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Características clínico-epidemiológicas de adultos e idosos atendidos em unidade de terapia intensiva pública da Amazônia (Rio Branco, Acre)

Clinical-epidemiological characteristics of adults and aged interned in an intensive care unity of the Amazon (Rio Branco, Acre)

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A Medicina Intensiva foi implantada no Estado do Acre no ano de 1998. O objetivo deste estudo foi determinar as características clínico-epidemiológicas de adultos e idosos internados em unidade de terapia intensiva (UTI) pública da Amazônia. MÉTODO: Em 2004, um estudo prospectivo avaliou pacientes com idade igual ou maior a 20 anos internados através da aplicação de questionário, contendo variáveis sócio-econômicas, procedimentos invasivos, ventilação mecânica, suporte nutricional, intervenções cirúrgicas e tratamento dialítico. A gravidade foi estabelecida pelo APACHE II aplicado após 24 horas de internação. O acompanhamento prosseguiu até o destino final na unidade: alta ou óbito. Para a análise estatística foi utilizado o programa SPSS. As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05. RESULTADOS: Foram avaliados 79 pacientes; 67,1% homens; 59,5% brancos; 59,5% casados; 50,4% encaminhados de outros hospitais; 41,8% do interior do Acre e 13,9% de Estados e País (Bolívia) fronteiriços. A idade variou de 20 a 104 anos (53,3 ± 18,6); 30 (36,1%) idosos (60 anos ou mais); 35 (44,3%) em tratamento cirúrgico. O APACHE II médio foi 18,4 ± 9,1. A permanência na UTI foi de 10,2 ± 9,6 dias; óbito ocorreu em 30 (38%) pacientes. Houve associação entre mortalidade e tratamento dialítico, internação clínica, ventilação mecânica, uso de fármacos vasoativos, número de intervenções cirúrgicas, hipoalbuminemia, linfocitopenia e gravidade. CONCLUSÕES: O atendimento de pacientes com elevada gravidade provenientes de todo o Estado do Acre e regiões fronteiriças refletiu a carência de leitos de UTI na região.

Adulto; Amazônia; Idoso; Mortalidade; UTI


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The intensive care Medicine was initiated in the State of the Acre in 1998. The aim of the present study was to establish clinical-epidemiological characteristics of adults and aged interned in a public intensive care unit (ICU) in the Amazon. METHODS: In 2004, a prospective study evaluated patients interned through the application of a questionnaire containing socioeconomics variables, invasive procedures, mechanical ventilation, nutritional support, surgical interventions and dialitic treatment. The gravity was established by APACHE II applied after 24 hours of internment. The follow up continued until the final destination in the unit: discharge or death. The statistical analysis used program SPSS, considering differences significant when p < 0.05. RESULTS: A total of 79 patients were assessed; 67.1% men; 59.5% white; 59.5% married; 50.4% came from other hospitals; 41.8% from the interior and 13.9% from others States and country (Bolivia) in frontier. The age varied from 20 to 104 (53.3 ± 18.6) years old; 30 (36.1%) aged (60 y old or more); 35 (44.3%) in surgical treatment; the median APACHE II was 18.4 ± 9.1. The stay in the UCI was of 10.2 ± 9.6 days; death occurred in 30 (38%) patients. Association between mortality and dialitic treatment, clinical indication, mechanical ventilation, vasoactive therapy, number of surgical interventions, hypoalbuminemia, lymphocytopenia and gravity was observed. CONCLUSIONS: The admission of severely ill patients coming from all over the State of Acre and frontier regions reflects the lack of ICU beds in the region.

Adult; Aged; Amazon; ICU; Mortality


ARTIGO ORIGINAL

Características clínico-epidemiológicas de adultos e idosos atendidos em unidade de terapia intensiva pública da Amazônia (Rio Branco, Acre)* * Recebido da Fundação Hospital Estadual do Acre, Rio Branco, AC • Apresentado como Monografia de Conclusão de Residência em Clínica Médica.

