5cm (60,8%) e presença de dinâmica uterina (67,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica, obstétrica, relativa ao pré-natal, internação, parto e recém-nascido de mulheres que tiveram parto normal em duas maternidades públicas de Londrina/PR, 2017.

Com relação à análise bivariada, apresentaram significância estatística e foram incluídas no modelo multivariado as variáveis: anos de estudo (RP = 0,55; IC95% = 0,35-0,85), situação conjugal (RP = 1,38; IC95% = 1,01-1,89), paridade (RP = 1,21; IC95% = 0,96-1,54), aborto anterior (RP = 1,63; IC95% = 0,99-2,67), número de consultas de prénatal (RP = 1,24; IC95% = 0,94-1,63), dilatação cervical (RP = 0,77; IC05% = 0,60-0,98), dinâmica uterina (RP = 0,76; IC95% = 0,56-1,03), estado das membranas (RP = 0,78; IC95% = 0,56-1,09), doença materna associada (RP =1,39; IC95% = 1,08-1,79), idade gestacional (RP = 0,33; IC95% = 0,09-1,21), peso do recém-nascido (RP = 0,47; IC95% = 0,171,30) e mecônio intraparto (RP = 1,34; IC95% = 0,93-1,92) (Tabela 2). As variáveis posição litotômica e acompanhante no parto, entretanto, não foram incluídas no modelo por apresentaram frequências próximas à 100%.

Tabela 2
Análise bivariada entre intervenção obstétrica e variáveis sociodemográficas, obstétricas, de pré-natal, de internação e do recém-nascido de mulheres que tiveram parto normal em duas maternidades públicas de Londrina/PR, 2017.

Após ajustes, de maneira independente, as variáveis doença materna (RP = 1,60, IC95% = 1,152,24, p = 0,005) e mecônio intraparto (RP = 1,55, IC95% = 1,06-2,27, p = 0,022), apresentaram risco aumentado de intervenção obstétrica. Por outro lado, a presença de dilatação maior ou igual a 5 cm na internação (RP = 0,72, IC95% = 0,54-0,97, p = 0,030) mostrou-se fator protetor para este desfecho (Tabela 3).

Tabela 3
Análise multivariada das variáveis sociodemográficas, obstétricas, relativas ao pré-natal, internação e recém-nascido de mulheres que tiveram parto normal em duas maternidades públicas de Londrina/PR, 2017.

Discussão

Este estudo identificou elevada prevalência de intervenções obstétricas, especialmente o uso de ocitocina e a rotura artificial de membranas em mulheres atendidas em maternidades públicas. De maneira independente, na presença de doença materna e de mecônio intraparto as intervenções obstétricas foram mais frequentes, enquanto que a internação com dilatação igual ou superior a 5 cm protegeu as parturientes desse desfecho.

A presença de mecônio intraparto tem sido foco de pesquisas globalmente. Na Etiópia, estudo com 495 mulheres, identificou que aquelas que receberam ocitocina para indução do parto apresentaram chance 2,6 vezes maior de presença de mecônio no líquido amniótico, quando comparadas às mulheres com trabalho de parto sem indução.66 Addisu D, Asres A, Gedefaw G, Asmer S. Prevalence of meconium stained amniotic fluid and its associated factors among women who gave birth at term in Felege Hiwot comprehensive specialized referral hospital, North West Ethiopia: a facility based cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2018; 18: 429. Coorte retrospectiva realizada em Israel, encontrou impacto negativo no resultado perinatal na vigência de líquido amniótico meconial, mesmo em gestações a termo e de baixo risco.77 Hiersch L, Krispin E, Aviram A, Wiznitzer A, Yogev Y, Ashwal E. Effect of meconium amniotic fluid on perinatal complications in low-risk term pregnancies. Am J Perinatol. 2016; 33 (4): 378-84. Amplo estudo de revisão sobre a presença de mecônio no líquido amniótico apontou a relevância da prevenção do uso indevido de ocitocina com o objetivo de evitar resultados peri-natais adversos.88 Mitchell S, Chandraharan E. Meconium-stained amniotic fluid. Obstet Gynaecol Reprod Med. 2018; 28 (4): 120-4.

