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"Lidar com gente é muito complicado": relações socioprofissionais de trabalho e custo humano da atividade em teleatendimento governamental

"Dealing with people is hard": socio-professional relationships and cost of human activity at a governmental call center

Resumos

A pesquisa teve como objetivo geral investigar a inter-relação do custo humano da atividade com as relações socioprofissionais de trabalho em um serviço de teleatendimento governamental. Trata-se de um diagnóstico em Ergonomia da Atividade que contempla três dimensões analíticas: as relações socioprofissionais de trabalho, o custo humano da atividade e as vivências de bem-estar e mal-estar. Utilizou-se como abordagem metodológica a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). A análise dos resultados identificou uma associação entre as relações socioprofissionais de trabalho, a organização e as condições de trabalho. Desse modo, melhorias ou dificuldades em uma dessas dimensões exercem conseqüências positivas ou negativas sobre as demais. Os aspectos críticos do contexto de produção de serviços de teleatendimento interferem nas relações socioprofissionais de trabalho uma vez que a organização do trabalho impõe interações marcadas pela burocracia, pelo autoritarismo, pela rigidez e pelo controle, enquanto que as condições de trabalho contribuem para constantes conflitos interpessoais entre pares e entre teleatendentes e chefes de turma.

teleatendimento; ergonomia da atividade; custo humano do trabalho


This article mainly aims at investigating the inter-relationship between cost of human activity and social-professional relations of labor at a governmental call center. It consists of a diagnosis in Ergonomics of Activity considering three analytical dimensions: labor socio-professional relations, cost of human activity and well being/discomfort experiences. The methodological approach was the Ergonomic Work Analysis - EWA. The analysis of the results pointed out an association between labor socio-professional relations, organization and conditions. In this sense, improvements or difficulties in one of these dimensions trigger positive or negative consequences on the others. The critical aspects in the context of producing call center services interfere in the socio-professional relations of labor since labor organization demands interactions marked by bureaucracy, authoritarianism, inflexibility and control, while labor conditions contribute to inflame constant interpersonal conflicts between both workers from the same or from different hierarchic levels.

call center; ergonomics of activity; cost of human activity


ARTIGOS

"Lidar com gente é muito complicado": relações socioprofissionais de trabalho e custo humano da atividade em teleatendimento governamental1 1 Artigo extraído da dissertação de Mestrado de Vanessa Sales Veras intitulada Relações socioprofissionais de trabalho e custo humano da atividade: vivências de mal-estar e bem-estar em serviço de teleatendimento governamental, apresentada em março de 2006 na Universidade de Brasília.

"Dealing with people is hard": socio-professional relationships and cost of human activity at a governmental call center

Vanessa Sales VerasI; Mário César FerreiraII

IMestra em Psicologia pelo Instituto de Psicologia, Núcleo de Estudo em Ergonomia, Cognição e Saúde (EcoS), Universidade de Brasília, Brasil

IIDoutor em Ergonomia pela École Pratique des Hautes Etudes (Paris, França); Professor-adjunto no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia, Núcleo de Estudo em Ergonomia, Cognição e Saúde (EcoS), Universidade de Brasília, Brasil

RESUMO

A pesquisa teve como objetivo geral investigar a inter-relação do custo humano da atividade com as relações socioprofissionais de trabalho em um serviço de teleatendimento governamental. Trata-se de um diagnóstico em Ergonomia da Atividade que contempla três dimensões analíticas: as relações socioprofissionais de trabalho, o custo humano da atividade e as vivências de bem-estar e mal-estar. Utilizou-se como abordagem metodológica a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). A análise dos resultados identificou uma associação entre as relações socioprofissionais de trabalho, a organização e as condições de trabalho. Desse modo, melhorias ou dificuldades em uma dessas dimensões exercem conseqüências positivas ou negativas sobre as demais. Os aspectos críticos do contexto de produção de serviços de teleatendimento interferem nas relações socioprofissionais de trabalho uma vez que a organização do trabalho impõe interações marcadas pela burocracia, pelo autoritarismo, pela rigidez e pelo controle, enquanto que as condições de trabalho contribuem para constantes conflitos interpessoais entre pares e entre teleatendentes e chefes de turma.

Palavras-chaves: teleatendimento, ergonomia da atividade, custo humano do trabalho.

ABSTRACT

This article mainly aims at investigating the inter-relationship between cost of human activity and social-professional relations of labor at a governmental call center. It consists of a diagnosis in Ergonomics of Activity considering three analytical dimensions: labor socio-professional relations, cost of human activity and well being/discomfort experiences. The methodological approach was the Ergonomic Work Analysis — EWA. The analysis of the results pointed out an association between labor socio-professional relations, organization and conditions. In this sense, improvements or difficulties in one of these dimensions trigger positive or negative consequences on the others. The critical aspects in the context of producing call center services interfere in the socio-professional relations of labor since labor organization demands interactions marked by bureaucracy, authoritarianism, inflexibility and control, while labor conditions contribute to inflame constant interpersonal conflicts between both workers from the same or from different hierarchic levels.

Keywords: call center, ergonomics of activity, cost of human activity.

