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Delirium em pacientes com câncer internados em unidade de terapia intensiva: estudo retrospectivo

RESUMO

Objetivo:

Descrever a ocorrência de delirium em pacientes com câncer internados em unidade de terapia intensiva, segundo características clínicas e demográficas.

Métodos:

Estudo retrospectivo realizado com 135 adultos internados na unidade de terapia intensiva de um hospital público especializado em oncologia, localizado na cidade do Rio de Janeiro, entre os meses de janeiro e março de 2016. Foram utilizados o teste exato de Fischer e o teste de associação linear para identificar diferenças estatisticamente significativas na ocorrência de delirium entre, respectivamente, variáveis categóricas e ordinais, considerando valor de p < 0,05.

Resultados:

A ocorrência global de delirium foi igual a 39,3%, sendo foi mais frequente entre pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com performance status que requeria grande assistência/acamado, internaram na unidade de terapia intensiva por problemas clínicos, em uso de drogas sedativas, submetidas à quimioterapia, e permaneceram 8 ou mais dias internados na unidade de terapia intensiva. Considerando apenas os pacientes sob ventilação mecânica, a ocorrência global de delirium foi de 64,6%, e apenas o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva ≥ 8 dias mostrou diferença estatisticamente significativa.

Conclusão:

A ocorrência de delirium em pacientes críticos com câncer é elevada. Considerando apenas aqueles sob ventilação mecânica, a ocorrência desse fenômeno é ainda maior.

Descritores:
Delírio/epidemiologia; Neoplasias/complicações; Respiração artificial; Efeitos colaterais e reações adversas relacionados a medicamentos; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To describe the occurrence of delirium in cancer patients admitted to the intensive care unit according to clinical and demographic characteristics.

Methods:

A retrospective study was conducted with 135 adults admitted to the intensive care unit of a public cancer hospital in the city of Rio de Janeiro, Brazil, between January and March 2016. Fisher's exact test and the linear association test were used to identify statistically significant associations between the occurrence of delirium and categorical and ordinal variables, respectively, considering a p-value < 0.05.

Results:

The overall occurrence of delirium was 39.3%. Delirium was more frequent among individuals aged 60 years or older and those who required extensive assistance or were bedbound, were admitted to the intensive care unit for clinical reasons, were using sedative drugs, were undergoing chemotherapy, and those who remained 8 or more days in the intensive care unit. Considering only patients on mechanical ventilation, the overall occurrence of delirium was 64.6%, and only a length of stay in the intensive care unit ≥ 8 days showed a statistically significant association with delirium.

Conclusion:

The occurrence of delirium in critically ill cancer patients is high. When only those on mechanical ventilation are considered, the occurrence of delirium is even greater.

Keywords:
Delirium/epidemiology; Neoplasms/complications; Respiration, artificial; Drug-related side effects and adverse reactions; Intensive care units

INTRODUÇÃO

Delirium é uma perturbação da atenção ou da consciência acompanhada por mudança na cognição basal, que se manifesta por capacidade reduzida de direcionar, focalizar, manter e mudar a atenção, pois o indivíduo é facilmente distraído por estímulos irrelevantes. Aparece durante curto período, em geral de horas a alguns dias, com tendência a oscilações, com piora ao entardecer e à noite, quando diminuem os estímulos externos de orientação. Há evidências de que o delirium é uma consequência fisiológica de condição médica subjacente, intoxicação ou abstinência de substância, uso de medicamento ou exposição à toxina, ou uma combinação desses fatores.(11 American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Fifth Edition. Washington: American Psychiatric Association; 2013.)

O delirium em unidades de terapia intensiva (UTI) apresenta incidência que varia de 5% a 92%(22 Guenther U, Popp J, Koecher L, Muders T, Wrigge H, Ely EW, et al. Validity and reliability of the CAM-ICU Flowsheet to diagnose delirium in surgical ICU patients. J Crit Care. 2010;25(1):144-51.) e está associado ao maior tempo de permanência do paciente no hospital e ao aumento da mortalidade.(33 Ely EW, Shintani A, Truman B, Speroff T, Gordon SM, Harrell FE Jr, et al. Delirium as a predictor of mortality in mechanically ventilated patients in the intensive care unit. JAMA. 2004;291(14):1753-62.) Em pacientes com câncer, a incidência de delirium também é elevada, podendo chegar a 80% em fases mais avançadas da doença, sendo relacionada com pior controle da dor e diminuição da sobrevida.(44 Bush SH, Bruera E. The assessment and management of delirium in cancer patients. Oncologist. 2009;14(10):1039-49.,55 Rodríguez-Mayoral O, Reyes-Madrigal F, Allende-Pérez S, Verástegui E. Delirium in terminal cancer inpatients: short-term survival and missed diagnosis. Salud Mental. 2018;41(1):25-9.)

