Acessibilidade / Reportar erro

Decisão compartilhada no contexto da COVID-19

Diante da pandemia ocasionada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), múltiplos tratamentos vêm sendo propostos para a doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19), apesar de não haver, até o momento, evidências que apoiem a utilização de qualquer opção terapêutica específica para a doença. Diferentes entidades, como o National Institutes of Health (NIH), a Surviving Sepsis Campaign (SSC), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), não recomendam o uso de terapias específicas para COVID-19 (por exemplo: hidroxicloroquina, azitromicina, lopineavir/ritonavir, tocilizumabe, imunoglobulina etc.) até que surjam evidências consistentes que as amparem, tanto do ponto de vista da eficácia quanto da segurança.(11 National Institutes of Health (NIH). Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Treatment Guidelines [Internet]. [cited 2020 Mar 20]. Available from: https://covid19treatmentguidelines.nih.gov/
https://covid19treatmentguidelines.nih.g...

2 Alhazzani W, Møller MH, Arabi YM, Loeb M, Gong MN, Fan E, et al. Surviving Sepsis Campaign: guidelines on the management of critically ill adults with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Intensive Care Med. 2020;46(5):854-87.

3 Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Informe da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre o novo coronavírus. (Atualizado em 12/03/2020) [Internet]. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/125/2020/03/a592fb12637ba55814f12819914fe6ddbc27760f54c56e3c50f35c1507af5d6f.pdf
https://www.infectologia.org.br/admin/zc...
-44 Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Recomendações da Associação de Medicina Intensiva Brasileira para a abordagem do COVID-19 em medicina intensiva (abril de 2020) [Internet]. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/04/Recomendacoes_AMIB04042020_10h19.pdf
https://www.amib.org.br/fileadmin/user_u...
)

Por outro lado, a sugestão do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina em casos graves de COVID-19 e a popularização do tema geraram expectativas junto à comunidade leiga, que solicita e, por vezes exige, a prescrição desses medicamentos. Apesar do parecer 04/2020 do Conselho Federal de Medicina (CFM) reiterar que não há evidências sólidas sobre o efeito desses fármacos na prevenção e no tratamento da COVID-19, o CFM entende ser possível sua prescrição, desde que em decisão compartilhada, quando o médico deve explicar ao paciente e/ou familiares a fragilidade das evidências existentes, bem como os riscos e benefícios envolvidos no tratamento.(55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Nota informativa Nº 5/2020-DAF/SCTIE/MS. Uso da Cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves do COVID-19 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS---0014167392---Nota-Informativa.pdf
https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020...
,66 Conselho Federal de Medicina (CFM). Parecer CFM Nº 04 de 16 de abril de 2020. Tratamento de pacientes portadores de COVID-19 com cloroquina e hidroxicloroquina [Internet]. Brasília: CFM; 2020. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visua...
)

Decisão compartilhada

A decisão compartilhada encontra apoio no princípio ético da beneficência e da não maleficência, visa envolver os pacientes e/ou familiares nas decisões ligadas ao atendimento clínico e deve fazer parte da prática clínica. Compartilhar decisões significa respeitar a autonomia dos pacientes e assegurar um atendimento consistente com seus valores e preferências. Idealmente, a participação dos pacientes e/ou familiares na tomada de decisão deve ser considerada quando há incertezas sobre benefícios ou possibilidade de riscos associados a alguma intervenção. Geralmente, o entendimento dos pacientes e/ou familiares de que existe uma decisão a ser tomada é alcançado por meio da discussão dos prós e contras das opções existentes.(77 Beach MC, Sugarman J. Realizing shared decision-making in practice. JAMA. 2019 Jul 25. [Epub ahead of print].

8 Bennett F, O'Conner-Von S. Communication interventions to improve goal-concordant care of seriously ill patients: an integrative review. J Hosp Palliat Nurs. 2020;22(1):40-8.

9 Hargraves IG, Montori VM. Aligning care with patient values and priorities. JAMA Intern Med. 2019 Oct 7. [Epub ahead of print].
-1010 Harman S, Verghese A. Protecting the sanctity of the patient-physician relationship. JAMA. 2019 Oct 29. [Epub ahead of print].)

Sugestões práticas para condução da decisão compartilhada

Definir questões prioritárias

A decisão compartilhada não deve ser reservada e nem utilizada de maneira proativa em situações de incerteza sobre riscos e benefícios, ou quando as decisões envolvem preferências e valores individuais - que são soberanos. As possibilidades devem ser apresentadas como opções, esclarecendo risco e benefícios, mas não como recomendações ou imposições.(77 Beach MC, Sugarman J. Realizing shared decision-making in practice. JAMA. 2019 Jul 25. [Epub ahead of print].,99 Hargraves IG, Montori VM. Aligning care with patient values and priorities. JAMA Intern Med. 2019 Oct 7. [Epub ahead of print].,1010 Harman S, Verghese A. Protecting the sanctity of the patient-physician relationship. JAMA. 2019 Oct 29. [Epub ahead of print].)

