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Infecção por Chikungunya em lactentes

Resumo

Introdução:

a infecção pelo vírus chikungunya apresenta manifestações clínicas variáveis, particularmente em lactentes, nos quais parece haver uma multiplicidade de manifestações cutâneas.

Descrição:

foi feito um estudo tipo de série de casos de caráter analítico com 14 lactentes (>28 dias a < 2 anos) internados entre novembro de 2015 e janeiro de 2016 como caso suspeito de infecção por chikungunya com sorologia IgM específica reagente. Excluídos pacientes com exame positivo para dengue, Zika vírus, infecção bacteriana e outras doenças exantemáticas. As manifestações clínicas mais frequentes foram febre e alterações cutâneas em 100% dos casos, irritabilidade (64,3%), vômitos e artralgia/artrite em 35,7% cada. Três crianças apresentaram alterações liquóricas compatíveis com meningite. A frequência de anemia foi de 85,7%. A mediana de leucometria foi de 7.700/mm3 (2.600 a 20.300/mm3). Níveis aumentados de aminotransferases foram observados em três casos (230 a 450 U/L). Antibioticoterapia foi indicada em 64,3% dos casos. Dois lactentes necessitaram de derivados de opioides para analgesia fixa, enquanto os demais, paracetamol e/ou dipirona.

Discussão:

o estudo evidencia envolvimento multisistêmico da infecção por chikungunya em lactentes. O tratamento permanece de suporte, com atenção a hidratação, analgesia, cuidados com a pele e ao uso racional de antibioticoterapia.

Palavras-chave
Vírus Chikungunya; Lactente; Manifestações cutâneas

Abstract

Introduction:

the infection of chikungunya virus presents clinical manifestations variables, particularly in infants in which may present multiple cutaneous manifestations.

Description:

a case series study was carried out in an analytical character of 14 infants (>28 days to < 2 years old) admitted in a hospital between November 2015 and January 2016 with suspected case of chikungunya, by a specific IgM reactive serology. Patients positive for dengue fever, Zika virus, bacterial infections and other exanthematic diseases were excluded. Fever and cutaneous alterations were the most frequent clinical manifestations in 100% of the cases, followed by irritability (64.3%), vomits and arthralgia/arthritis in 35.7% each. Three children presented alterations in the cerebrospinal fluid compatible to meningitis. Anemia frequency was 85.7%. The median white blood cells count was 7.700/mm3 (2.600 to 20.300/mm3). High levels of aminotransferases were observed in three cases (230 to 450 U/L). Antibiotic therapy was indicated in 64.3% of the cases. Two infants needed opioid derivatives for analgesia while others took acetaminophen and/or dipyrone.

Discussion:

the study shows evident multi-systemic involvement of chikungunya infection in infants. The treatment is supportive, giving special attention to hydration, analgesia, skin care, and rational use of antibiotic therapy.

Key words
Chikungunya; Cutaneous manifestations; Infants

Introdução

Chikungunya é uma arbovirose causada pelo vírus chikungunya (CHIKV) de RNA cadeia simples, gênero Alfavírus, classe Togaviridae, e transmitida aos humanos através da picada dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, principais vetores identificados. A propagação em todo o mundo deve-se, principalmente, à adaptação do mosquito a climas mais frios, ampliando sua distribuição geográfica, além das adaptações genéticas do vírus, o que levou ao aumento da sua infectividade e disseminação.11 Rougeron V, Sam I, Caron M, Nkoghe D, Leroy E, Roques P. Chikungunya, a paradigm of neglected tropical disease that emerged to be a new health global risk. J Clin Virol. 2015; 64: 144-52.,22 Burt FJ, Rolph MS, Rulli NE, Mahalingam S, Heise MT. Chikungunya: a re-emerging virus. Lancet. 2012; 379: 662-71.