Estudo prospectivo desenvolvido na UTI do Instituto Nacional de Câncer, em 2011, constatou que a prevalência de disfunção cerebral aguda (delirium e coma) é elevada em pacientes críticos com câncer sob ventilação mecânica (95%), sendo superior à descrita na literatura para grupos gravemente enfermos de pacientes sem câncer. O mesmo estudo afirma que, se o delirium for precocemente diagnosticado e tratado, há melhora na qualidade de vida, e diminuição do tempo de hospitalização e do número de reinternações.(66 Almeida ID. Disfunção cerebral aguda em pacientes críticos com câncer sob ventilação mecânica: características clínicas e prognóstico [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Nacional de Câncer; 2012.)

Considerando a escassez de estudos sobre delirium em pacientes com câncer, o objetivo desta pesquisa foi descrever a ocorrência de delirium em pacientes internados em UTI oncológica, segundo características clínicas e demográficas.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo baseado em registros de prontuários de pacientes internados na UTI de um hospital especializado em oncologia localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A amostra intencional do estudo foi composta por 135 pacientes com diagnóstico de câncer e idade ≥ 18 anos que estiveram internados na UTI em questão entre os meses de janeiro e março de 2016, isto é, 97,1% dos pacientes com diagnóstico de câncer internados no período (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de formação da coorte retrospectiva de pacientes com câncer na unidade de terapia intensiva.

As seguintes informações foram coletadas do prontuário por enfermeira intensivista devidamente treinada: sexo (masculino ou feminino); idade (em anos); performance status, segundo o Performance Status do Eastern Cooperative Oncology Group(77 Oken MM, Creech RH, Tormey DC, Horton J, Davis TE, McFadden ET, et al. Toxicity and response criteria of the Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Clin Oncol. 1982;5(6):649-55.) (independente, pequena assistência ou grande assistência/acamado); tipo de internação (clínica ou cirúrgica); motivo da internação (monitoração pós-operatória, sepse, insuficiência respiratória, choque - exceto séptico, neurológico, renal/metabólico, cardiovascular, digestivo, ou outro); uso de drogas vasoativas (sim ou não); uso de drogas sedativas (sim ou não); submissão à quimioterapia (sim ou não); tempo de permanência na UTI (em dias - arbitrariamente categorizado em ≤ 7 e ≥ 8 para fins de análise); submissão à ventilação mecânica (sim ou não); sítio anatômico do tumor primário; metástase à distância (sim ou não); e ocorrência de delirium (sim ou não), conforme o Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU),(88 Ely EW, Margolin R, Francis J, May L, Truman B, Dittus R, et al. Evaluation of delirium in critically ill patients: validation of the Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU). Crit Care Med. 2001;29(7):1370-9.) utilizado quando o resultado é superior a -4 (-3 até +4) na aplicação da Richmond Agitation and Sedation Scale (RASS),(99 Ely EW, Truman B, Shintani A, Thomason JW, Wheeler AP, Gordon S, et al. Monitoring sedation status over time in ICU patients: reliability and validity of the Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS). JAMA. 2003;289(22):2983-91.) que, por sua vez, era aplicada diariamente (a cada 12 horas) na UTI estudada.

No software Statistical Package Social Science, versão 21.0, foram utilizados o teste exato de Fischer e o teste de associação linear para identificar diferenças estatisticamente significativas na ocorrência de delirium entre, respectivamente, variáveis categóricas (sexo, idade, tipo de internação, uso de drogas sedativas, submissão à quimioterapia e submissão à ventilação mecânica) e ordinais (performance status e motivo da internação), considerando valor de p < 0,05.

