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Diretrizes brasileiras em terapia intensiva: vamos encarar este desafio...

Diretrizes de prática clínica são ferramentas úteis para melhorar a provisão aos nossos pacientes dos melhores cuidados, com base nas melhores evidências disponíveis. Elas auxiliam os médicos em suas decisões clínicas e podem ajudar a garantir alocação adequada de recursos nas políticas de saúde pública.(11 Brouwers M, Kho ME, Browman GP, Cluzeau F, Feder G, Fervers B, Hanna S, Makarski J on behalf of the AGREE Next Steps Consortium. AGREE II: Advancing guideline development, reporting and evaluation in healthcare. Can Med Assoc J. 2010, 182:E839-842.) Assim, diretrizes de saúde e sua implantação adequada são do interesse das organizações nacionais, sociedades profissionais, provedores de serviços de saúde, elaboradores de políticas, pacientes e público em geral.(22 Schünemann HJ, Wiercioch W, Etxeandia I, Falavigna M, Santesso N, Mustafa R, et al. Guidelines 2.0: systematic development of a comprehensive checklist for a successful guideline enterprise. CMAJ. 2014;186(3):E123-42.)

As diretrizes devem se basear em paradigmas da medicina baseada em evidências, que, por sua vez, baseiam-se em quatro aspectos básicos: reconhecimento do problema do paciente e a construção de questões clínicas estruturadas, pesquisa efetiva e extensiva da literatura médica para obter as melhores evidências disponíveis, avaliação clínica das evidências e, finalmente, integração das evidências no processo de tomada de decisão, para determinar a melhor conduta clínica para o paciente.(33 Manchikanti L. Evidence-based medicine, systematic reviews, and guidelines in interventional pain management, part I: introduction and general considerations. Pain Physician. 2008;11(2):161-86.)

A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) lançou o projeto Diretrizes AMIB, para desenvolver diretrizes locais de medicina baseada em evidência nas diversas áreas da terapia intensiva. Este número de nossa revista traz a primeira diretriz clínica resultante desta iniciativa. A AMIB e a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) desenvolveram diretrizes para o reconhecimento, a avaliação e a validação de potenciais doadores de órgãos para transplante. Este é um aspecto crucial, uma vez que transplantar órgãos é o último recurso disponível em diversas condições de saúde, e a disponibilidade de órgãos é limitada e se associa a custos elevados. Desse modo, esta diretriz tem como objetivo melhorar nossa capacidade de reconhecer e diagnosticar a morte cerebral, e avaliar a elegibilidade para doação de órgãos.(44 Westphal GA, Garcia VD, Souza RL, Franke CA, Vieira KD, Birckholz VR, et al. Diretrizes para avaliação e validação do potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(3):220-55.)

Os autores dividiram a diretriz em quatro subgrupos: triagem de potenciais doadores, diagnóstico de morte cerebral, critérios para seleção de um potencial doador e contraindicações específicas por órgão. A força da recomendação foi definida baseada na metodologia Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE),(55 GRADE Working Group. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2008;336(7650):924-6.) e o nível de evidência, segundo o Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina (CFM).(66 Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM). Projeto Diretrizes [Internet]. São Paulo: AMB/CFM; 2001. [citado 2016 Set 22]. Disponível em http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf
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) Os autores, então, construíram um conjunto de recomendações para melhorar os cuidados do potencial doador segundo um protocolo, bem como sua identificação, seleção e melhor forma de utilizar os recursos. Um grande esforço foi realizado para resumir as melhores evidências disponíveis, especialmente neste assunto sobre o qual foram publicados poucos estudos de alta qualidade. Certamente, este projeto proporcionará orientação para melhores triagem, identificação e seleção de um doador em nosso país, para assim também ocorrerem melhoras na disponibilidade de órgãos e incremento da possibilidade de transplantes.

Esta diretriz foi avaliada por membros do comitê editorial da revista quanto aos aspectos qualitativos de sua metodologia. Todas as recomendações clínicas e diretrizes devem ser avaliadas para garantir que a ocorrência de qualquer viés no desenvolvimento de uma diretriz tenha adequadamente sido tratada, e que as recomendações sejam tanto internas quanto externamente válidas, além de factíveis na prática. Trata-se de um processo complexo, e a literatura disponibiliza algumas ferramentas, como a metodologia AGREE II. Esta avaliação inclui julgamentos quanto aos métodos utilizados para o desenvolvimento de diretrizes, os componentes das recomendações finais e os fatores ligados à sua captação.(11 Brouwers M, Kho ME, Browman GP, Cluzeau F, Feder G, Fervers B, Hanna S, Makarski J on behalf of the AGREE Next Steps Consortium. AGREE II: Advancing guideline development, reporting and evaluation in healthcare. Can Med Assoc J. 2010, 182:E839-842.) Com base na metodologia AGREE II, qualquer diretriz deve ser avaliada segundo seis domínios - esta metodologia será utilizada durante todo o processo do projeto Diretrizes AMIB.