A relevância da presença de mecônio intraparto está no fato de ser condição necessária para ocorrência da síndrome de aspiração de mecônio, a qual reflete grande espectro de distúrbios, variando de taquipnéia leve a grave desconforto respiratório, com elevada mortalidade perinatal.99 Vain NE, Batton DG. Meconium “aspiration” (or respiratory distress associated with meconium-stained amniotic fluid?). Semin Fetal Neonatal Med. 2017; 2 (4): 214-9. No presente estudo, a presença de mecônio foi identificada intra-parto e, assim, após a utilização de ocitocina no trabalho de parto. Desta maneira, na condição em que esta intervenção seja necessária, a monitorização deve ser cuidadosa, inclusive no período expulsivo, de forma a prevenir a aspiração e, consequentemente, interferência na transição normal para a vida extrauterina.

Há estudos que referem maiores taxas de intervenções em serviços de maior complexidade1010 Pueyo M-J, Escuriet R, Perez-Botella M, Molina I, Ruíz-Berdun D, Albert S, Díaz S, Torres-Capcha P, Ortún V. Health policies for the reduction of obstetric interventions in singleton full-term births in Catalonia. Health Policy. 2018; 122 (4): 367-72. onde, em geral, ocorrem partos de alto risco. Na Austrália, pesquisa com 5840 mulheres, que examinou o papel dos fatores modificáveis e não modificáveis que promovem ou inibem o parto normal e estimou a probabilidade de ocorrência de parto normal sem intervenção, encontrou associação entre doença materna e intervenção no parto.1111 Prosser SJ, Barnett A, Miller YD. Factors promoting or inhibiting normal birth. BMC Pregnancy Childbirth. 2018; 18: 241. Possível hipótese explicativa para a utilização de intervenções em condição de doença materna, especialmente o uso de ocitocina, guarda relação com a aceleração da progressão do trabalho de parto.1212 Santos IS, Okazaki ELFJ. Assistência de enfermagem ao parto humanizado. Rev Enferm UNISA. 2012; 13 (1): 64-8.

Sobre a redução na duração do trabalho de parto, evidências indicam que nenhuma intervenção clínica deve ser oferecida durante o primeiro e o segundo estágios, incluindo amniotomia e oferta de ocitocina, mesmo quando realizada analgesia peridural, se o trabalho de parto progredir normalmente e a mulher e o bebê estiverem bem.33 Miller S, Abalos E, Chamillard M, Ciapponi A, Colaci D, Comandé D, Diaz V, Geller S, Hanson C, Langer A, Manuelli V, Millar K, Morhason-Bello I, Castro CP, Pileggi VN, Robinson N, Skaer M, Souza JP, Vogel JP, Althabe F. Beyond too little, too late and too much, too soon: a pathway towards evidence-based, respectful maternity care worldwide. Lancet. 2016; 288 (10056): 2176-92.,1313 Uvnãs-Moberg K, Ekstrom-Bergstrom A, Berg M, Buckley S, Pajalic Z, Hadjigeorgiou E, Kotlowka A, Lengler L, Kielbratowska B, Leon-Larios F, Magistretti CM, Downe S, Lindstrom B , Dencker A. Maternal plasma levels of oxytocin during physiological childbirth - a systematic review with implications for uterine contractions and central actions of oxytocin. BMC Pregnancy Childbirth. 2019; 19:285.

Um estudo, que abordou a interrupção do uso de ocitocina após estabelecimento da fase ativa do trabalho de parto, encontrou redução na taxa de cesárea, mas recomendou que este resultado seja interpretado com cautela, devido a possibilidade de viés dos estudos incluídos.1414 Boie S, Glavind J, Velu AV, Mol BWJ, Uldbjerg N, de Graaf I, Thortnton JG, Bor P, Bakker JJH. Discontinuation of intravenous oxytocin in the active phase of induced labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 8; 012274. Ressalta-se que a cesariana deve ser realizada somente quando clinicamente necessário, ou um parto vaginal representa risco para a saúde da mãe e filho e no aparecimento de inter-corrências tais como, sofrimento fetal, apresentação fetal anormal, hemorragia pré-parto e doença hipertensiva.1515 OMS (Organização Mundial da Saúde). As cesarianas devem ser realizadas somente quando clinicamente necessário Genebra; 2015.,1616 Sandall J, Tribe RM, Avery L, Mola G, Visser GH, Homer CS, Gibbons D, Kelly NM, Kennedy HP, Kidanto H, Taylor P, Temmerman M. Short and long-term effects of cesarean section on the health of women and children. Lancet. 2018; 392 (10155): 1349-57.