O teste de normalidade Shapiro-Wilk indicou que a variável duração de delirium (em dias) não apresentava distribuição suficientemente normal, violando os pressupostos para o uso de testes paramétricos. Assim, para a comparação da duração de delirium entre os pacientes que permaneceram na UTI por até 7 dias versus pacientes que permaneceram por 8 dias ou mais, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney − alternativa não paramétrica para o teste t de Student.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, conforme as resoluções 466/2012 e 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Na UTI, o tempo médio de internação dos pacientes foi igual a 10,4 (± 12,1) dias, o tempo médio de duração do delirium foi igual a 2,1 (± 3,7) dias, e sua ocorrência global igual a 39,3% (n = 53). Tinham diagnóstico de tumor sólido 116 (85,9%) pacientes - destacando-se tumores cerebrais (n = 25), colorretais (n = 19) e de cavidade oral/faringe (n = 17); apresentavam diagnóstico de tumor hematológico 19 (14,1%) pacientes - destacando-se mieloma múltiplo (n = 6), leucemia aguda (n = 5), linfoma de Hodgkin (n = 3), linfoma não Hodgkin (n = 2) e leucemia crônica (n = 2). Metástase à distância foi diagnosticada em 37 (27,4%) pacientes. No tocante ao estado clínico deles, 82 (60,7%) receberam drogas vasoativas e 81 (60,0%) drogas sedativas durante o período de internação na UTI, destacando-se, entre aqueles em que o delirium ocorreu, o uso de dexmedetomidina (n = 44), fentanil (n = 43) e midazolam (n = 31).

A tabela 1 apresenta a ocorrência de delirium, segundo características clínicas e demográficas. Assim, a ocorrência de delirium foi mais frequente entre pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com performance status que requeria grande assistência/acamado, que internaram na UTI por problemas clínicos, em uso de drogas sedativas, submetidas à quimioterapia, e que permaneceram 8 ou mais dias internados na UTI.

Tabela 1
Ocorrência de delirium, segundo características clínicas e demográficas (n = 135)

Considerando apenas os pacientes sob ventilação mecânica (n = 65), a ocorrência global de delirium foi de 64,6%. A tabela 2 apresenta a ocorrência de delirium entre pacientes submetidos à ventilação mecânica, segundo características clínicas e demográficas. Dentre essas variáveis, apenas o tempo de permanência na UTI ≥ 8 dias mostrou diferença significativa.

Tabela 2
Ocorrência de delirium entre pacientes submetidos à ventilação mecânica, segundo características clínicas e demográficas (N = 65)

DISCUSSÃO

A ocorrência de delirium entre pacientes críticos sem câncer varia entre 9% e 80%(1010 Peterson JF, Pun BT, Dittus RS, Thomason JW, Jackson JC, Shintani AK, et al. Delirium and its motoric subtypes: a study of 614 critically ill patients. J Am Geriatr Soc. 2006;54(3):479-84.

11 Ferguson ND, Fan E, Camporota L, Antonelli M, Anzueto A, Beale R, et al. The Berlin definition of ARDS: an expanded rationale, justification, and supplementary material. Intensive Care Med. 2012;38(10):1573-82.

12 Mehta S, McCullagh I, Burry L. Current sedation practices: lessons learned from international surveys. Crit Care Clin. 2009;25(3):471-88.

13 Elliot D, Aitken LM, Bucknall TK, Seppelt IM, Webb SA, Weisbrodt L, McKinley S; Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group; George Institute for Global Health. Patient comfort in the intensive care unit: a multicentre, binational point prevalence study of analgesia, sedation and delirium management. Crit Care Resusc. 2013;15(3):213-9.
-1414 Tsuruta R, Oda Y, Shintani A, Nunomiya S, Hashimoto S, Nakagawa T, Oida Y, Miyazaki D, Yabe S; Japanese Epidemiology of Delirium in ICUs (JEDI) Study Investigators. Delirium and coma evaluated in mechanically ventilated patients in the intensive care unit in Japan: a multi-institutional prospective observational study. J Crit Care. 2014;29(3):472.e1-5.). Sendo assim, a ocorrência desse fenômeno entre os pacientes do presente estudo encontra-se entre os parâmetros esperados para pacientes críticos sem câncer.