Entre os anos 1950 e os anos 2000, o CHIKV causou inúmeros focos de infecção, principalmente na África, Ásia e regiões do Pacífico.22 Burt FJ, Rolph MS, Rulli NE, Mahalingam S, Heise MT. Chikungunya: a re-emerging virus. Lancet. 2012; 379: 662-71. Em dezembro de 2013, infecção por chikungunya foi relatada pela primeira vez nas Américas, em Saint Martin, Caribe.33 Fischer M, Staples JE, Arboviral Diseases Branch, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Diseases, CDC. Notes from the field: chikungunya virus spreads in the Americas - Caribbean and South America, 2013-2014. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2014; 63: 500-1. No Brasil, o primeiro caso autóctone da doença foi confirmado em 2014.44 Nunes MR, Faria NR, Vasconcelos JM, Golding N, Kraemer MU, Oliveira MU, Azevedo Rdo S, Silva DE, Silva EV, Silva SP, Carvalho VL, Coelho GE, Cruz AC, Rodrigues SG, Vianez JL Jr, Nunes BT, Cardoso JF, Tesh RB, Hay SI, Pybus OG, Vasconcelos PF. Emergence and potential for spread of Chikungunya virus in Brazil. BMC Med. 2015; 13: 102. Em 2016, foram notificados 64.349 casos de chikungunya até a Semana Epidemiológica 16 (3/1/2016 a 23/4/2016), destes, 11.182 foram confirmados.55 Boletim Epidemiológico, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. 2016. [acesso em 13 junho 2016]. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/maio/17/2016-016---Dengue-SE16-publica----o.pdf>
http://portalsaude.saude.gov.br/images/p...

A transmissão horizontal da infecção por chikungunya ocorre em crianças e adultos por meio da picada dos mosquitos vetores. O período de incubação não difere com a idade, sendo, em média, de 2-7 dias (variação de 1-12 dias).22 Burt FJ, Rolph MS, Rulli NE, Mahalingam S, Heise MT. Chikungunya: a re-emerging virus. Lancet. 2012; 379: 662-71.,66 Pan American Health Organization. Preparedness and Response for Chikungunya Virus: Introduction in the Americas; 2011. As manifestações clínicas são variáveis e compreendem desde formas assintomáticas ou oligossintomáticas até uma doença mais grave e potencialmente fatal.77 Ernould S, Walters H, Alessandri JL, et al. Chikungunya in paediatrics: epidemic of 2005-2006 in Saint-Denis, Reunion Island. Arch Pediatr. 2008; 15: 253-62. A apresentação clínica da doença difere entre lactentes, crianças maiores e adultos, quanto à magnitude dos sintomas e a sua diversidade, parecendo descrever uma curva em forma de "U", com um máximo que ocorre em lactentes jovens e em idosos e um mínimo em crianças mais velhas e adultos.88 Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-91.

Há poucos estudos na literatura que descrevem os achados clínicos, laboratoriais e terapêuticos da infecção por chikungunya na população pediátrica, em especial nos lactentes e no continente americano. Nos menores de seis meses, parece haver uma multiplicidade de manifestações cutâneas com vesículas, bolhas e lesões hiperpigmentares. Diante do exposto, o objetivo do estudo foi descrever e analisar características clínicas, laboratoriais e terapêuticas de lactentes internados com infecção por chikungunya.

Descrição

Trata-se de estudo de série de casos com caráter analítico foi realizado através da identificação dos casos notificados como suspeitos de infecção por chikungunya no Núcleo de Epidemiologia do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) no período de 30 de novembro de 2015 a 17 de janeiro de 2016 (49 dias). O IMIP é um hospital escola de referência do nordeste do Brasil que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Foram incluídos lactentes (>28 dias a < 2 anos) internados no IMIP como caso suspeito de infecção por chikungunya com comprovação laboratorial específica. A sorologia IgM anti-CHIKV reagente foi realizada por ensaio imunoenzimático (ELISA) usando kit MAC¬ELISA (CDC/Atlanta/EUA), conforme instruções do fabricante. A definição de caso suspeito de infecção por chikungunya adotada foi de lactente com febre referida pelos genitores de início súbito não explicada por outras condições e exantema, sendo residente ou tendo visitado áreas endêmicas ou epidêmicas de CHIKV até duas semanas antes do início dos sintomas. Foram excluídos os pacientes que apresentaram exame laboratorial positivo para diagnóstico alternativo, tais como: dengue, Zika vírus, infecção bacteriana e outras doenças exantemáticas.