Clinical-epidemiological characteristics of adults and aged interned in an intensive care unity of the Amazon (Rio Branco, Acre)

Kátia AcuñaI; Éliton CostaII; Alberto GroverII; André CameloIII; Rinauro Santos JúniorIV

IProfessora Doutora do Curso de Medicina da Universidade Federal do Acre (UFAC) e Supervisora do Programa de Residência Médica de Clinica Médica da Fundação Hospital Estadual do Acre (FUNDHACRE)

IIMédico Residente do Programa de Residência de Clinica Médica da FUNDHACRE

IIIPreceptor da Residência Medica da FUNDHACRE e Professor do Curso de Medicina da UFAC

IVCoordenador da Comissão de Residência Médica (COREME) da FUNDHACRE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profª Drª Kátia Acuña Núcleo de Ensino e Pesquisa em Agravos á Saúde na Amazônia Ocidental UFAC/FUNDHACRE/CNPq, Ambulatório do Hospital do Idoso Lauro Campos (FUNDHACRE) Br 364 km 2 Distrito Industrial 69914-220 Rio Branco, AC Fone: (68) 3227-4962 E-mail: katia.aravena@ac.gov.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A Medicina Intensiva foi implantada no Estado do Acre no ano de 1998. O objetivo deste estudo foi determinar as características clínico-epidemiológicas de adultos e idosos internados em unidade de terapia intensiva (UTI) pública da Amazônia.

MÉTODO: Em 2004, um estudo prospectivo avaliou pacientes com idade igual ou maior a 20 anos internados através da aplicação de questionário, contendo variáveis sócio-econômicas, procedimentos invasivos, ventilação mecânica, suporte nutricional, intervenções cirúrgicas e tratamento dialítico. A gravidade foi estabelecida pelo APACHE II aplicado após 24 horas de internação. O acompanhamento prosseguiu até o destino final na unidade: alta ou óbito. Para a análise estatística foi utilizado o programa SPSS. As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS: Foram avaliados 79 pacientes; 67,1% homens; 59,5% brancos; 59,5% casados; 50,4% encaminhados de outros hospitais; 41,8% do interior do Acre e 13,9% de Estados e País (Bolívia) fronteiriços. A idade variou de 20 a 104 anos (53,3 ± 18,6); 30 (36,1%) idosos (60 anos ou mais); 35 (44,3%) em tratamento cirúrgico. O APACHE II médio foi 18,4 ± 9,1. A permanência na UTI foi de 10,2 ± 9,6 dias; óbito ocorreu em 30 (38%) pacientes. Houve associação entre mortalidade e tratamento dialítico, internação clínica, ventilação mecânica, uso de fármacos vasoativos, número de intervenções cirúrgicas, hipoalbuminemia, linfocitopenia e gravidade.

CONCLUSÕES: O atendimento de pacientes com elevada gravidade provenientes de todo o Estado do Acre e regiões fronteiriças refletiu a carência de leitos de UTI na região.

Unitermos: Adulto, Amazônia, Idoso, Mortalidade, UTI

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The intensive care Medicine was initiated in the State of the Acre in 1998. The aim of the present study was to establish clinical-epidemiological characteristics of adults and aged interned in a public intensive care unit (ICU) in the Amazon.

METHODS: In 2004, a prospective study evaluated patients interned through the application of a questionnaire containing socioeconomics variables, invasive procedures, mechanical ventilation, nutritional support, surgical interventions and dialitic treatment. The gravity was established by APACHE II applied after 24 hours of internment. The follow up continued until the final destination in the unit: discharge or death. The statistical analysis used program SPSS, considering differences significant when p < 0.05.

RESULTS: A total of 79 patients were assessed; 67.1% men; 59.5% white; 59.5% married; 50.4% came from other hospitals; 41.8% from the interior and 13.9% from others States and country (Bolivia) in frontier. The age varied from 20 to 104 (53.3 ± 18.6) years old; 30 (36.1%) aged (60 y old or more); 35 (44.3%) in surgical treatment; the median APACHE II was 18.4 ± 9.1. The stay in the UCI was of 10.2 ± 9.6 days; death occurred in 30 (38%) patients. Association between mortality and dialitic treatment, clinical indication, mechanical ventilation, vasoactive therapy, number of surgical interventions, hypoalbuminemia, lymphocytopenia and gravity was observed.

CONCLUSIONS: The admission of severely ill patients coming from all over the State of Acre and frontier regions reflects the lack of ICU beds in the region.

Key Words: Adult, Aged, Amazon, ICU, Mortality

INTRODUÇÃO

O Estado do Acre (Figura 1) está localizado na região Norte do Brasil, na Amazônia Ocidental, em área de fronteiras internacionais com a Bolívia e o Peru, com uma população estimada em 669.736 habitantes1. Na capital do Estado (Rio Branco) se concentram 45,4% do total da população2.


As UTI foram implantadas no Brasil a partir da década de 1970 e com seu surgimento melhorou o atendimento a pacientes graves, que antes era realizado na enfermaria, com área física inadequada e escassez de recursos tecnológicos e humanos3.

