Acessibilidade / Reportar erro

Terapia nutricional enteral pediátrica para vítimas de queimaduras: quando iniciar?

RESUMO

Objetivo:

Revisar as evidências científicas que reportem o período de início da nutrição enteral na população pediátrica vítima de queimadura e seus achados.

Métodos:

Revisão sistemática e metanálise de estudos clínicos randomizados comparando nutrição enteral precoce e nutrição enteral tardia em indivíduos de 1 mês de idade a 18 anos com queimaduras. As bases de dados MEDLINE/PubMed, Embase e Cochrane Library foram acessadas utilizando os termos "burns", "fires", "child nutrition disorders", "nutritional support" e termos relacionados.

Resultados:

Três artigos foram identificados, sendo incluídos 781 pacientes. Não houve diferença significativa na taxa de mortalidade entre os grupos precoce e tardio (RC = 0,72; IC95% 0,46 - 1,15; p = 0,17). Pacientes que receberam nutrição enteral precoce tiveram o tempo de internação reduzido em 3,69 dias (diferença média = -3,69; IC95% -4,11 - -3,27; p < 0,00001). Houve maior incidência de diarreia e vômito, além de diminuição da permeabilidade intestinal no grupo precoce. Esse grupo também apresentou concentração maior de insulina sérica e relação insulina/glucagon, além de menor déficit calórico e perda ponderal em comparação com o grupo controle.

Conclusão:

As análises das diferentes variáveis intragrupos sugerem a importância de iniciar o suporte nutricional de forma precoce. A necessidade de estudos robustos com maior impacto científico é importante, considerando o número de casos de queimaduras em pacientes pediátricos.

Descritores:
Queimaduras; Necessidades nutricionais; Nutrição enteral; Terapia nutricional; Cuidados críticos; Criança

ABSTRACT

Objective:

To review the scientific evidence regarding the initiation of enteral nutrition in the pediatric burn population.

Methods:

This study was a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials comparing early enteral nutrition and late enteral nutrition in individuals aged 1 month to 18 years with burns. The MEDLINE/PubMed, Embase and Cochrane Library databases were searched using the terms "burns", "fires", "child nutrition disorders", "nutritional support" and related terms.

Results:

Three articles that included a total of 781 patients were identified. There was no significant difference in the mortality rate between the early and late groups (OR = 0.72, 95%CI = 0.46 - 1.15, p = 0.17). Patients who received early enteral nutrition had a 3.69-day reduction in the length of hospital stay (mean difference = -3.69, 95%CI = -4.11 - -3.27, p < 0.00001). There was a higher incidence of diarrhea and vomiting and decreased intestinal permeability in the early group. This group also presented higher a serum insulin concentration and insulin/glucagon ratio as well as lower caloric deficit and weight loss when compared to the control group.

Conclusion:

Analysis of the different intragroup variables suggests the importance of starting nutritional support early. Considering the number of pediatric burn patients, there is a need for robust studies with greater scientific impact.

Keywords:
Burn; Nutritional needs; Enteral nutrition; Nutritional therapy; Critical care; Child

INTRODUÇÃO

Queimaduras são lesões dos tecidos orgânicos causadas por trauma de origem térmica e exposição a chamas, frio extremo, substâncias químicas, radiações, atritos, fricção, líquidos e superfícies quentes.(11 Sociedade Brasileira de Queimaduras. Conceito de queimaduras. 2015. [acesso em 10 novembro 2017]. Disponível em: http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-conceito-e-causas/
http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-...
) Na queimadura, independentemente da causa, ocorre a destruição da barreira epitelial e da microbiota resistente da pele, rompendo seu efeito protetor.(22 Barbosa E, Moreira EA, Faintuch J, Pereima MJ. Suplementação de antioxidantes: enfoque em queimados. Rev Nutr. 2007;20(6):693-702.) Tal condição é caracterizada como um dos traumas mais graves, evidenciando importante problema de saúde pública global.(33 World Health Organization (WHO). Burns [Internet]. Geneva: WHO; 2018. [cited 2019 Jul 10]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
)

No Brasil, a queimadura em pediatria representa uma das principais causas de hospitalização e morte não intencional.(44 Aragão JA, Aragão ME, Filgueira DM, Teixeira RM, Reis FP. Estudo epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras internadas na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Urgência de Sergipe. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(3):379-82.) A ocorrência desses acidentes, especialmente em crianças, pode ser explicada pela curiosidade e pela inabilidade próprias desta fase da vida, em que o desenvolvimento intelectual e cognitivo não acompanha o desenvolvimento motor, razão pela qual os acidentes por escaldamento e contato com alimentos quentes são frequentes.(55 Francisconi MH, Itakussu EY, Valenciano PJ, Fujisawa DS, Trelha CS. Perfil epidemiológico das crianças com queimaduras hospitalizadas em um Centro de Tratamento de Queimados. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):137-41.)

As queimaduras desencadeiam uma série de alterações no organismo, com manifestações decorrentes da lesão na pele e das respostas aos sistemas afetados, principalmente os sistemas hemodinâmico, respiratório e metabólico.(66 Piva JP, Garcia PC. Medicina Intensiva em Pediatria. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2015.)

