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Silicose em trabalhadores de quartzito da região de São Thomé das Letras - Minas Gerais: dados iniciais indicam um grave problema de saúde pública

Silicosis among quartzite production workers of São Thomé das Letras - Minas Gerais region: initial data indicate serious public health issue

Resumos

INTRODUÇÃO: A exploração da pedra São Thomé, na região de São Thomé das Letras-MG, é antiga e estimam-se 2.000 trabalhadores envolvidos em sua extração e beneficiamento. No entanto, a silicose entre eles não era, até recentemente, registrada de forma consistente. OBJETIVO: Delinear o perfil ocupacional e radiológico de um grupo de trabalhadores de quartzito. Métodos: Série de 46 casos provenientes de um grupo de 185 extratores e beneficiadores cujos dados ocupacionais e radiografias de tórax foram analisados em ambulatório especializado. RESULTADOS: Todos os 185 trabalhadores eram do sexo masculino, com idade média de 41,3 anos e tempo de exposição mediano de 6,1 anos. As radiografias demonstraram imagens compatíveis com silicose em 46 (24,9%) deles. A ocorrência foi maior no setor de beneficiamento, onde também ocorreram os casos mais graves, incluindo três portadores de grandes opacidades e oito com formas aceleradas da doença. Os últimos, em geral mais jovens e com menor tempo de exposição, sugerem ter sido expostos a maiores concentrações de sílica. CONCLUSÃO: Apesar das limitações do estudo, a alta frequencia de silicose encontrada no grupo sugere serem precárias as medidas de prevenção da exposição à sílica, especialmente em épocas mais recentes. Isto pode ser reflexo da mecanização intensa ocorrida nos últimos anos, portanto, ações de vigilância e prevenção devem ser priorizadas no setor.

silicose; pedras São Thomé; quartzito; sílica; pedreiras


INTRODUCTION: Quatzite quarrying has been a long ongoing activity in the region of São Thome das Letras, Minas Gerais, Brazil, and 2000 workers are involved in its extraction and processing. However, only recently silicosis has been consistently reported. OBJECTIVE: To describe the occupational and radiologic profiles of a group of workers in São Thomé stone production. METHODS: Occupational and X-rays data were analized in a workers' health center, and a series of 46 cases were selected from a group of 185 extraction and processing workers. Results: All 185 subjects were male, with average age of 41.3 years and median exposure time of 6.1 years, and 46 of them (24.9%) presented radiological images compatible with silicosis. Silicosis was more frequent in stone processing, where the most severe cases were found, including 3 workers with large opacities and 8 with accelerated forms of the disease. The latter were, generally, of younger age and with shorter exposure time, suggesting exposure to higher silica concentrations. CONCLUSION: Despite the limitations of the study, the high occurence of silicosis in the group suggests that adopted measures to prevent silica dust inhalation has been inefficient and have worsen in recent times as a consequence of the intense mechanization taken place in the last years. Adequate surveillance and prevention measures should, therefore, become priority in this industrial sector.

silicosis; São Thomé stone; quartzite; silica; quarry


ARTIGO

Silicose em trabalhadores de quartzito da região de São Thomé das Letras – Minas Gerais: dados iniciais indicam um grave problema de saúde pública

Silicosis among quartzite production workers of São Thomé das Letras – Minas Gerais region: initial data indicate serious public health issue

Mário Silveira de Almeida BarbosaI; Ana Paula Scalia CarneiroII; José Geraldo Felix Seixas MacielIII; Elver Andrade MoronteI; Poliana de Freitas La RoccaIV; Adolfo Roberto Moreira SantosV

IEx-residente de Medicina do Trabalho do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIPneumologista do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIIPneumologista da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, MG

IVEstatística do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

VMédico da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais

Endereço para correspondência Contato: Ana Paula Scalia Carneiro Ambulatório Bias Fortes Alameda Álvaro Celso, 175, 7 º andar. Bairro Santa Efigênia. Belo Horizonte-MG. CEP 30150-260 E-mail: anapaula.scalia@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: A exploração da pedra São Thomé, na região de São Thomé das Letras-MG, é antiga e estimam-se 2.000 trabalhadores envolvidos em sua extração e beneficiamento. No entanto, a silicose entre eles não era, até recentemente, registrada de forma consistente.

