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Tempo para evacuação de foco séptico abdominal e mortalidade em portadores de sepse

RESUMO

Objetivo:

Aferir a relação entre tempo para evacuação de foco e mortalidade hospitalar em portadores de sepse e choque séptico.

Métodos:

Estudo observacional, unicêntrico, com análise retrospectiva do tempo para evacuação de foco séptico abdominal. Os pacientes foram classificados conforme o tempo para evacuação do foco em grupo precoce (≤ 12 horas) ou tardio (> 12 horas).

Resultados:

Foram avaliados 135 pacientes. Não houve associação entre tempo para evacuação do foco e mortalidade hospitalar (≤ 12 horas versus > 12 horas): 52,3% versus 52,9%, com p = 0,137.

Conclusão:

Não houve diferença na mortalidade hospitalar entre pacientes com sepse ou choque séptico que tiveram foco infeccioso evacuado antes ou após 12 horas do diagnóstico de sepse.

Descritores:
Sepse; Choque séptico; Mortalidade hospitalar; Infecções intra-abdominais/complicações; Infecções

ABSTRACT

Objective:

To assess the relationship between time to focus clearance and hospital mortality in patients with sepsis and septic shock.

Methods:

This was an observational, single-center study with a retrospective analysis of the time to clearance of abdominal septic focus. Patients were classified according to the time to focus clearance into an early (≤ 12 hours) or delayed (> 12 hours) group.

Results:

A total of 135 patients were evaluated. There was no association between time to focus clearance and hospital mortality (≤ 12 hours versus > 12 hours): 52.3% versus 52.9%, with p = 0.137.

Conclusion:

There was no difference in hospital mortality among patients with sepsis or septic shock who had an infectious focus evacuated before or after 12 hours after the diagnosis of sepsis.

Keywords:
Sepsis; Septic shock; Hospital mortality; Intraabdominal infections/complications; Infections

INTRODUÇÃO

A sepse é definida como uma disfunção orgânica grave, com risco de vida implicado, causada por resposta desregulada do hospedeiro à infecção. Sepse é a principal causa de morte em unidades de terapia intensiva (UTI) não cardíacas. Em países de baixa renda, encontramos taxas de morte ainda mais altas.(11 Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J, Clermont G, Carcillo J, Pinsky MR. Epidemiology of severe sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associated costs of care. Crit Care Med. 2001; 29(7):1303-10.

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5 Becker JU, Theodosis C, Jacob ST, Wira CR, Groce NE. Surviving sepsis in low-income and middle-income countries: new directions for care and research. Lancet Infect Dis. 2009;9(9):577-82.
-66 Conde KA, Silva E, Silva CO, Ferreira E, Freitas FG, Castro I, et al. Differences in sepsis treatment and outcomes between public and private hospitals in Brazil: a multicenter observational study. PLoS One. 2013;8(6):e64790.) A mortalidade da sepse e do choque séptico nas UTI brasileiras é preocupantemente elevada, sendo maior comparativamente a países desenvolvidos (55% versus 30%).(77 Silva E, Pedro Mde A, Sogayar AC, Mohovic T, Silva CL, Janiszewski M, Cal RG, de Sousa EF, Abe TP, de Andrade J, de Matos JD, Rezende E, Assunção M, Avezum A, Rocha PC, de Matos GF, Bento AM, Corrêa AD, Vieira PC, Knobel E; Brazilian Sepsis Epidemiological Study. Brazilian Sepsis Epidemiological Study (BASES study). Crit Care. 2004;8(4):R251-60.

8 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, Caixeta N, Salomao R, Angus DC, Pontes Azevedo LC; SPREAD Investigators; Latin American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17(11):1180-9.
-99 Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza F, Angus DC, Ferreira EM, Carrara F, et al. Epidemiology of sepsis in brazilian ICUs: a nationwide stratified sample. Intensive Care Med Exp. 2015;3(Suppl 1):A642.)

A mortalidade da sepse parece diminuir quando o início dos antibióticos é precoce, e cada hora de atraso no uso de antibióticos aumenta a mortalidade. A Surviving Sepsis Campaign (SSC)(1010 Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R, et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock 2016. Crit Care Med. 2017;45(3):486-552.) recomenda que todos os pacientes sejam avaliados precocemente quanto a locais de infecção passíveis de controle de foco. Contudo, a associação entre o tempo para controle do foco infeccioso e o desfecho em pacientes sépticos é menos estudada(1111 Rausei S, Pappalardo V, Ruspi L, Colella A, Giudici S, Ardita V, et al. Early versus delayed source control in open abdomen management for severe intra-abdominal infections: a retrospective analysis on 111 cases. World J Surg. 2018;42(3):707-12.