A resposta metabólica à queimadura é complexa e caracterizada por hipercatabolismo, levando ao balanço nitrogenado negativo e à perda significativa de massa músculo-esquelética.(77 Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.)

Sabidamente, a demanda nutricional em pacientes pediátricos vítimas de queimadura é aumentada por fatores de grande relevância, sendo estes o crescimento e desenvolvimento corporal propriamente dito, os altos níveis de estresse oxidativo, a intensa resposta inflamatória e o hipercatabolismo prolongado, característicos da lesão.(88 Trocki O, Michelini JA, Robbins ST, Eichelberger MR. Evaluation of early enteral feeding in children less than 3 years old with smaller burns (8-25 percent TBSA). Burns. 1995;21(1):17-23.) Deste modo, a nutrição enteral é a opção preferencial de alimentação para atingir um suporte nutricional adequado nesses pacientes que necessitam de maior requerimento nutricional, pois mantém a integridade da mucosa intestinal, reduz a incidência de translocação bacteriana e diminui o risco de complicações infecciosas.(99 Lu G, Huang J, Yu J, Zhu Y, Cai L, Gu Z, et al. Influence of early post-burn enteral nutrition on clinical outcomes of patients with extensive burns. J Clin Biochem Nutr. 2011;48(3):222-5.,1010 Mehta NM, Skillman HE, Irving SY, Coss-Bu JA, Vermilyea S, Farrington EA, et al. Guidelines for the provision and assessment of nutrition support therapy in the pediatric critically ill patient: Society of Critical Care Medicine and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. JPEN J Perenter Enteral Nutr. 2017;41(5):706-42.) Diante disso, a terapia nutricional tem papel fundamental na terapêutica destes pacientes, sendo preconizado seu início precocemente, após estabilidade hemodinâmica.(66 Piva JP, Garcia PC. Medicina Intensiva em Pediatria. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2015.)

Mesmo estando consolidada a importância do suporte nutricional nos casos de queimaduras em pacientes pediátricos, há poucos estudos que avaliam o melhor momento para início da nutrição enteral de forma segura e eficaz.

O objetivo desta revisão sistemática e metanálise é avaliar as evidências científicas que reportem o período de início da nutrição enteral nessa população e seus achados.

MÉTODOS

Protocolo e registro

O protocolo para esta revisão sistemática foi registrado no PROSPERO [CRD42017077665] e está disponível no site [http://www.crd.york.ac.uk/PROSPERO].

Critério de elegibilidade

Os estudos foram selecionados com base nos seguintes critérios: ensaios clínicos randomizados (ECR) que compararam o início precoce versus tardio da terapia nutricional enteral em pacientes pediátricos vítimas de queimaduras. Considerou-se terapia nutricional enteral precoce o início da dieta enteral nas primeiras 24 horas após o trauma, e tardia quando o início da dieta aconteceu após 48 horas do trauma.

Fontes de informação

As seguintes bases de dados eletrônicas foram avaliadas, considerando estudos que foram publicados até agosto de 2017: MEDLINE (acessado pelo PubMed), EMBASE e Cochrane Central Register of Controlled Trials. Não foi utilizada restrição de data ao realizar esta pesquisa. Foram considerados somente artigos nos idiomas inglês, espanhol e português.

Estratégia de busca

Nenhuma revisão sistemática abordando esta questão de pesquisa na população pediátrica vítima de queimadura estava disponível no MEDLINE (via PubMed), no EMBASE e nem na Cochrane no início deste estudo. Em agosto de 2017, foram realizadas as pesquisas nos bancos de dados utilizando os seguintes descritores e seus termos relacionados "burns", "fires", "child nutrition disorders" e "nutritional support" para obter os resultados mais amplos possíveis. As estratégias de busca sofreram adequações conforme a base de dados utilizada e podem ser observadas no Apêndice A.

Seleção dos estudos

Artigos em duplicata foram identificados e excluídos manualmente, sendo analisados utilizando os seguintes procedimentos: títulos e resumos encontrados na pesquisa de literatura foram analisados de forma independente por dois revisores com base nos critérios de inclusão/exclusão. A seguir, todos os artigos incluídos foram submetidos à análise do texto completo, identificando os artigos elegíveis. As discordâncias foram resolvidas por consenso ou opinião de um terceiro crítico. O acordo entre os revisores foi avaliado usando o coeficiente Kappa de Cohen.

Extração de dados e avaliação da qualidade metodológica

Dois revisores independentes extraíram os dados de cada estudo, utilizando um modelo de tabela próprio para este fim. Os dados extraídos foram os seguintes: identificação do estudo, desenho do estudo, descrição da população, detalhes da intervenção e resultados. Os resultados primários incluíram mortalidade e tempo de internação. Os resultados secundários incluíram complicações clínicas, alterações hormonais, déficit calórico e/ou perda ponderal. Um terceiro revisor avaliou todos os estudos para a integridade da extração de dados.

