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Motivos de doação de leite humano de acordo com diferentes rendimentos per capita

Resumo

Objetivos:

identificar os motivos de doação de leite humano de acordo com diferentes rendimentos per capita nas doadoras do banco de leite humano e centro de incentivo ao aleitamento materno do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (BLH/CIAMA/IMIP).

Métodos:

estudo de corte transversal, cuja coleta de dados foi realizada de março a maio de 2015. A amostra foi composta por 155 doadoras. Os dados foram obtidos através da aplicação de um formulário elaborado pelos pesquisadores. Na análise de dados foram utilizados os softwares SPSS 13.0 para Windows e o Excel 2010.

Resultados:

os motivos mais citados pelas doadoras com rendimento per capita <0,5 salário mínimo foram, em ordem decrescente: excesso de leite/evitar desperdício, solidariedade, altruísmo e retorno ao trabalho. Nas doadoras com rendimento per capita ≥ 0,5 salário, o excesso de leite/evitar desperdício e retorno ao trabalho são os principais motivos de doação, seguidos por solidariedade e altruísmo.

Conclusões:

os motivos de doação de leite humano variam de acordo com o rendimento per capita. Esse conhecimento contribuirá com as informações necessárias para o planejamento/aperfeiçoamento de intervenções que visem a captação de novas doadoras a nível local e nacional.

Palavras-chave:
Aleitamento; Lactação; Leite humano

Abstract

Objectives:

to identify the reasons for human milk donation according to different per capita income in donors who were registered in the human milk bank and center to promote breastfeeding at Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (HMB/CIAMA/IMIP).

Methods:

this is a cross-sectional study. Data collection was carried out at the HMB/CIAMA/IMIP from March to May 2015. The sample was consisted of 155 donors. The data were obtained by applying a form elaborated by the researchers. For the data analysis the SPSS 13.0 software for Windows and Excel 2010 were used.

Results:

the reasons most mentioned by the donors with a per capita income of < 0.5 minimum wages were, in descending order: excess of milk /avoid wasting, solidarity, altruism and return to work. Donors with a per capita income of ≥ 0.5 minimum wages were, excess of milk /avoid wasting and return to work were the main reasons for donation, followed by solidarity and altruism.

Conclusions:

the reasons for human milk donation varied according to the per capita income. This knowledge will contribute with the necessary information for planning/improved interventions to capture new donors locally and nation wide.

Key words:
Breastfeeding; Lactation; Milk human

Introdução

A amamentação é a melhor forma de ofertar alimentos ao lactente, sendo estabelecida como padrão-ouro para a alimentação do recém-nascido, tanto a termo como prematuro.11 Galvão MTG, Vasconcelos SG, Paiva SS. Mulheres doadoras de leite humano. Acta Paul. Enferm. 2006;19 (2): 157-61.,22 Vannuchi MTO, Monteiro CA, Réa MF, Andrade SM, Matsuo T. Iniciativa hospital amigo da criança e aleitamento materno em unidade de neonatologia. Rev Saúde Pública. 2004; 38 (3):422-8. É considerada uma intervenção eficaz e de baixo custo para reduzir a morbimortalidade infantil, além de contribuir para a saúde holística da díade mãe-filho.33 Tamasia GA, Venâncio SI, Saldiva RDM. Situação da amamentação e alimentação complementar em um município de médio porte do Vale do Ribeira, São Paulo. Rev Nutr. 2015; 28 (2): 143-53.

Devido a esses grandes impactos, a conscientização da população sobre os benefícios do aleitamento materno (AM) e a capacitação dos profissionais de saúde sobre o tema, tem sido cada vez mais valorizadas no nosso sistema de saúde público e privado,44 Vieira GO, Reis MR, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR, GiuglianiERJ. Tendência dos indicadores de aleitamento materno em uma cidade do Nordeste brasileiro. J Pediatr. 2015; 91 (3): 270-7. refletindo o que está em voga desde 1991, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), em associação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), estabeleceram como uma das suas metas empreender um esforço mundial no sentido de promover, proteger e apoiar o AM.55 World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva; 2003.