Introdução

Pessimismo, reclamações com relação ao ambiente de trabalho, dificuldades de relacionamento, boatos, resistência em aceitar a liderança dos chefes de turma. Todas essas queixas serviram de ponto de partida para a realização desta pesquisa que teve como objetivo investigar a inter-relação do custo humano da atividade com as relações socioprofissionais de trabalho em uma central de teleatendimento governamental sob a perspectiva teórica e metodológica da Ergonomia da Atividade.

O serviço de teleatendimento

Os serviços de teleatendimento têm sido cada vez mais utilizados tanto nas empresas do setor privado quanto nos órgãos públicos. No que tange ao setor público, a necessidade de investimentos na área de tecnologia da informação de modo a melhor atender ao usuário, que na ótica desse setor é denominado cidadão, configura-se como um imperativo, tendo em vista que o Estado, na maioria dos países, é a maior organização produtora e abastecedora de informações, exercendo o papel de fornecedor exclusivo dos serviços públicos. No Brasil, diversas esferas do governo têm adotado o serviço de teleatendimento como uma forma de estabelecer um canal efetivo com a sociedade, através do qual o cidadão pode fazer reclamações, denúncias, solicitar informações ou obter serviços prestados pelas repartições públicas em geral. A importância dessa forma de atendimento está na eficiência e na praticidade com que o cidadão consegue ser atendido, bem como na redução de custos para o Estado.

Não obstante a vasta literatura sobre teleatendimento, existe uma carência de estudos sobre as especificidades desse serviço na esfera governamental. Mesmo apresentando semelhanças com os demais atendimentos do tipo call center, o teleatendimento governamental possui características bastante distintas que merecem ser investigadas. Uma delas é, no caso brasileiro, a terceirização desse tipo de serviço no setor público, que possibilitou a abertura de milhares de novos postos de trabalho, mas sem considerar as possíveis implicações dessa ampliação para o bem-estar e para a saúde dos operadores. O aumento do número de empregados terceirizados indica uma tendência preocupante, uma vez que muitas instituições optam por terceirizar os serviços apenas para reduzir custos sem se preocupar em fornecer um contexto de trabalho adequado, corroborando a precarização do sistema produtivo.

Em pesquisa realizada sobre os impactos da terceirização, constatou-se a deteriorização das condições de trabalho existentes, o medo da demissão e o choque cultural entre os terceirizados e os empregados da empresa contratante dos serviços. Registrou-se também a degradação das relações de trabalho no âmbito produtivo, principalmente em atividades que exigem menor grau de qualificação profissional (VALENÇA & BARBOSA, 2002). Desse modo, a terceirização dos serviços pode refletir negativamente no contexto de produção, trazendo conseqüências indesejadas.

A singularidade da pesquisa ora relatada está na escolha da temática: relações socioprofissionais de trabalho. Na literatura sobre serviço de teleatendimento, poucos estudos analisam as interações socioprofissionais firmadas nesse contexto de trabalho. No entanto, as interações que os sujeitos estabelecem entre si são tão importantes para realização da tarefa quanto o suporte organizacional e a forma de gestão adotada. Nesse sentido, parte-se da premissa que a qualidade dessas interações está diretamente ligada aos dois outros fatores do contexto de produção de bens e serviços: condições de trabalho e organização do trabalho.

Quanto às condições de trabalho, Brooke (2002) destaca que o desenvolvimento e o uso de novas tecnologias no call centerdevem ser pautados na participação de todos os envolvidos no processo e na efetiva troca de informações. Para o autor, não basta ter acesso à tecnologia de ponta sem que as informações de base sejam discutidas em equipe. No que se refere à organização do trabalho, a interação atendente/usuário é prejudicada na medida em que, ao longo da jornada, a monotonia e a repetitividade (FERREIRA & SALDIVA, 2002) inerentes à atividade tendam a fazer com que o atendente apenas escute passivamente e siga procedimentos padronizados sem estabelecer uma verdadeira compreensão da demanda do usuário (BROWN & MAXWELL, 2002).

Globalmente, nas centrais de teleatendimento, considera-se como vantagem competitiva o custo-benefício em termos de preço do produto, conveniência, acesso, tecnologia e comercialização (BROWN & MAXWELL, 2002). Nessa perspectiva, as relações socioprofissionais são colocadas em segundo plano, pois se privilegia uma gestão focada na quantidade de atendimentos em detrimento do bem-estar de quem trabalha. Entretanto, essa visão reducionista negligencia o papel das relações socioprofissionais no trabalho, visto que essas interações podem ser provedoras tanto de vivências de mal-estar quanto de vivências de bem-estar para os trabalhadores, assim como podem ser promotoras de saúde reduzindo sintomas de adoecimento.