12 Hecker A, Uhle F, Schwandner T, Padberg W, Weigand MA. Diagnostics, therapy and outcome prediction in abdominal sepsis: current standards and future perspectives. Langenbecks Arch Surg. 2014;399(1):11-22.
-1313 Weledji EP, Ngowe MN. The challenge of intra-abdominal sepsis. Int J Surg. 2013;11(4):290-5.) e recebe, consequentemente, menos atenção na literatura. Na SSC,(1010 Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R, et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock 2016. Crit Care Med. 2017;45(3):486-552.) por exemplo, há nove páginas discutindo terapia antimicrobiana e apenas uma sobre evacuação de foco. Em países em desenvolvimento são ainda mais escassos os dados quanto ao controle de foco e à mortalidade da sepse. O controle do foco compreende todas as medidas físicas para eliminar fontes de infecção, controlar a contaminação, e restaurar anatomia e função. Inclui drenagem de fluidos infectados, debridamento de tecidos moles infectados, remoção de dispositivos infectados ou corpos estranhos e correção do desarranjo anatômico causado pela contaminação microbiana.

A despeito da evolução nas recomendações de abordagem do paciente séptico, como otimização de manejo hemodinâmico e indicação de uso precoce de antibióticos, o entendimento do impacto do controle do foco em pacientes sépticos é incompleto.

O objetivo do presente estudo foi analisar a correlação entre o tempo empreendido para controle de foco infeccioso em pacientes com sepse intra-abdominal e óbito hospitalar em uma UTI de alta complexidade. Hipotetizamos que atrasos no controle do foco abdominal além de 12 horas após o diagnóstico da sepse grave ou choque séptico se associam com maior mortalidade hospitalar.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), sob o número 2016-0317. Por se tratar de estudo observacional, não foi considerado necessária a aplicação de Termo de Consentimento Informado.

Desde 2013, o HCPA, onde o estudo foi realizado, aderiu ao projeto “Brasil contra a Sepse”, tendo criado um Programa Intrahospitalar de Combate à Sepse (PICS). Como parte deste projeto, desde então o HCPA monitora o atendimento a pacientes portadores de sepse e choque séptico com internação na UTI, com coleta prospectiva dos dados assistenciais, conforme questionário padronizado pelo Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS). O PICS é composto por cinco médicos (três intensivistas, um emergencista e um médico do time de resposta rápida), três enfermeiros (dois atuando na UTI e um na emergência) e um bolsista. O programa atua na coleta de dados dos pacientes e tem função gerencial, ou seja, gera protocolos de atendimento em sepse e indica políticas e condutas assistenciais, a serem tomadas pela direção do hospital. O programa não atua diretamente na assistência aos pacientes, a qual é feita pelo time de resposta rápida, emergencistas, intensivista e demais profissionais da instituição.

O HCPA é um hospital público, terciário e universitário. Cerca de 95% dos atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo centro regional de referência para atendimentos de alta complexidade. A UTI é composta por 45 leitos, tendo o hospital cerca de 600 leitos de internação para adultos.

O estudo analisou retrospectivamente o tempo para intervenção cirúrgica por meio da revisão de prontuário dos pacientes com sepse abdominal, durante o período de 16 de maio de 2013 até 20 de março de 2018, com internação em UTI. Todos os dados, exceto tempo para evacuação do foco, foram coletados prospectivamente pelo PICS do hospital. Foram considerados portadores de sepse pacientes com suspeita de foco infecioso, pelo menos dois critérios de síndrome de resposta inflamatória sistêmica e pelo menos uma disfunção orgânica (denominada sepse grave por consensos anteriores). Foram consideradas disfunções orgânicas: hipotensão, se pressão arterial sistólica (PAS) < 90mmHg ou pressão arterial média (PAM) < 60mmHg; alteração do nível de consciência; lactato > 2mmol/L; diurese < 0,5mL/kg em 6 horas; pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PO2/FiO2) < 300 ou trombocitopenia < 100.000/uL. Foram considerados portadores de choque séptico aqueles pacientes que necessitaram usar vasopressor a despeito de adequada ressuscitação volêmica.