O Acre foi o último Estado da Federação a contar com os recursos da Medicina intensiva3. Em 1998, foram inauguradas duas UTI no Estado, na capital Rio Branco. Uma em hospital filantrópico com cinco leitos e a outra em hospital público estadual, cadastrada no Sistema Único de Saúde (SUS), com dois leitos pediátricos e seis leitos para adultos.

A partir de 1999, a formação médica na região tem sido estimulada. O Governo do Estado do Acre com apoio de faculdades de Medicina consolidadas iniciaram um processo de qualificação profissional no Estado. A Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) desempenhou consultoria acadêmica na região com a implantação de Curso de Mestrado em Medicina e Saúde convênio UFBA/Governo do Estado do Acre em 2000, nas dependências da Fundação Hospital Estadual do Acre (FUNDHACRE), com objetivo de capacitar profissionais de saúde para a docência. Foi responsável pela titulação de 36 Mestres em Medicina e Saúde até a presente data4.

A partir de 2000, foram implantados programas de residência médica nas áreas básicas: Pediatria; Ginecologia e Obstetrícia; Cirurgia Geral; Medicina de Família e Comunidade e Clínica Médica1. Mais recentemente foram iniciados os programas de Infectologia, Traumato-Ortopedia, conveniado com o Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (INTO) e Cardiologia, conveniado com o Instituto do Coração, InCor, Universidade de São Paulo (USP).

O Curso de Medicina da Universidade Federal do Acre (UFAC) foi criado em 2002 com 40 vagas por ano1. Atualmente, com cinco anos de funcionamento.

Em 2000, com o objetivo de estimular a educação continuada em Terapia Intensiva, como parte de programa governamental de qualificação de pessoal para abertura de uma terceira UTI no Hospital de Urgências e Emergências de Rio Branco (HUERB), necessária frente à demanda reprimida, foi realizada a I Jornada Acreana de Terapia Intensiva com a criação da Sociedade Acreana de Terapia Intensiva (SOATI). Infelizmente na fase de registro em cartório, ocorreu dissolução da primeira diretoria, não havendo continuidade do processo.

A primeira UTI pública do Acre foi inaugurada em 31 de março de 1998 na FUNDHACRE. O hospital da FUNDHACRE é uma instituição pública estadual de nível terciário responsável pela realização de intervenções cirúrgicas de grande porte e procedimentos de alta complexidade, referência para todo o Estado e regiões fronteiriças. Em 2002, com o início do Curso de Medicina da UFAC, tornou-se hospital auxiliar de ensino. No momento encontra-se em fase final de processo de reforma, modernização e ampliação para atender as exigências para credenciamento como hospital universitário com capacidade para 232 leitos. Dispõe de Centro de Nefrologia com hemodiálise, centro cirúrgico com oito salas, Serviço de Terapia Nutricional Enteral e Parenteral, Hospital do Idoso e mais recentemente Hospital do Câncer (CACON). A UTI foi reformada, reequipada e ampliada para 10 leitos. Atualmente, o Estado conta com três UTI, na capital Rio Branco, pois em 2004 foi inaugurada a UTI do HUERB, após uma reforma para adequação da área física, com 10 leitos.

O primeiro levantamento epidemiológico foi realizado após o primeiro ano de funcionamento da UTI da FUNDHACRE (1998-1999)3. Foi um estudo retrospectivo pelo levantamento do livro de registros de admissão na UTI. Foram avaliados 385 pacientes. As principais causas de internação foram: pós-operatório (24,4%); insuficiência respiratória aguda (17,9%); causas neurológicas (9,1%). O Acute Physiology and Cronic Health Evaluation II (APACHE II) foi calculado com dados das primeiras 24 horas de internação, variando de 6 a 42, com média de 18 e mortalidade em 32%3,5. O segundo estudo foi realizado avaliando o período de um ano correspondente ao quinto ano de seu funcionamento5-7,utilizando o mesmo método do primeiro. As principais causas de internação foram: pós-operatório (28,9%), insuficiência respiratória aguda (18%), trauma grave (12,9%) e causas neurológicas (12,3%). A mortalidade foi de 36,9%. Não foram encontrados registros sobre cálculo do APACHE II5.

O índice APACHE II é utilizado em serviços de terapia intensiva para conhecer o índice de gravidade e de mortalidade dos pacientes internados, também chamado de índice prognóstico8. O conjunto de modelos Acute Physiology and Cronic Health Evaluation (APACHE) têm sido atualizados desde finais dos anos 709. No Brasil, o uso do APACHE II é preconizado8.