Em concordância com este estudo, o delirium ocorre em 10% a 34% em pacientes em pós-operatório de cirurgia geral e de outras especialidades que não a oncológica.(1515 Praticò C, Quattrone D, Lucanto T, Amato A, Penna O, Roscitano C, et al. Drugs of anesthesia acting on central cholinergic system may cause post-operative cognitive dysfunction and delirium. Med Hypotheses. 2005;65(5):972-82.,1616 Dessap AM, Roche-Campo F, Launay JM, Charles-Nelson A, Katsahian S, Brun-Buisson C, et al. Delirium and circadian rhythm of melatonin during weaning from mechanical ventilation: an ancillary study of weaning trial. Chest. 2015;148(5):1231-41.) Vale sublinhar que o delirium está frequentemente associado a um aumento significativo da morbidade e da mortalidade(1515 Praticò C, Quattrone D, Lucanto T, Amato A, Penna O, Roscitano C, et al. Drugs of anesthesia acting on central cholinergic system may cause post-operative cognitive dysfunction and delirium. Med Hypotheses. 2005;65(5):972-82.,1616 Dessap AM, Roche-Campo F, Launay JM, Charles-Nelson A, Katsahian S, Brun-Buisson C, et al. Delirium and circadian rhythm of melatonin during weaning from mechanical ventilation: an ancillary study of weaning trial. Chest. 2015;148(5):1231-41.) e, por isso, merece atenção especial da equipe de saúde, a fim de evitar desfechos mais graves. Em relação ao delirium em ambientes hospitalares não críticos, ele costuma durar cerca de 1 semana, embora alguns sintomas normalmente persistam mesmo depois da alta.(1717 Lee J, Jung J, Noh JS, Yoo S, Hong YS. Perioperative psycho-educational intervention can reduce postoperative delirium in patients after cardiac surgery: a pilot study. Int J Psychiatry Med. 2013;45(2):143-58.)

Na comparação entre as diferentes faixas etárias, houve concentração significativamente maior de ocorrência de delirium entre os participantes com idade superior a 60 anos. A amostra estudada apresentou 21,4% da população com idade maior ou igual a 60 anos, o que vai ao encontro dos resultados de estudos anteriores, que mostram que os pacientes mais vulneráveis de desenvolver o delirium são aqueles com idade acima de 60 anos, esboçando ocorrência que pode flutuar entre 10% e 30%.(1818 Gagnon P, Allard P, Gagnon B, Mérette C, Tardif F. Delirium prevention in terminal cancer: assessment of a multicomponent intervention. Psychooncology. 2012;21(2):187-94.)

Estudo que avaliou 1.515 pacientes em fase terminal do câncer observou que o delirium ocorria em mais de 43% dos pacientes avaliados;(1919 Gonzaléz M, De Pablo J, Valdés M. Delirium: la confusión de los clínicos. Rev Med Chile. 2003;131(9):1051-60.) neste estudo, a ocorrência de delirium para pacientes que evoluíram para cuidados paliativos após a internação na UTI foi igual a 7,5% (dados não apresentados). No Japão, um estudo de coorte com 180 pacientes realizado em UTI de 24 centros médicos, para avaliar a incidência e os efeitos do delirium sobre a mortalidade em 28 dias em pacientes críticos em ventilação mecânica, 64% dos pacientes desenvolveram delirium, porém o mesmo não foi associado à maior mortalidade, devido a 8% de letalidade na UTI.(1515 Praticò C, Quattrone D, Lucanto T, Amato A, Penna O, Roscitano C, et al. Drugs of anesthesia acting on central cholinergic system may cause post-operative cognitive dysfunction and delirium. Med Hypotheses. 2005;65(5):972-82.)

Estudo descritivo, que analisou registros produzidos pela equipe de enfermagem sobre as percepções de sinais e sintomas de delirium, tiveram em sua amostra um percentual de pacientes do sexo masculino de 52,3%,(2020 Silva RC, Silva AA, Marques PA. Análise dos registros produzidos pela equipe de saúde e da percepção dos enfermeiros sobre os sinais e sintomas de delirium. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):81-9.) ou seja, bem próximo ao nosso estudo, que foi de 41,6%. Embora, neste estudo, o sexo não tenha apresentado diferença estatisticamente significativa na ocorrência de delirium (p = 0,528), o sexo masculino é considerado, por enfermeiros, como o mais vulnerável para o desenvolvimento de delirium, o que pode estar relacionado a eventuais crenças e estereótipos destes profissionais, uma vez que parte importante de suas intervenções está voltada para medidas de controle do comportamento de pacientes do sexo masculino, justificando, assim, medidas de imobilização.(2020 Silva RC, Silva AA, Marques PA. Análise dos registros produzidos pela equipe de saúde e da percepção dos enfermeiros sobre os sinais e sintomas de delirium. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):81-9.)