O foco séptico era considerado abdominal conforme suspeita clínica descrita em prontuário, sendo, neste estudo, analisados os casos em que os achados transoperatórios confirmaram a presença de foco abdominal (secreção, inflamação ou perfuração visceral, e coleção com crescimento antimicrobiano) após indicação da avaliação clínica e por imagem. Não houve aferição dos resultados de culturas coletadas durante a cirurgia.

Foram revisados os prontuários de pacientes com sepse ou choque séptico de foco abdominal, com internação em UTI (antes ou após evacuação do foco), que tiveram indicação e realizaram algum tipo de intervenção para evacuação de foco (drenagem cirúrgica ou drenagem guiada por exame de imagem) em decorrência dessa hipótese diagnóstica. Conforme sugerido nas diretrizes de 2012 da SSC,(1414 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.) os pacientes foram considerados como grupo de evacuação de foco precoce quando a evacuação ocorreu em até 12 horas, e grupo tardio quando evacuação ocorreu após 12 horas do diagnóstico de sepse. Foram excluídos pacientes cujo diagnóstico de sepse ocorreu durante o procedimento para evacuação de foco (procedimento não foi indicado pela hipótese diagnóstica de sepse) e aqueles nos quais não foi possível identificar o tempo entre o diagnóstico de sepse e a evacuação do foco. A relação temporal entre o diagnóstico de sepse e a intervenção cirúrgica foi calculada por meio da aferição do horário do diagnóstico de sepse e o horário da intervenção para evacuação do foco. Considerou-se como momento de evacuação de foco o registro da chegada do paciente ao bloco cirúrgico ou o horário de registro das punções. Outros dados coletados para análise foram data e horário de sepse, número de intervenções cirúrgicas realizadas, região acometida, sexo, número de disfunções orgânicas, Sequential Organ Failure Assessment Score (SOFA), valor do lactato arterial no momento do diagnóstico e óbito. Óbito hospitalar foi considerado desfecho primário. Disfunção orgânica foi qualificada conforme SOFA, sendo considerada disfunção quando algum dos sistemas avaliados apresentava pelo menos 1 ponto no SOFA ou aumento de pontuação neste escore. O tempo para infusão de primeira dose de antibiótico é contabilizado como o intervalo de tempo entre a primeira administração do antibiótico e o diagnóstico de sepse ou choque séptico. Em muitos pacientes, o uso de antibiótico precedeu o diagnóstico de sepse ou choque séptico, gerando, nesses casos, valores negativos.

Realizou-se análise descritiva, com apresentação dos valores das médias e desvio padrão ou medianas e intervalo interquartil das variáveis contínuas e da frequência absoluta e relativa das variáveis categóricas. Posteriormente, para identificar as diferenças entre as variáveis, foram realizados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher, em caso de variáveis categóricas, e o teste de Mann-Whitney, em caso de variáveis contínuas. A relação entre mortalidade e tempo para intervenção cirúrgica foi analisada por análise univariada e multivariada. Na regressão logística, a mortalidade foi corrigida para as variáveis SOFA, tempo do início de antibioticoterapia, necessidade de ventilação mecânica e prevalência de choque séptico, por serem comumente associadas com mortalidade. A variável disfunção orgânica não foi incluída no modelo de regressão multivariada, por apresentar alta colinearidade com a variável SOFA. O nível de significância utilizado foi de 0,05. Post hoc, análise de letalidade foi realizada em intervalos de 12 horas, até 36 horas.

Para o cálculo do tamanho da amostra inicial, foi utilizado o programa Epi Info™, versão 7. Risco relativo para o desfecho escolhido (óbito hospitalar) em relação à evacuação de foco é de 3,7 (27% para ≥ 6 horas e 9% para < 6 horas).(1111 Rausei S, Pappalardo V, Ruspi L, Colella A, Giudici S, Ardita V, et al. Early versus delayed source control in open abdomen management for severe intra-abdominal infections: a retrospective analysis on 111 cases. World J Surg. 2018;42(3):707-12.) Assim, o tamanho calculado de amostra foi de 164, considerando poder de 80% e nível de significância de 5%.

A análise estatística foi realizada pelo Statistical Package for Social Science (SPSS). Não foi usado método de imputação de dados para dados faltantes.