OBJETIVO: Delinear o perfil ocupacional e radiológico de um grupo de trabalhadores de quartzito. Métodos: Série de 46 casos provenientes de um grupo de 185 extratores e beneficiadores cujos dados ocupacionais e radiografias de tórax foram analisados em ambulatório especializado.

RESULTADOS: Todos os 185 trabalhadores eram do sexo masculino, com idade média de 41,3 anos e tempo de exposição mediano de 6,1 anos. As radiografias demonstraram imagens compatíveis com silicose em 46 (24,9%) deles. A ocorrência foi maior no setor de beneficiamento, onde também ocorreram os casos mais graves, incluindo três portadores de grandes opacidades e oito com formas aceleradas da doença. Os últimos, em geral mais jovens e com menor tempo de exposição, sugerem ter sido expostos a maiores concentrações de sílica.

CONCLUSÃO: Apesar das limitações do estudo, a alta frequencia de silicose encontrada no grupo sugere serem precárias as medidas de prevenção da exposição à sílica, especialmente em épocas mais recentes. Isto pode ser reflexo da mecanização intensa ocorrida nos últimos anos, portanto, ações de vigilância e prevenção devem ser priorizadas no setor.

Palavras-chave: silicose; pedras São Thomé; quartzito; sílica; pedreiras.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Quatzite quarrying has been a long ongoing activity in the region of São Thome das Letras, Minas Gerais, Brazil, and 2000 workers are involved in its extraction and processing. However, only recently silicosis has been consistently reported.

OBJECTIVE: To describe the occupational and radiologic profiles of a group of workers in São Thomé stone production.

METHODS: Occupational and X-rays data were analized in a workers' health center, and a series of 46 cases were selected from a group of 185 extraction and processing workers. Results: All 185 subjects were male, with average age of 41.3 years and median exposure time of 6.1 years, and 46 of them (24.9%) presented radiological images compatible with silicosis. Silicosis was more frequent in stone processing, where the most severe cases were found, including 3 workers with large opacities and 8 with accelerated forms of the disease. The latter were, generally, of younger age and with shorter exposure time, suggesting exposure to higher silica concentrations.

CONCLUSION: Despite the limitations of the study, the high occurence of silicosis in the group suggests that adopted measures to prevent silica dust inhalation has been inefficient and have worsen in recent times as a consequence of the intense mechanization taken place in the last years. Adequate surveillance and prevention measures should, therefore, become priority in this industrial sector.

Keywords: silicosis; São Thomé stone; quartzite; silica; quarry.

Introdução

A silicose é uma pneumopatia ocupacional que representa um grave problema de saúde pública, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil (ALGRANTI et al., 2003). É causada pela inalação de poeira de sílica livre cristalina, seguida por reação do tecido pulmonar à sua presença. A ocorrência e o desenvolvimento da doença apresentam forte gradiente dose-resposta em relação à inalação de sílica (BUCHANAN; MILLER; SOUTAR, 2003; HNIZDO; SLUIS-CREMER, 1993; HUGHES et al., 2001; ROSENMAN, 1996).

Já foi demonstrado que a exposição crônica à poeira de sílica pode causar outras doenças além da silicose, como: tuberculose pulmonar (HNIZDO; MURRAY, 1998), doença pulmonar obstrutiva crônica (HNIZDO; VALLYATHAN, 2003), enfisema pulmonar (HNIZDO; SLUIS-CREMER; ABRAMOWITZ, 1991), doenças auto- imunes (STEENLAND; GOLDSMITH, 1995) e até câncer de pulmão (HUGHES et al. 2001, STEENLAND et al., 2001). Quanto ao último, a International Agency for Research on Cancer (IARC) classificou a sílica em 1997 como agente cancerígeno para humanos (grupo I) (INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER, 1997).