Quadro teórico de referência da pesquisa

É precisamente no contexto de central de teleatendimento do setor público federal que se insere a presente pesquisa, cujo enfoque teórico-metodológico se situa no campo da Ergonomia da Atividade. Essa disciplina é definida como uma abordagem científica de natureza antropocêntrica fundamentada em conhecimentos interdisciplinares das ciências humanas. Ela tem como objetivo compatibilizar os produtos e as tecnologias às características dos usuários, assim como humanizar o contexto sociotécnico de trabalho, adaptando-o tanto aos objetivos do indivíduo e/ou grupo quanto às exigências das tarefas (FERREIRA, 2003). A Ergonomia da Atividade busca compreender os indicadores críticos presentes no contexto de produção para transformá-los com base em uma solução de compromisso que atenda às necessidades e aos objetivos de trabalhadores, gestores e usuários.

Para a Ergonomia da Atividade, a situação de atendimento é a "porta de entrada" para a investigação das origens da falta ou da perda de qualidade do serviço prestado (FERREIRA, 2000). Os indicadores críticos do contexto de atendimento ao público (perda de material, tempo de espera, reclamações dos usuários e dos atendentes) são apenas a dimensão mais perceptível de uma problemática cuja gênese pode estar nas condições, na organização e nas relações socioprofissionais de trabalho. Trata-se, portanto, de um enfoque pertinente ao estudo do objeto de pesquisa, na medida em que a Ergonomia busca contemplar os múltiplos aspectos envolvidos nas situações de trabalho, na perspectiva de construir um cenário explicativo para a compreensão científica da problemática em foco.

A identificação dos problemas presentes no lócus organizacional é o primeiro passo para a compreensão do serviço de teleatendimento como um todo e as interações dos diversos fatores envolvidos nesse contexto.

Conceitos norteadores da pesquisa

Para compreender as interações estabelecidas no serviço de teleatendimento, o quadro teórico de referência contempla primordialmente a noção de Relações Socioprofissionais de Trabalho (RST). Tal conceito faz parte da noção teórica de Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS), que é definido como:

lócus material, organizacional e social onde se opera a atividade de trabalho e as estratégias individual e coletiva de mediação que são utilizadas pelos trabalhadores na interação com a realidade de trabalho (FERREIRA & MENDES, 2003, p. 43).

Nesta pesquisa, aplica-se a noção teórica de CPBS à situação de teleatendimento estudada que doravante será chamada de Contexto de Produção de Serviços de Teleatendimento (CPST).

O CPBS é estruturado por três dimensões interdependentes: organização do trabalho, condições de trabalho e relações socioprofissionais de trabalho. Tais conceitos orientaram a coleta de dados e a interpretação dos resultados obtidos nesta pesquisa. Eles são definidos da seguinte forma, conforme Ferreira e Mendes (2003, p. 46):

Organização do Trabalho (OT): elementos prescritos, formais e/ou informais, que expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho;

Condições de Trabalho (CT): elementos estruturais que expressam as condições ambientais e de apoio institucional para a realização do trabalho;

Relações Socioprofissionais de Trabalho (RST): elementos interacionais que expressam as relações profissionais de trabalho. São integrantes dessa dimensão: (a) as interações hierárquicas; (b) as interações coletivas entre membros da equipe de trabalho e membros de outros grupos; e (c) as interações externas com usuários, consumidores, fornecedores.

Essas dimensões podem ter importância diferenciada no contexto de produção e indicam a complexidade do lócus organizacional, sendo configuradoras das fontes do "Custo Humano do Trabalho" (FERREIRA & MENDES, 2003), isto é, custo despendido pelos trabalhadores nas esferas física, cognitiva, afetiva diante das contradições existentes no contexto de produção. As exigências que integram a noção de custo humano do trabalho são impostas pelas características do ambiente de trabalho e estão assim definidas:

Exigências físicas: expressam o custo corporal em termos de dispêndio fisiológico e biomecânico sob a forma de posturas, gestos, deslocamentos e emprego de força física;

Exigências cognitivas: expressam o custo cognitivo em termos de dispêndio intelectual sob a forma de aprendizagem necessária, de resolução de problemas e de tomada de decisão; e

Exigências afetivas: expressam o custo afetivo em termos de dispêndio emocional sob a forma de reações afetivas, de sentimentos e de estado de humor.

Para lidar com as contradições existentes no contexto de produção, os trabalhadores utilizam Estratégias de Mediação Individual e Coletiva (EMIC) com a finalidade de transformar as adversidades e, ao mesmo tempo, assegurar as integridades física, psicológica e social, buscando, conseqüentemente, a prevalência de vivências de bem-estar sobre as de mal-estar.

Nessa perspectiva conceitual, as vivências de bem-estar e mal-estar se expressam por meio das representações mentais que os trabalhadores fazem do próprio estado geral (físico, psicológico e social) em determinados momentos e contextos. Essas vivências possuem caráter dinâmico resultante do confronto entre as exigências físico-cognitivo-afetivas do ambiente de trabalho com as estratégias de mediação individual e coletiva dos trabalhadores. Metaforicamente, as representações de bem-estar e mal-estar se caracterizam por uma dinâmica similar a de um pêndulo que tende a oscilar no eixo do processo saúde-doença, cujo movimento depende da eficiência e da eficácia das estratégias de mediação.

A pesquisa objetivou investigar a inter-relação do custo humano com as relações socioprofissionais de trabalho em um serviço de teleatendimento governamental. As seguintes questões conduziram a investigação da temática:

- Como se caracterizam as relações socioprofissionais de trabalho no serviço de teleatendimento?