Para avaliar a qualidade metodológica e o risco de viés dos estudos, a ferramenta de Colaboração da Cochrane(1111 Higgins JP, Altman DG, Gotzsche PC, Jüni P, Moher D, Oxman AD, Savovic J, Schulz KF, Weeks L, Sterne JA; Cochrane Bias Methods Group; Cochrane Statistical Methods Group. The Cochrane Collaboration's tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ. 2011;343:d5928.) foi utilizada para cada ensaio clínico randomizado incluído. As seguintes áreas foram avaliadas: geração de sequência, ocultação de alocação, cegamento dos participantes, cegamento dos resultados, dados incompletos do resultado, relatórios seletivos e outros vieses. Cada domínio foi classificado como baixo, médio ou alto risco de viés.

Síntese e análise de dados

Para iniciar o processo de inclusão/exclusão dos artigos, foi utilizado o programa StArt. A metanálise foi realizada pelo software estatístico Review Manager 5.3 (RevMan 5.3).

RESULTADOS

Busca na literatura

Inicialmente, foram identificados 4.826 títulos referentes à estratégia de busca utilizada. Após a exclusão dos títulos não elegíveis e resumos em duplicata, apenas três artigos originais foram incluídos. O fluxograma que mostra o processo de seleção dos estudos está detalhado na figura 1. Houve avaliação de dois pesquisadores independentes desde o início do processo, apresentando excelente concordância interavaliador calculada pelo coeficiente de Kappa de Cohen de 0,9.

Figura 1
Fluxograma da seleção dos estudos.

Características gerais dos estudos e da população

Foram incluídos 3 ECR, unicêntricos, não cegos, totalizando a participação de 781 sujeitos: 413 pacientes no grupo intervenção, caracterizado pela nutrição enteral precoce (NEP) nas primeiras 24 horas após a queimadura, e 368 pacientes no grupo controle, em que receberam nutrição enteral tardia (NET) após 48 horas da queimadura.

As principais características dos estudos incluídos estão descritas na tabela 1. Os estudos foram realizados em diferentes locais, sendo um na América do Norte,(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) um na África(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) e um na Ásia.(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) A idade dos pacientes incluídos variou de 30 dias a 18 anos, e todos foram internados em unidades de terapia intensiva (UTI) de queimados. Todos os estudos(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.

13 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.
-1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) mostraram de que forma ocorreu a progressão do volume de dieta ao longo da internação dos pacientes, porém Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) não informaram o volume inicial de dieta administrada. O volume de fluidos utilizado nas etapas de reposição e manutenção foi calculado separadamente, não estando incluído nas necessidades de nutrientes destes pacientes. Para definir as necessidades nutricionais dos pacientes incluídos, Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) utilizaram protocolo próprio da instituição,(1515 Mayes T, Gottschlich MM, Khoury J, Warden GD. Evaluation of predicted and measured energy requirement in burned children. J Am Diet Assoc. 1996;96(1):24-9.) e Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) a fórmula de Solomon(1616 Solomon JR. Nutrition in the severely burned child. Prog Pediatr Surg. 1981;14:63-79.) e equação derivada de Galveston publicada por Hildreth et al.(1717 Hildreth MA, Herndon DN, Desai MH, Broemeling LD. Current treatment reduces calories required to maintain weight in pediatric patients with burns. J Burn Care Rehabil. 1990;11(5):405-9.) Já Khorasani e Mansouri(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) seguiram a fórmula proposta por Seashore(1818 Seashore JH. Nutritional support of children in the intensive care unit. Yale J Biol Med. 1984;57(2):111-34.) para estimar as necessidades energéticas da população estudada.

Tabela 1
Características dos estudos incluídos

Considerando as características da população estudada, apenas um estudo(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) informou o sexo dos participantes, predominando meninos. Em todos os estudos, os grupos NEP e NET foram similares, em termos de média de idade e superfície corporal queimada (SCQ). As principais características da população estudada estão descritas na tabela 2.

Tabela 2
Características da população estudada

Os principais tipos de queimadura ocorridos na população estudada foram por escaldamento e por chama. A alimentação enteral foi administrada através de sonda nasoduodenal em um estudo(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) e de sonda nasojejunal nos outros dois estudos.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.,1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) Estes últimos utilizaram a via oral de forma complementar, assim que a nutrição enteral atingisse a meta estabelecida. O estudo de Khorasani e Mansouri(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) não especifica o momento de início da terapia nutricional, tanto no grupo NEP, quanto no grupo NET, assim como o tempo médio para atingir a meta energético-proteica após o início da alimentação. As principais características dos tipos de queimaduras e da estratégia nutricional adotada estão descritas na tabela 3.

Tabela 3
Características dos grupos intervenção e controle nos estudos incluídos

Resultados primários

Mortalidade

Todos os artigos incluídos relataram a mortalidade durante o período do estudo. De acordo com o resultado de metanálise (Figura 2), não houve diferença significativa na taxa de mortalidade entre o grupo NEP e o grupo NET (razão de chance - RC = 0,72; intervalo de confiança de 95% - IC95% 0,46 - 1,15; p = 0,17). Apenas dois estudos(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.,1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) descreveram as principais causas de morte: disfunção múltipla de órgãos e isquemia cerebral.

Figura 2
Mortalidade nos grupos intervenção e controle.

NEP - nutrição enteral precoce; NET - nutrição enteral tardia.