O diagnóstico das pneumoconioses é baseado na radiografia de tórax em conjunto com as histórias clínica e ocupacional coerentes. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) há muitos anos desenvolveu uma padronização para qualificar e quantificar as alterações radiológicas das pneumoconioses, de modo que as lesões parenquimatosas são classificadas em relação à profusão, forma e tamanho (INTERNATIONAL LABOR OFFICE, 2000). A quantificação dos pequenos nódulos da silicose varia em 12 subcategorias (0/-, 0/0, 0/1, 1/0, 1/1, 1/2, 2/1, 2/2, 2/3, 3/2, 3/3, 3/+). No Brasil, para fins de concessão de benefício previdenciário, considera-se caso de silicose aquele cuja leitura radiológica feita por dois leitores experientes tenha resultado maior ou igual a 1/0 (INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, 1998).

No Brasil, o maior número de casos registrados da doença ocorre no estado de Minas Gerais. Destes, a maioria está relacionada à mineração subterrânea de ouro, principalmente na região de Nova Lima – MG (ALGRANTI et al., 2003). Outras atividades estão relacionadas à ocorrência de silicose no estado, como: pedreiras, garimpo e lapidação de pedras preciosas, indústria cerâmica, indústria metalúrgica, construção civil e jateamento de areia (CARNEIRO et al., 2002).

Em São Thomé das Letras – MG e região, a exploração da pedra São Thomé, também conhecida como pedra branca ou quartzito folhado, ocorre em escala crescente, representando a principal atividade econômica da região. Ela é largamente utilizada no revestimento de paredes e assentamento de pisos de construções há vários anos. Os quartzitos são rochas metamórficas que contêm de 70% a 95% de quartzo em sua estrutura (FERNANDES; GODOY; FERNANDES, 2002).

Embora a prevalência de silicose seja conhecida nas atividades de beneficiamento de outros minerais rochosos, como o granito e ardósia (BON, 2006), até recentemente, não haviam referências descritas na literatura sobre silicose nos trabalhadores envolvidos na extração e no beneficiamento da pedra São Thomé.

Em 2008, segundo dados da Subdelegacia da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) da região, estimou-se que a população total de expostos no mercado formal da região, excluindo empregados de setores administrativos, fosse de aproximadamente 1.200 e 800 trabalhadores, respectivamente para a extração e o beneficiamento. Sabe-se que existe ainda um número expressivo no mercado informal. Após visita a duas pedreiras e a uma empresa de beneficiamento da região, das quais se originavam alguns dos trabalhadores em estudo, pôde-se verificar que a exposição à poeira de sílica era evidente, principalmente nas atividades de beneficiamento da pedra, como serragem e polimento. Na extração, destacaram-se as atividades de perfurador e blaster. Além da exposição à sílica, os trabalhadores enfrentavam também outros riscos, como ruído, vibração, exposição por longas horas à luz solar, adoção de posturas inadequadas, risco de explosões e desmoronamentos. Uma característica observada também marcante do perfil deste trabalho na região é a alta rotatividade da mão de obra dos trabalhadores, que migram para outras empresas também de extração ou beneficiamento, e a história ocupacional não rara de trabalho informal com garimpo de pedras, inclusive com trabalho infantil.

Objetivo

Delinear o perfil ocupacional e radiológico de 185 trabalhadores de quartzito de São Thomé das Letras – MG e região.

Métodos

Este é um estudo piloto integrante de um projeto maior, interinstitucional, com participação da Fundação Jorge Duprat de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador (Cerest-MG), inserido no Hospital das Clínicas da UFMG, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do Programa Nacional de Eliminação da Silicose (PNES) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP – UFMG) em 27/07/07 (parecer 267/07).

Após denúncias à DRT, da existência de casos de silicose na região de São Thomé das Letras, aquela enviou ao Cerest-MG, no período de setembro de 2005 a julho de 2007, radiografias então recentes de 185 trabalhadores da extração e do beneficiamento de quartzito para reavaliação mediante coleta dos mesmos em auditorias fiscais. Estes exames haviam sido previamente considerados alterados ou suspeitos da presença de imagens compatíveis com silicose pelo serviço de radiologia local.