Com fortalecimento das práticas de ensino e pesquisa na região, a produção de conhecimentos foi incentivada pela obrigatoriedade de realização de monografias de conclusão de cursos de graduação e pós-graduação, com refinamento progressivo no método empregado nas pesquisas.

O objetivo deste estudo foi estabelecer, de forma prospectiva, as características clínico-epidemiológicas, a gravidade e morbimortalidade dos pacientes internados na UTI da FUNDHACRE10.

MÉTODO

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da FUNDHACRE pelo parecer consubstanciado nº 016/2004, foi realizado um estudo prospectivo na UTI da FUNDHACRE, no período de maio a setembro de 2004. Foram incluídos pacientes com idade igual ou maior que 20 anos, após assinatura de termo de consentimento livre esclarecido pelo paciente ou seu representante legal.

Os pacientes incluídos no estudo foram avaliados através da aplicação do escore APACHE II após 24 horas de admissão. O acompanhamento diário se estendeu até seu destino final na UTI: alta ou óbito. Foi aplicado questionário de coleta de dados incluindo variáveis sócio-econômicas; procedimentos invasivos, tais como a existência de tubos, drenos, sondas, acesso vascular; intervenções cirúrgicas; uso de fármacos vasoativos; terapias nutricionais enteral e parenteral; tratamento dialítico e uso de antimicrobianos.

A dosagem de albumina e o número de linfócitos totais foram colhidos na admissão.

O seguimento visou detectar a incidência de complicações, como úlceras de pressão, abordagens cirúrgicas múltiplas, procedimentos invasivos e determinar os tempos de ventilação mecânica e de permanência na UTI.

A análise estatística foi efetuada no programa de computação SPSS 14.0, com aplicação de testes estatísticos apropriados: teste do Qui-quadrado (com correção de Yates, se necessário), para proporções e teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas. A estatística descritiva sumarizou as variáveis pelas médias, desvios-padrão e percentuais (%). A associação entre variáveis ordinais foi analisada através da correlação de Spearman (rho). As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 79 pacientes. As principais causas de internação foram: síndrome da disfunção de múltiplos órgãos com insuficiência respiratória aguda (34-43%), renal (13-16,4%), hepática (10-12,6%) e choque séptico (10-12,6%); pós-operatório (35-44,3%); causas neurológicas (10-12,6%). As principais comorbidades foram hipertensão arterial (26,6%) e diabete melito (12,7%). O sexo masculino predominou (67,1%), com 17,7% de desemprego e 43% com menos de quatro anos de estudo. Foram admitidos 50,4% de pacientes provenientes de outros hospitais, atendendo a todo Estado e regiões fronteiriças. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentaram insuficiência hepática crônica. As intervenções cirúrgicas ocorreram em 35 (44,3%) pacientes, variando entre uma e 10 vezes, com média de 2 ± 2,4 intervenções por paciente; 16 (45,8%) pacientes foram encaminhados a partir do HUERB, tratando-se de pós-operatório de intervenção cirúrgica de emergência e 19 (54,2%) foram admitidos provenientes da FUNDHACRE.

A idade variou de 20 a 104 anos com média de 53,3 ± 18,6 anos e mediana de 55 anos; 30 (36,1%) idosos (60 ou mais anos), sendo 33,3% (10) mulheres e 66,7% (20) homens; 49 (62,0%) adultos, 32,7% (16) mulheres e 67,3% (33) homens. As diferenças encontradas se relacionaram com: a) estado civil, com maior freqüência, de homens adultos solteiros e viúvas idosas; b) ocupação com mais desemprego entre os adultos e aposentadoria entre idosos (p < 0,05). A idade não se correlacionou de forma significativa com nenhuma variável estudada como albumina sérica, linfócitos totais, tempo de ventilação mecânica e tempo de permanência (em dias). Óbito ocorreu em 50% dos idosos em ambos os sexos e 30,6% dos adultos (p = 0,09)12.

A incidência de úlceras de pressão foi observada em 12 pacientes (15,2%), na região sacral (100%), com concomitância de úlceras em calcâneo em 5,1% e trocantérica em 1,3%. Os tempos de permanência na UTI e de ventilação mecânica foram associados com sua ocorrência (p < 0,05). Assim, os pacientes que não apresentaram úlceras de pressão permaneceram 8 ± 8 dias em ventilação mecânica e 7,9 ± 7,9 dias na unidade e os que apresentaram foram ventilados por 23,3 ± 10,8 dias e permaneceram internados por 22,9 ± 11,5 dias.