- Como se configura o custo humano da atividade de teleatendente?

- Quais elementos do contexto de produção são configuradores de vivências de mal-estar e bem-estar?

Em síntese, o referencial teórico adotado neste estudo permite a hipótese de que quanto mais críticas forem as relações socioprofissionais de trabalho no teleatendimento, maior será o custo humano do trabalho despendido para lidar com os aspectos conflituosos das interações estabelecidas e, conseqüentemente, maiores serão os riscos de predominância de vivências de mal-estar dos trabalhadores.

Abordagem metodológica

O método utilizado neste estudo foi a Análise Ergonômica do Trabalho (GUÉRIN et al., 2001). A escolha dessa abordagem como ferramenta de investigação do objeto de estudo decorre de suas características procedimentais. Esse modelo metodológico caracteriza-se por uma flexibilidade procedimental que permite ajustar os métodos e as condições de aplicação ao contexto e à demanda ou situação-problema apresentada. Neste sentido, ao utilizar tal metodologia, buscou-se uma melhor compreensão das relações socioprofissionais de trabalho estabelecidas na central de teleatendimento, fazendo os ajustes necessários para adaptar o instrumental metodológico ao contexto de estudo.

Contexto de produção de serviços de teleatendimento: o campo de estudo

Trata-se de uma central de teleatendimento governamental de número 0800, cuja missão institucional é prover esclarecimentos sobre as ações educacionais do Governo Federal, permitindo que os cidadãos possam se comunicar gratuitamente com o serviço público para: efetuar consultas; fazer denúncias e/ou reclamações; oferecer sugestões; solicitar materiais. Além do atendimento telefônico, o serviço também disponibiliza ao usuário outras vias de comunicação, como endereço eletrônico, caixa postal e fax. Na ocasião da pesquisa, eram atendidas pelos operadores cerca de 73 mil ligações mensais. A central contava com um efetivo de 60 teleatendentes e 6 chefes de turma cuja função era buscar informações para o atendimento, além de supervisionar, monitorar e avaliar o desempenho dos teleatendentes.

Instrumentos e procedimentos

Para se atingir o objetivo de pesquisa e responder às questões norteadoras, utilizaram-se alguns recursos metodológicos empregados na Análise Ergonômica do Trabalho. O Quadro 1 apresenta uma breve descrição dos instrumentos e procedimentos realizados, bem como os objetivos que orientaram a coleta de dados.


Os dados foram tratados de forma quantitativa e qualitativa, sendo utilizados os programas SPSS e Excel para a análise das escalas ECORT (Escala de Avaliação das Condições, Organização e Relações Socioprofissionais de Trabalho) e ECHT (Escala de Avaliação do Custo Humano do Trabalho) juntamente com o software Alceste — Analyse Lexicale par Contexte d'un Ensemble de Segments de Texte (Reinert, 1990) — para a análise das entrevistas.

Perfil dos participantes

Na segunda fase da pesquisa (aplicação do questionário), participaram do estudo 52 teleatendentes divididos em dois turnos de trabalho (das 8h às 14h e das 14h às 20h). A Tabela 1 descreve os perfis dos participantes em cada etapa.

O perfil encontrado apresenta semelhanças com o dados da literatura (BELT, 2002; BELT, RICHARDSON & WEBSTER, 2002; VIANA, ROCHA & GIMENES, 2004), uma vez que a maioria dos trabalhadores de teleatendimento é formada por mulheres jovens e com escolaridade de Ensino Médio ou Superior Incompleto.

Resultados e discussão

Os resultados serão apresentados de forma concomitante com a discussão.

Espera-se que, dessa maneira, o leitor possa acompanhar o fio condutor da pesquisa, posto que as questões norteadoras do estudo são estruturadoras da apresentação dos principais resultados.

Como os teleatendentes avaliam as relações socioprofissionais de trabalho

Para se obter uma visão global do contexto de trabalho e de seus indicadores críticos, aplicou-se a escala ECORT. A Tabela 2 apresenta os resultados referentes às dimensões que compõem o contexto de produção de serviços de teleatendimento.

Não obstante os resultados das médias indicarem que os teleatendentes percebem como "moderados" os fatores do contexto de produção de serviço de teleatendimento e, portanto, não avaliam, a priori, esse contexto nem de forma negativa ou positiva, não se pode considerar esses resultados por si só sem antes analisar os itens componentes de cada dimensão analítica. Antes disso, a tabela nos mostra que, mesmo as médias indicando uma percepção "moderada" dos fatores, existe uma diferença quanto à homogeneidade das respostas, o que significa uma maior dispersão ou variabilidade nas respostas referentes aos fatores "condições de trabalho" e "relações socioprofissionais de trabalho" do que no fator "organização do trabalho". Logo, pode-se inferir que os teleatendentes possuem uma percepção menos consensual no que tange às relações socioprofissionais e às condições de trabalho.