No Cerest-MG, realizou-se um estudo tipo série de casos, baseado na revisão dos exames, com a finalidade de se verificar o diagnóstico de silicose, uma vez que todos os trabalhadores em questão estavam supostamente expostos à poeira de sílica.

Três leitores experientes realizaram leitura radiológica de acordo com a padronização da OIT, dentre eles dois Leitores B, de modo independente. O número de leitores para cada radiografia foi variável; 127 (68,7%) delas foram lidas por um leitor, 36 (19,5%) por dois e 22 (11,8%) por três. Isto ocorreu porque nem todas as radiografias ficaram disponíveis no Cerest por tempo suficiente para se proceder a duas ou mais leituras, haja vista a limitação de tempo imposta pela DRT local. Nas situações com duas leituras, o resultado final considerado foi o do leitor mais experiente. Já nas situações com três leituras, o resultado final foi a mediana das mesmas. A classificação da profusão das pequenas opacidades foi feita nas 12 subcategorias que, posteriormente, foram agrupadas de acordo com as quatro categorias principais: 0, 1, 2 e 3.

Alguns dados clínicos e ocupacionais já haviam sido coletados previamente por ocasião de fiscalização do MTE, por médico da DRT, através de anamnese. Após visita a São Thomé das Letras em junho de 2007, foram obtidos mais alguns dados com o mesmo profissional. Posteriormente, foram enviadas cartas às empresas que empregavam trabalhadores cujos dados estavam incompletos, contendo um questionário padronizado no qual se solicitavam informações de: data de nascimento, tempo de exposição e ramo de atividade da empresa. Para finalizar a coleta destes dados, foi feito contato telefônico dos pesquisadores com as empresas. Os dados foram correlacionados à presença, suspeita ou ausência de silicose, bem como aos seus graus de gravidade.

Paralelamente, diversas reuniões com empregados, empregadores, assim como autoridades de saúde locais foram realizadas, de forma que não houve conflitos de interesses de quaisquer ordens relacionados à elaboração do presente artigo. O sigilo de nomes de trabalhadores e empresas foi mantido.

Foram realizadas análises descritivas e univariadas. Para a comparação de proporções entre casos e não casos de silicose, foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson e Fisher. Para a verificação da normalidade, foi usado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Na comparação de médias, o Teste t de Student para amostras independentes e, na comparação de medianas, o teste de Mann-Whitney e de Kruskal Wallis. O nível de significância (a) considerado foi de 0,05. Utilizou-se o pacote estatístico SPSS 12.0 for Windows.

Resultados

Dentre os 185 trabalhadores, reconheceram-se as empresas de proveniência de 156 (84,3%) consistindo-se em 34 diferentes empresas, de quatro municípios da região de São Thomé das Letras – MG.

A anamnese ocupacional foi empregada em 73 trabalhadores, que constituíam os casos de silicose suspeitos ou confirmados pelos serviços locais. Dentre estes, estavam 45 dos 46 casos diagnosticados pelo presente estudo. Os demais, que tiveram dados colhidos por meio de cartas e telefonemas, pertenciam aos não casos (exceto um) e a 20 diferentes empresas, das quais 16 (80,0 %) forneceram os dados solicitados.

Considerando-se conjuntamente a anamnese ocupacional e a resposta aos questionários e telefonemas, foram conhecidos dados de idade, tempo de exposição e ramo da empresa de, respectivamente, 132 (71,4%), 123 (66,4%) e 152 (82,2%) trabalhadores. Ressalta-se que o tempo de exposição obtido por telefonemas e cartas limitava-se apenas ao tempo da empresa atual dos trabalhadores, pois não foi colhida a história ocupacional completa de 112 trabalhadores (60,5%).

Todos os 185 trabalhadores eram do sexo masculino. A idade variou entre 21,1 a 63,3 anos (média de 41,3 anos, desvio padrão (DP) de 10,9 anos).

Quanto ao ramo de atividade, 27 (14,6%) eram da extração, 30 (16,2%) do beneficiamento, 95 (51,4%) de ambos e 33 (17,8%) desconhecido.