A ventilação mecânica foi utilizada em 41 (51,9%) pacientes, sendo que em 16 (36,3%) deles foi realizada traqueostomia. As principais indicações para o procedimento foram: ventilação mecânica prolongada em 10 (62,5%) e seqüela neurológica grave em seis (37,5%). Tratamento dialítico foi necessário em 15 (18,9%) pacientes, sendo associado com aumento significativo da mortalidade (p < 0,01) com a ocorrência de 10 óbitos (66,7%). Outros fatores associados ao tratamento dialítico foram: hipoalbuminemia, aumento do tempo de ventilação mecânica e permanência com elevada gravidade (APACHE II 26,3 ± 7,1 versus 17,2 ± 8,8, sem diálise, p < 0,001).

O APACHE II variou de 3 a 39 com a média de 18,4 ± 9,1. O tempo de permanência variou de um a 36 dias, com média de 10,2 ± 9,6 dias. A permanência na unidade correlacionou-se de forma significativa com: número de re-intervenções cirúrgicas (rho = ,663; p < 0,001); hipoalbuminemia (rho =-, 301; p < 0,006); tempo em ventilação mecânica (rho = ,950; p < 0,001) e APACHE II (rho = ,236; p = 0,03). No período estudado, ocorreram cinco re-internações (6,3%); três por insuficiência respiratória, um por pneumonia grave e um em pós-operatório. O período entre a alta da UTI e o retorno variou de um a 27 dias.

Óbito foi observado em 30 (38%) pacientes com associação significativa entre mortalidade e tratamento dialítico, internação clínica, ventilação mecânica, uso de fármacos vasoativos, número de internações cirúrgicas, hipoalbuminemia, linfocitopenia e APACHE II (Tabela 1). Apesar da observação que o número de intervenções cirúrgicas associou-se de forma significativa com mortalidade (p < 0,001), contatou-se que dos 35 pacientes cirúrgicos, somente nove (25,7%) faleceram sendo que dentre eles cinco (55,5%) foram cirurgias de urgência; entre os 48 pacientes internados por causas clínicas, 23 (47,9%) evoluíram para óbito (c2 = 4,2; p < 0,04). A gravidade diferiu de forma significativa conforme a característica da internação, sendo o APACHE II dos pacientes cirúrgicos de 14,4 ± 8,8 e dos pacientes clínicos de 22,1 ± 8,1 (p < 0,001).

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou que o atendimento efetuado na UTI da FUNDHACRE se caracteriza por ser geral, incluindo pacientes que necessitaram de cuidados intensivos, provenientes de todo o Estado do Acre e regiões fronteiriças. O estudo avaliou adultos (20 a 59 anos) e idosos (60 anos ou mais). O mais idoso tinha 104 anos, sendo a média de idade de 53,3 ± 18,6 anos e mediana de 55 anos10. A idade não se correlacionou de forma significativa com mortalidade, diferindo de outros estudos11. Este achado pode ser conseqüência do tamanho da amostra, sem poder para determinar diferenças em mortalidade entre adultos e idosos12.

A idade não se correlacionou de forma significativa com nenhuma variável estudada como: albumina sérica, linfócitos totais, tempo de ventilação mecânica e tempo de permanência (em dias), confirmando o achado de outros autores13 de que idade é um critério impróprio para tomada de decisões terapêuticas, que elas devem ser feitas com base na capacidade dos pacientes de se beneficiarem do tratamento. Idosos podem se recuperar bem, depois de cuidados intensivos13,14.

Na UTI do Hospital das Clínicas de Botucatu, 40% dos pacientes atendidos tinham mais que 60 anos, próximo ao nosso atendimento de 36,1% de idosos11. Em UTI de Hospital Universitário de Fortaleza, 43% dos pacientes admitidos pertenciam a este grupo etário15.

Dados na literatura apontam predomínio do sexo masculino entre pacientes internados em UTI concordante com os presentes achados16.

Em relação às intervenções cirúrgicas, 35 (44,3%) pacientes foram submetidos a procedimentos. Um paciente com diagnóstico de pancreatite aguda grave, com complicação por abscesso peripancreático foi submetido a 10 relaparotomias, evoluindo para óbito. Machado e col.11 concluíram que havia aumento na mortalidade quando se tratava de pacientes cirúrgicos com relaparotomia. No presente estudo, maior número de re-intervenções foi associado com aumento da mortalidade (p < 0,001).