A literatura contém fortes evidências a respeito dos benefícios do AM,66 Jaldin MGM, Pinheiro FS, Santos AM, Muniz NC. Crescimento infantil comparado com as referências NCHS e o padrão WHO/2006. Rev Nutr. 2013; 26 (1): 17-26. como a otimização do crescimento e desenvolvimento físico e mental da criança e proteção extensiva contra as principais doenças que se manifestam em períodos mais tardios do ciclo da vida humana. Dados recentes indicam que a amamentação é uma estratégia alimentar efetiva para prevenir a enterocolite necrosante na população prematura,77 Schanler RJ. Em tempo: leite humano é a estratégia alimentar para prevenir a enterocolite necrosante. Rev Paul Pediatr. 2015; 33 (2): 131-3. apresentando também vantagens para a saúde das lactantes, como o aumento do período de infertilidade pós-parto, maior facilidade na reaquisição do peso pré-gestacional e redução no risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário.88 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 697-703.

Estudos epidemiológicos demonstram que nos países em desenvolvimento, o aleitamento materno exclusivo (AME) até o sexto mês de vida pode evitar, anualmente, mais de 1,3 milhão de mortes em menores de 5 anos,99 Morris SS, Cogill B, Uauy R, Effective international action against undernutrition: why has it proven so difficult and what can be done to accelerate progress? Lancet. 2008; 371 (9612): 608-21. favorecendo uma redução marcante nos índices de mortalidade infantil.1010 Cavalcanti SH, Caminha MFC, Figueiroa JN, Serva VMSBD, Cruz RSBLC, Lira PIC, Filho MB. Fatores associados à prática do aleitamento materno exclusivo por pelo menos seis meses no estado de Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18 (1): 208-19.

De acordo com a sociedade brasileira de pediatria, o aleitamento materno deve ser contraindicado, a nível materno, apenas em situações excepcionais, como no caso de infecções pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus T-linfotrópico humano (HTLV) e uso de algumas medicações. As demais situações devem ser analisadas, sendo o aleitamento permitido, dependendo do contexto.1111 Júnior DC, Burns DAR, Lopez FA. Tratado de pediatria. 3 ed. Manole; 2014.

Dentro deste cenário, considera-se imprescindível dispor de leite humano, em quantidades que permitam o atendimento, em situações de urgência, a todos os lactentes que, por motivos clinicamente comprovados, não disponham de leite materno, situação essa para qual os bancos de leite humano (BLH) constituem uma solução.1212 Almeida JAG, Novak FR. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. J Pediatr. 2004; 80 (Suppl. 5): S119-25.

Os BLH são polos de estímulo e promoção ao AM, além de cumprir a função de coletar e processar o leite humano ordenhado cru (LHOC) e distribuir o leite humano ordenhado pasteurizado (LHOP). Em se tratando de um estabelecimento sem fim lucrativo, no qual a comercialização dos seus produtos é proibida, a participação da mulher doadora é fundamental para que os BLH possam cumprir o objetivo de coletar, processar e distribuir o ordenhado aos lactentes necessitados.1313 Maia PRS, Almeida JAG, Novak FR, Silva DA. Rede Nacional de Bancos de Leite Humano: gênese e evolução. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2006; 6 (3): 285-92.

O Ministério da Saúde (MS) define como doadoras de leite humano as mulheres sadias, que se dispõem a doar por livre e espontânea vontade o excesso de leite produzido.1414 Morgado CMC, Werneck GL, Hasselmann MH. Rede e apoio social e práticas alimentares de crianças no quarto mês de vida. Ciênc Saúde Coletiva. 2013; 18 (1): 367-76. Por conseguinte, conhecer os motivos que levam à doação se faz de extrema importância1515 Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações técnicas para funcionamento de bancos de leite humano. Brasília, DF; 1987. para propor intervenções que favoreçam a captação de doadoras, contribuindo para o preenchimento dos estoques de leite.1616 Moraes PS, Oliveira MMB, Dalmas JC. Perfil calórico do leite pasteurizado no banco de leite humano de um hospital escola. Rev Paul Pediatr. 2013; 31 (1): 46-50.

As políticas de estímulo ao aleitamento materno também são indispensáveis para as mulheres que vivem em condições ambientais inadequadas, que possuem baixa escolaridade e que trabalham fora de casa, uma vez que esses fatores estão comprovadamente relacionados ao desmame precoce.1515 Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações técnicas para funcionamento de bancos de leite humano. Brasília, DF; 1987.

As evidências sugerem que as condições socioeconômicas influenciam na prática do AM.1515 Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações técnicas para funcionamento de bancos de leite humano. Brasília, DF; 1987. Deste modo, formulamos a hipótese de que os motivos para a doação poderiam variar de acordo com os diferentes rendimentos per capita (RPC). Contudo, não encontramos estudos que analisem o RPC das doadoras correlacionando-o com os motivos para a doação. Desta forma, este estudo objetivou identificar os motivos de doação de leite humano de acordo com o RPC das doadoras do BLH e Centro de Incentivo ao Aleitamento Materno do Insituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP (BLH/CIAMA/IMIP).