Tempo de internação

Os três estudos relataram a variável tempo de internação, entretanto Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) não forneceram os dados de desvio padrão deste desfecho, restando apenas dois estudos para metanálise. Conforme a figura 3, houve diferença significativa na média de tempo de internação entre os grupos NEP e NET (diferença média = -3,69; IC95% -4,11 - -3,27; p < 0,00001), sendo possível observar que pacientes que receberam terapia nutricional precoce têm o tempo de internação reduzido em 3,69 dias. Este resultado deve-se especialmente ao estudo de Khorasani e Mansouri,(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) pela inclusão de maior número de pacientes.

Figura 3
Tempo de internação (dias) nos grupos intervenção e controle.

NEP - nutrição enteral precoce; NET - nutrição enteral tardia.


Resultados secundários

Complicações clínicas

Pacientes do estudo de Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) pertencentes ao grupo NEP apresentaram maior incidência de diarreia (63% versus 58%; p = 0,62). Corroborando esses achados, o estudo de Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) observa maior incidência de diarreia (2,2% versus 1,0%) e vômitos (1,3% versus 0%) no grupo NEP. Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) reportam, em seus resultados, que a permeabilidade intestinal diminuiu significativamente no terceiro dia em ambos os grupos e, após 48 horas, permaneceu diminuída somente no grupo NEP (p = 0,02). Khorasani e Mansouri(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) avaliaram a presença de íleo paralítico, obstrução intestinal ou diminuição da perfusão intestinal (diarreia, vômito, dor e distensão abdominal) e não encontraram estas complicações clínicas em ambos os grupos durante o período do estudo.

Efeito hormonal

Diferentes estudos avaliaram o efeito da NEP sobre os parâmetros hormonais de pacientes pediátricos queimados. Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) analisaram diversos hormônios, como cortisol, insulina, glucagon, adrenalina, noradrenalina, dopamina, gastrina, triiodotironina (T3) e tetraiodotironina (T4). Apenas os parâmetros de insulina sérica (55,1% versus 20,4%; p = 0,0004) e T3 (40,7% versus 30,2%; p = 0,0162) foram significativamente maiores durante a primeira semana no grupo NEP. Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) analisaram o efeito do glucagon, insulina, hormônio do crescimento (GH), cortisol e fator de crescimento insulina-1. As análises desses dados mostram que, no grupo NEP, houve concentração maior de insulina e relação insulina/glucagon, quando comparado ao grupo NET, mostrando diferença estatisticamente significativa (p = 0,008 e p = 0,04, respectivamente). A concentração de GH foi significativamente maior no grupo NET até o 12º dia em comparação ao grupo NEP (p = 0,03). Não houve diferença significativa nos demais hormônios analisados.

Déficit calórico

Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) encontraram menor déficit calórico no grupo NEP na primeira (-363 versus -1.960kcal; p < 0,0001) e segunda (-898 versus -2.734kcal; p = 0,0022) semanas avaliadas, mostrando diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) observaram que, no grupo intervenção, houve menor déficit calórico nos primeiros 26 dias (excluindo os primeiros dois dias), porém não apresentou diferença significativa em relação ao grupo NET (p = 0,7).

Perda ponderal

Nos estudos de Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) e Khorasani e Mansouri,(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) o grupo NEP apresentou menor perda ponderal em relação ao controle (3,0% versus 7,75%; p = 0,1; e 3,0 versus 9,0%; p < 0,05), respectivamente.

Risco de viés dos estudos incluídos

Todos os estudos utilizaram delineamento randomizado controlado, mas Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) não relataram de que forma ocorreu o processo de randomização. Em relação ao cegamento, os estudos foram classificados como não cegos, mas sem prejuízo nos resultados. Todos os estudos descreveram a ocultação de alocação, relataram resultados específicos e justificaram a perda de pacientes, quando ocorrida (Tabela 4).

Tabela 4
Avaliação do risco de viés nos estudos incluídos

DISCUSSÃO

A importância da nutrição enteral para pacientes pediátricos vítimas de queimaduras é conhecida, porém persiste uma lacuna sobre o momento ideal para iniciar o suporte nutricional. As diretrizes recomendam início da alimentação enteral em até 24 horas após a lesão(1919 Heyland DK, Dhaliwal R, Drover JW, Gramlich L, Dodek P; Canadian Critical Care Clinical Practice Guidelines Committee. Canadian clinical practice guidelines for nutrition support in mechanically ventilated, critically ill adult patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2003;27(5):355-73.,2020 Hart DW, Wolf SE, Chinkes DL, Beauford RB, Mlcak RP, Heggers JP, et al. Effects of early excision and aggressive enteral feeding on hypermetabolism, catabolism, and sepsis after severe burn. J Trauma. 2003;54(4):755-61; discussion 761-4.) ou sugerem o início em até 12 horas após o trauma.(2121 Gibran NS; Committee on Organization and Delivery of Burn Care, American Burn Association. Practice Guidelines for burn care, 2006. J Burn Care Res. 2006;27(4):437-8.