As informações foram coletadas dos prontuários dos pacientes no Serviço de Arquivo Médico e de Estatística do IMIP de acordo com os critérios de elegibilidade. As variáveis avaliadas foram sexo, idade, peso, procedência, manifestações clínicas, incluindo cutâneas, osteoarticulares e neurológicas, cianose periférica, duração da febre, comorbidades, tempo de permanência hospitalar, características laboratoriais e medidas terapêuticas utilizadas (tipo de acesso venoso, expansão volêmica, antibioticoterapia, analgesia, cuidados com a pele e hemotransfusão).

Os dados foram digitados e analisados em banco de dados construído no programa Microsoft Excel® 2013. Na análise descritiva dos dados, as variáveis categóricas são apresentadas no texto como frequências absolutas e/ou relativas, enquanto que as variáveis numéricas através de medidas de tendência central e de dispersão. Nas tabelas são apresentados os resultados descritivos individuais. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IMIP (CAAE: 57076616.2.0000.520).

As características clínicas dos 14 lactentes avaliados são apresentadas na Tabela 1. A mediana (amplitude) de idade foi de dois meses (um a 19 meses) e o sexo masculino foi o mais frequente (64,3%). A mediana (amplitude) do tempo de duração da febre foi de quatro dias (um a 16 dias). As manifestações clínicas mais frequentes foram febre e alterações cutâneas em 100% dos casos, seguido por irritabilidade (64,3%), vômitos e artralgia/artrite em 35,7% cada. Três crianças apresentaram alterações liquóricas compatíveis com meningite e um lactente de três meses, convulsão.

Tabela 1
Características clínicas de 14 lactentes com chikungunya, 30/11/2015 a 17/01/2016.

Em relação às manifestações cutâneas, todos os casos apresentaram exantema macular difuso, com início pelos membros inferiores e tronco em nove casos, entremeados com áreas de hiperpigmentação e por vezes áreas hipocrômicas (pálidas) bem definidas (Figura 1). Quatro lactentes, entre um a dois meses de idade, apresentaram bolhas flácidas e de conteúdo claro que se romperam espontaneamente e evoluíram para crostas (duração de três a cinco dias). Não houve descrição de envolvimento de mucosas e três casos cursaram com infecção secundária (Nos 3, 11 e 12). A mediana (amplitude) do tempo de internamento hospitalar foi de oito (quatro a 18) dias e não ocorreu nenhum óbito (Tabela 1).

Figura 1
Manifestações cutâneas de lactentes com chikungunya.

Quanto às características laboratoriais (Tabela 2), a frequência de anemia99 WHO (World Health Organization). Iron deficiency anemia: assessment, prevention and control. A guide for programme managers. Geneve, 2001. considerando o ponto de corte da hemoglobina (Hb) < 11,5 g% foi de 85,7%, e Hb < 9,5 g% de 57,1%, com amplitude de 6,3 a 12,2 g%. A mediana (amplitude) de leucometria foi de 7.700/mm3 (2.600 a 20.300/mm3), sendo que seis (43%) casos apresentaram mais de 10% de neutrófilos imaturas.1010 Goldstein B, Giroir B, Randolph A and the Members of the International Consensus Conference on Pediatric Sepsis. International pediatric sepsis consensus conference: Definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med. 2005; 6: 2-8. Dois lactentes cursaram com plaquetopenia (<150.000/mm3). Níveis aumentados de aminotransferases, principalmente a aspartato aminotransferase (AST), foram observados em três casos (230 a 450 U/L) e em um caso a creatininofosfoquinase (CPK) apresentou-se muito elevada (2.675 U/L). Das quatro crianças que coletaram liquido cefalorraquidiano (LCR), três apresentaram celularidade entre 50 a 100 células/mm3, com linfócitos representando 100%, 51% e de 35% do total de células.

Tabela 2
Características laboratoriais de 14 lactentes com chikungunya, 30/11/2015 a 17/01/2016.

As características terapêuticas dos 14 lactentes avaliados estão apresentadas na Tabela 3. Um paciente foi admitido na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) e necessitou de ventilação mecânica invasiva por 24 horas. Todas as crianças receberam hidratação por acesso venoso periférico, sendo que três precisaram também de acesso venoso central. Expansão volêmica à admissão foi realizada em quatro (28,6%) casos com soro fisiológico (SF) a 0,9% de 20 a 50 ml/kg/hora. Nenhum paciente fez uso de droga vasoativa. Antibioticoterapia foi indicada em 64,3% dos casos, dos quais 77,8% eram menores de três meses. Dois lactentes necessitaram de derivados de opioides fixo para analgesia, enquanto os demais utilizaram paracetamol e/ou dipirona. Os quatro lactentes que cursaram com bolhas foram tratados com curativo com sulfadiazina de prata tópica após limpeza com SF a 0,9%, enquanto que os com exantema com óleo vegetal com triglicerídeos de cadeia média (TCM).