A incidência de úlcera de pressão foi observada em 12 (15,2%) pacientes. O acometimento na região sacral ocorreu em todos os pacientes. Foram associados a maiores períodos em ventilação mecânica e permanência na UTI e conseqüentemente o tempo prolongado de imobilização no leito. A incidência foi inferior à descrita em outros estudos. Estudo realizado em duas UTI de hospital privado em Natal/RN17 demonstrou que a incidência de úlcera de pressão ocorreu em 50% dos pacientes internados.

O tratamento dialítico foi necessário em 15 (18,9%) pacientes com associação significativa com o aumento da mortalidade, dos tempos de ventilação mecânica e permanência, hipoalbuminemia e elevada gravidade. Em estudo realizado por González-Michaca e col.18, com realização de hemodiálise em 28 pacientes internados em UTI, a mortalidade foi de 79,2%.

Foi observada associação significante entre mortalidade e hipoalbuminemia. Os níveis séricos de albumina são fortemente relacionados com aumentos na morbidade (tempo de internação prolongado, cicatrização deficiente de feridas) e da mortalidade6.

Quantificar o risco de letalidade decorrente de determinada doença tem sido uma constante preocupação médica, principalmente em UTI, onde a ocorrência de disfunções orgânicas múltiplas resulta em mortalidade elevada19-21. O APACHE II médio dos pacientes da UTI da FUNDHACRE foi de 18,4 ± 9,1. Caracteriza-se por ser UTI Geral atendendo a pacientes provenientes de todo o Estado do Acre e de Estados e Países vizinhos. Os pacientes clínicos corresponderam a maioria (55,7%), com maior gravidade que os cirúrgicos (p < 0,001). Costa e col.20 avaliaram a gravidade e a mortalidade em UTI de Anestesiologia da Escola Paulista de Medicina, com o objetivo de estudar a evolução de grupos de pacientes críticos e comparar com as taxas de mortalidade real e esperada em 520 pacientes com a taxa de mortalidade de 28,5% com APACHE II variando de 10 a 20 com média de 16. Um estudo de sete anos realizado em Hospital Universitário de nível terciário em 1.963 pacientes14 com o objetivo de analisar o perfil diagnóstico, os dados demográficos e algumas características da evolução de pacientes internados em UTI por sete anos, obtendo mortalidade de 29,4% não sendo descrito dados relacionados à gravidade. Feijó e col.15 em estudo retrospectivo de 300 pacientes internados em UTI de Hospital Universitário, com APACHE II médio de 16,48 ± 7,67 e mortalidade de 32,7%, chamaram a atenção que a variável desnutrição não é considerada, sendo esta uma limitação do escore APACHE II.

CONCLUSÃO

A UTI da FUNDHACRE atendeu a uma demanda geral com pacientes de elevada gravidade provenientes de todo o Estado e regiões vizinhas. A mortalidade foi semelhante ao esperado para a gravidade dos pacientes.

A implantação da Medicina Intensiva no Acre representa a possibilidade de sobrevivência frente à doença grave, trazendo recursos antes indisponíveis na prática médica local como ventilação mecânica, suporte hemodinâmico e terapia nutricional parenteral.

A evolução da Medicina no Estado, fomentado por ações do Governo do Estado do Acre, com criação de Programas de Residência Médica, Curso de Medicina Federal, oferecendo qualificação docente através de Cursos de Mestrado e Doutorado na localidade, reformando, ampliando e modernizando os campos de práticas existentes para credenciamento como hospital universitário, representam os maiores avanços dos últimos anos.

Apresentado em 01 de fevereiro de 2007

Aceito para publicação em 27 de agosto de 2007

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  • Endereço para correspondência:
    Profª Drª Kátia Acuña
    Núcleo de Ensino e Pesquisa em Agravos á Saúde
    na Amazônia Ocidental UFAC/FUNDHACRE/CNPq,
    Ambulatório do Hospital do Idoso Lauro Campos (FUNDHACRE)
    Br 364 km 2 Distrito Industrial
    69914-220 Rio Branco, AC
    Fone: (68) 3227-4962
    E-mail:
  • *
    Recebido da Fundação Hospital Estadual do Acre, Rio Branco, AC
    • Apresentado como Monografia de Conclusão de Residência em Clínica Médica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      01 Fev 2007
    • Aceito
      27 Ago 2007
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