Métodos

Estudo de corte transversal realizado no BLH/CIAMA/IMIP. O IMIP é um hospital amigo da criança, de ensino e pesquisa, sem fins lucrativos localizado na cidade do Recife - PE, que atende exclusivamente a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). No ano de 1987 o Ministério da Saúde titulou o BLH do IMIP como centro de referência em AM para o Estado de Pernambuco.

O setor realiza atendimento ambulatorial, orientação às gestantes, procedimentos para tratar problemas na mama após o parto, coleta, processamento e distribuição de leite materno. O estoque de leite beneficia mais de 2800 crianças por ano, do IMIP e de outros hospitais, possuindo capacidade de armazenamento de mais de 1500 litros de leite.

O estudo teve duração de 10 meses, com coleta de dados de março a maio de 2015. A amostra foi consecutiva, constituída por todas as novas doadoras que aceitaram participar da pesquisa. Após a aplicação dos critérios de elegibilidade (ser nova doadora no BLH), foi realizado o convite para participar do estudo. Em se tratando de doadoras adolescentes, os procedimentos supracitados também foram realizados com o seu representante legal.

Foi solicitado a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE pela doadora com mais de 18 anos ou pelo responsável legal, e quando foi necessário, o termo de assentimento pela adolescente. Em se tratando de doadoras domiciliares, o convite foi feito por telefone e o TCLE foi encaminhado pelo motorista do BLH que foi previamente capacitado.

Na mesma ocasião da assinatura do TCLE, foi realizado agendamento para contato telefônico com todas as doadoras, visando não haver diferença de abordagem na aplicação de um questionário elaborado pelos pesquisadores, composto exclusivamente por perguntas abertas. Contudo, no caso de mais de uma resposta, as entrevistadas foram solicitadas a escolher apenas a que julgassem mais relevante.

A amostra foi composta por 160 doadoras, sendo captada apenas uma pessoa menor de 18 anos. Desta maneira, os pesquisadores decidiram excluí-la da análise dos dados. Houve quatro perdas, cujas razões foram: recusa a participar da pesquisa por "falta de tempo" (dois casos) e doadora não possuir telefone para contato (dois casos). Assim, 155 mulheres tiveram seus dados analisados. Estas perdas representaram 3,12% do total de doadoras.

Para melhor descrição dos resultados, destacamos que o rendimento familiar total bruto foi a soma do rendimento mensal de todas as pessoas do domicílio. O RPC foi a divisão do rendimento familiar bruto mensal pelo número de pessoas que residiam na casa. No Brasil, é comum a utilização da linha da pobreza de 0,5 salário mínimo (SM) por mês de RCP como medida de pobreza.88 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 697-703. Desta maneira as doadoras foram classificadas em dois grupos, as que possuem RPC <0,5 SM e as que possuem RPC ≥ 0,5 SM.

Os dados foram digitados no programa EXCEL em dupla entrada e foram utilizados os softwares SPSS 13.0 para Windows e o Excel 2010. Todos os testes foram aplicados com 95% de confiança. Para verificar a existência de associação foi usado o teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher para as variáveis categóricas, considerando-se estatisticamente significante o p≤0,05.

A pesquisa seguiu os preceitos da resolução 466/2012 do conselho nacional de saúde e projeto foi aprovado na avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IMIP. Não houve remuneração nem custo aos sujeitos da pesquisa. No caso de dúvidas e/ou problemas quanto à prática do aleitamento materno, as mulheres foram direcionadas para acompanhamento por profissionais do BLH, caracterizando beneficio imediato aos sujeitos desta pesquisa. Não houve conflitos de interesse.

Resultados

A amostra foi composta por 155 doadoras e a idade variou de 18 a 43 anos. O rendimento familiar total bruto mensal teve uma média de R$6.954,45, com o valor mínimo de R$150,00 e valor máximo de R$100.000,00 (desvio padrão = 11.230,395). O número de pessoas que moravam no mesmo domicílio variou entre 3 e 7.