22 Jacobs DG, Jacobs DO, Kudsk KA, Moore FA, Oswanski MF, Poole GV, Sacks G, Scherer LR 3rd, Sinclair KE; EAST Practice Management Guidelines Workgroup. Practice management guidelines for nutritional support of the trauma patient. J Trauma. 2004;57(3):660-7; discussion 679.
-2323 Rousseau AF, Losser MR, Ichai C, Berger MM. ESPEN endorsed recommendations: nutritional therapy in major burns. Clin Nutr. 2013;32(4):497-502.) Entretanto, estes estudos foram realizados em modelos animais ou apresentam viés de seleção, devido à inclusão de adultos.(2424 Mochizuki H, Trocki O, Dominioni L, Brackett KA, Joffe SN, Alexander JW. Mechanism of prevention of postburn hypermetabolism and catabolism by early enteral feeding. Ann Surg. 1984;200(3):297-310.,2525 Dominioni L, Trocki O, Mochizuki H, Fang CH, Alexander JW. Prevention of severe postburn hypermetabolism and catabolism by immediate intragastric feeding. J Burn Care Rehabil. 1984;5(2):106-12.)

Esta revisão sistemática resume as evidências disponíveis na literatura nos últimos 15 anos. Três ECR foram encontrados nos idiomas propostos, evidenciando que ainda há poucos estudos realizados nesta população quando comparados com o número de publicações em adultos.

Uma das dificuldades encontradas nessa população foi estimar o real gasto calórico nos diversos momentos da recuperação. Na população estudada, o gasto calórico foi estimado por meio de diferentes técnicas e fórmulas entre os estudos.(1515 Mayes T, Gottschlich MM, Khoury J, Warden GD. Evaluation of predicted and measured energy requirement in burned children. J Am Diet Assoc. 1996;96(1):24-9.

16 Solomon JR. Nutrition in the severely burned child. Prog Pediatr Surg. 1981;14:63-79.

17 Hildreth MA, Herndon DN, Desai MH, Broemeling LD. Current treatment reduces calories required to maintain weight in pediatric patients with burns. J Burn Care Rehabil. 1990;11(5):405-9.
-1818 Seashore JH. Nutritional support of children in the intensive care unit. Yale J Biol Med. 1984;57(2):111-34.,2626 Curreri PW, Richmond D, Marvin J, Baxter CR. Dietary requirements of patients with major burns. J Am Diet Assoc. 1974;65(4):415-7.

27 Day T, Dean P, Adams MC, Luterman A, Ramenofsky ML, Curreri PW. Nutritional requirements of the burned child: the Curreri Junior Formula. Proc Am Burn Assoc. 1986;18:86-91.
-2828 Gore DC, Rutan RL, Hildreth M, Desai MH, Herndon DN. Comparison of resting energy expenditures and caloric intake in children with severe burns. J Burn Care Rehabil. 1990;11(5):400-4.)

Em relação ao consumo energético, os estudos mostraram déficit calórico menor no grupo NEP quando comparado ao grupo NET, justificando a perda ponderal de forma menos acentuada no grupo NEP, evidenciado no estudo de Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) Corroborando estes achados, Khorasani e Mansouri(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) encontraram menor perda ponderal no grupo NEP, mesmo não avaliando o consumo calórico. Em pacientes queimados, o peso pode sofrer diversas variações, principalmente devido aos fluidos utilizados nas fases de recuperação e manutenção, demonstrando a importância de reconhecer os efeitos a longo prazo e do monitoramento durante a fase de reabilitação.(2929 Herndon DH. Total burn care. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2012.)

Peso, idade, porcentagem da SCQ e causa da queimadura são dados importantes para estimar e acompanhar o gasto metabólico de pacientes pediátricos queimados, quando há inviabilidade de uso de um calorímetro. Nos estudos incluídos nesta revisão, a principal causa de queimaduras foi escaldamento, assim como relatado em estudo multicêntrico em 2001, no qual 44% das queimaduras em indivíduos menores de 15 anos ocorreram por líquidos ferventes.(3030 Martins CB, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.)

Reforçando a informação sobre a carência de estudos com resultados robustos e fidedignos, destacamos o estudo de Khorasani e Mansouri,(1414 Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.) o qual apresentou ausência de informação sobre o tempo de início da terapia nutricional, interferindo negativamente na comparação com outros estudos. Entretanto, apenas neste estudo foi observada diminuição da mortalidade e tempo de internação de forma significativa no grupo NEP quando comparado ao NET. Este resultado se deve, especialmente, ao tamanho maior da amostra e por sua homogeneidade em relação aos demais estudos. Ao encontro destes achados, um estudo multicêntrico, com 153 indivíduos adultos queimados, avaliando o efeito da NEP, observou redução significativa no tempo de internação em UTI (p = 0,03).(3131 Mosier MJ, Pham TN, Klein MB, Gibran NS, Arnoldo BD, Gamelli RL, et al. Early enteral nutrition in burns: compliance with guidelines and associated outcomes in a multicenter study. J Burn Care Res. 2011;32(1):104-9.) Este achado, portanto, impacta de forma considerável na redução de custos com internação, além de proporcionar maior rotatividade de leitos hospitalares.