O primeiro domínio se refere a "Escopo e finalidade" da diretriz. Neste tópico, os revisores devem avaliar se os objetivos, questões de pesquisa e população foram bem definidos, e quais benefícios sanitários estão previstos com a implantação da diretriz, específicos para o problema clínico ou tópico de saúde. O segundo domínio deve avaliar o "Envolvimento das partes interessadas", ao averiguar o envolvimento dos autores no processo, assegurando que todos os grupos potencialmente interessados nos resultados estejam representados e que os alvos sejam bem definidos. Conflitos de interesse não declarados podem ser descobertos quando se avaliam estes aspectos, e estes devem ser considerados como parte da análise de qualidade de uma diretriz, assim como a independência editorial. O próximo domínio é "Desenvolvimento rigoroso", no qual deve ser avaliada toda a metodologia da construção da diretriz. Devem ser avaliados os critérios de busca, como as evidências foram selecionadas e graduadas, o nível das recomendações e como foram redigidas, e quanto todos estes aspectos foram bem descritos. O quarto domínio deve avaliar a "Clareza da apresentação", checando o quanto as recomendações são fornecidas de forma específica e sem ambiguidades, se oferecem opções para o controle e, quando a evidência não é definitiva, as incertezas sobre a melhor opção de cuidado. O quinto domínio é "Aplicabilidade", pois uma diretriz deve descrever facilitadores e barreiras para sua implantação, assim como discutir implicações em termos de recursos e ferramentas para monitoramento e auditoria de sua implantação. O último domínio se refere à "Independência editorial", e tem o objetivo de garantir que as visões e achados do corpo não tenham influenciado no conteúdo e nas recomendações da diretriz.

Nós da Revista Brasileira de Terapia Intensiva aguardamos com grande expectativa as próximas iniciativas e diretrizes do projeto Diretrizes AMIB, para melhorar a qualidade da terapia intensiva no Brasil, proporcionando o melhor cuidado de que se pode dispor com base na melhor evidência disponível. A prática baseada em evidência traz informações pertinentes e confiáveis, por meio da prática sistemática de adquirir, analisar e transferir achados de pesquisa para as arenas da prática clínica e política sanitária.(33 Manchikanti L. Evidence-based medicine, systematic reviews, and guidelines in interventional pain management, part I: introduction and general considerations. Pain Physician. 2008;11(2):161-86.) A avaliação dos nossos documentos, com base nos aspectos descritos para avaliação da qualidade, garantirá responsabilidade, rigor científico e confiança dos médicos, familiares e governo em nossas recomendações, além de contribuir para o uso racional dos recursos para proporcionar o melhor tratamento disponível aos pacientes de terapia intensiva em nosso país.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Brouwers M, Kho ME, Browman GP, Cluzeau F, Feder G, Fervers B, Hanna S, Makarski J on behalf of the AGREE Next Steps Consortium. AGREE II: Advancing guideline development, reporting and evaluation in healthcare. Can Med Assoc J. 2010, 182:E839-842.
  • 2
    Schünemann HJ, Wiercioch W, Etxeandia I, Falavigna M, Santesso N, Mustafa R, et al. Guidelines 2.0: systematic development of a comprehensive checklist for a successful guideline enterprise. CMAJ. 2014;186(3):E123-42.
  • 3
    Manchikanti L. Evidence-based medicine, systematic reviews, and guidelines in interventional pain management, part I: introduction and general considerations. Pain Physician. 2008;11(2):161-86.
  • 4
    Westphal GA, Garcia VD, Souza RL, Franke CA, Vieira KD, Birckholz VR, et al. Diretrizes para avaliação e validação do potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(3):220-55.
  • 5
    GRADE Working Group. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2008;336(7650):924-6.
  • 6
    Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM). Projeto Diretrizes [Internet]. São Paulo: AMB/CFM; 2001. [citado 2016 Set 22]. Disponível em http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf
    » http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
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