Achado importante do presente estudo foi a constatação de que internar a parturiente com dilatação cervical igual ou superior a 5 cm a protegeu do uso de intervenção obstétrica. Ao contrário, a admissão precoce, antes da fase ativa, aumenta o risco de intervenções obstétricas, inclusive o uso de ocitocina,1717 Kauffman E, Souter VL, Kanton JG, Sitcov K. Cervical dilation on admission in term spontaneous labor and maternal and newborn outcomes. Obstet Gynecol. 2016; 127 (3): 481-8. frequente intervenção, presente em metade dos casos deste estudo. Pelo exposto, os resultados do presente estudo apoiam a decisão de internação para o parto na fase ativa do trabalho de parto, de forma a evitar intervenções desnecessárias e iatrogênicas.

Apesar de ter sido elevada a prevalência do conjunto de intervenções (55,5%), sua ocorrência foi bastante inferior à encontrada em pesquisa brasileira de abrangência nacional, nos serviços públicos e privados, que encontrou 94,4% de intervenções obstétricas.44 Leal MC, Pereira APE , Domingues RMSM, Filha MMT, Dias MAB, Pereira MN, Bastos MH, Gama SGN. Obstetric interventions during labour and birth in Brazilian low risk women. Cad Saúde Publica. 2014; 30 (Supl. 1): S1-S31. Porém, essa comparação precisa ser feita com cuidado, visto que o citado estudo considerou mais ampla gama de intervenções obstétricas: uso de cateter venoso, ocitocina para aceleração do trabalho de parto, amniotomia, anestesia raquidiana/epidural, posição litotômica para o parto, manobra de Kristeller, episiotomia e operação cesariana. Considerado apenas o uso de ocitocina, a prevalência foi maior no presente estudo (50,0% vs 36,4%), enquanto que o inverso ocorreu com a amniotomia (29,7% vs 39,1%). Outros dois estudos brasileiros encontraram: uso de ocitocina em 42,7% das mulheres pesquisadas,1818 Oliveira LB, Mattos DV, Matão MEL, Martins CA. Perineal laceration associated with the use of exogenous. Rev Enferm UFPE on line. 2017; 11 (6): 2273-8. em hospital de Goiânia e em maternidade de Pernambuco, a taxa de ocitocina foi 41,0% e de amniotomia de 31,0%.1919 Andrade PON, Silva JQP, Diniz CMM, Caminha MFC. Fatores associados à violência obstétrica na assistência ao parto vaginal em uma maternidade de alta complexidade em Recife, Pernambuco. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016; 16 (1): 29-37.

As evidências apontam que a amniotomia é prática recomendada quando ocorre parada de progressão e não deve ser realizada sem controle adequado, com o intuito de somente adiantar o trabalho de parto.2020 Côrtes CT, Oliveira SMJV, Santos RCS, Francisco AA, Riesco MLG, Shimoda GT. Implementation of evidencebased practices in normal delivery care. Rev Latino Am Enferm. 2018; 26: e2988.

A ocitocina é geralmente utilizada para indução, aceleração ou correção das alterações na evolução do trabalho de parto.2121 Medeiros RMK, Teixeira RC, Nicolini AB, Alvares AS, Corrêa ÁCP, Martins DP. Cuidados humanizados: a inserção de enfermeiras obstétricas em um hospital de ensino. Rev Bras Enferm. 2016; 69 (6): 1091-8. Seu uso no período de dilatação deve estar restrito à correção da dinâmica uterina, em casos de falha na progressão do trabalho de parto.2222 Pearson A. Evidence synthesis and its role in evidencebased health care. Nurs Clin North Am. 2014; 49 (4): 45360. Estudo de revisão de literatura apontou que a estimulação artificial do trabalho de parto tem dimensão variada, estimando-se ocorrer em 6,0% dos partos em países em desenvolvimento e 20,0% no Reino Unido. Apesar de estar entre as intervenções mais comuns em obstetrícia, não é isenta de riscos, sendo que após uma indução, aproximadamente 15% das mulheres terão parto instrumental e 20% evoluirão para cesárea de emergência.2323 Ryan R, McCarthy F. Induction of labour. Obst Gynaecol Reprod Med. 2016; 26 (10): 304-10. Nesse sentido, considera-se elevada a taxa de uso de ocitocina encontrada nas duas maternidades deste estudo e como esta constitui prática modificável, caberá aos serviços de saúde promoverem a revisão de seus protocolos, de forma a evitar riscos desnecessários, decorrentes da utilização sem indicação precisa.