No que se refere ao fator "relações socioprofissionais de trabalho", as respostas aos itens da escala ECORT confirmam a realidade encontrada em outras centrais (BELT, 2002; VIANA, ROCHA & GIMENES, 2004) em que o atendente tem pouca ou nenhuma possibilidade de ascensão profissional e está inserido num modelo de gestão focado mais na padronização e na fragmentação das tarefas do que no bem-estar do trabalhador.

Já na análise das entrevistas, identificaram-se interações conflituosas entre os teleatendentes, confirmando a demanda inicial feita pelo coordenador do serviço. Nesse sentido, percebe-se a existência de um conflito entre turnos, sendo que, no discurso dos atendentes, foi possível reconhecer algumas questões que podem explicar a origem de tais conflitos.

Formas diferentes de tratamento por parte das chefias para atendentes selecionados e para atendentes indicados (apadrinhados):

...isso é estranho. A maioria das pessoas que trabalham aqui são indicações de chefias lá de cima. Então eu vejo que quem é indicado faz o seu horário de trabalho. É lógico que existem as advertências e é tudo anotado, mas ele tem autonomia de levantar e falar hoje eu não vou sentar aqui porque está me fazendo mal o ar-condicionado.

Generalização da punição: "se um errou, todos pagam":

Agora se te pegarem acessando a Internet, você é demitido. Isso porque pegaram o pessoal da manhã acessando a Internet. Então, há esse conflito e com isso o pessoal da tarde fala que isso aconteceu por causa do pessoal da manhã. Há esse conflito mesmo entre os turnos.

Diferentes desempenhos dos atendentes por turno:

As notas do turno da tarde são melhores. Mas como eu trabalho há muito tempo aqui, quando eu venho trabalhar à tarde, eu sou muito bem recebida...

Para Abrahão (2000), os trabalhadores do setor de serviço, apesar de toda a tecnologia de informação a que têm acesso, devem lidar com forte pressão temporal para a realização da tarefa, bem como com os prazos indevidos. Conseqüentemente, no caso do teleatendimento, cria-se um ambiente em que as pessoas só se comunicam para resolver conflitos, seja entre atendente e cidadão, atendente e chefe de turma ou atendente e atendente. Dessa forma, segundo Assunção (2003), a divisão do trabalho, presente nesse tipo de atendimento, contribui para promover formas de competição entres as pessoas. Neste sentido, infere-se que a forma como o trabalho está organizado apresenta-se diretamente associada à qualidade das interações socioprofissionais vivenciadas.

Principais características da organização do trabalho

Quanto à organização do trabalho, o aspecto mais crítico se refere à pressão temporal para realização da atividade. Essa característica está bastante presente no serviço de teleatendimento e afeta o desempenho do teleatendente (FERREIRA, 2005; FREIRE, 2002; ABRAHÃO, 2000; LE GUILLANTet al., 1956).

Considerando que existe cobrança, controle e pressão temporal para realizar o atendimento, pode-se inferir como são estabelecidas as interações chefia-atendente dentro desse contexto. Para compreender tais interações, é necessário contextualizar outros aspectos da organização do trabalho nesse serviço de teleatendimento.

As jornadas de trabalho estão divididas em dois turnos de seis horas, cujos intervalos para lanche e idas ao toalete são determinados pelos chefes de turma. Essa decisão é feita com pouca ou nenhuma participação dos atendentes. Salvo situações emergenciais, como problemas de saúde, o atendente só pode se ausentar do posto de trabalho nos horários pré-estabelecidos.

Nesse contexto, a análise das entrevistas revelou um cenário interno caracterizado pela falta de clareza de informações e no qual, muitas vezes, os problemas são tratados de forma camuflada, gerando o boato e a desconfiança no ambiente de trabalho (BOM SUCESSO, 2002). O trecho abaixo exemplifica essa característica:

Às vezes acontece algo novo, e as pessoas não dão informação(...) têm alguma informação e elas não passam e ficam enrolando e enrolando. Aí alguém deixa escapar, porque é amigo de não sei quem, e essa pessoa já fala para outra que também fala para outra. Então, sempre tem alguém que aumenta um pouco. Se eles fossem bem taxativos quando surgisse uma conversinha, impedissem isso e já esclarecesse a notícia. Mas não, deixam chegar nesse ponto de rádio-corredor para depois dá a notícia.

A organização do trabalho é pautada essencialmente na punição e no controle, impedindo o fluxo eficaz de informações essenciais para a execução da atividade. A falta de informações durante o atendimento ao cidadão faz com que o atendente tenha pouca margem de manobra para lidar, de um lado, com a ameaça de punição por parte dos chefes de turma e, de outro, com a cobrança do cidadão. Todos esses aspectos da organização do trabalho contribuem para as constantes queixas dos operadores relacionadas à falta de autonomia e ao monitoramento excessivo.

Principais características das condições de trabalho

Com relação às condições de trabalho, o principal indicador crítico diz respeito ao desconforto térmico provocado pelo ar-condicionado. Dependendo do lugar em que está sentado, o atendente recebe fortes jatos de ventilação, tendo que se agasalhar, ou então sente calor, pois com a ventilação direcionada a apenas alguns postos de trabalho, o ar não circula em toda a sala de atendimento. Mesmo fazendo rodízio periódico dos postos de trabalho, esse é um problema difícil de conciliar entre os atendentes:

...um fala que está quente e a chefe de turma baixa a temperatura, ai tem outro que fala que está frio. O ar-condicionado é um problema.