Na Tabela 1 estão contidas as informações a respeito da caracterização sociodemográfica das nutrizes e na Tabela 2 podem ser visualizados os dados relacionados à descrição das doadoras quanto ao passado obstétrico e o histórico no BLH do IMIP. A relação entre o rendimento per capita e as variáveis sociodemográficas podem ser apreciados na Tabela 3 e a relação entre o RCP, passado obstétrico e histórico no BLH podem ser vistos na Tabela 4.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica das doadoras no banco de leite humano. Recife, 2015 (N=155).
Tabela 2
Caracterização das doadoras quanto ao passado obstétrico e histórico no banco de leite humano. Recife, 2015 (N=155).
Tabela 3
Relação entre o rendimento per capita e as variáveis sociodemográficas das doadoras. Recife, 2015.(N=155).
Tabela 4
Relação entre rendimento per capita, passado obstétrico e histórico no banco de leite humano. Recife, 2015 (N=155).

O RCP teve associação estatisticamente significativa (p<0,05) com a idade, raça, escolaridade, estado civil, trabalho fora de casa, ser doadora domiciliar, procedência, número de gestações e com o motivo principal para a doação.

Discussão

Quando se relacionou o RPC das doadoras com o motivo principal da doação, observou-se relação estatisticamente significativa (p≤0,05), sendo os motivos mais citados pelo grupo com RPC <0,5 SM, em ordem decrescente: excesso de leite/evitar desperdício, solidariedade, altruísmo e retorno ao trabalho, enquanto nas doadoras com RPC ≥ 0,5 SM, excesso de leite/evitar desperdício e retorno ao trabalho são os principais motivos, seguidos por solidariedade e altruísmo. Desta forma, os resultados obtidos confirmaram a hipótese de que os motivos de doação de leite humano variam de acordo com o RPC.

A literatura contém grande variedade de pesquisas, sediadas em diversas cidades do Brasil, que assim como o presente estudo, demonstram que motivos/fatores diferentes contribuem para impulsionar o início da doação.11 Galvão MTG, Vasconcelos SG, Paiva SS. Mulheres doadoras de leite humano. Acta Paul. Enferm. 2006;19 (2): 157-61.,1717 Alencar LCE, Seidl EMF. Breast milk donation and social support: reports of women donors. Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18 (3): 381-9.

18 Loureiro AOF, Suliano DC. As principais linhas de pobreza utilizadas no Brasil. Instituto de pesquisa e estratégia econômica do Ceará; 2009.

19 Alencar LCE, Seild EMF. Doação de leite humano: experiência de mulheres doadoras. Rev Saúde Pública. 2009; 43 (1):70-7.
-2020 Osbaldiston R, Mingle LA. Characterization of human milk donors. J Hum Lact. 2007; 23 (4): 350-7. Contudo, não foram encontrados estudos que relacionem especificamente o RPC das doadoras com cada motivo para a doação, sendo este o pioneiro sobre a temática.

O maior número de doadoras com RPC ≥ 0,5 SM pode ser justificado pelo maior índice de mulheres que trabalham, visando complementar a renda doméstica e a aquisição de um melhor nível educacional. Como esperado, este grupo possuía maiores informações sobre serviços de saúde, inclusive a respeito dos BLH, pois, de acordo com a literatura, pessoas com maior poder aquisitivo possuem maior facilidade de acesso a serviços de saúde,55 World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva; 2003. o que pode ter sido um viés do nosso estudo. De acordo com a OMS, variações na renda influenciam diretamente os indicadores sociais,55 World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva; 2003. fato que pode justificar porque o RPC teve associação estatisticamente significativa com muitos dados demográficos. A maioria das doadoras que se denominavam não branca, por exemplo, possuíam RPC<0,5 SM, enquanto a maioria das que se declaravam branca apresentaram RPC ≥ 0,5 SM, corroborando com os dados da literatura a respeito da desigualdade econômico-racial ainda encontrada no nosso país. A maior prevalência de doação por retorno ao trabalho no grupo de maior renda pode ser justificado pela maior taxa de desemprego no grupo com menor renda.

Foi evidenciado uma extensa variação no rendimento familiar total bruto mensal, mas a condição econômica não impactou no principal motivo de doação de leite, semelhante nos grupos comparados, o que facilitará o planejamento e divulgação de campanhas de estímulo à doação promovidas pelo BLH, visando a captação de novas doadoras e o aumento dos estoques de leite.

Nosso questionário foi composto por perguntas abertas, mas devido ao caráter quantitativo, para facilitar a análise estatística e as associações entre as variáveis, as entrevistadas foram solicitadas a escolher apenas a resposta que julgassem mais relevante, o que pode ter limitado os nossos resultados.