Tabela 3
Características terapêuticas de 14 lactentes com chikungunya, 30/11/2015 a 17/01/2016.

Discussão

Esta série de casos descreve características clínicas, laboratoriais e terapêuticas de um grupo de idade específica (lactentes) internado com diagnóstico laboratorial confirmado para infecção por Chikungunya. O presente estudo descreve os primeiros casos documentados no Brasil de lactentes com manifestações atípicas e graves causadas por CHIKV no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016. A infecção por CHIKV tem re-emergido como um problema de saúde pública tanto em países de clima tropical quanto temperado.11 Rougeron V, Sam I, Caron M, Nkoghe D, Leroy E, Roques P. Chikungunya, a paradigm of neglected tropical disease that emerged to be a new health global risk. J Clin Virol. 2015; 64: 144-52. Estudo relata que em áreas endêmicas ou epidêmicas de infecção por Chikungunya, tal vírus deve ser considerado no diagnóstico diferencial das crianças pequenas com manifestação cutânea bolhosa febril.1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72.

Diferentemente das manifestações clínicas observadas nas crianças maiores e nos adultos, a infecção por chikungunya nos lactentes parece ser bastante específica e representa um grupo de alto risco de manifestações atípicas e/ou graves. Tais achados incluem manifestações cutâneas vesicobolhosas e úlceras, complicações neurológicas, aumento de aminotransferases entre outras.88 Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-91.,1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72.

12 Seetharam KA, Sridevi K, Vidyasagar P. Cutaneous Manifestations of Chikungunya Fever. Indian Pediatr. 2012; 49: 51-3.

13 Muñoz CM, Castillo JO, Salas D, Valderrama MA, Rangel CT, Vargas HP, et al. Fiebre por virus chikungunya en neonatos y lactantes con manifestaciones mucocutáneas atípicas, municipios de Cúcuta, Los Patios y Villa del Rosario, Norte de Santander, Colombia, 2014. Biomédica. 2016; 36: 1-35.

14 Thiberville S-D, Moyen N, Dupuis-Maguiraga L, Nougairede A, Gould EA, Roques P, et al. Chikungunya fever: Epidemiology, clinical syndrome, pathogenesis and therapy. Antiviral Res. 2013; 99: 345-70.

15 Valamparampil JJ, Chirakkarot S, Letha S, Jayakumar C, Gopinathan KM. Clinical profile of chikungunya in infants. Indian J Pediatr. 2009; 76: 151-5.

16 Robin S, Ramful D, Le Seach' F, Jaffar-Bandjee MC, Rigou G, Alessandri JL. Neurologic manifestations of pediatric chikungunya infection. J Child Neurol. 2008; 23: 1028-35.
-1717 Inamadar AC, Palit A, Sampagavi VV, Raghunath S, Deshmukh NS. Cutaneous manifestations of chikungunya fever: observations made during a recent outbreak in south India. Int J Dermatol. 2008; 47: 154-9. Estudo prospectivo no Suriname no período de junho de 2014 a abril de 2015 avaliou 180 casos suspeitos de CHIKV, com idade entre dois a 82 anos e não encontrou nenhum caso de lesão bolhosa.1818 Genderen FT, Krishnadath I, Sno R, Grunberg MG, Zijlmans W, Adhin MR. First chikungunya outbreak in Suriname; clinical and epidemiological features. Plos Negl Trop Dis. 2016; 10: e0004625. Além disso, estudo multicêntrico na Índia, no período de junho de 2009 a maio de 2010, verificou diferença significativa de manifestações clínicas (exantema, cefaleia, artralgia/artrite, vômitos e irritabilidade) entre crianças de oito a 18 anos, quando comparada às menores de oito anos.1919 Raghavendhar BS, Ray P, Ratagiri VH, Sharma BS, Kabra SK, Lodha R. Evaluation of chikungunya virus infection in children from India during 2009-2010: a cross sectional observational study. J Med Virol. 2016; 88: 923-30.