No que se refere aos aspectos físico-ambientais, a sala de atendimento possui 75m2, comportando 30 postos de teleatendimento e 3 mesas para os chefes de turma. O espaço físico é pequeno se comparado a outras centrais governamentais. Nesse contexto, o nível de ruído tem como valor médio 59,60 decibéis. Esse índice não ultrapassa o limite de 65 decibéis estabelecido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) por meio da norma NBR 10152, que rege sobre os níveis de ruído e conforto acústico. Entretanto, para os atendentes, o nível de ruído é desconfortável devido ao espaço destinado para a sala de atendimento ser insuficiente, fazendo com que os postos de trabalho estejam muito próximos uns dos outros. Além disso, o ambiente não possui tratamento acústico adequado.

Conforme Ferreira (2004), as condições de trabalho inadequadas deterioram a qualidade do ambiente de trabalho aumentando o custo humano e colocando em risco o bem-estar dos trabalhadores. No caso do serviço de teleatendimento estudado, aspectos críticos das condições de trabalho (ambiente físico, equipamentos e gestão da informação) contribuem para o desgaste nas relações socioprofissionais estabelecidas na central.

Custo humano da atividade no serviço de teleatendimento

Com base nos resultados ECHT, os itens mais representativos foram:

- Ter controle das emoções (83,3% dos respondentes)

- Ter que lidar com ordens contraditórias (64,8% dos respondentes)

- Ser obrigado a lidar com imprevistos (63% dos respondentes)

A análise das entrevistas semi-estruturadas, via Alceste, ofereceu uma qualificação das interações socioprofissionais, bem como para os demais aspectos críticos presentes no contexto de trabalho (Figura 1).


O custo humano do trabalho resulta das condições e exigências inerentes à atividade de teleatendimento. Ele exige do atendente constante uso de estratégias de mediação para dar conta das contradições presentes no contexto de produção. A seguir, apresentam-se os aspectos do contexto de teleatendimento que demandam custo nas esferas física, cognitiva e afetiva.

Custo físico

O custo físico está relacionado, principalmente, com as condições de trabalho. A atividade exige que o atendente passe grande parte da jornada sentado utilizando um posto de trabalho pouco adequado. As mesas de trabalho onde estão localizados a CPU (Central Processing Unity), o monitor e o teclado são fixas, não possuindo nenhuma possibilidade de ajuste. Além disso, não existe suporte para o monitor. Essas características vão de encontro aos parâmetros estabelecidos pela Norma Regulamentadora nº 17 do Ministério do Trabalho sobre Ergonomia (BRASIL, 1978), em que as mesas devem possuir ajustes que permitam a movimentação e o posicionamento dos seguimentos corporais. Adicionalmente, no posto de trabalho informatizado, deve existir suporte de monitor possibilitando o ajuste da tela à iluminação do ambiente, assim como o suporte do teclado deve ser independente e ter mobilidade.

Tais aspectos das condições de trabalho contribuem para o aparecimento de conseqüências do custo físico que afetam a saúde dos atendentes (VIANA, ROCHA, & GIMENES, 2004). Um exemplo diz respeito à iluminação do ambiente, pois, dependendo da localização do posto de atendimento, há maior ou menor incidência de luz. Alguns atendentes reclamam de dor de cabeça e problemas de visão ocasionados pela iluminação e pelo reflexo na tela do monitor. A existência de postos de trabalho posicionados de frente para janelas serve como barreira de entrada para a iluminação natural. Esse fator, combinado com a luminosidade artificial intensa, causa reflexos na tela do monitor.

A ventilação do ambiente é outra fonte de reclamações. Existem postos de trabalho nos quais o jato de ar vindo do ar-condicionado incide diretamente no atendente. Nesses casos, queixas de dor e rigidez nas articulações foram relatadas, assim como problemas respiratórios e alérgicos.

O ruído provocado pela conversação contínua também é um elemento perturbador da atividade. A concentração de atendentes num espaço físico limitado faz com que seja necessário aumentar o tom de voz para conseguir interagir com o cidadão. O uso constante de headset (fone de ouvido) e os níveis de ruído no limite do tolerável para a atividade acarretam perda gradativa de audição. Na central já existem casos de afastamento do trabalho devido à perda da capacidade auditiva.

Custo cognitivo

A interação com o cidadão é o aspecto que acarreta maior custo cognitivo no serviço de teleatendimento. A diversidade de público que liga para a central aliada à variedade da demanda exige do atendente concentração e prontidão constantes durante o atendimento.

O perfil do cidadão determina a forma como a informação será transmitida. Por atender a um público bem diversificado, o atendente deve estar apto a transmitir a mesma informação a pessoas com níveis de escolaridade diferenciados. O fato da equipe de teleatendimento não utilizar scripts pré-elaborados para transmitir a informação permite uma certa flexibilidade para atender às diferentes demandas do cidadão. Dessa forma, ao atender uma ligação, o operador passa a adaptar a sua linguagem à linguagem do cidadão, muitas vezes usando palavras de fácil compreensão e explicando o significado de palavras que o cidadão desconhece.