Apesar de 60,6% das doadoras possuírem RPC ≥0,5 SM, alarmantes 39,4% ainda apresentavam RPC <0,5 SM. Esses dados alertam para a necessidade da criação/manutenção de medidas de apoio financeiro/educacional à população carente, visto que a baixa condição socioeconômica é um grande obstáculo ao pleno desenvolvimento infantil.2121 Thomaz ACP, Loureiro LVM, Oliveira TS, Montenegro NCF, Júnior EDA, Soriano CFR, Cavalcante JC. The human milk donation experience: motives, influencing factors, and regular donation. J Hum Lact. 2008; 24 (1): 69-76.

O perfil das doadoras refletiu o que é descrito na literatura, sendo caracterizado por adultas jovens, casadas, empregadas e com diferentes níveis de escolaridade.1010 Cavalcanti SH, Caminha MFC, Figueiroa JN, Serva VMSBD, Cruz RSBLC, Lira PIC, Filho MB. Fatores associados à prática do aleitamento materno exclusivo por pelo menos seis meses no estado de Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18 (1): 208-19.,2020 Osbaldiston R, Mingle LA. Characterization of human milk donors. J Hum Lact. 2007; 23 (4): 350-7.,2121 Thomaz ACP, Loureiro LVM, Oliveira TS, Montenegro NCF, Júnior EDA, Soriano CFR, Cavalcante JC. The human milk donation experience: motives, influencing factors, and regular donation. J Hum Lact. 2008; 24 (1): 69-76. O delineamento deste perfil se faz importante, pois estas características exercem, ainda que indiretamente, efeito positivo sobre o ato de doar, contribuindo para o planejamento/ aperfeiçoamento de estratégias para a captação de novas doadoras.

No estudo de Alencar et al.,1717 Alencar LCE, Seidl EMF. Breast milk donation and social support: reports of women donors. Rev Latino-Am Enferm. 2010; 18 (3): 381-9. o altruísmo é relatado pela maioria das mulheres como o principal motivo para a doação, o que diverge do atual resultado. De acordo com o presente estudo, o fato de a mulher ter recebido leite anteriormente para outro filho ou de já ter doado leite para o BLH não mostrou relação estatisticamente significativa com uma nova doação, divergindo do que se encontra na literatura.1818 Loureiro AOF, Suliano DC. As principais linhas de pobreza utilizadas no Brasil. Instituto de pesquisa e estratégia econômica do Ceará; 2009.

Nossos resultados evidenciaram que 9,7% das doadoras estavam enfrentando dificuldades para fazer as doações, alertando para a necessidade de melhoria na gestão do BLH, sugerindo que é preciso conscientizar/capacitar não apenas a população sobre a importância da manutenção dos estoques de leite, como também as pessoas que gerenciam estes estabelecimentos, para que haja a rápida solução de problemas deste tipo.

A mídia apareceu como um importante meio de divulgação dos serviços oferecidos pelo BLH, sinalizando a relevância da divulgação das informações a respeito do aleitamento materno em meios como TV, jornais e redes sociais.

De acordo com a literatura, equipes com profissionais treinados conseguiram obter crescimento de até 29% na incidência e prevalência do aleitamento natural em comparação às equipes não treinadas.11 Galvão MTG, Vasconcelos SG, Paiva SS. Mulheres doadoras de leite humano. Acta Paul. Enferm. 2006;19 (2): 157-61. Nossos resultados comprovaram que ainda há um grande número de mulheres sem informações a respeito da doação de leite humano, e ao mesmo tempo revela a importância da orientação oferecida pelos profissionais de saúde no estímulo à doação, promoção e apoio ao aleitamento materno, evidenciando que, embora poucas mulheres estejam sendo orientadas, a maioria se referiu aos profissionais de saúde como a principal fonte de conhecimentos a respeito da temática, sinalizando a necessidade de capacitação constante destes profissionais, visando à educação das nutrizes e à promoção do aleitamento materno a nível nacional.

O conhecimento de que os motivos para a doação variam de acordo com o rendimento per capita contribui com as informações necessárias para a criação/aperfeiçoamento de medidas de estímulo ao aleitamento materno promovidas nos BLH, desta forma, sugerimos que sejam realizados mais estudos que visem melhorar a qualidade da assistência às nutrizes e lactentes, visando impactar positivamente na prática, incidência e prevalência do aleitamento materno no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2016
  • Aceito
    29 Mar 2017
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