Os achados clínicos principais do presente estudo foram febre e manifestações cutâneas (em todos os casos), seguidos de irritabilidade, artralgia/artrite e vômitos, enquanto que os laboratoriais foram alta frequência de anemia, alteração do leucograma, aumento de celularidade no LCR e das aminotransferases. Desta forma, ressalta-se o envolvimento multissistêmico da infecção por chikungunya em lactentes, com predominância do tecido cutâneo cuja patogenia ainda não está bem esclarecida.

Quanto às manifestações clínicas, todos os lactentes apresentaram exantema macular difuso, em sua maioria de início nos membros inferiores e tórax, e quatro casos lesões bolhosas, sem relato de úlceras. Estudo realizado na ilha de La Réunion, no período de março de 2005 a outubro de 2006, avaliou 13 casos de manifestações cutâneas bolhosas graves em menores de seis meses, também sem relato de ulcerações.1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72. Outro estudo realizado na Índia, durante epidemia de 2009-2010, sobre manifestações cutâneas em 52 crianças, sendo 22 lactentes, sem descrição de ulcerações.1212 Seetharam KA, Sridevi K, Vidyasagar P. Cutaneous Manifestations of Chikungunya Fever. Indian Pediatr. 2012; 49: 51-3. Diferentemente desses achados, estudo retrospectivo na Colômbia, em dezembro de 2014, avaliou 11 casos (neonatos e lactentes) com manifestações mucocutâneas atípicas e observou a presença de úlceras múltiplas arredondadas e ovaladas em área perineal, genital e em pregas das extremidades inferiores em 78% dos casos, após três a quatro dias do aparecimento da febre.1313 Muñoz CM, Castillo JO, Salas D, Valderrama MA, Rangel CT, Vargas HP, et al. Fiebre por virus chikungunya en neonatos y lactantes con manifestaciones mucocutáneas atípicas, municipios de Cúcuta, Los Patios y Villa del Rosario, Norte de Santander, Colombia, 2014. Biomédica. 2016; 36: 1-35.

Outros achados relevantes e concordantes com os do presente estudo foram a frequência elevada de irritabilidade e baixa de manifestações reumatológicas.88 Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-91.,1414 Thiberville S-D, Moyen N, Dupuis-Maguiraga L, Nougairede A, Gould EA, Roques P, et al. Chikungunya fever: Epidemiology, clinical syndrome, pathogenesis and therapy. Antiviral Res. 2013; 99: 345-70. Estudo na Índia, nos meses de maio a julho de 2007, avaliou 56 crianças menores de um ano e observou uma frequência de cianose periférica sem alteração hemodinâmica de 75%, irritabilidade ou choro excessivo de 26,8%, letargia de 21,4% e ausência de manifestações articulares.1515 Valamparampil JJ, Chirakkarot S, Letha S, Jayakumar C, Gopinathan KM. Clinical profile of chikungunya in infants. Indian J Pediatr. 2009; 76: 151-5.

Quanto às alterações laboratoriais, verificou-se uma frequência elevada de anemia, mesmo adotando-se diferentes pontos de corte. Estudo realizado na ilha de La Réunion também verificou a presença de anemia em 46,1% dos casos (Hb < 9,5%).1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72. Destaca-se que nos menores de três meses pode haver anemia fisiológica sobreposta, portanto não exclusivamente secundária à infecção.2020 Widness JA. Pathophysiology of anemia during the neonatal period, including anemia of prematurity. Neoreviews. 2008; 9: e520. Discordando dos nossos dados, estudos relataram linfopenia, neutropenia e trombocitopenia.1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72.,1212 Seetharam KA, Sridevi K, Vidyasagar P. Cutaneous Manifestations of Chikungunya Fever. Indian Pediatr. 2012; 49: 51-3.,1414 Thiberville S-D, Moyen N, Dupuis-Maguiraga L, Nougairede A, Gould EA, Roques P, et al. Chikungunya fever: Epidemiology, clinical syndrome, pathogenesis and therapy. Antiviral Res. 2013; 99: 345-70. Dado de interesse não descrito em outros estudos foi a presença de mais de 10% de neutrófilos imaturos no leucograma de 43% dos casos. Anormalidades menos comuns, como aumento da celularidade do LCR, aminotransferases elevadas, CPK elevada e leucopenia também foram descritas em outros estudos.88 Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-91.,1414 Thiberville S-D, Moyen N, Dupuis-Maguiraga L, Nougairede A, Gould EA, Roques P, et al. Chikungunya fever: Epidemiology, clinical syndrome, pathogenesis and therapy. Antiviral Res. 2013; 99: 345-70.