Outro aspecto que agrega complexidade ao serviço é a dificuldade para obter informações essenciais para a execução da atividade. Em algumas ocasiões, no lançamento de programas institucionais, a informação primeiramente é apresentada na mídia e só em seguida os atendentes são informados, muitas vezes pelo próprio cidadão que liga. Neste caso, ocorre uma inversão de papéis, já que se transfere para o cidadão a função de informar sobre os programas institucionais promovidos pelo Estado, sendo que o atendente deveria ser o "porta-voz" da informação solicitada pelo cidadão e não o receptor. Assim, o atendente deve lidar com o imprevisto e buscar a informação requisitada por meio de diversas fontes, utilizando estratégias de mediação, como mostra o resultado das observações sistemáticas (Tabela 3).

Identificou-se a dificuldade de acesso às informações sobre lançamentos e programas institucionais como principal fator que obstaculiza o fluxo de comunicação entre atendente-cidadão. Conforme exemplifica o relato abaixo:

E, às vezes, você perde quinze minutos com o cidadão. A informação vem de charrete. Eu acho que nós não temos suporte da secretaria, os chefes de turma sofrem demais com isso. Aí sou eu e mais não sei quantos na central ligando para os chefes de turma que têm que ligar para um setor lá em cima. O setor lá de cima talvez tenha poucos funcionários e a resposta não vem, e o cidadão está ligando. No final da jornada, o atendimento é péssimo, e isso fica focado no atendente.

Toda essa dinâmica de busca de informações contribui para a perda da qualidade do serviço (MASCIA & SZNELWAR, 2000), pois, enquanto o teleatendente está buscando a informação, o usuário está esperando do outro lado da linha, o que aumenta o tempo médio de atendimento.

Custo afetivo

A dimensão afetiva do custo humano é caracterizada neste serviço de teleatendimento pelo dispêndio emocional exigido nas interações socioprofissionais inerentes à atividade. A atividade exige que o atendente tenha pleno controle das emoções durante todo atendimento. Isso significa atender um cidadão agressivo e ouvir tudo sem perder a postura de atendente gentil e cordial. Essa realidade contribui para o desgaste emocional dos atendentes, uma vez que o atendimento como um todo sofre o efeito da ligação de um usuário indelicado. A fala de um dos entrevistados exemplifica essa situação:

Tem gente que te trata bem e tem gente que te trata mal e você tem que escutar todos. O pior relacionamento é com o cidadão, ele te trata mal e você não tem como argumentar isso e descontar de volta nele.

Outro fator de desgaste diz respeito à expectativa que o cidadão deposita no atendente. Ao utilizar o serviço, o usuário vê o teleatendente como alguém que irá solucionar o seu problema. Neste caso, o atendente percebe que, na sua função, deve suprir essas expectativas gerando um sentimento de impotência e de inutilidade quando não consegue atender de forma satisfatória a demanda do usuário.

Ademais, as relações conflituosas entre turnos, as disputas e os boatos fazem parte de um cenário crítico das relações socioprofissionais de trabalho na central de teleatendimento. Nesse aspecto, o custo afetivo é decorrente da falta de companheirismo, da dificuldade de interação entre os colegas, da proteção ou apadrinhamento por parte dos superiores e também pela obscuridade com que as informações são tratadas. Uma atendente resumiu tudo isso em uma frase: "É preciso humanizar a central".

O custo afetivo pode ser expresso sob a forma de reações afetivas, de sentimentos e de estado de humor que são resultantes da dinâmica de trabalho imposta pela instituição. Dessa maneira, o atendente se transforma em uma espécie de "equilibrista" afetivo, tendo que gerir simultaneamente as exigências da instituição e as expectativas dos cidadãos. O elevado custo afetivo pode ser caracterizado por alguns "sintomas", tais como: irritabilidade, mal-humor, dificuldade de relacionamento, estresse emocional e depressão.

Aos componentes afetivos somam-se ainda o intenso trabalho mental, o controle e a pressão por parte da chefia (DEERY, IVERSON & WALSH, 2002). A forma como o trabalho está organizado traz como conseqüência, além do sofrimento psíquico, o isolamento e a competição entre os trabalhadores de uma mesma equipe (ASSUNÇÃO, 2003).

Tendo sido apresentados os aspectos críticos do contexto de produção de serviços de teleatendimento que interferem nas relações socioprofissionais de trabalho e tendo destacado o custo humano envolvido para lidar com as contradições presentes nesse contexto, resta apontar quais os elementos do contexto de produção que propiciam uma avaliação positiva ou negativa dos atendentes com relação ao seu estado físico, psicológico e social. Em síntese, significa identificar quais os fatores presentes nas dimensões OT, CT e RST que podem ser fomentadores de vivências de bem-estar ou de mal-estar.

Vivências de bem-estar e mal-estar no trabalho

As avaliações dos atendentes sobre o seu estado físico, psicológico e social associadas ao contexto de teleatendimento são reveladoras tanto de vivências de mal-estar quanto de vivências de bem-estar.