A qualidade das radiografias, de acordo com os critérios da OIT, foi considerada boa, de modo geral. De acordo com cada leitor, as classificações predominantes de qualidade dos exames foram: leitor 1 – qualidade 2 (60%), leitor 2 – qualidade 2 (45%) e leitor 3 – qualidade 1 (50%). Na Tabela 1 encontra-se a distribuição dos resultados de classificação radiológica da profusão de pequenas opacidades, em 12 subcategorias (INTERNATIONAL LABOR OFFICE, 2000). Os principais tipos de opacidades primárias encontrados foram: q=22, r=10, p=6, s=4, t=2 e u=2. Para as opacidades secundárias, os números são os seguintes: q=21, u=7, p=5, t=5, r=5 e s=4. Foram encontrados sete portadores de grandes opacidades, sendo seis do tipo A e uma do tipo B. Dentre eles, quatro pertenciam ao ramo de extração e três ao de beneficiamento. Ao se incluir os sete portadores de grandes opacidades na categoria 3, por se tratarem de casos, em geral, clínica e radiologicamente mais graves, passaram a ser agrupados de acordo com as quatro categorias radiológicas principais: 23 (50,0%) na categoria 1, 14 (30,4%) na categoria 2 e 9 (19,6%) na categoria 3. A sua distribuição, de acordo com o ramo de atividade, está demonstrada na Figura 1.


Dentre os 46 portadores de silicose, 13 pertenciam ao ramo de extração, 20 ao de beneficiamento, 12 eram de ambos os ramos (mistos) e um era de ramo desconhecido. A média da idade dos portadores da doença foi de 46,5 anos (DP=10,4) e, dentre os não portadores, foi 38,7 anos (DP=10,2). A mediana do tempo de exposição dos portadores da doença foi de 25 anos; dos não portadores foi de 2,6 anos. Foi detectada diferença significativa da idade e do tempo de exposição em função da presença de silicose (valores p menores que 0,001).

Considerando-se as diferenças entre os ramos de extração e beneficiamento (selecionando-se os trabalhadores que trabalharam somente em um ou outro ramo), encontrou-se que o tempo mediano de exposição para os trabalhadores da extração foi de 21 anos (mínimo de 1,8 e máximo de 43,0 anos), e para os do beneficiamento foi de 9 anos (mínimo de 0,8 e máximo de 35 anos). Esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,109). Em relação à idade, a mediana à época da radiografia para os trabalhadores do ramo de extração foi de 44,2 anos (mínimo de 32,2 e 61,1 anos), para os do beneficiamento foi de 36,8 (mínimo de 23,5 e 63,2 anos), sendo esta diferença estatisticamente significativa (p=0,046). Não foi detectada associação significativa entre o ramo de exposição e a presença de silicose (p=0,157).

Verificou-se que até julho de 2007, dentre os 46 casos de silicose, existiam 8 (17,4%) com silicose acelerada ou com rápida evolução, de acordo com o tempo de exposição e com as características de imagem apresentadas. Todos eles pertenciam ao ramo de beneficiamento. A distribuição dos casos de acordo com as faixas de tempo de exposição está ilustrada na Figura 2. A Figura 3 evidencia a evolução de um dos casos de silicose acelerada.



Em relação à classificação das pequenas opacidades nas quatro categorias radiológicas principais (INTERNATIONAL LABOR OFFICE, 2000), foram analisadas idade e tempo de exposição (Figura 4), sendo encontradas diferenças estatisticamente significativa entre as medianas das mesmas (Estatística Kruskal-Wallis=14,649; p=0,002. Kruskal-Wallis = 55,72; valor p <0,001, respectivamente). Dentre os não portadores de silicose (categoria 0), as medianas de idade e tempo de exposição foram respectivamente de 37,9 anos e 2,6 anos. Dentre aqueles com silicose leve (categoria 1), foram de 48,5 anos de idade e 25 anos de exposição; dentre os com silicose moderada (categoria 2), foram de 49,8 anos de idade e 27 anos de exposição. Dentre aqueles com doença radiologicamente grave (categoria 3, incluindo os portadores de grandes opacidades), foram respectivamente 43,0 anos e 21 anos.