Além da mortalidade, essa revisão sistemática permitiu avaliação de outros desfechos. Dentre as complicações gastrintestinais observadas no estudos, vômito e diarreia tiveram prevalência igual entre os grupos NEP e NET. Estes eventos são, em parte, próprios da condição do paciente queimado, devido à acentuada diminuição da função imunológica, à alteração brusca no metabolismo e ao início do uso de antibióticos.

Outra complicação avaliada e que pode contribuir para o comprometimento do estado nutricional é o aumento da permeabilidade intestinal, sendo esta uma das características iniciais de dano à barreira da mucosa intestinal, colaborando para o aumento na ocorrência de complicações gastrintestinais e sepse.(3232 Earley ZM, Akhtar S, Green SJ, Naqib A, Khan O, Cannon AR, et al. Burn injury alters the intestinal microbiome and increases gut permeability and bacterial translocation. PLoS One. 2015;10(7):e0129996.) O estudo de Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) encontrou diminuição significativa dos valores da razão lactulose:ramnose, permanencendo diminuída após 48 horas somente no grupo NEP.

A liberação expressiva de mediadores inflamatórios em resposta às alterações metabólicas provocadas pelo estresse também compromete o estado nutricional do paciente pediátrico queimado.(3131 Mosier MJ, Pham TN, Klein MB, Gibran NS, Arnoldo BD, Gamelli RL, et al. Early enteral nutrition in burns: compliance with guidelines and associated outcomes in a multicenter study. J Burn Care Res. 2011;32(1):104-9.) A frequência de monitoramento destes marcadores, como insulina, T3, cortisol, glucagon e GH, diferiu entre os estudos. A verificação dos valores de insulina nesses pacientes é importante, pois trata-se de hormônio anabólico e possui efeito modulador da resposta imunológica, além de efeito trófico em mucosas e pele, melhorando a barreira contra invasão e translocação de microrganismos.(3333 Wheeler EE, Challacombe DN. The trophic action of growth hormone, insulin-like growth factor-I, and insulin on human duodenal mucosa cultured in vitro. Gut. 1997;40(1):57-60.

34 Pierre EJ, Barrow RE, Hawkins HK, Nguyen TT, Sakurai Y, Desai M, et al. Effects of insulin on wound healing. J Trauma. 1998;44(2):342-5.
-3535 Przkora R, Herndon DN, Finnerty CC, Jeschke MG. Insulin attenuates the cytokine response in a burn wound infection model. Shock. 2007;27(2):205-8.) As diferenças observadas na maior concentração de insulina nos dois estudos sugere que a NEP facilita a cicatrização das feridas e diminui o risco de inflamação.

A avaliação dos hormônios tireóideos T3 e T4, cuja redução é sensível ao estresse do trauma e da gravidade da queimadura,(3636 D'Asta F, Cianferotti L, Bhandari S, Sprini D, Rini GB, Brandi ML. The endocrine response to severe burn trauma. Expert Rev Endocrinol Metab. 2014;9(1):45-9.) foi realizada apenas por Gottschlich et al.,(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) que observou aumento significativo de T3 nos pacientes do grupo NEP, demonstrando melhor prognóstico quando comparado ao grupo NET.

Grande parte das alterações no metabolismo de pacientes queimados ocorre devido às citocinas, que estimulam o hipotálamo no aumento da termorregulação. Estas alterações geram aumento na produção dos hormônios do estresse, ocasionando a lipólise e a proteólise.(3737 Tredget EE, Yu YM. The metabolic effects of thermal injury. World J Surg. 1992;16(1):68-79.) Estudos clássicos em animais revelaram a diminuição da produção destes hormônios do estresse, quando os animais foram alimentados dentro de 2 horas após a queimadura.(2424 Mochizuki H, Trocki O, Dominioni L, Brackett KA, Joffe SN, Alexander JW. Mechanism of prevention of postburn hypermetabolism and catabolism by early enteral feeding. Ann Surg. 1984;200(3):297-310.,2525 Dominioni L, Trocki O, Mochizuki H, Fang CH, Alexander JW. Prevention of severe postburn hypermetabolism and catabolism by immediate intragastric feeding. J Burn Care Rehabil. 1984;5(2):106-12.) Níveis séricos de cortisol e glucagon são considerados indicadores sensíveis do estresse e são proporcionais à extensão da lesão, podendo persistir em concentrações elevadas por até 3 anos após a queimadura.(3838 Rojas Y, Finnerty CC, Radhakrishnan RS, Herndon DN. Burns: an update on current pharmacotherapy. Expert Opin Pharmacother. 2012;13(17):2485-94.) Esse resultado foi confirmado em uma população pediátrica, em que o aumento nos níveis de cortisol foi correlacionado positivamente com a SCQ.(3939 Senel E, Kizilgun M, Akbiyik F, Atayurt H, Tiryaki HT, Aycan Z. The evaluation of the adrenal and thyroid axes and glucose metabolism after burn injury in children. J Pediatr Endocrinol Metab. 2010;23(5):481-9.) Gottschlich et al.(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) e Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) mediram o cortisol em seus pacientes e afirmam que não houve diferença significativa nos níveis deste hormônio entre os grupos. Já, em relação ao glucagon, Venter et al.(1313 Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.) observaram menor concentração deste hormônio nos pacientes do grupo NEP, demonstrando redução da resposta hipermetabólica quando comparado ao grupo NET.