Os resultados mostram os fatores que influenciam as vivências de mal-estar e bem-estar nas três dimensões: (a) organização do trabalho; (b) condições de trabalho e; (c) relações socioprofissionais de trabalho (Quadros 2 e 3).



Ao comparar os dois quadros, percebe-se o papel contraditório e mediador que as relações socioprofissionais exercem na dinâmica do trabalho, uma vez que os relacionamentos entre pares e com o cidadão assumem função determinante tanto para as vivências de bem-estar quanto para as vivências de mal-estar. Esse resultado encontra respaldo na literatura, pois, no serviço de teleatendimento, o usuário pode funcionar como fonte de bem-estar e reconhecimento do trabalho do atendente, como também ser fonte de desgaste emocional (HOLMAN, 2002; GLINA & ROCHA, 2003).

As representações de bem-estar e de mal-estar oscilam no eixo saúde-doença e estão vinculadas à eficiência e à eficácia das estratégias de mediação. Nesse sentido, os relatos dos entrevistados revelam a existência de problemas de saúde como alergias, sinusite, dores nas costas, problemas de visão, dores de cabeça, dores musculares e sensação de fadiga ao final da jornada de trabalho. Dessa forma, tais aspectos negativos caracterizam as avaliações que os teleatendentes fazem de seus estados físico, psicológico e social, sendo indicadores de vivências de mal-estar e de possível falência das estratégias de mediação.

Inter-relação das três dimensões: RST, CHT e vivências de mal-estar e de bem-estar

Na tentativa de conseguir lidar com as adversidades impostas pelo trabalho, os atendentes desenvolvem mecanismos do "modo de ser e de agir" buscando responder, da melhor maneira possível, ao desempenho esperado pela instituição.

O esquema anterior (Figura 2) destaca o componente, objeto desta pesquisa, relações socioprofissionais de trabalho e sua inter-relação com o custo humano da atividade. Para lidar com o custo humano, principalmente nas esferas afetiva e cognitiva, os atendentes utilizam estratégias de mediação que, quando eficazes, conduzem a uma avaliação positiva do seu estado físico, psicológico e social dentro do contexto de trabalho e, por conseqüência, proporcionam vivências de bem-estar, caso contrário, podem-se configurar vivências de mal-estar.


Considerando os diversos indicadores críticos presentes no contexto de trabalho, os resultados apontam para uma predominância de vivências de mal-estar, significando que as estratégias de mediação dos atendentes nem sempre conseguem ser eficazes para conseguir atender as exigências da atividade.

Conclusão

As relações socioprofissionais de trabalho na central de teleatendimento exercem um papel fundamental tanto para vivências de bem-estar quanto para vivências de mal-estar no trabalho, sendo também configuradoras do custo humano no trabalho. No contexto estudado, as relações socioprofissionais contribuem para a predominância de vivências de mal-estar tendo em vista os principais resultados encontrados:

- Interações hierárquicas caracterizadas pela burocracia, pelo autoritarismo, pela rigidez e pelo controle, configurando pouca ou nenhuma participação dos atendentes no processo de trabalho;

- Interações entre pares, apresentando vários pontos de conflito decorrentes da forma de gestão: diferenças entre contratados e indicados (apadrinhados), avaliação de desempenho imparcial e falta de clareza no repasse das informações, gerando boatos e desentendimentos;

- Interações com o cidadão pautadas por elevados custos cognitivos e afetivos, pois os atendentes têm que lidar com a diversidade de público, com a dificuldade em obter informações e ainda devem ter controle das emoções.

Nesse sentido, destacam-se algumas recomendações com a finalidade de minimizar os efeitos negativos do custo humano derivado das relações socioprofissionais conflituosas:

- Permitir maior participação dos atendentes na tomada de decisões e maior flexibilidade no processo de trabalho;

- Promover um espaço de discussão em que seja incentivado o aprendizado por meio da troca de experiências entre atendentes;

- Redesenhar os estilos de gestão dos chefes de turma com base nas necessidades e expectativas dos atendentes, ampliando as funções cooperativas;

- Agilizar o processo de obtenção de informações essenciais para o serviço, aperfeiçoando a comunicação entre setores e determinando responsáveis pela transmissão de informações para a central;

- Realizar projetos específicos de mobiliário, iluminação e ventilação, obedecendo aos critérios estabelecidos pelas normas técnicas NR17 e ABNT.

Com a implementação dessas recomendações em etapa posterior (no pós-diagnóstico), pretende-se minimizar e/ou eliminar os indicadores críticos constatados neste estudo a fim de construir relações socioprofissionais de trabalho mais gratificantes e, dessa forma, estabelecer uma solução de compromisso que atenda satisfatoriamente a demanda de usuários, gestores e atendentes.

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    Artigo extraído da dissertação de Mestrado de Vanessa Sales Veras intitulada
    Relações socioprofissionais de trabalho e custo humano da atividade: vivências de mal-estar e bem-estar em serviço de teleatendimento governamental, apresentada em março de 2006 na Universidade de Brasília.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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