RESULTADOS

Na amostra de 2.020 pacientes, 416 (20%) tiveram diagnóstico de sepse abdominal. Em 142 pacientes, foram identificados procedimentos para evacuação de foco, e, em 135, foi possível a relação temporal entre o diagnóstico de sepse e evacuação do foco. A tabela 1 mostra as características gerais dos pacientes.

Tabela 1
Perfil da coorte conforme tempo de evacuação do foco (≤ 12 horas versus > 12 horas)

Não houve diferença de mortalidade entre os pacientes com intervenção cirúrgica precoce ou tardia (52,3% versus 52,9%; p = 0,137) (Figura 1), seja na análise univariada (razão de chances - RC = 0,98; intervalo de confiança de 95% - IC95% = 0,49 a 1,9), seja na análise multivariada (RC = 1,38; IC95% 0,64 a 3,05). Os pacientes que tiveram evacuação de foco em menos de 12 horas apresentavam maior SOFA, mais disfunções orgânicas, maior necessidade de ventilação mecânica e prevalência de choque séptico mais elevada (Tabela 2).

Figura 1
Mortalidade (%) conforme tempo para evacuação do foco (≤ 12 horas versus > 12 horas). IC95% - intervalo de confiança de 95%.

Tabela 2
Variáveis incluídas na análise multivariada

Mesmo após a estratificação dos pacientes em mais grupos, conforme o tempo decorrido do diagnóstico até a intervenção, só houve proporção maior de óbitos no grupo em que o tempo foi mais longo que 36 horas.

DISCUSSÃO

Neste estudo observacional, a evacuação do foco em até 12 horas não se relacionou com diminuição de mortalidade comparativamente com evacuação mais tardia. Os motivos que explicam a ausência de diferença para mortalidade são especulativos, mas podem estar relacionados ao fato de que pacientes com evacuação de foco mais precoce eram mais graves no momento da decisão e, portanto, subestimar o efeito de intervenção precoce, devido a maior mortalidade deste grupo. Por outro lado, a apresentação mais grave poderia indicar um diagnóstico tardio em alguns pacientes, nos quais o processo séptico já estava avançado e, por isso, a intervenção mais precoce não teve o efeito esperado.

Na mais recente publicação da SSC, houve reorientação sobre o tempo ideal para controle de foco. Até o ano de 2012,(1414 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.) havia orientação para que a evacuação do foco fosse realizada em menos de 12 horas, se possível, tendo como referência estudo que avaliava pacientes com fasciíte necrotizante.(1515 Moss RL, Musemeche CA, Kosloske AM. Necrotizing fasciitis in children: prompt recognition and aggressive therapy improve survival. J Pediatr Surg. 1996;31(8):1142-6.) Na publicação mais recente, de 2016,(1010 Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, Levy MM, Antonelli M, Ferrer R, et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock 2016. Crit Care Med. 2017;45(3):486-552.) optou-se por orientar que a evacuação do foco fosse realizada o mais brevemente possível, evidenciando a persistência de dúvidas quanto a indicação de um tempo ideal para evacuação de foco. Outra diretriz recente orienta que pacientes com choque séptico devam ir à evacuação de foco urgente, embora possa ser postergada em casos de menor gravidade (recomendação 2C; recomendação fraca e evidência de qualidade baixa ou muito baixa), enfatizando que o tempo ótimo para controle de foco não foi investigado rigorosamente.(1616 Sartelli M, Catena F, Abu-Zidan FM, Ansaloni L, Biffl WL, Boermeester MA, et al. Management of intra-abdominal infections: recommendations by the WSES 2016 consensus conference. World J Emerg Surg. 2017;12:22.)

Estas diretrizes estão em concordância com estudos observacionais e opinião de experts, que sugerem que evacuação de foco precoce após o diagnóstico de sepse resultaria em menores taxas de mortalidade.(1717 De Waele JJ. Early source control in sepsis. Langenbecks Arch Surg. 2010;395(5):489-94.