As propriedades catabólicas do GH durante períodos de estresse e trauma aumentam a gliconeogênese e a lipólise.(4040 Fleming RY, Rutan RL , Jahoor F , Barrow RE , Wolfe RR , Herndon DN. Effect of recombinant human growth hormone on catabolic hormones and free fatty acids following thermal injury. J Trauma. 1992;32(6):698-702, discussion 702-3.) No estudo de Venter et al.,(1212 Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.) observou-se concentração significativamente maior deste hormônio no grupo NET até o 12º dia, quando comparado ao grupo NEP, sugerindo que os pacientes nutridos precocemente não dependem da glicogenólise ou gliconeogênese para obter suas necessidades energéticas, contribuindo para a manutenção da composição corporal e, consequentemente, evitando a perda de massa magra.

CONCLUSÃO

Após a realização desta revisão sistemática, considerando também o número de casos de queimaduras em pacientes pediátricos, fica evidente a necessidade de estudos robustos com maior impacto científico nesta população. Por outro lado, os estudos aqui apresentados, mesmo que com suas limitações já expostas, não descartam a hipótese de que um suporte nutricional precoce traz grandes benefícios para essa população. As análises das diferentes variáveis intragrupos sugerem a importância de iniciar o suporte nutricional de forma precoce, em que a redução nesse tempo impacta de forma significativa na recuperação das lesões, no tempo de hospitalização, além de auxiliar no desenvolvimento e no crescimento dentro dos padrões de normalidade dessas crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Sociedade Brasileira de Queimaduras. Conceito de queimaduras. 2015. [acesso em 10 novembro 2017]. Disponível em: http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-conceito-e-causas/
    » http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-conceito-e-causas/
  • 2
    Barbosa E, Moreira EA, Faintuch J, Pereima MJ. Suplementação de antioxidantes: enfoque em queimados. Rev Nutr. 2007;20(6):693-702.
  • 3
    World Health Organization (WHO). Burns [Internet]. Geneva: WHO; 2018. [cited 2019 Jul 10]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs365/en/
  • 4
    Aragão JA, Aragão ME, Filgueira DM, Teixeira RM, Reis FP. Estudo epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras internadas na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Urgência de Sergipe. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(3):379-82.
  • 5
    Francisconi MH, Itakussu EY, Valenciano PJ, Fujisawa DS, Trelha CS. Perfil epidemiológico das crianças com queimaduras hospitalizadas em um Centro de Tratamento de Queimados. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):137-41.
  • 6
    Piva JP, Garcia PC. Medicina Intensiva em Pediatria. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2015.
  • 7
    Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.
  • 8
    Trocki O, Michelini JA, Robbins ST, Eichelberger MR. Evaluation of early enteral feeding in children less than 3 years old with smaller burns (8-25 percent TBSA). Burns. 1995;21(1):17-23.
  • 9
    Lu G, Huang J, Yu J, Zhu Y, Cai L, Gu Z, et al. Influence of early post-burn enteral nutrition on clinical outcomes of patients with extensive burns. J Clin Biochem Nutr. 2011;48(3):222-5.
  • 10
    Mehta NM, Skillman HE, Irving SY, Coss-Bu JA, Vermilyea S, Farrington EA, et al. Guidelines for the provision and assessment of nutrition support therapy in the pediatric critically ill patient: Society of Critical Care Medicine and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. JPEN J Perenter Enteral Nutr. 2017;41(5):706-42.
  • 11
    Higgins JP, Altman DG, Gotzsche PC, Jüni P, Moher D, Oxman AD, Savovic J, Schulz KF, Weeks L, Sterne JA; Cochrane Bias Methods Group; Cochrane Statistical Methods Group. The Cochrane Collaboration's tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ. 2011;343:d5928.
  • 12
    Gottschlich MM, Jenkins ME, Mayes T, Khoury J, Kagan RJ, Warden GD. The 2002 Clinical Research Award. An evaluation of the safety of early vs delayed enteral support and effects on clinical, nutritional, and endocrine outcomes after severe burns. J Burn Care Rehabil. 2002;23(6):401-15.
  • 13
    Venter M, Rode H, Sive A, Visser M. Enteral resuscitation and early enteral feeding in children with major burns--effect on McFarlane response to stress. Burns. 2007;33(4):464-71.
  • 14
    Khorasani EN, Mansouri F. Effect of early enteral nutrition on morbidity and mortality in children with burns. Burns. 2010;36(7):1067-71.
  • 15
    Mayes T, Gottschlich MM, Khoury J, Warden GD. Evaluation of predicted and measured energy requirement in burned children. J Am Diet Assoc. 1996;96(1):24-9.