A relação interpessoal deve ser saudável

Uma relação interpessoal saudável durante o processo decisório é fundamentada na ajuda e deve ser igualitária, empática e respeitosa, o que significa isentar-se de juízo de valor sobre as decisões. A aceitação das decisões do paciente e/ou família pelo médico deve ser incondicional. O contrário fragiliza a confiança - elemento fundamental do ambiente interpessoal saudável.(77 Beach MC, Sugarman J. Realizing shared decision-making in practice. JAMA. 2019 Jul 25. [Epub ahead of print].)

Estruturar a comunicação

Uma conversa estruturada é a melhor forma para transmitir informações complexas e ajudar na tomada de decisões. Sugerimos seguir as 12 regras básicas de comunicação adequada utilizadas no protocolo OPTION (Tabela 1), uma ferramenta de aferição da qualidade da comunicação, para nortear a estrutura da tomada de decisão compartilhada com o paciente e/ou familiares. Como evidência, o conteúdo da conversa e suas etapas devem ser registrados em prontuário.(1111 Couët N, Desroches S, Robitaille H, Vaillancourt H, Leblanc A, Turcotte S, et al. Assessments of the extent to which health-care providers involve patients in decision making: a systematic review of studies using the OPTION instrument. Health Expect. 2015;18(4):542-61.,1212 Elwyn G, Hutchings H, Edwards A, Rapport F, Wensing M, Cheung WY, et al. The OPTION scale: measuring the extent that clinicians involve patients in decision-making tasks. Health Expect. 2005;8(1):34-42.)

Tabela 1
Aspectos essenciais da conferência familiar para tomada de decisão compartilhada e sugestão de documentação em prontuário

Ser prudente quando fizer qualquer recomendação

Contrariando o senso comum entre profissionais da saúde, alguns modelos de comunicação para decisão compartilhada sugerem não gerar recomendações diretas, de modo a não impor os valores do profissional à decisão alheia. Por outro lado, muitos pacientes e/ou familiares solicitam uma recomendação do médico, e não opinar pode amplificar o estresse emocional. Nesses casos, a opinião do profissional deve revisitar a exposição dos riscos e dos benefícios, indicando a possibilidade de adiamento da decisão ou mesmo de revisão no futuro. Prover suporte emocional durante pode ser necessário.(77 Beach MC, Sugarman J. Realizing shared decision-making in practice. JAMA. 2019 Jul 25. [Epub ahead of print].)

REFERÊNCIAS

  • 1
    National Institutes of Health (NIH). Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Treatment Guidelines [Internet]. [cited 2020 Mar 20]. Available from: https://covid19treatmentguidelines.nih.gov/
    » https://covid19treatmentguidelines.nih.gov/
  • 2
    Alhazzani W, Møller MH, Arabi YM, Loeb M, Gong MN, Fan E, et al. Surviving Sepsis Campaign: guidelines on the management of critically ill adults with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Intensive Care Med. 2020;46(5):854-87.
  • 3
    Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Informe da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre o novo coronavírus. (Atualizado em 12/03/2020) [Internet]. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/125/2020/03/a592fb12637ba55814f12819914fe6ddbc27760f54c56e3c50f35c1507af5d6f.pdf
    » https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/125/2020/03/a592fb12637ba55814f12819914fe6ddbc27760f54c56e3c50f35c1507af5d6f.pdf
  • 4
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Recomendações da Associação de Medicina Intensiva Brasileira para a abordagem do COVID-19 em medicina intensiva (abril de 2020) [Internet]. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/04/Recomendacoes_AMIB04042020_10h19.pdf
    » https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/04/Recomendacoes_AMIB04042020_10h19.pdf
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Nota informativa Nº 5/2020-DAF/SCTIE/MS. Uso da Cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves do COVID-19 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS---0014167392---Nota-Informativa.pdf
    » https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS---0014167392---Nota-Informativa.pdf
  • 6
    Conselho Federal de Medicina (CFM). Parecer CFM Nº 04 de 16 de abril de 2020. Tratamento de pacientes portadores de COVID-19 com cloroquina e hidroxicloroquina [Internet]. Brasília: CFM; 2020. [citado 2020 Mar 20]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4
    » https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4
  • 7
    Beach MC, Sugarman J. Realizing shared decision-making in practice. JAMA. 2019 Jul 25. [Epub ahead of print].
  • 8
    Bennett F, O'Conner-Von S. Communication interventions to improve goal-concordant care of seriously ill patients: an integrative review. J Hosp Palliat Nurs. 2020;22(1):40-8.
  • 9
    Hargraves IG, Montori VM. Aligning care with patient values and priorities. JAMA Intern Med. 2019 Oct 7. [Epub ahead of print].
  • 10
    Harman S, Verghese A. Protecting the sanctity of the patient-physician relationship. JAMA. 2019 Oct 29. [Epub ahead of print].
  • 11
    Couët N, Desroches S, Robitaille H, Vaillancourt H, Leblanc A, Turcotte S, et al. Assessments of the extent to which health-care providers involve patients in decision making: a systematic review of studies using the OPTION instrument. Health Expect. 2015;18(4):542-61.
  • 12
    Elwyn G, Hutchings H, Edwards A, Rapport F, Wensing M, Cheung WY, et al. The OPTION scale: measuring the extent that clinicians involve patients in decision-making tasks. Health Expect. 2005;8(1):34-42.

Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-May 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2020
  • Aceito
    17 Maio 2020
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br