Nenhuma terapêutica específica está disponível para infecção por CHIKV. O tratamento é de suporte e atenção deve ser dada a adequada hidratação, analgesia, uso de antitérmico e cuidados com as lesões de pele. Ademais, atualmente a forma mais eficaz de controlar a doença é através do combate ao vetor.88 Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-91.,2020 Widness JA. Pathophysiology of anemia during the neonatal period, including anemia of prematurity. Neoreviews. 2008; 9: e520. Outros estudos também reportaram a necessidade de terapêutica suportiva. Robin et al.1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72. observaram que alguns pacientes também precisaram de acesso venoso central, expansão volêmica e hemotransfusão, entretanto, não há relato sobre antibioticoterapia. Estudo na Índia chama atenção para o uso indiscriminado de antibioticoterapia, corticosteróides e drogas anti-inflamatórias não esteroides, especialmente a aspirina.1515 Valamparampil JJ, Chirakkarot S, Letha S, Jayakumar C, Gopinathan KM. Clinical profile of chikungunya in infants. Indian J Pediatr. 2009; 76: 151-5. O uso excessivo de antibióticos no presente estudo deve-se possivelmente ao fato desses casos terem sidos os primeiros observados em lactentes em Pernambuco, da ocorrência de bastonetose nesses pacientes e por tratarem-se de lactentes jovens. Adicionalmente, dos dois pacientes maiores de três meses que receberam antibioticoterapia, um era portador de anemia falciforme (Nº 5) e o outro apresentou infecção secundária (Nº 3).

Destaca-se ainda a baixa utilização de analgesia fixa nessa série. A maioria dos lactentes apresentava muita irritabilidade, que poderia ser atribuída a dor devido às lesões cutâneas e/ou ao acometimento osteoarticular. Por isso, recomenda-se o monitoramento sistemático e periódico da dor com o uso de escalas específicas2222 Stinson JN, Kavanagh T, Yamada J, Gill N, Stevens B. Systematic review of the psychometric properties, interpretability and feasibility of self-report pain intensity measures for use in clinical trials in children and adolescents. Pain. 2006; 125: 143-57. e instituição de protocolo clínico para controle álgico de lactentes em ambiente de enfermaria.

Infecção por Chikungunya é uma doença autolimitada e de baixa letalidade. Não observamos a ocorrência de óbito, semelhante aos achados de outros estudos.1111 Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandajee MC, Rivière JP, Marichy J, Ezzedine K,Alessandri JL. Severe bullous skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr. 2010; 169: 67-72.,1515 Valamparampil JJ, Chirakkarot S, Letha S, Jayakumar C, Gopinathan KM. Clinical profile of chikungunya in infants. Indian J Pediatr. 2009; 76: 151-5.

Apesar da importância do estudo, destaca-se que por se tratar de estudo retrospectivo, algumas informações não puderam ser descritas ou detalhadas por falta de registros em prontuários.

O presente estudo corrobora os anteriores sobre o envolvimento multisistêmico da infecção por chikungunya em lactentes. Essa arbovirose deve ser considerada no diagnóstico diferencial de lactentes febris com manifestações cutâneas, especialmente lesões bolhosas, em regiões onde ocorre circulação do vírus. Nos lactentes com infecção por CHIKV outros achados clínicos comumente observados foram irritabilidade, artralgia/artrite e vômitos, enquanto que os laboratoriais anemia, aumento de neutrófilos imaturos, das aminotransferases e da celularidade no LCR. O tratamento permanece de suporte, mas atenção deve ser dada a hidratação, analgesia, cuidados com as lesões de pele e ao uso racional de antibioticoterapia

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2016
  • Revisado
    02 Ago 2016
  • Aceito
    08 Set 2016
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