  • 16
    Solomon JR. Nutrition in the severely burned child. Prog Pediatr Surg. 1981;14:63-79.
  • 17
    Hildreth MA, Herndon DN, Desai MH, Broemeling LD. Current treatment reduces calories required to maintain weight in pediatric patients with burns. J Burn Care Rehabil. 1990;11(5):405-9.
  • 18
    Seashore JH. Nutritional support of children in the intensive care unit. Yale J Biol Med. 1984;57(2):111-34.
  • 19
    Heyland DK, Dhaliwal R, Drover JW, Gramlich L, Dodek P; Canadian Critical Care Clinical Practice Guidelines Committee. Canadian clinical practice guidelines for nutrition support in mechanically ventilated, critically ill adult patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2003;27(5):355-73.
  • 20
    Hart DW, Wolf SE, Chinkes DL, Beauford RB, Mlcak RP, Heggers JP, et al. Effects of early excision and aggressive enteral feeding on hypermetabolism, catabolism, and sepsis after severe burn. J Trauma. 2003;54(4):755-61; discussion 761-4.
  • 21
    Gibran NS; Committee on Organization and Delivery of Burn Care, American Burn Association. Practice Guidelines for burn care, 2006. J Burn Care Res. 2006;27(4):437-8.
  • 22
    Jacobs DG, Jacobs DO, Kudsk KA, Moore FA, Oswanski MF, Poole GV, Sacks G, Scherer LR 3rd, Sinclair KE; EAST Practice Management Guidelines Workgroup. Practice management guidelines for nutritional support of the trauma patient. J Trauma. 2004;57(3):660-7; discussion 679.
  • 23
    Rousseau AF, Losser MR, Ichai C, Berger MM. ESPEN endorsed recommendations: nutritional therapy in major burns. Clin Nutr. 2013;32(4):497-502.
  • 24
    Mochizuki H, Trocki O, Dominioni L, Brackett KA, Joffe SN, Alexander JW. Mechanism of prevention of postburn hypermetabolism and catabolism by early enteral feeding. Ann Surg. 1984;200(3):297-310.
  • 25
    Dominioni L, Trocki O, Mochizuki H, Fang CH, Alexander JW. Prevention of severe postburn hypermetabolism and catabolism by immediate intragastric feeding. J Burn Care Rehabil. 1984;5(2):106-12.
  • 26
    Curreri PW, Richmond D, Marvin J, Baxter CR. Dietary requirements of patients with major burns. J Am Diet Assoc. 1974;65(4):415-7.
  • 27
    Day T, Dean P, Adams MC, Luterman A, Ramenofsky ML, Curreri PW. Nutritional requirements of the burned child: the Curreri Junior Formula. Proc Am Burn Assoc. 1986;18:86-91.
  • 28
    Gore DC, Rutan RL, Hildreth M, Desai MH, Herndon DN. Comparison of resting energy expenditures and caloric intake in children with severe burns. J Burn Care Rehabil. 1990;11(5):400-4.
  • 29
    Herndon DH. Total burn care. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2012.
  • 30
    Martins CB, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.
  • 31
    Mosier MJ, Pham TN, Klein MB, Gibran NS, Arnoldo BD, Gamelli RL, et al. Early enteral nutrition in burns: compliance with guidelines and associated outcomes in a multicenter study. J Burn Care Res. 2011;32(1):104-9.
  • 32
    Earley ZM, Akhtar S, Green SJ, Naqib A, Khan O, Cannon AR, et al. Burn injury alters the intestinal microbiome and increases gut permeability and bacterial translocation. PLoS One. 2015;10(7):e0129996.
  • 33
    Wheeler EE, Challacombe DN. The trophic action of growth hormone, insulin-like growth factor-I, and insulin on human duodenal mucosa cultured in vitro. Gut. 1997;40(1):57-60.
  • 34
    Pierre EJ, Barrow RE, Hawkins HK, Nguyen TT, Sakurai Y, Desai M, et al. Effects of insulin on wound healing. J Trauma. 1998;44(2):342-5.
  • 35
    Przkora R, Herndon DN, Finnerty CC, Jeschke MG. Insulin attenuates the cytokine response in a burn wound infection model. Shock. 2007;27(2):205-8.
  • 36
    D'Asta F, Cianferotti L, Bhandari S, Sprini D, Rini GB, Brandi ML. The endocrine response to severe burn trauma. Expert Rev Endocrinol Metab. 2014;9(1):45-9.
  • 37
    Tredget EE, Yu YM. The metabolic effects of thermal injury. World J Surg. 1992;16(1):68-79.
  • 38
    Rojas Y, Finnerty CC, Radhakrishnan RS, Herndon DN. Burns: an update on current pharmacotherapy. Expert Opin Pharmacother. 2012;13(17):2485-94.
  • 39
    Senel E, Kizilgun M, Akbiyik F, Atayurt H, Tiryaki HT, Aycan Z. The evaluation of the adrenal and thyroid axes and glucose metabolism after burn injury in children. J Pediatr Endocrinol Metab. 2010;23(5):481-9.
  • 40
    Fleming RY, Rutan RL , Jahoor F , Barrow RE , Wolfe RR , Herndon DN. Effect of recombinant human growth hormone on catabolic hormones and free fatty acids following thermal injury. J Trauma. 1992;32(6):698-702, discussion 702-3.

Apêndice A

Apêndice A
Estratégia de busca

Editado por

Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2018
  • Aceito
    04 Dez 2018
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br