18 Hecker A, Schneck E, Röhrig R, Roller F, Hecker B, Holler J, et al. The impact of early surgical intervention in free intestinal perforation: a time-to-intervention pilot study. World J Emerg Surg. 2015;10:54.
-1919 Azuhata T, Kinoshita K, Kawano D, Komatsu T, Sakurai A, Chiba Y, et al. Time from admission to initiation of surgery for source control is a critical determinant of survival in patients with gastrointestinal perforation with associated septic shock. Crit Care. 2014;18(3):R87.) Azuhata et al. concluíram em estudo prospectivo que a implementação de protocolo para realização de evacuação precoce em 154 portadores de perfuração de víscera oca se associou com diminuição de mortalidade em 60 dias (RC = 0,31 por hora de atraso). Neste estudo, todos pacientes foram operados nas primeiras 6 horas.(1919 Azuhata T, Kinoshita K, Kawano D, Komatsu T, Sakurai A, Chiba Y, et al. Time from admission to initiation of surgery for source control is a critical determinant of survival in patients with gastrointestinal perforation with associated septic shock. Crit Care. 2014;18(3):R87.) Em outro estudo, o atraso na intervenção cirúrgica de portadores de úlcera péptica perfurada se associou com aumento de mortalidade de 2% a cada hora.(2020 Buck DL, Vester-Andersen M, Moller MH; Danish Clinical Register of Emergency Surgery. Surgical delay is a critical determinant of survival in perforated peptic ulcer. Br J Surg. 2013;100(8):1045-9.) Cabe ressaltar, que, em geral, estes estudos são observacionais, apresentam números amostrais pequenos, comprometendo poder dos estudos, bem como apresentando limitações de validade externa. Ainda, a maioria deles é conduzida em países desenvolvidos, nos quais os sistemas de saúde organizados possibilitam intervenções mais precoces. Assim como em nosso estudo, estes trabalhos avaliaram exclusivamente portadores de foco abdominal.

Em estudo observacional multicêntrico espanhol,(2121 Martínez ML, Ferrer R, Torrents E, Guillamat-Prats R, Gomà G, Suárez D, Álvarez-Rocha L, Pozo Laderas JC, Martín-Loeches I, Levy MM, Artigas A; Edusepsis Study Group. Impact of source control in patients with severe sepsis and septic shock. Crit Care Med. 2017;45(1):11-9.) 1.090 pacientes foram submetidos a procedimentos para controle de foco, não demonstrando que controle mais precoce do foco infeccioso (< 12 horas) estaria associado com menor mortalidade, resultados estes semelhantes ao que foi encontrado em nosso estudo. Os autores argumentam que as equipes consideraram controle de foco mais urgente nos pacientes mais graves, embora a análise multivariada não foi capaz de mostrar esse efeito. Tanto os resultados quanto a discussão deste estudo se aplicam aos nossos resultados.

Nosso estudo apresenta diversas limitações. O número total de pacientes inferior ao cálculo inicial da amostra limitou o poder do estudo em evidenciar resultados estatisticamente significativos. Não houve avaliação da população de portadores de sepse abdominal que não foram à evacuação de foco. Entre estes, há pacientes com focos não evacuáveis, como gastrenterites, bem como pode haver pacientes com óbito antes da evacuação do foco, introduzindo potencial viés de seleção na amostra estudada. Foram estudados exclusivamente pacientes com internação em UTI, potencialmente excluindo pacientes com evolução satisfatória após evacuação de foco. Também não avaliamos se a evacuação de foco foi considerada adequada. Embora o tempo para evacuação de foco se baseie na hora de aferição de diagnóstico de sepse, sendo este um dado sujeito a imprecisão na coleta, não há motivos para inferir a existência de desbalanço entre os grupos na coleta deste dado.

Um ponto forte a ser destacado neste estudo é termos selecionado população constituída por portadores de sepse e choque séptico de foco abdominal, diferentemente de outros estudos que avaliam portadores de focos cutâneos ou torácicos, bem como pacientes com infecção, mas sem critérios de sepse ou choque séptico.

Mesmo que não tenhamos encontrado diferença significativa de mortalidade entre intervenção precoce e tardia, com as evidências atuais, não acreditamos haver motivo para postergar o controle de foco. Porém este estudo corrobora conduta sugerida por outros autores de que em casos em que se necessite de melhor estabilização clínica do paciente ou melhor planejamento cirúrgico, a evacuação do foco possa ser brevemente postergada, sem que isso impacte negativamente na mortalidade.

CONCLUSÃO

Não houve diferença de mortalidade nos pacientes com sepse ou choque séptico com evacuação de foco abdominal em menos de 12 horas. Ensaios clínicos devem ser conduzidos para definir em quanto tempo ou em que pacientes a evacuação de foco séptico pode ser benéfica.

AGRADECIMENTOS

Fonte financiadora: Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (FIPE-HCPA).

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Editado por

Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2019
  • Aceito
    26 Dez 2019
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