Discussão

O presente estudo não tem a pretensão de estimar a prevalência de silicose em São Thomé das Letras, mas conseguiu evidenciar que a ocorrência de casos é preocupante. Os resultados demonstraram que 46 (24,9%) trabalhadores apresentavam alterações radiológicas compatíveis com silicose, incluindo casos em categorias avançadas e casos de silicose acelerada, apontando para a existência de altas cargas de exposição e com graves consequências para a saúde dos trabalhadores da região. Foi ainda verificado que a maior parte (66%) dos trabalhadores do beneficiamento apresentava alterações compatíveis com silicose, dentre os quais houve também uma maior gravidade dos casos, compatíveis com os de outros estudos já realizados em pedreiras (FRANCO, 1978). Na literatura brasileira, existem registros de formas aceleradas de silicose em outros ramos de exposição, como em cavadores de poços e jateadores de areia (CASTRO; BETHLEM, 1995; HOLANDA, 1999).

Sabe-se que a ocorrência de silicose depende tanto da duração como da intensidade de exposição, no entanto, no presente estudo, ainda não foram feitas medições da concentração de poeira. Neste, ao contrário do que se espera em situações de exposição temporalmente estável, os trabalhadores mais jovens e com menor tempo de exposição apresentaram tendência a desenvolver formas mais graves de silicose (categoria 3), conforme observado na Figura 4. Portanto, pode ser inferido que tenha ocorrido maior intensidade de exposição, justificando a maior gravidade destes casos, ocorridos em épocas mais recentes. Este achado pode ser reflexo da mecanização intensa ocorrida nos processos de trabalho do beneficiamento nos últimos anos, causando, em última análise, maior adoecimento em relação a décadas passadas.

Em nosso meio, é grande a busca de benefícios previdenciários por estes trabalhadores; da mesma forma, é intensa a procura de ambulatórios do Sistema Único de Saúde em busca de verificação de diagnóstico e de assistência clínica em função da silicose e/ou de suas complicações. Em relação às últimas, ressalta-se a coexistência da tuberculose com a silicose, ou mesmo a dificuldade que pode ocorrer no diagnóstico diferencial entre ambas. Neste sentido, destaca-se que os municípios do presente estudo apresentaram taxas de tuberculose mais altas do que as de Minas Gerais, que nos anos de 2007 e 2008 foram de, respectivamente, 23,82 e 22,89 por 100.000 habitantes1 1 PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DA TUBERCULOSE. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/>. Acesso em: 26 jul. 2010. . Nos quatro municípios, em média, as taxas foram de 30,9 e 55,5 para os mesmos anos2 2 SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE AGRAVOS DE NOTIFICAÇÃO. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/index.php>. Acesso em: 26 jul. 2010. .

A silicose é uma doença ocupacional que permanece como um sério problema de saúde pública pela alta incidência e prevalência nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a OIT iniciaram, conjuntamente, em 1995, um programa que visa à eliminação da silicose como problema de saúde pública (FEDOTOV, 1997), e o Brasil participa desta iniciativa desde 2000 através do Programa Nacional de Eliminação da Silicose (ALGRANTI et al., 2004). No entanto, grande parte do sucesso deste programa dependerá da correta identificação dos focos da doença e da compreensão da dinâmica de adoecimento em tais locais. Assim, nos municípios ou setores da economia nos quais a silicose representa um problema de saúde pública confirmado, deverá ser priorizada a implementação de eficientes mecanismos de controle ambiental nos locais de trabalho, assim como de utilização de adequadas medidas de vigilância sobre os expostos, privilegiando-se as medidas preventivas. Neste sentido, o diagnóstico da doença em sua fase precoce, com o afastamento rápido destes casos da exposição, poderá contribuir para que a ambiciosa meta deste programa seja atingida, especialmente contribuindo para prevenção de evolução para formas mais graves de silicose, que podem resultar em insuficiência respiratória e até óbito. No presente estudo, a maior parte dos casos já havia sido afastada da exposição após a notificação realizada pela DRT, no entanto, na maioria deles isto não ocorreu em fase precoce da doença.