De modo esperado, a sedação foi usada pela maior parte dos pacientes da amostra que apresentava critérios clínicos para o diagnóstico de delirium, destacando-se o uso de dexmedetomidina (n = 44), fentanil (n = 43) e midazolam (n = 31). McNicoll et al. relatam que midazolam aumenta a possibilidade de transição para o delirium.(2121 McNicoll L, Pisani MA, Zhang Y, Ely EW, Siegel MD, Inouye SK. Delirium in the intensive care unit: occurrence and clinical course in older patients. J Am Geriatr Soc. 2003;51(5):591-8.) Salluh et al. compararam o uso de dexmedetomidina na redução da duração de delirium com o uso de lorazepam e observaram que sedação com dexemedetomidina resultou em mais dias livres de delirium ou coma.(2222 Salluh JI, Soares M, Teles JM, Ceraso D, Raimondi N, Nava VS, Blasquez P, Ugarte S, Ibanez-Guzman C, Centeno JV, Laca M, Grecco G, Jimenez E, Árias-Rivera S, Duenas C, Rocha MG; Delirium Epidemiology in Critical Care Study Group. Delirium epidemiology in critical care (DECCA): an international study. Crit Care. 2010;14(6):R210.)

Pacientes internados na UTI por até 7 dias tiveram tempo médio igual a 0,4 dia (± 0,9) de duração de delirium significativamente inferior (p < 0,001) ao de pacientes internados por 8 dias ou mais (média = 4,6; ± 4,8). Estudo prospectivo conduzido na UTI do Instituto Nacional de Câncer constatou que o tempo médio de internação de pacientes sob ventilação mecânica na UTI com delirium/coma foi de 14 dias e daqueles sem delirium foi de 13 dias, sem significância estatística à comparação (p = 0,94).(66 Almeida ID. Disfunção cerebral aguda em pacientes críticos com câncer sob ventilação mecânica: características clínicas e prognóstico [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Nacional de Câncer; 2012.) A principal diferença entre os resultados do estudo anteriormente citado(66 Almeida ID. Disfunção cerebral aguda em pacientes críticos com câncer sob ventilação mecânica: características clínicas e prognóstico [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Nacional de Câncer; 2012.) e os do presente reside no fato de que aquele incluiu apenas pacientes sob ventilação mecânica, o que, provavelmente, dificulta a reversão rápida do delirium, conforme visto neste estudo entre pacientes com menor tempo de internação.

Em estudo observacional, Muller et al. avaliaram que 61,8% dos pacientes utilizaram ventilação mecânica.(2323 Muller AM, Gazzana MB, Silva DR. Desfecho de pacientes com câncer de pulmão admitidos em unidades de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(1):12-6.) Em nossa população, a utilização de ventilação mecânica foi de 48,1% e a frequência de delirium nela foi de 64,6%, corroborando estudos em que a variação do delirium foi de 60% a 80 %.(66 Almeida ID. Disfunção cerebral aguda em pacientes críticos com câncer sob ventilação mecânica: características clínicas e prognóstico [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Nacional de Câncer; 2012.,2424 Brevis Urrutia I, Cruz Carrasco C. Incidencia y factores de riesgo asociados a delirio en pacientes críticos sometidos a ventilación mecánica. Rev Chil Med Intensiva. 2008;23(1):18-24.,2525 Ely EW, Inouye SK, Bernard GR, Gordon S, Francis J, May L, et al. Delirium in mechanically ventilated patients: validity and reliability of the confusion assessment method for the intensive care unit (CAM-ICU). JAMA. 2001;286(21):2703-10.)

Cabe ressaltar que este estudo requer interpretação à luz de suas limitações e potencialidades. Como limitações, sublinhamos não termos considerado a exclusão de pacientes com demência para a formação da coorte e a impossibilidade de construção de um modelo de regressão multivariada capaz de identificar características associadas à ocorrência de delirium, devido ao pequeno número de participantes do estudo. Como pontos fortes, destacamos o registro diário dos resultados obtidos com a aplicação das escalas CAM-ICU(88 Ely EW, Margolin R, Francis J, May L, Truman B, Dittus R, et al. Evaluation of delirium in critically ill patients: validation of the Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU). Crit Care Med. 2001;29(7):1370-9.) e RASS(99 Ely EW, Truman B, Shintani A, Thomason JW, Wheeler AP, Gordon S, et al. Monitoring sedation status over time in ICU patients: reliability and validity of the Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS). JAMA. 2003;289(22):2983-91.) no prontuário que, desse modo, colaborou com a formação de uma coorte sem perdas de pacientes por ausência de informação sobre a ocorrência de delirium (desfecho) no cenário investigado.

CONCLUSÃO

Em pacientes críticos com câncer, a ocorrência de delirium é elevada; considerando apenas os pacientes sob ventilação mecânica, a ocorrência desse fenômeno é ainda maior.

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Editado por

Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2019
  • Aceito
    26 Ago 2019
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