A taxa de episiotomia aqui encontrada está abaixo dos 10% aceitos pela Organização Mundial da Saúde.2424 OMS (Organização Mundial da Saúde). Tecnologia apropriada para partos e nascimentos. Recomendações da Organização Mundial de Saúde. Maternidade Segura. Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra; 1996. Na literatura nacional foi encontrado um estudo com prevalência menor (2,0%)1919 Andrade PON, Silva JQP, Diniz CMM, Caminha MFC. Fatores associados à violência obstétrica na assistência ao parto vaginal em uma maternidade de alta complexidade em Recife, Pernambuco. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016; 16 (1): 29-37. e outro com prevalência maior, próxima a 50%.2525 Schettini NJC, Griboski RA, Faustino AM. Partos normais assistidos por enfermeiras obstétricas: posição materna e a relação com lacerações perineais espontâneas. Rev Enferm UFPE on line. 2017; 11 (Supl. 2): 932-40. A pesquisa Nascer no Brasil, relevante por ter abrangência nacional, e que contou com amostra de 23.894 mulheres, encontrou episiotomia em 56% dos partos vaginais.44 Leal MC, Pereira APE , Domingues RMSM, Filha MMT, Dias MAB, Pereira MN, Bastos MH, Gama SGN. Obstetric interventions during labour and birth in Brazilian low risk women. Cad Saúde Publica. 2014; 30 (Supl. 1): S1-S31. Assim, a situação obtida é mais favorável que a do país como um todo, indicando que a recomendação de uso rotineiro desta prática está sendo abolida nos serviços onde o estudo foi realizado.

A realização de episiotomia está relacionada à presença de inúmeros sinais e sintomas locais, como dor, sangramento, equimose, hematoma, infecção e deiscência, além de associar-se à dispareunia, fístula retal e aspectos de ordem psíquica, como dificuldades na amamentação, insatisfação sexual da mulher e do parceiro e sentimento de experiência negativa no parto.2626 Santosa RCS, Riesco MLG. Implementação de práticas assistenciais para prevenção e reparo do trauma perineal no parto. Rev Gaúcha Enferm. 2016; 37 (esp): e68304 Revisão sistemática da literatura encontrou que os profissionais médicos realizam episiotomia por se sentirem inseguros, frente a possibilidade de laceração do canal de parto.2626 Santosa RCS, Riesco MLG. Implementação de práticas assistenciais para prevenção e reparo do trauma perineal no parto. Rev Gaúcha Enferm. 2016; 37 (esp): e68304

O parto vaginal operatório, por fórceps ou vácuo-extração, deve ser realizado em mulheres que permanecem em período expulsivo prolongado, com dilatação completa e que apresentam sofrimento fetal agudo.2727 Pato-Mosquera M, García-Lavandeira S, Liñayo-Chouza J. El desgarro intraparto del esfínter anal¿ Puede prevenirse? Ginecol Obstet Mex. 2017; 85 (1): 13-20.

Um estudo realizado na Índia, que acompanhou 5445 partos encontrou prevalência do uso de parto vaginal operatório de 7,7%,2828 Kabiru WN, Jamieson D, Graves W, Lindsay M. Tendências de partos instrumentais em um hospital de ensino de cuidados terciários. Obstet Gynecol. 2015; 5 (7): 20-32. outro estudo realizado em um Centro Médico Universitário da Etiópia, com 242 mulheres encontrou prevalência de 10,3%,(29 )valores muito superiores ao deste estudo (0,6%).

Em síntese, considerando os resultados obtidos, na vigência de doença materna e de mecônio intraparto, especial atenção deve ser dedicada à parturiente, para que sejam evitadas intervenções desnecessárias.

Constitui limitação deste estudo o fato de a coleta de dados depender do registro dos profissionais no prontuário hospitalar das parturientes. Assim, é possível que a prevalência das intervenções relatada esteja um pouco subestimada, pela ausência de registro. Embora o estudo tenha ocorrido em duas maternidades, os resultados podem ser aplicados a outras maternidades com características semelhantes, isto é hospital escola, campo de prática para o ensino da obstetrícia.

Ainda que as intervenções tenham apresentado prevalência menor que a encontrada em outros estudos nacionais, a prática das maternidades deste estudo está distante das boas práticas de atenção ao trabalho de parto e parto, posto que sendo a gestação e nascimento processos fisiológicos, requerem poucas intervenções. Assim, esses serviços precisam rever seus protocolos assistenciais, embasando-os em evidências científicas.

Os achados obtidos trazem contribuições para os serviços de saúde e para os profissionais que atuam na assistência ao parto, subsidiando a elaboração e implementação de ações visando a diminuição das intervenções desnecessárias e o estímulo às boas práticas de atenção ao parto.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2019
  • Revisado
    29 Jun 2020
  • Aceito
    26 Ago 2020
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