Este estudo reflete parte da realidade do adoecimento dos trabalhadores do setor formal de trabalho com quartzito em São Thomé das Letras-MG e região pelo fato de as fiscalizações do Ministério do Trabalho serem dirigidas para este setor. No entanto, é sabido que existem várias pequenas empresas informais onde as condições de trabalho e de exposição à sílica são potencialmente piores, favorecendo maior adoecimento. A isto é somado o fato de que na informalidade a notificação da silicose é praticamente inexistente. Ao serem consideradas estas questões, o problema da silicose adquire proporções bem maiores, o que traz à tona a severidade da situação.

Como limitações do estudo atual, podem ser citadas: a análise apenas de exames de imagem já suspeitos de alterações (pré-seleção), o que poderia contribuir para uma superestimação do percentual de casos; e o fato de ter sido obtido o tempo de exposição de alguns trabalhadores apenas na última empresa (carta ou telefone) devido à impossibilidade, até o momento, de ir a campo para fazer anamnese ocupacional de todos os trabalhadores. Entretanto, o já aprovado projeto de estudo contará com metodologia mais rigorosa com o objetivo de traçar um perfil o mais próximo possível da situação real de adoecimento por silicose dos trabalhadores da região.

Desde os primeiros relatos da ocorrência de casos na região, foram iniciadas reuniões e eventos, paralelamente ao desenvolvimento do projeto citado. A primeira delas, no final de 2005, ocorreu no Cerest-MG e, a partir daí, outras se deram com participação de médicos do trabalho e radiologistas da região de São Thomé das Letras e Furnas-MG, bem como representantes da Fundacentro, da DRT, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), da Secretaria Estadual de Saúde (SES) e integrantes do Programa de Saúde da Família (PSF) da região. Foram realizadas visitas à região de São Thomé das Letras pela Fundacentro, pelo Sebrae e pela DRT. Participaram de alguns eventos e foram ouvidos os trabalhadores da mineração e da extração com objetivo de iniciar esclarecimentos sobre o problema da silicose e da exposição à sílica, assim como convidar todos os envolvidos no contexto do problema para participarem do projeto de pesquisa.

Conclusão

Foi demonstrada uma alta ocorrência de silicose nos trabalhadores desta casuística, apesar das limitações do estudo. Isto sugere a presença de exposições descontroladas, especialmente em épocas mais recentes, o que deve servir de alerta para adoção de novas práticas de mineração e beneficiamento que procurem minimizar a exposição dos trabalhadores à sílica. Para tanto, devem ser considerados diversos tipos de ações em Saúde do Trabalhador, com caráter multidisciplinar e de forma articulada. Os trabalhadores expostos a esta grave realidade devem ser ouvidos e estimulados a exercer seu indispensável papel, como principais atores envolvidos, propondo novas formas de se trabalhar com maior proteção à saúde, à segurança e à dignidade.

De forma ideal, deve haver uma boa articulação entre todas as áreas do conhecimento relacionadas ao problema, a sociedade e o SUS, que tem importância fundamental e indispensável como porta de entrada do trabalhador que busca assistência à saúde. Com a implantação da Rede de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) e proposta de capacitação das equipes de saúde das Unidades Básicas de Saúde para assistir aos trabalhadores com doenças relacionadas ao trabalho e doenças profissionais, haverá a possibilidade de se fazer o diagnóstico de silicose em fases iniciais.

Contribuições de autoria

Barbosa, M. S. de A. e Carneiro, A. P. S.: participaram da elaboração do projeto, da coleta de dados e da interpretação de sua análise, da redação do texto e da revisão da versão final; Maciel, J. G. F. S.,Moronte, E. A. e Santos, A. R. M.: participaram da elaboração do projeto, da coleta de dados, da redação do texto e da revisão da versão final; La Rocca, P. de F.: participou da montagem do banco de dados, foi responsável pelas análises estatísticas e sua interpretação, participou da redação do texto e da revisão da versão final.

Recebido: 16/11/2010

Revisado: 07/02/2011

Aprovado: 10/02/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Nov 2010
    • Revisado
      07 Fev 2011
    • Aceito
      10 Fev 2011
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